Ondas de rádio vindas da matéria escura?

Representação artística do ARCADE2. Crédito: NASA, ARCADE, Roen Kelly

Um misterioso sinal de rádio captado por um experimento com participação brasileira talvez seja a nossa primeira evidência não gravitacional de que a matéria escura existe, sugere um artigo publicado quinta-feira passada na revista Physical Review Letters.

Em 2009, uma descoberta surpreendente foi anunciada por pesquisadores que construíram e operaram o ARCADE2 (Radiômetro Absoluto para Cosmologia, Astrofísica e Emissão Difusa), uma sonda lançada por um balão estratosférico, que permaneceu a 36 km de altitude por algumas horas, buscando pelas emissões de rádio que teriam sido produzidas pelas primeiras estrelas do universo, na janela de frequências entre 3 e 90 gigahertz.

(O ARCADE2 contou, aliás, com a participação de dois brasileiros, Thyrso Villela e Alexandre Wuensche, ambos do Inpe, que desenvolveram parte dos instrumentos da sonda.)

No lugar do sinal esperado das estrelas primordiais, o ARCADE 2 captou estranhas emissões de rádio chegando igualmente de todas as direções do céu. Nenhuma das as fontes prováveis de rádio conhecidas – a radiação cósmica de fundo, as estrelas primordiais, as explosões de supernovas, o núcleo de certas galáxias, o gás ao redor de nossa e de outras galáxias e no meio de aglomerados delas, etc. – podia explicar as propriedades do sinal, incluindo sua intensidade, cinco a seis vezes maior que a esperada.

Agora, Nicolao Fornengo, da Universidade de Turim, na Itália, junto com mais três colegas, demonstraram que o misterioso sinal poderia em princípio ser produzido pela matéria escura.

Para explicar uma série de observações astronômicas – o movimento de rotação das galáxias, a velocidade delas em seus aglomerados, a distorção da luz provocada por esses aglomerados (lentes gravitacionais) e as variações na temperatura da radiação cósmica de fundo – a maioria dos astrofísicos acredita que, para cada pedaço de matéria “normal”, do tipo de que somos feitos, existe aproximadamente 6 vezes mais matéria de um tipo desconhecido, que quase não interage com a luz e o resto da matéria, mas cuja presença no universo percebemos por sua força gravitacional.

Existem várias ideias sobre a possível natureza da matéria escura, como a possibilidade de que ela seja formada por pequenos buracos negros produzidos durante o big bang. Mas a ideia mais popular é a de que ela seria um gás rarefeito de partículas conhecidas por WIMPS (partículas massivas fracamente interagentes, em inglês). Como os neutrinos, os WIMPs interagiriam muito pouco com a matéria e a radiação, mas ao contrário dos últimos seriam bem mais pesados que prótons. Dois experimentos com detectores instalados em minas subterrâneas, os italianos CRESST e DAMA, e o norte-americano CoGeNT, afirmam ter encontrado evidências de WIMPs, embora outro do mesmo tipo, só que maior e mais sensível, o XENON100, não tenha encontrado nada até agora.

De acordo com a teoria, os WIMPs podem se transformar em partículas mais leves, produzindo raios gama, elétrons e pósitrons (o anti-elétron). Como nota Stanley Brown no site Physics, duas análises recentes de dados do telescópio espacial de raios gama Fermi que observou galáxias anãs, onde a quantidade de matéria escura é proporcionalmente muito maior que o montante de matéria normal, não encontraram nenhum sinal de matéria escura, sugerindo que os WIMPs têm uma massa menor que 30 GeVs.

Nos últimos anos, alguns físicos também sugeriram que um excesso de elétrons detectado pela sonda ATIC e um excesso de pósitrons semelhante observado pela sonda PAMELA poderiam ser sinais da aniquilação de WIMPs.

Agora, Fornengo e colegas conseguiram reproduzir o sinal do ARCADE2 ao imaginarem que o universo está repleto de inúmeras fontes fracas espalhadas pelo universo, do mesmo modo que estão espalhadas as galáxias. As emissões de rádio seriam produzidas pelos elétrons e pósitrons gerados pelos WIMPs dos halos de matéria escura envolvendo as galáxias, à medida que essas partículas eletricamente carregadas fossem aceleradas pelos campos magnéticos galácticos.

De acordo com a equipe, esta seria a única explicação que não entra em conflito com observações em outras frequências (infravermelho e raios gama). Além disso, seus cálculos indicam que os WIMPs devem de ter uma massa da ordem 1o GeVs, o que é consistente com os dados do CRESST, DAMA, CoGeNT e Fermi.

Embora abertos à explicação invocando a matéria escura, os astrofísicos ouvidos por Jon Cartwright do site Physics World mostraram ceticismo, ainda acreditando que o sinal do ARCADE2 possa ser explicado por detalhes desconhecidos da evolução das galáxias.

Os físicos concluem que sua explicação poderá ser verificada em novas observações, principalmente as que serão realizada pelo super rádio telescópio SKA, planejado para ser construído em breve na Austrália, Nova Zelândia ou África do Sul, que terá a resolução necessária para enxergar as ondas de rádios vindas de cada um dos halos de matéria escura.

Referências:
Fornengo, N., Lineros, R., Regis, M., & Taoso, M. (2011). Possibility of a Dark Matter Interpretation for the Excess in Isotropic Radio Emission Reported by ARCADE Physical Review Letters, 107 (27) DOI: 10.1103/PhysRevLett.107.271302

Discussão - 1 comentário

  1. Breno disse:

    Caramba,

    o blog descongelou com a corda toda. Parabéns, estávamos precisando disso no SBBr.

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