Como melhorar o nível da pesquisa brasileira?
Primeiro vamos comparar a nossa pesquisa com a de outros países para ver se realmente estamos tão mal assim. E estamos.
Usando o exemplo dos laboratórios de pesquisa da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) que trabalham com câncer, apesar dos trabalhos publicados terem subido de 4 para 100 por ano nos últimos 20 anos, a qualidade ainda deixa a desejar. Qualidade para o pesquisador básico é a qualidade da revista onde foi publicado o trabalho, onde Nature e Science são os sonhos de consumo, mas há diversas outras com diferentes impactos.
Comparando com a Espanha, que investe o mesmo montante em pesquisa básica, estamos 20% abaixo em qualidade e 40% abaixo da média mundial. Como melhorar?
Uma idéia apresentada em uma palestra na FMUSP sobre o Instituto do Câncer de São Paulo (ICESP) vem justamente tentar melhorar a qualidade da pesquisa em câncer, pelo menos na FMUSP.
Existem entre 30 e 35 grupos nos laboratórios de investigação médica (LIM), com linhas de pesquisas e objetivos diferentes dentro da FMUSP. Aumentar a interação destes labs para alguns objetivos comuns ou mesmo orientá-los para focos que a sociedade tenha urgência, pode gerar trabalhos mais amplos, completos e de maior qualidade (= maior impacto). Este é o objetivo do setor de pesquisa básica do ICESP, que ainda levará um tempo para estar funcionando, mas terá técnicos e aparelhos para servir à demanda destes labs, oferecendo serviços e colocando os diferentes grupos em maior contato.
No esquema acima, a base da pirâmide mostra os diferentes grupos com suas diferentes orientações e objetivos.
Ao utilizarem o ICESP, podem reconhecer as características e se agruparem por semelhança de estilo. Facilitando assim o pedido de financiamento para projetos maiores e amplos, ou mesmo se tornando um foco para secretarias estaduais e ministérios (como os de Saúde ou Ciência e Tecnologia) poderem propor problemas de saúde pública e inovação de interesse do estado.
Parece legal, mas aumentar interação entre grupos é complicado. Cientista é um bicho tinhoso, cheio de manias, e só ter um setor multi-usuário não resolve tudo. O importante é que tenha simpósios, palestras e, minha teoria, FESTAS!!! Só assim pras pessoas interagirem e se conhecerem.
Esperemos que dê certo.
Categoria: laboratório
A doce vida na academia.
Não me contive, o quadrinho abaixo me fez rir por muito tempo por trazer à tona várias situações parecidas que já vivenciei em meus poucos anos de pesquisa.
Quem também está (ou esteve) na pós-graduação vai saber exatamente do que estou falando. Quem não souber e pensar em fazer parte desse meio, prepare-se para o que virá. A tradução do quadrinho está logo abaixo da imagem:
Professor: “Processe os dados usando o método X.”
Aluno: “Ahn, isso não vai funcionar, nós tentamos ano passado.”
Prof: “Verdade?”
Aluno: “É, lembra? Eu levei semanas nisso porque você insistiu que ia funcionar.”
Prof: “Humm…”
Aluno: “Devo tentar de novo?”
Prof: “Não,não. Isso seria um desperdício de esforço. Vou pedir para outro estudante fazer o que mandei.”
Aluno: “Eu… estou tranquilo em relação à isso, na verdade.”
Isso que é confiança, não acham?
E assim segue a maravilhosa vida acadêmica. Como diria o Átila, “podem entrar que a água da piscina está quentinha…”
Tem uma história parecida? Mande nos comentários!
Imagem: PHD Comics, do excelente Jorge Cham!
Lady Gaga no laboratório: Lab Romance
Tive que roubar este vídeo do blog Humor na Ciência que por sua vez roubou daqui.
Ladrão que rouba ladrão tem perdão, então to bem!
Music by Lady Gaga, lyrics by Tami Lieberman and Jake Wintermute, performed by Jake Wintermute, editing by me and Patrick Boyle, dancing by the Silver Lab.
Oh-oh-oh-oh-oooh!
Oh-oh-oooh-oh-oh!
Caught in a lab romance
Roma-Roma-ma-ah!
Ga-ga-ooh-la-la!
Want your lab romance
Roma-Roma-ma-ah!
Ga-ga-ooh-la-la!
Want your lab romance
I’ll cure your ugly
I’ll cure your disease
I’ll publish papers
As
long as they’re free
I’ll wear a glove
Glove-glove-glove
I’ll wear a
glove
I want your carbon
The touch of your genes
Alter your genome to
make my machines
And wear a glove
Glove-glove-glove
I’ll wear a glove
Glove-glove-glove
I’ll wear a glove
You know that I want you
And you know that I need you
Go to the lab
Lab romance
I want your loving
And I want your revenge
You and me could write a
lab romance
I want your loving
All your love is revenge
You and me
could write a lab romance
Oh-oh-oh-oh-oooh!
Oh-oh-oooh-oh-oh!
Caught in a lab romance
Oh-oh-oh-oh-oooh!
Oh-oh-oooh-oh-oh!
Caught in a lab romance
Rah-rah-ah-ah-ah!
Roma-Roma-ma-ah!
Ga-ga-ooh-la-la!
It’s a lab romance
Carbon storage
Genetic design
I’ll own the patents
And the profits are mine
And wear a glove
Glove-glove-glove
I’ll wear a glove
Glove-glove-glove
I’ll wear a glove
Track your cell cycle
and learn all your tricks
to cure your cancer
’cause baby your sick
And wear a glove
Glove-glove-glove
I’ll wear a glove
Glove-glove-glove
I’ll wear a glove
You know that I want you
And you know that I need you
Go to the lab
Lab romance
I want your loving
And I want your revenge
You and me could write a
lab romance
I want your loving
All your love is revenge
You and me
could write a lab romance
Oh-oh-oh-oh-oooh!
Oh-oh-oooh-oh-oh!
Caught in a lab romance
Oh-oh-oh-oh-oooh!
Oh-oh-oooh-oh-oh!
Caught in a lab romance
Rah-rah-ah-ah-ah!
Roma-Roma-ma-ah!
Ga-ga-ooh-la-la!
It’s a lab romance
Work work passion baby
make that model work crazy
I want your loving
And I want your revenge
I want your loving
I don’t want to be friends
Je veux ton amour
et je veux ta science
j’adore la science
I don’t want to be friends
You know that I want you
And you know that I need you
Go to the lab
Lab romance
Um relato sobre o incêndio no Butantan
Este é um post de luto. E não é porque a grande maioria dos animais perdidos já estava morto que diminui a dor da perda. Aliás ela só aumenta quando percebemos a sua importância e propósito.
Segue aqui o relato de um grande amigo que trabalha, ou trabalhava, no Instutúto Butantan, e teve o seu laboratório totalmente destruído pelo incêndio da manhã do dia 15 de maio. Aqui ele mostra a importância real desta perda, não só para a ciência, mas para a sociedade brasileira e mundial.
A essa altura do campeonato vocês já devem ter escutado sobre o incêndio no Butantan. Infelizmente ele foi no meu laboratório.
Era um sábado tranquilo… daqueles que a gente levanta sem pressa e, no meu caso, enrola pra começar a trabalhar (até porque estou nas vésperas de entregar a minha dissertação e sábados são dias de trabalho). Acordei com o celular tocando e a notícia de que tinha um incêndio no Butantan. No começo não dei muita bola, mas logo que vi no video os bombeiros jogando água no meu lab cai na real.
O meu trabalho talvez tenha sido o menos afetado, até porque estou escrevendo a dissertação e já tenho toda a parte mais importante no computador e a salvo, mas queria dividir algumas coisas com vocês…
Ontem, a maior coleção de aranhas da américa latina e a maior coleção de serpentes do mundo foram severamente danificadas . A nossa coleção tinha mais de 150.000 lotes de aranhas, considerando que cada lote pode conter de uma a mais de 10 aranhas da pra ter uma ideia do número real de animais que estavam ali preservados.
A coleção da herpetologia tinha por volta de 80 mil exemplares de serpentes, algumas espécies que podem estar em extinção e exemplares tombados pelo próprio Dr. Vital Brazil, que fundou o Instituto Butantan 109 anos atras.
Não só pelo valor histórico dessas coleções e pelo respeito que devemos ter por elas queria discutir algumas coisas para esse não virar mais um e-mail sensacionalista de desabafo de alguém que está muito triste.
Uma coleção como esta, no olhar de um leigo pode até parecer coisa de um naturalista que coleciona besouros, mas tirando o fato de que Darwin criou a teoria mais importante para a biologia fazendo isto, estas coleções, como as que existiam no butantan, tem um valor inestimável para os estudos de biologia, taxonomia e ecologia. E não só para estes estudo de ciência básica. Toda a produção de ciência aplicada do Instituto depende desses laboratórios. Não adianta nada você fazer os estudos mais avançados sobre as proteínas tais dos sítios de clivagem alfa dos canis iônicos glutamatérgicos se ninguém identificar os animais que você coletou para este trabalho ou ainda se você não tiver um lugar para depositar alguns exemplares de testemunho para futuros trabalhos.
Uma coisa que acontece com essas coleções, principalmente no nosso país, é que ninguém dá valor. A impressão que dá é que os poderosos realmente acreditam que isso é coisa de naturalista do século passado que fica colecionando besouros. Quando as pessoas pensam no Instituto Butantan só estão preocupadas com a produção… com as vacinas e com o soro, mas esquecem ou não sabem que essa produção toda começa lá naquele laboratório.
Tudo isso que vocês escutam falar sobre ecologia, meio ambiente e principalmente sobre BIODIVERSIDADE uma hora ou outra passa pelas mãos das pessoas que trabalham nessas coleções. Um trabalho de formiguinha… pra organizar, catalogar e preservar todos aqueles exemplares que representam a nossa fauna de aranhas. Cada aranha tem um número de referência, uma etiqueta com informações de onde foi coletada, por quem e quando. É lá que descobrimos novas espécies e principalmente… é lá que conhecemos nossa BIODIVERSIDADE… se a gente não conhece. Pode ter certeza que os gringos vão vir aqui e catalogar tudo, e guardar nas coleções deles.
Mesmo no meio daquele caos e da tristeza de ver uma parte da minha casa virando pó, ainda tenho que escutar a conclusão da reportagem dizer “O instituto Butantan é responsável por 80% da produção de vacinas e soros no país e essas atividades não foram atingidas”. Como se estivesse tudo bem… Só que a produção do soro depende do trabalho daqueles garotos, que não ganham nem de longe o que merecem, mas levam esse laboratório com o coração. Garotos que passam os seus dias cuidando das aranhas como vocês cuidam dos cachorros e gatos que tem como pet para conseguir extrair alguns mililitros de veneno para a produção do tal soro. Garotos que pulam de alegria quando descobrem uma nova espécie… garotos que ficam tristes e preocupados quando alguma coisa com o livro tombo está errado… E garotos que ontem eu vi chorar e que mesmo sabendo dos riscos daquele prédio vir abaixo entraram lá pra tentar salvar pelo menos os exemplares que chamamos de “tipos”, aqueles que foram utilizados para descrever as espécies e que sem eles… não podemos mais ter certeza se a aranha que vamos coletar amanhã pertence de fato àquela determinada espécie.
Desculpe pelo e-mail de desabafo… mas é complicado ver um laboratório que você passou momentos alegres e dificeis virar pó e ferro retorcido!
Anexei algumas fotos… de como era… e como estava quando entrei pela ultima vez lá… aquela pilha de caderno sujos na ultima foto é tudo que sobrou do meu lab.Danilo Guarda
Veja também a manchete comentada pelo Ciência à Bessa: Incêndio no Butantan Destroi Importante Coleção Zoológica
No blog do Luis Nassif um relato sobre a condição de outras coleções zoológicas, por Hugo Fernandes Ferreira
Greve na USP matará meus animais?!
Não que a culpa seja dos funcionários da USP, que por um lado foram apunhalados pelas costas (até onde sei aboliram o RH do Instituto de Biociências e eles perderam plano de carreira e outras confusões), mas o que meus ratos tem a ver com isso eu não sei.
Contarei a história e você será o juiz.
Vou eu para a USP cuidar de meus ratinhos como faço duas vezes toda semana. Na verdade são camundongos pelados sem sistema imune, mas não entremos em detalhes agora.
Como eles não tem sistema imune, a água e a comida tem que ser esterilizadas, o que é feito numa mega panela de pressão chamada autoclave.
A autoclave do laboratório onde crio os bichinhos está quebrada a meses, já que o funcionário não tem tempo de consertar – erro 1. Então estou usando a autoclave geral, que só pode ser operada pelos funcionários do andar – erro 2.
Para minha agradável surpresa, tais funcionários estão em greve e não podem esterilizar a água dos meus ratos – erro fatal!
É aí que o pug torce o rabo: Eu vou passar o fim de semana do dia das mães inteiro sem saber como conseguir água para meus filhotes da próxima vez.
Calcule cada coisa com que os pesquisadores tem que se preocupar, além da pesquisa, é claro.
PS: Conte você também seu caso aqui nos comentários ou no twitter usando a tag #divãdapós
O que um cientista sente ao sacrificar seus animais
Hoje sacrifiquei meu primeiro animal de experimentação.
Um camundongo.
Claro que já entrei em contato com a morte antes. Desde animais de experimentos de colegas ou mesmo morte de parentes. Todas estas ocasiões acabam mostrando uma nova face da morte. Até mesmo já havia matado camundongos invasores de uma antiga república onde morava.
Mas sacrificar MEUS animais, para completar o MEU experimento, e aliás, fazer isto com as MINHAS próprias mãos, coloca a morte em uma nova perspectiva.
Irei ignorar comentários me chamando de sádico matador de animais. Eu gosto de animais. Até mesmo crio gerbils de estimação. Sinto empatia por eles, e este é o problema. Esta empatia que nos coloca no lugar deles, que insiste em colocar a nossa consciência humana nos seus corpinhos de roedores.
Mesmo sofrendo com esta empatia, não quero me livrar dela. Não quero perder esta sensibilidade pelo animal. Sei que seria muito mais fácil para o trabalho, mas a falta de sensibilidade acaba na banalização da coisa toda, e isto seria péssimo. Seria um passo a mais para se sair do trilho ético no lido com animais.
E infelizmente não podemos deixar de usar os animais nos experimentos. Tudo in vitro ou in silico (computador) é apenas uma dica, é mentira, ilusório como um vôo simulado. O experimento que se faz em animal é o primeiro vôo de um piloto. Os animais que tornam nossos experimentos elegantes, e é neles que as respostas se mostram realmente complexas e desafiadoras. Eles são a porta de entrada das hipóteses dos pesquisadores para a “natureza selvagem”.
Aos que já estão acostumados a lidar e sacrificar animais, não riam da minha empatia talvez ingênua neste meio acadêmico da biologia. Continuarei os experimentos até o fim. Mas entendam que não é algo trivial e que devemos sempre ter os animais em um nível de consideração mais elevado que uma simples “cobaia”, palavra que acaba ficando até mesmo pejorativa.
São animais, oras. Mamíferos muito próximos de nós, evolutivamente falando.
Por isso dedico este texto aos meus camundongos sacrificados. Em homenagem à sua importância para minha formação e para o conhecimento humano. Farei o máximo para aproveitar cada dado extraído, cada experiência profissional, e também pessoal, de meu contato com eles.
Obrigado.
Na verdade este é o meu camundongo. Chama “nude” (pelado), porque não tem pêlos e nem sistema imune. Feinho mas gente boa.
Diamantes… Y TEQUILAAAAAAA!!!
E no texto de hoje daremos continuidade à nossa série Prêmio IgNobel no RNAm!
Os “homenageados” da vez são os vencedores do IgNobel de Química, por sintetizarem filmes de diamante a partir de um precursor líquido.
Até aí não há novidade, então qual é a graça desse trabalho?
Explico: a base líquida utilizada é a desgraça que faz 9 entre 10 mocinhas ex virgens perderem a linha na balada… a famigerada TEQUILA!
Amada por uns e odiada por outros (estou no segundo grupo, mas não contarei o motivo… dói minha cabeça só de lembrar), são necessários 8 anos para se cultivar o agave, uma espécie de cacto que serve de matéria-prima para essa maravilha refrescante NOT.
O agave “maduro” é cozido em vapor e sob pressão, e o suco extraído é fermentado e destilado duas vezes, dando origem a uma solução com 55% do mais puro álcool (que você pode usar prá desinfetar alguma coisa… ou prá judiar do seu fígado mesmo). O produto final (ayayay muchacho!!!) é diluído droga! em água para se obter uma concentração de álcool entre 38 e 43%, sendo então armazenado de diferentes maneiras, como fazem com a cachaça aqui (essa conversa está me dando sede, ainda bem que hoje é sexta-feira).
Mas, voltando ao IgNobel de Química, os filmes de diamantes foram crescidos usando tequila como líquido precursor através de uma técnica chamada PLI-CVD (sigla em Inglês para injeção pulsada de líquido para deposição quimica a vapor), junto a silício ou aço inoxidável, em temperaturas de 850°C!!!
Quando o resultado foi analisado, foram encontrados pequenos cristais esféricos com a mesma assinatura físico-química do diamante, confirmando o sucesso do experimento.
Eu já havia discutido alguns pontos da fabricação de diamantes sintéticos quando escrevi sobre os diamantes memoriais (é o RNAm mais uma vez servindo de radar prá um IgNobel). Essa pesquisa mexicana (eu nem precisava ter dito que a pesquisa foi realizada no México, precisava?) demonstrou um precursor novo – e, por que não, original – para se criar diamantes sintéticos. Além disso, a tequila possui uma proporção atômica ótima entre seus átomos de carbono, oxigênio e hidrogênio, sendo assim uma ótima alternativa para se produzir diamantes sintéticos em escala industrial…
… Isso segundo os autores, claro, porque eu preferia usar essa tequila prá fazer uma Margarita mesmo.
Não… é melhor não, eu já fiquei tonto só de pensar nessa possibilidade.
ps: o artigo completo pode ser acessado pelo arXiv.org em Growth of Diamond Films from Tequila.
Pneuzinhos revolucionando a Medicina?!
Como muito bem lembrado pelo Blog 80 Beats (Discover Magazine), o filme Clube da Luta foi bastante feliz em apontar que a gordura retirada na lipoaspiração era muito valiosa para virar lixo. Enquanto no filme os personagens (ou não) -> mini-spoiler 1 pegaram esse descarte biológico para fazer sabão (ou não) -> mini-spoiler 2, pesquisadores desenvolveram uma maneira de reprogramar essas células de gordura em células-tronco, num procedimento muito mais eficiente do que os métodos atuais de produção de células-tronco induzidas, chamadas iPS.
O que são as iPS?
Essas células são um tipo de célula-tronco de caráter pluripotente (ou seja, que têm capacidade de dar origem a praticamente qualquer tipo celular do nosso organismo). As iPS são produzidas de modo artificial a partir de células não-pluripotentes (geralmente adultas), pela indução da expressão de genes específicos.
Quando essa indução é bem-sucedida, a célula adulta “regride” a um estado de menor diferenciação (ou especialização) celular, o que dá à mesma características de células-tronco. Acredita-se que as iPS sejam idênticas em muitos aspectos às células-tronco pluripotentes naturais, como as células-tronco embrionárias, por exemplo. Quem quiser ler um pouco mais sobre essas células, pode clicar AQUI.
Por esse motivo, a revista Science escolheu a produção de iPS como o grande avanço científico do ano de 2008. Se realmente pudermos confiar no potencial e segurança das iPS, pode ser que toda a discussão que envolve a utilização das células-tronco embrionárias não seja mais necessária. Imaginem o que uma tecnologia dessas pode significar para os estudos de biologia molecular, e futuramente para a medicina…
Pneuzinhos são ruins? Prá nossa saúde sim, para conseguirmos células-tronco induzidas, não!
A obtenção de células-tronco por reprogramação de células adultas mais famosa consiste na transformação de células da pele em iPS. Apesar de o procedimento ter sido de extrema importância por inaugurar essa nova técnica, continua bastante ineficiente, demorando aproximadamente 1 mês para que, de cada 10000 células induzidas, uma realmente se transforme em uma iPS. Por isso, muitos grupos de pesquisa encontram-se na busca por tecidos que possam ser transformados em iPS de modo mais rápido e fácil.
O trabalho utilizando células de gordura para a produção de células-tronco induzidas foi publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences (em Inglês, o artigo está aberto para download). Os cientistas prepararam as células do tecido adiposo (gordura) provenientes de material de lipoaspiração doado por pacientes do Dr. Michael Longaker, cirurgião plástico da Universidade de Stanford, sendo que cada paciente doou um volume entre 1 e 3 litros de gordura.
As células do tecido adiposo foram preparadas e reprogramadas em apenas duas semanas, sendo que somente o processo de reprogramação de células da pele demora 4 semanas. Ainda, o procedimento utilizando as células do tecido adiposo demonstrou uma eficiência 20 vezes superior à conversão das células da pele!
Em entrevista à Nature News, Ron Evans, fisiologista molecular do Salk Institute em La Jolla, California, disse que as células do tecido adiposo são “até o momento o tipo celular com maior eficiência e eficácia descrito para a geração de iPS”.
Outro aspecto bastante importante do estudo publicado na PNAS é que os pesquisadores usaram um protocolo de preparo das células diferente do padrão, em que não foi utilizada a chamada “feeder layer”, que consiste em uma camada de células de camundongos responsável por fornecer algumas moléculas que a pouca quantidade de células extraídas dos tecidos para indução não é capaz de fabricar.
O fato de se conseguir iPS num ambiente livre dessas células “mantenedoras” é de grande valia, pois as “feeder layer” impossibilitam qualquer chance de se utilizar outras iPS em tratamentos clínicos, devido ao perigo de se obter uma contaminação com produtos das células de camundongos.
Engraçado nós vermos um estudo assim nos tempos de hoje. Ao mesmo tempo em que existe uma grande “cultura ao corpo” que extrapola os limites da saúde e promove a campanha de que “toda a gordura é ruim”, vemos um artigo publicado numa das revistas científicas mais importantes da atualidade mostrando justamente o valor que o material que muitos lutam todos os dias para se livrar (as temidas gordurinhas) pode ser um dos grandes materiais para as pesquisas de ponta em diversas doenças e em seus respectivos tratamentos.
Claro que não estou discutindo as recomendações de saúde em relação ao excesso de gordura na constituição corporal, ou ainda à importância de termos hábitos saudáveis,
mas é impossível não ver um paradoxo um pouco cômico. De repente vemos um grande aliado surgindo de um dos maiores problemas em termos de saúde no mundo contemporâneo.
Sun, N., Panetta, N., Gupta, D., Wilson, K., Lee, A., Jia, F., Hu, S., Cherry, A., Robbins, R., Longaker, M., & Wu, J. (2009). Feeder-free derivation of induced pluripotent stem cells from adult human adipose stem cells Proceedings of the National Academy of Sciences DOI: 10.1073/pnas.0908450106
Segredo (ou sacanagem) dos bastidores da ciência: o auto-engano
Vou contar mais um segredo de como a ciência funciona nos bastidores.
Exemplo resumido de uma pesquisa:
Você quer descobrir como as células respondem a um tratamento. E para isso cultiva as células com a droga de teste. Para saber se está funcionando podemos fixar as células testadas (como a gente vê com orgãos no formol) e usar marcações que brilham se o tratamento funciona, e assim ver no microscópio.
Daí tiramos fotos. Quanto mais brilho, maior marcação, e melhor para confirmar a eficácia do tratamento. Então contamos as células positivas e comparamos com células que não foram tratadas (o que chamamos de “controle”). O controle não pode brilhar, entende? Ou se brilhar deve ser menor que as células tratadas. E se brilhar igual? Sinto muito mas isto significa que sua hipótese não funciona. Tem que dar diferente do controle!
Claro que no laboratório nada é preto no branco. Nunca TODAS as céluas estão lindas e brilhantes. Por mais que a técnica usada esteja corretíssima, nunca sai perfeito. E outra, umas aparecem muito brilhantes e outras pouco. Por isso usamos estatística. Sempre é preciso fazer um experimento várias vezes pra ter certeza de que aquele aumento na média é um aumento mesmo. Se só 5% das vezes as células brilham, na média, o tratamento não funciona, certo?
O viés maldito do maldito cientista
Se até quem não é cientista entende, como é que um baita pesquisador já conhecido no seu meio, com publicações científicas boas e alunos sobre sua orientação, pode querer pegar justo uma foto dos 5% que funcionam para ilustrar o tratamento?!
E ainda acha bonito: “Olha que foto bonita, vamos usar esta.” E o pobre aluno orientado, que fez o experimento, suou e sangrou para fazer todas as repetições, vendo a sacanagem se formar não tem nem o poder de gritar “MARMELADA”.
É vergonhoso mas acontece. E MUITO!
Muita gente põe a culpa na pressão em ter resultados, e resultados bons para publicar numa revista científica melhor; as publicações trazem mais alunos e mais dinheiro para o pesquisador continuar pesquisando mais.
Mas pra quê pesquisar se já mostrou que não está nem aí? Porque burlar o método científico desse jeito é mostrar que não está nem aí para ciência. Então pra que continuar? Ou parte do tesão é enganar o mundo e a si mesmo?
Eu fico imaginando o que se passa na cabeça de um pesquisador deste que, do alto de seu cabedal científico, ainda se regozija com um resultado que intimamente sabe ser exagerado ou falso mesmo.
Acho que esta é só mais uma amostra da maior e mais forte das capacidades humanas: O AUTO-ENGANO.
Câncer em quadrinhos: verdades inconvenientes
Para quem não conhece, PhD comics é uma das coisas mais engraçadas feitas sobre a ciência. Principalmente sobre os bastidores de um laboratório.
Aqui vai uma tirinha que traduzi falando sério sobre o câncer. Clique na imagem para ler inteira