Super Quântico – parte 1

Se você tem algum interesse em ciência, por menor que seja, provavelmente já se deparou com expressões do tipo supercondutividade, superfluidez, etc, etc. Talvez você até saiba de onde vem o prefixo super- nessas palavras, mas se você não sabe, então este post é pra você. 😀

Nesta primeira parte, vamos discutir os “super” fenômenos que permeiam a física, e sua origem. Na parte 2 deste post, que verá a luz do dia amanhã, eu vou tocar num assunto bem recente (que motivou esses dois posts, na verdade) e bem quente: a des-descoberta da supersolidez. É isso mesmo: o mesmo cientista que anos atrás observou indícios da existência de um supersólido, agora, em um trabalho recente, mostrou que ele estava errado e ainda não há uma prova definitiva de que exista um supersólido. Sem mais blá-blá-blá, vamos ao que interessa.

Os super fenômenos da física quântica

Há alguns fenômenos, todos exclusivamente dentro do contexto da Física Quântica que carregam o sufixo super. Historicamente, os dois primeiros que foram descobertos/estudados carregam o “super” como uma forma literal de descrever o que foi observado: quando a capacidade um corpo qualquer de conduzir corrente elétrica é exacerbada enormemente, isso se chama supercondutividade. Da mesma forma, a supefluidez: um fluido que flui (será que o prof. Pasquale aprova essa?) sem resistência alguma é chamado de superfluido.

No entanto, se você procurar na literatura, vai ver que há outros “superfenômenos” quânticos nos quais não é fácil de se ver o que está aumentado, exacerbado, exagerado. Dentre eles há, por exemplo, os super-átomos ou um super-sólido. E aí como fica? Mau uso? Presunção de quem batizou essas crianças?  Na verdade nada disso.

O que acontece é que é preciso olhar para os mecanismos por trás desses fenômenos. Cada um dos quatro que eu citei acima, superfluidez, supercondutividade, super-átomos e supersolidez carregam no seu âmago uma característica em comum: eles são fenômenos coletivos (mais sobre isso aí embaixo). Dessa forma, estabelemos um paradigma único para todos os fenômenos que carregam a alcunha de “super”: mais do que exacerbar alguma característica própria, que agora se tornou uma conseqüência e não o foco, os super fenômenos são todos aqueles que carregam algum tipo de comportamento coletivo dos seus constituintes.  Mas o que é um comportamento coletivo?

Comportamento coletivo

Você já foi a uma boate? E a uma festa de São João, com quadrilha? Sim? Então você sabe a diferença entre “entidades independentes” e um “comportamento coletivo”: enquanto na boate é “cada um por si”, numa quadrilha a dança é coreografada, cada um sumindo na sua individualidade para que o todo se sobressaia.

Na boate, cada um dança na sua…

A analogia é razoável, mas vamos fazer ela mais formal: o comportamento coletivo acontece quando as partículas que constituem o sistema perdem sua individualidade e essa perda transforma o seu comportamento individual. O comportamento do grupo é completamente distinto do comportamento das suas partes. Tipicamente, esse comportamento só é encontrado em sistemas quânticos, pois aí as condições existentes (seja a energia baixa, seja a estatística que rege o sistema) permitem que as partículas se associem (não leve isso ao pé da letra) e possam se comportar como um grupo. Quando estamos num regime clássico, as partículas normalmente se comportam individualmente, sem qualquer relação entre si.

Numa outra analogia, acho que os psicólogos chamam isso de “efeito manada”. Se algum psicólogo chegar até esse ponto do texto, favor se manisfestar. 🙂

Numa quadrilha, o conjunto é que é importante…

E como isso se traduz nos sistemas super, especificamente? É isso que discutimos brevemente a seguir.

Superfluidez

Pegue um potinho de mel e um potinho de água e vire eles de cabeça pra baixo. A água flui melhor que o mel ou, em outras palavras, o mel é mais viscoso que a água. Viscosidade é essa resistência que algo tem a fluir. Asfalto, por exemplo, é super viscoso. Mesmo sendo bem fluida, ainda assim, algumas gotinhas de água ficam agarradas às paredes do copo e nesse hora você nota que mesmo um bom fluido possui algum tipo de viscosidade, especialmete quando encontra as paredes de um recipiente.

Um superfluido é a negação de tudo isso. Ele flui sem resistência alguma, não se importa com paredes e nem mesmo com tubos bem fininhos: ele simplesmente flui. Há diversos vídeos que mostram isso acontecendo com Hélio líquido superfluido. Você pode vê-los (em inglês) aqui, aqui e aqui (este com explicações em português). Você verá o líquido literalmente “subir pelas paredes” dos recipientes. É bem bonito.

Um vórtice num fluido comum…

A explicação pro fenômeno é um pouco mais difícil e envolve alguma matemática. Essencialmente, uma característica associada a superfluidos é a “delocalização” dos átomos ao longo da amostra. Trocando em miúdos: não é possível associar um átomo a uma posição dentro do fluido, pois cada um deles está “espalhado” pela amostra inteira e “todos estão em todo lugar”. Talvez a explicação seja meio simplista, mas a linha de pensamento é por aí. Uma conseqüência da superfluidez é que um superfluido não gira. Isso mesmo: se você pegar um balde cheio de supefluido e colocar ele pra rodar, o balde roda e o fluido fica quietinho. Mas tudo tem um limite, como você bem sabe. Se você rodar muito rápido o superfluido desenvolve vórtices, mais ou menos como os que a gente vê quando enche um pia e depois deixa a água escorrer pelo ralo. Um vórtice é equivalente a um redemoinho ou, se você preferir, um ciclone, um furacão…

Bom, então, só pra reforçar dois pontos que serão importantes pra entender supersólidos: os átomos em um superfluido estão delocalizados no espaço e um superfluido se recusa a girar. Guarde isso com você, voltaremos a eles.

Supercondutividade

Que alguns materiais conduzem energia elétrica você sabe, especialmente se já tomou um choque. No processo de condução, o material esquenta e isso caracteriza uma perda de energia no processo. Mas alguns materiais, quando resfriados a temperaturas muito baixas simplesmente conduzem eletricidade sem perda nenhuma, como se um superfluido de elétrons fluísse pelo condutor sem viscosidade nenhuma. É essa a supercondutividade.

Na prática, este é um negócio complicado e que ainda guarda muitas questões em aberto. De um modo geral, a teoria básica de supercondutividade diz que os elétrons juntam-se em pares, chamados pares de Cooper e estes são quem conduz eletricidade sem perdas. Mas, mais recentemente, materiais supercondutores foram descobertos a temperaturas baixas, mas nem tanto. E a teoria que supõe os pares de Cooper não funciona muito bem por lá. Há muito ainda embaixo desse pano.

Levitação na superfície de um supercondutor.

Dentre os efeitos mais bacanas relacionados a supercondutores, há o fato de que eles odeiam campos magnéticos dentro de si e expulsam qualquer um que tente entrar. Isso permite os famosos experimentos de “levitação” de ímans na superfície de supercondutores. Um vídeo bacana (em inglês, legendado em português) pode ser visto aqui.

Super-Átomos

 O conceito de super-átomo é um pouco mais direto e simples de ser entendido: dada uma coleção de átomos individuais, eles podem se arranjar de forma que o conjunto se comporta e mostra propriedade de um único átomo. Há muito interesse recente nesse tipo de fenômeno, pois esses arranjos de grandes números de átomos que imitam átomos individuais podem se tornar plataformas para o estudo de diversos fenômenos físicos e químicos sem a necessidade de se usar os átomos em si, mas os complexos que os imitam. Na prática, isso poderia adicionar uma “terceira dimensão” à nossa querida tabela periódica, onde a nova dimensão é dedicada aos complexos que imitam os átoms originais. O interesse nessa área é razoavelmente recente e deve dar muito “pano pra manga” ao longo dos próximos anos.

Super átomos podem adicionar uma nova dimensão à Tabela Periódica

Supersólidos

Bom, como a gente disse lá em cima (você chegou até aqui?), a des-descoberta da existência de um supersólido foi o que motivou este post. Por outro lado, ele também requer um extrinha de preliminares para ser explicado e este post já está longo pra caramba. É por isso que eu te convido a voltar aqui amanhã, pra segunda parte dessa história. Te vejo lá.

Discussão - 5 comentários

  1. Alexandre Garcez disse:

    Fala sobre supersimetria!

  2. [...] sobre os superfenômenos da Física. Se você não leu a primeira, pode fazê-lo neste link aqui. Se está com preguiça, eu resumo o que há de importante nessa [...]

  3. Fernando Valadares disse:

    muito bom o blog! são poucos os textos sobre física que conseguem prender uma pessoa até o final. adicionei aos favoritos 🙂

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