Fotos de sonhos, do cérebro direto para o computador

Um novo software capaz de “ler” uma imagem extremamente simples gerada na mente de uma pessoa faz neurocientistas sonharem com o dia em que poderão “escanear” nossa imaginação.

Clique na imagem, para ver de onde tirei a figura. Colocaria os créditos se soubesse ler japonês...

Uma equipe de pesquisadores japoneses publicou dia 10 de dezembro no periódico Neuron um estudo que virou manchete na TV japonesa.

A New Scientist fez uma reportagem a respeito, que a Folha de S.Paulo publicou traduzida na sua edição impressa de ontem. Surpreedentemente, nenhum portal de ciências brasileiro falou do estudo…

Esse estudo foi feito, para variar, observando a atividade dos neurônios de pessoas com a cabeça enfiada em uma máquina de fMRI–“imageador por ressonância magnética funcional”. O fMRI funciona emitindo um campo magnético que provoca uma resposta magnética das moléculas que carregam o oxigêncio pelo sangue, as hemoglobinas. A resposta da hemoglobina ao campo magnético muda se ela está carregando oxigênio ou não. Os neurônios em atividade, gastam mais oxigênio. Assim, registrando o contraste do fluxo de sangue com ou sem oxigênio, o fMRI observa em quais áreas do cérebro os neurônios estão mais ativos.

Em estudos anteriores mostraram que uma certa região do cérebro se ativa quando uma pessoa enxerga uma certa categoria genérica de objetos. Há uma região ativada só quando se vê rostos de gente. Outra região quando se vê uma casa, e assim por diante. Por uma dessas imagens de fMRI, portanto, um neurocientista podia adivinhar se a pessoa tinha visto a foto de um rosto ou de uma casa.

Em em vez de adivinhar categorias genéricas, em março deste ano, pesquisadores da Universidade da Califórnia, em Berkeley, conseguiram dar um passo além, adivinhando imagens específicas. Primeiro, os pesquisadores registraram imagens de fMRI de voluntários enxergando uma série de figuras. Em seguida, mostraram aleatoriamente aos mesmos voluntários um grupo de novas figuras. Usando um programa de computador para comparar as primeiras imagens de fMRI com as da nova série, os pesquisadores conseguiram adivinhar que figuras os voluntários tinham visto.

O novo experimento dos japoneses foi mais que um exercício de adivinhação. Os pesquisadores reproduziram em computador a imagem que os voluntários tinham na mente quando viam as figuras.

Primeiro, os voluntários prestavam atenção em figuras muito simples, todas feitas de uma matriz 10 por10 de quadradinhos pretos e brancos aleatórios. Cada figura era mostrada por 12 segundos, enquanto a máquina de fMRI registrava a atividade dos neurônios do córtex visual. Analizando as imagens de fMRI, os pesquisadores decifraram como cada quadradinho das figuras era representado pelos neurônios.

Vale lembrar que uma rede 10 por 10 de quadradinhos pretos ou brancos pode assumir  2100 padrões diferentes! Bastou, porém, que os voluntários exergassem apenas 400 imagens, para que o programa de computador obtivesse toda a informação necessária para “enxergar” cada quadrado preto ou branco nas imagens de fMRI.

Os pesquisadores conseguiram decifrar os padrões dos neurônios porque se concentraram na etapa inicial do processamento das imagens. Como explica o neurocientista do blog Neurophilosophy, o cérebro analisa o estímulo visual em etapas sucessivas. Um primeiro conjunto de neurônios cuida de características mais “grosseiras” como contraste claro e escuro e contornos. Os sinais desses primeiros neurônios são mais fáceis de analisar. É por isso que os pesquisadores usaram figuras de contraste e contornos extremamente simples.

Outra peculiaridade do córtex visual que os pesquisadores exploraram foi a de que partes adjacentes de uma imagem são codificadas em neurônios adjacentes, pelo menos nas etapas iniciais do processamento da imagem pelo cérebro.

Na segunda etapa do estudo, os mesmos voluntários voltaram para a máquina de fMRI e ali viram figuras inéditas, com os padrões de quadradinhos formando símbolos ou letras. Um programa de computador “treinado” a partir das imagens anteriores de fMRI, foi capaz de transformar as novas imagens de fMRI nas figuras dos símbolos que os voluntários enxergavam.

Um dos autores do estudo, Yukiyasu Kamitani disse que à medida que a resolução das máquinas de fMRI aumenta, também vai melhorar a resolução da imagens extraídas da mente. Com a mesma técnica, sua equipe  planeja captar outros estímulos sensoriais como cores. Outro próximo passo seria reconstruir imagens de sonhos, que são também processadas no córtex visual. Na reportagem da New cientist , um especialista sugere que no futuro essa tecnologia permitirá publicitários “escanearem” os desejos das multidões nas ruas para fazer “neuromarketing”…

Uma reportagem japonesa sugere que a invenção pode ser útil para artistas e designers expressarem sua imaginação. De fato, qualquer um poderia se tornar um artista mesmo sem saber desenhar. Quanto você pagaria por uma imagem imaginada e autografada por um sonhador profissional?

Deixando de lado os prospectos assustadores ou maravilhosos, essa pesquisa já é sensacional somente pelo fato da tal técnica de “combinação linear de imagens” ter funcionado para decodifcar a rede de neurônios. O sucesso sugere que, até certo ponto, o próprio cérebro usa essa técnica  para processar o estímulo visual. Tentando imitar o cérebro, aprendemos mais sobre ele.

Fontes:

Visual Image Reconstruction from Human Brain Activity using a Combination of Multiscale Local Image Decoders, Neuron 60 (5), 915-929

‘Mind-reading’ software could record your dreams (New Scientist)

Visual images reconstructed from brain activity (Neurophylosophy)

Scientists extract images directly from brain (Pink Tentacle, via Seed Daily Zeitgeist)

Discussão - 3 comentários

  1. Carlos Hotta disse:

    Pq eu não consigo acreditar nessa notícia?
    Pelo menos o seu post está bem mais detalhado do que as notícias que vi por aí! Parabéns!

  2. Desiree disse:

    Concordo com o Carlos. Sua explicação, especialmente a contida no terceiro parágrafo, ficou muito melhor do que as que li.
    Você escreve muito fofinho mesmo. Parece um professor, mais do que um repóter de Ciência.
    O que acho mais legal é como essa pesquisa poderia viabilizar a comunicação com pessoas que, por algum motivo, perderam a capacidade de fala, por exemplo.

  3. LEO HENDRIX disse:

    SOBRE A MÁQUINA DE GRAVAR OS SONHOS,JÁ ESCREVI SOBRE ELA NUM LIVRO QUE ESTOU ESCREVENDO A RESPEITO DO SONHO. CREIO QUE PODERÁ SER A REALIDADE DO FUTURO.

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