Arquivo da categoria: Era Mesozoica

Paleocurtas! Duas novidades do mundo da Paleontologia!

Uma nova espécie de mamífero fóssil foi encontrada e para surpresa: ela parece o Scrat da série de filmes ‘Era do Gelo’! Cara de um, focinho do outro. Além disso, temos uma novidade brasileira: mais um dinossauro tupiniquim. Confira: Aelosaurus maximus, mais um titã do Brasil.


Encontraram o fóssil do Scrat !?



Acima: Foto do personagem Scracth, dos filmes “Era do Gelo”. Direitos autorais da 20th Century Fox.

É fato que foi publicado ainda esta semana na revista Nature, um trabalho descrevendo um pequeno mamífero muito semelhante ao bichinho engraçado dos filmes da série “Era do Gelo”. O crânio do pequeno animal foi encontrado em afloramentos do início do Cretáceo Superior, em camadas de aproximadamente 93 milhões de anos, em uma região conhecida como “La Buitrera”, localizada na belíssima província de Río Negro, sul da Argentina. 

O que assemelha o novo mamífero cretácico ao carismático esquilo da “Era do Gelo”, são os formidáveis “dentes de sabre” e o longo focinho. Todavia, o novo animalzinho tem muito pouco a ver com o personagem do desenho animado. Ele pertence a um grupo de mamíferos extintos não aparentado com nenhuma espécie vivente e nem de longe enfrentou a temida Era do Gelo de Scrat: Dezenas de milhões de anos separam as glaciações pleistocênicas do pequeno mamífero cretácico argentino. Ah! E naquela época não existiam bolotas de carvalho…


Imagens originais do artigo ilustrando o crânio do novo mamífero do Cretáceo argentino
A respeito da idade do animalzinho, ele traz um panorâma novo para a idade cretácica sulamericana. Antes da presente descoberta, conheciam-se apenas mamíferos do início desse período geoglógico na América do Sul. Com a descoberta de Cronopios dentiacutus, como foi batizado o novo animal, temos uma idéia de como teria sido um momento diferente dentro do Cretáceo sulamericano para os mamíferos.

Reconstituição artística de como seria em vida Cronopio dentiacutus, por Jorge Gonzalez
Sobrevivendo entre os gigantes dinossauros patagônicos, especialmente os colossais saurópodes, o animal seria diminuto. Teria uma dieta insetívora, a julgar pelos seus dentes peculiares, e muito provavelmente apresentaria hábitos noturnos.

Os paleontólogos Guillermo Rougier, Sebastián Apesteguía e Leandro Gaetano descreveram o novo material com base apenas em evidências craniais e o batizaram como Cronopio em homenagem ao escritor Belgo-Argentino, Cortázar – Cronópio é um personagem conhecido dos livros desse autor.

Cronopio dentiacutus pertenceu a um grupo de mamíferos extintos chamados de ‘Dryolestóides’ e é peculiar por apresentar uma dentição muito especializada. Está proximamente relacionado com formas do Jurássico da Laurásia, porém denota um possível endemismo de formas gondwanicas que deve ser melhor revelado com a continuidade das prospecções fossilíferas mundo a fora.


Novo dinossauro brasileiro!! Aelosaurus maximus

Materiais de titanossauros são elementos muito comuns na Bacia Bauru. Essa unidade geológica de idade cretácica cobre uma extensa área do país, incluindo os estados de São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O novo dinossauro é paulista. Foi encontrado no interior do estado, em uma cidade já famosa pelos fósseis de dinossauro: Monte Alto.

A história desse bicho é antiga. Ele foi encontrado há muitos anos pelo Prof. Antônio Celso de Arruda Campos e sua equipe do Museu de Paleontologia de Monte Alto, que tiveram um árduo trabalho para recuperar o material. Os fósseis estão em exposição no museu da pequena cidade há anos, porém só agora, o paleontólogo Rodrigo Santucci o descreveu formalmente como um novo animal.


Finalmente com identidade, pela primeira vez formaliza-se, com vasta descrição, a presença de titanossauros do grupo Aelosaurini no Brasil. O novo animal foi batizado de Aelosaurus maximus. Maximus‘ devido ao seu tamanho.

Muitos trabalhos já haviam citado informalmente a presença de ‘aelossauros’ em território brasileiro, porém este é o primeiro que discute a questão de forma ampla e fornece inclusive um novo panorâma filogenético para esse grupo de dinossauros saurópodes como um todo.  Esses animais foram primeiramente encontrados na região patagônica da Argentina e o gênero Aelosaurus já é até mesmo conhecido. A. maximus seria apenas uma nova espécie dentro desse gênero, que inclui outras duas de nacionalidade ‘hermana’.


Parabéns ao colega Rodrigo e a toda equipe do Museu de Paleontologia de Monte Alto!!!

Acima: Reconstrução de Aeolosaurus. Direitos autorais do Museu de História Natural de Londres.
Acima: Localização dos achados e fósseis de Aeolosaurus maximus, a disposição dos fósseis como foram encontrados no afloramento e a reconstituição do animal evidenciando os elementos ósseos encontrados. Santucci & Arruda-Campos, 2011.


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Bibligrafia:

Rougier, G.W.; Apesteguía, S. & Gaetano, L. C. 2011. Higly specialized mammalian skulls from the Late Cretaceous of South America. Nature, 479, 98-102.

Santucci, R.M. & Arruda-Campos,A.C. 2011. “A new sauropod (Macronaria, Titanosauria) from the Adamantina Formation, Bauru Group, Upper Cretaceous of Brazil and the phylogenetic relationships of Aeolosaurini”. Zootaxa 3085.

Xixi de Dinossauro? – O Paleo-deserto Botucatu Parte IV

Dando continuidade a série de posts sobre os icnofósseis da Formação Botucatu (Veja as outras publicações AQUI), hoje vamos apresentar a última parte da história: A verdade sobre o URÓLITO, o vulgo “xixi fóssil”.

 
Figura 1. Laje de arenito com preservação de extrusão líquida: Urólito. Foto por Marcelo Adorna Fernandes.
 
A descoberta foi feita em Araraquara, interior de São Paulo. Trata-se da primeira evidência de que os dinossauros pudessem urinar.
 
Marcelo Adorna Fernandes (paleontólogo e professor do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva da UFSCar) e sua esposa, Dra. Luciana Bueno dos Reis Fernandes, descobriram no ano de 2001, em uma pedreira local de Araraquara, nos arenitos da Formação Botucatu, uma marca fossilizada supostamente deixada pela urina de um dinossauro. Essa estrutura preservada, com cerca de 140 milhões de anos (Período Jurássico), foi analisada pelo paleontólogo especialista em Coprólitos (fezes fossilizadas), Dr. Paulo Roberto de Figueiredo Souto, da UFRJ, Rio de Janeiro, que confirmou a identificação inusitada.
A descoberta de Marcelo e Luciana foi apresentada pelos pesquisadores à comunidade científica em congressos nacionais e internacionais, até que em 2004, eles e o Dr. Paulo Souto finalmente publicaram o achado na Revista Brasileira de Paleontologia (acesse o artigo AQUI).
 
Até então a única evidência da ocorrência urina associada a dinossauros havia sido apresentada à comunidade científica no ano de 2002, durante o 62o Congresso da Sociedade Norte Americana de Paleontologia de Vertebrados em Oklahoma, nos Estados Unidos, por um casal de geólogos, McCarville & Bishop. Nenhum trabalho científico foi publicado desde então e nem tão pouco sugerida uma terminologia específica para classificar essa estrutura de escavação produzida por fluxo de líquido dessa natureza.
 
Figura 2. Imagem retirada do site “Ciência Hoje”.
 
O termo urólito, composto por duas palavras de origem grega, “uro” que significa urina e “lithos” que significa pedra, foi sugerido para nomear a estrutura com 34 cm de comprimento; trata-se de uma pequena cratera elíptica de escavação provocada pelo impacto de líquido em queda, com um escorrimento de sedimento depositado gravitacionalmente em um plano inclinado (Figura 1, 3 e 7).
 
Figura 3. Urólito – Por Marcelo Adorna Fernandes.

 

As pegadas deixadas por dinossauros ornitópodes e terópodes que caminharam através das dunas do paleodeserto são bem diferentes da estrutura correspondente ao urólito. Ao caminhar, os animais compactavam a areia onde pisavam, deixando preservadas, além da depressão da pegada, uma elevação em forma de meia-lua nas bordas de maior esforço.
 
Figura 4. Pegada de dinossauro terópode da Fm. Botucatu. Foto por Marcelo Adorna Fernandes.
 
Simulando-se as condições pretéritas, um simples teste experimental foi realizado, onde certa quantidade de água foi derramada em um plano inclinado, o que produziu uma estrutura de escavação e escorrimento muito semelhante ao urólito (Foto abaixo).
 
Figura 5. Ao derramar-se certa quanti
dade de líquido em um plano inclinado, a estrutura formada é semelhante a do urólito. Foto por Marcelo Adorna Fernandes.
Os estudos referentes a paleofauna da região atestam a presença de pequenos mamíferos e de dinossauros, porém o urólito só poderia ter sido produzido por animal de médio à grande porte, neste caso só poderia ser um dinossauro.
 
Comparando e analisando o comportamento de aves ratitas atuais, como o Struthio camelus (avetruz), foi possível verificar um forte fluxo de extrusão líquida (urina) produzida por estes animais antes da excreção da parte sólida. Nos avestruzes, antes da eliminação, a urina fica armazenada no urodeum, que tem uma função semelhante à bexiga urinária dos mamíferos. A parte sólida fica armazenada no coprodeum e são eliminadas posteriormente à eliminação da urina. Assumindo que certos grupos de dinossauros tivessem uma fisiologia parecida a do avestruz, eles poderiam provocar uma erosão na superfície do sedimento inconsolidado quando eliminassem certas quantidades de líquido na forma de urina.
 
Figura 6. Extrusão líquida em avestruzes. Foto por Marcelo Adorna Fernandes.
Uma bexiga urinária nos tetrápodes é muito importante na conservação de água sendo que em alguns grupos de animas como sapos, rãs, pererecas, jabutis e em alguns lagartos, admite-se que a reabsorção de água pela bexiga seja essencial para impedir a dessecação quando em ambiente terrestre de pouca umidade. A eliminação de urina da bexiga desses animais ocorre através de um orifício cloacal comum.
O fato desse urólito estar associado à fauna dinossauriana da Formação Botucatu, que corresponde a um antigo ambiente desértico, sugere que a presença de uma estrutura responsável pelo armazenamento e reabsorção de água seja aceitável e possível, corroborando com a idéia de que haveriam grupos de dinossauros que pudessem urinar.
 
Este urólito é o primeiro registro deste tipo de vestígio fóssil no Brasil, sendo também uma das primeiras evidências do modo de extrusão líquida atribuída a dinossauros no mundo.
– Para a Formação Botucatu são conhecidas pelo menos duas ocorrências de urólitos.
Figura 7. Detalhe do Urólito (Esquerda)
 
Entre em contato com o Paleontólogo Dr. Marcelo Adorna Fernandes:
Laboratório de Paleoecologia e Paleoicnologia – Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva – Universidade Federal de São Carlos, UFSCar
Contatos pelo telefone: +55 (16) 3351-8322
E-mail: mafernandes@ufscar.br
 

>"Sea Dragons"

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“Sea Dragons:
predators of the prehistoric oceans”
(Richard Ellis, 2003)


Meses atrás estava procurando literatura científica para enriquecer o conhecimento sobre os grandes grupos de répteis marinhos do Mesozóico – Ictiossauros, Plesiossauros e Mosassauros. Descobri o livro “Sea Dragons – predators of the ancient oceans”, de autoria de Richard Ellis: uma verdadeira bíblia para interessados no assunto, a qual recomendo para qualquer paleontólogo de vertebrados ou entusiasta na área.

O livro descreve detalhes sobre fauna Mesozóica dos três maiores grupos de répteis marinhos, incluindo peculiaridades sobre cada espécie encontrada e seus respectivos paleoambientes. Ele tem um panorâma mundial, não se limitando-se a regiões geográficas específicas como outros livros encontrados na literatura sobre o assunto.

Figura acima: Plesiossauro – elasmossaurídeo predador. Richard Ellis.

Ellis realizou suas próprias ilustrações em nanquim, tanto para os materiais fósseis apresentados, quanto para as reconstruções dos animais. Para quem aprecia Paleoarte, portanto, esse livro torna-se ainda mais interessante.

O mais fantástico é o fato de o autor ser um artista plástico e não um ‘cientista/paleontólogo’ propriamente dito. Apaixonado pelo tema, Ellis fez um ótimo trabalho, tendo recebido consultoria e auxílio de várias sumidades no assunto. O resultado final foi amplamente aprovado! Isso é prova de que não é necessário ser um ‘Doutor na área’ para produzir literatura científica de qualidade – basta o esforço, muita dedicação e profissionalismo.

O livro possui um rico levantamento de dados e bibliografia para quem deseja buscar informações mais aprofundadas e mantém uma linguagem, que apesar de técnica, é acessível para o público geral.

Observação: “Sea Dragons” foi escrito em 2003, portanto o leitor deve ter em mente que algumas poucas teorias citadas no livro já foram derrubadas. Alguns animais descritos mais recentemente também faltam nas listagens. Entretanto, o livro é um must com todo o conhecimento adquirido até a data que foi publicado.



Eu Aprovei!

Figura acima: Mosassauro. Richard Ellis.

Onde comprar?
Eu comprei esse no site da AMAZON. Você encontra por US$ 6,90!
Confira no link abaixo:



>O Brasil pré-histórico era realmente dos crocodilos…

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Neste último mês, novas descobertas sobre o Cretáceo brasileiro vieram afirmar que neste período os Crocodyliformes realmente dominavam nosso país. Enquanto os dinossauros reinavam com soberania na maioria dos ecossistemas terrestres, aqui no território tupiniquim os crocodyliformes se diversificavam e ocupavam os mais diversos nichos. Desde animais com cerca de 4 metros de comprimento, ágeis e carnívoros, como o Baurusuchus, até pequenos onívoros, como o Mariliasuchus e o Adamantinasuchus. Haviam espécies escavadoras, oportunistas e até mesmo consumidoras de plantas e raízes.

Estas descobertas têm elucidado como teriam sido as relações ecológicas pretéritas do paleoambiente hoje representados pelas rochas do Grupo Bauru. As rochas do Grupo Bauru são de idade Neocretácica (Final do período Cretáceo, do Cenomaniano ao Maastrichiano, 99-65 milhões de anos atrás) e foram depositadas em um contexto continental fluvial e lacustre de clima quente e árido. Elas estão bem distribuídas nos estados de São Paulo e Minhas Gerais, mas também são encontradas no Paraná e Goiás, e até mesmo no estado do Mato Grosso. Estas rochas representam um antigo ecossistema que possuía uma diversificada fauna de vertebrados, incluindo dinossauros saurópodes (titanossauros) e terópodes (abelissauros, carcharodontossauros e maniraptores, incluindo as aves), lagartos, cobras, quelônios, anfíbios, pequenos mamíferos, mas principalmente crocodyliformes. Estes últimos englobavam até seis distintos grupos: os notossuquídeos, os sphagessaurídeos, candidodontídeos, peirossaurídeos, trematocampsídeos e baurussuquídeos.

Ao que se deve esta incrível diversidade de crocodilomorfos? O que pode ter favorecido o desenvolvimente deste grupo de arcossauros neste particular contexto pretérito? Os pesquisadores ainda procuram uma resposta. A solução para o enigma pode estar envolvida com o fato deste local pretérito ter sido geograficamente isolado e ter produzido uma situação ecológica e ambiental única, que favoreceu estes animais. Teriam eles ocupado o nicho até mesmo de dinossauros? Competido com eles? Ou o nicho de mamíferos, tão raros neste registro por algum propósito? A continuidade dos estudos vai ajudar a resposder estas perguntas.
Campinasuchus, o novo crocodyliforme do Cretáceo brasileiro

Fantástica reconstituição artística de Campinasuchus em vida por Rodolfo Nogueira.

Campinasuchus é um novo gênero de Baurusuchidae descrito com base em alguns crânios parciais e esqueletos encontrados na região de Campina Verde, MG, contexto da Formação Adamantina, Grupo Bauru, Bacia Bauru.
Os Baurusuchidae incluem crocodyliformes com crânios lateralmente comprimidos e gracilmente alongados. São conhecidos para o Cretáceo Tardio do Brasil, Argentina e Paquistão. Todos os membros podem ser considerados de médio e grande porte, cursoriais (caminhavam ativamente sem encostar a barriga no chão, com os membros posicionados mais verticalmente) e predadores. Outras espécies de Baurusuchidae incluem: Baurusuchus pachecoi, Baurusuchus salgadoensis, Baurusuchus albertoi e Stratiosuchus maxhechti do Brasil, além de Cynodontosuchus e Wargosuchus da Argentina.
Campinasuchus se diferencia dos outos Baurusuchidae por possuir um focinho mais curto e afilado, uma dentição diferenciada e peculiaridades no seu osso palatal (céu da boca).
A sua presença reforça a idéia de que a aridez, ou possivelmente um regime específico de sazonalidade (alternância de períodos quentes e secos com períodos de alta pluviosidade), dirigiram a diversificação dos crocodyliformes terrestres neste ecossistema peculiar do Cretáceo Tardio brasileiro.
O trabalho foi publicado por Ismar de Souza e Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e colaboradores, na revista Zootaxa, de distribuição on line e gratuita, em 9 de maio de 2011.
O primeira icnoespécie de ovos fossilizados da América do Sul


Ovo fossilizado de crocodyliforme , foto de Carlos de Oliveira.


Ninhos de 70 milhões de anos foram encontrados nas proximidades da cidade de Jales, interior do estado de São Paulo, por Carlos de Oliveira, da Fundação Educacional de Fernandópolis (SP). A descoberta foi publicada este mês na revista Paleontoloy por ele e colaboradores. Os ovos foram encontrados em 2006 em rochas da Formação Adamantina, Grupo Bauru. A grande concentração deste material chamou a atenção de Carlos, que com o prosseguimento das escavações encontrou o que seria equivalente a 17 ninhadas situadoas em 3 diferentes níveis de deposição sedimentar (o que corresponderia a três eventos temporais diferentes).


Foto por Carlos de Oliveira.


Os ovos são alongados e tem forma elíptica. O tamanho varia entre 5,8 e 6,5 cm. A maioria estava quebrada, o que pode sugerir que os filhotes haviam nascido e deixado os ovos. Apenas alguns estavam completos.

Esqueleto parcial de Baurusuchus encontrado em associação com os ninhos. Foto: Carlos Oliveira.

Todos eles foram considerados como pertencentes a um gênero de crocodyliforme, Baurusuchus, devido a inúmeros ossos, e inclusive crânios e esqueletos parciais destes animais, que foram encontrados associados aos ninhos. Mas não foi só isso que ajudou os pesquisadores a definirem os produtores destes ovos. A microestrutura da casca também revela detalhes sobre quem os depositou:

Ovos de aves, dinossauros, crocodyliformes, quelônios, lagartos e cobras têm estruturas macro e microscópicas diferentes. Além do tamanho e formato ovo, aspectos histoestruturais da casca, como a organização do sistema de poros e a forma de deposição de cálcio (existem diferentes morfotipos estruturais: testudinóide, crocodilóide, dinossauróide, ornitóide e geckóide por exemplo) ajudam a identificar o produtor.

Tipos de ovos de acordo com sua microestrutura. A micro-estrutura pode ser avaliada por meio de cortes histológicos da casca, que são então observados com o auxílio da microscopia eletrônica de varredura.

O estudo dos ovos fossilizados se chama Paleo-oologia e está inserida numa área da paleontologia chamada de Paleoicnologia, palaios=antigo, iknos=vestígios e logos=estudo, ou seja, O estudo dos vestígios antigos.

A Paleoicnologia estuda todo tipo de vestígio fóssil indireto ou evidência comportamental de uma atividade biológica (produzida por um organismo extinto). Os ovos constituem vestígios do comportamento de reprodução de animais extintos, logo estão no escopo de estudo da Paleoicnologia, assim como as pegadas fósseis, por exemplo, que são vestígios de locomoção.

A Paleoicnoloia tem toda uma taxonomia própria para definir diferentes tipos de vestígios. Essa ‘parataxonomia’, à modo do sistema de nomenclatura biológica, é binomial e latinizada. Se as características gerais de uma estrutura paleoicnológica foram parecidas com as de materiais já conhecidos, elas recebem o mesmo nome destes, mas se foram diferentes, ganham uma nova designação, como uma nova espécie. A propósito, ICNOespécie e icnogênero são a maneira correta de se denominar estas estruturas, para não se confundir com o sistema de nomenclatura biológica – o que é muito comum.

Por exemplo, o icnogênero de pegadas de mamíferos conhecido como Brasilichnium elusivum ( descrito para Fm. Botucatu, Bacia do Paraná) comumente é confundido com o nome do produtor das pegadas… que na verdade não é conhecido por nenhuma evidência de fóssil corporal! O nome B. elusivum se refere somente às pegadas, não ao seu produtor. Até mesmo animais diferentes poderiam ter produzido o mesmo tipo de vestígio. Cuidado…

No caso do material de Jales, SP, os autores consideraram que todas as características identificadas poderiam sustentar um novo icnogênero, que denominaram de Bauruoolithus fragilis. Esta seria a primeira icnoespécie de ovos fossilizados descrita para a América do Sul (mas não os primeiros ovos fósseis descritos nem para o Brasil, nem para a América Latina! Há abundantes registros de ovos fossilizados na Argentina e vários também aqui no Brasil. Referências em nosso país são os ovos de dinossauro encontrados na região de Uberaba e os ovos atribuídos a Mariliasuchus em Marília, SP).

As feições encontradas nos ovos, segundo os autores, são muito diferentes daquelas encontradas em outros crocodilomorfos, o que leva a suspeita de que os produtores de Bauruoolithus teriam um modo de reprodução peculiar. Isto pode estar diretamente ligado com o sucesso ecológico do grupo e pode fornecer respostas interessantes quanto a adaptação destes animais às condições ambientais do sudeste brasileiro durante o Cretáceo Tardio.

O estudo de ovos fósseis pode revelar detalhes de aspectos biológicos e ecológicos dos seus produtores. –estratégias ou comportamentos de reprodução estão intimamente ligadas ao rigor ambiental e estresse ecológico (competição, predação, etc), assim como aspectos paleoambientais – recuperados direta (tafonomia) ou indiretamente (um estresse ambiental -uma grande seca, período de escassez de alimentos, etc. – pode ser detectado estudando-se a microestrutura dos ovos)-, e paleoclimáticos (inferidos utilizando-se análise de isótopos). Estes estudos são um passo além da simples descrição.

Há muito a ser feito!


Um estranho nas dunas – O Paleo-deserto Botucatu, Parte III

Texto original de Marcelo Adorna Fernandes, adaptado por Aline Ghilardi

 
Durante o XX Congresso Brasileiro de Paleontologia (XX CBP), realizado em 2007 na cidade de Búzios, Rio de Janeiro, foi anunciada pela primeira vez a descoberta dos vestígios do maior dinossauro herbívoro bípede do Estado de São Paulo. Um dinossauro do deserto que habitou o Brasil há mais de 140 milhões de anos. O Paleo-deserto Botucatu, veja as outras partes desta história nestes posts AQUI e AQUI.

Reconstituição do ‘ornitópode gigante’ do antigo deserto Botucatu. Por Marcelo Adorna Fernandes.

 

Os vestígios descritos deste animal são compostos por um conjunto de lajes de arenito contendo seis pegadas. As características das mesmas – com três dedos (tridáctilas) curtos e arredondados (sem evidências de garras, mas ‘cascos’) – indicam que o produtor se tratava de um dinossauro do grupo dos Ornithopoda.

Os Ornithopoda ou ornitópodes consituem uma subordem dos dinossauros Ornitísquios, ou ‘dinos com pelves de ave’, que incluem também os Ceratopsia, os Thyreophora e os Pachycephalosauria. Os dinos ornitópodes englobam animais hebívoros de portes diversificados, todos dotados de um aparelho mastigatório sofisticado, que favoreceu seu sucesso durante o período Cretáceo. Eles apresentavam desde porturas bípedes à quadrúpedes, uma cauda rígida e um bico córneo. O ápice de sua evolução se deu no final do Cretáceo com a expansão dos ‘dinos bico-de-pato’ ou hadrossauros.

O Paleontólogo Marcelo Adorna Fernandes e o conjunto de pegadas do grande ornitópode.

Cinco das pegadas encontradas são pertencentes a uma pista contínua com aproximadamente 3,60 metros de comprimento de uma ponta a outra (veja figura acima), cujos contra-moldes também estão preservados. A sexta pegada trata-se de um registro isolado (Veja figuras abaixo).


Cada pegada possui em média 35 cm de comprimento e 30 cm de largura; um fato bastante exótico quando se considera as proporções das demais ocorrências de pegadas da Formação Botucatu.

Pegada isolada (Esquerda) e contramolde (direita).

 

Existem muitas crenulações (deformações no substrato) ao redor das pegadas e as cristas de arenito em forma de meia-lua são bem evidentes na margem posterior (parte de trás) de cada pegada. Estas meias-luas, quase sempre na direção do mergulho dos estratos sedimentares, são o resultado do deslocamento de areia pelos pés do animal, quando este estava em progressão através das paleodunas (o esforço que ele fazia ao caminhar deslocava a areia para trás). O esforço observado nas pegadas encontradas indica que o dinossauro estivesse subindo a duna do paleodeserto.

Algumas pegadas da pista apresentam-se pouco definidas, devido à areia inconsolidada e seca da superfície ser facilmente deformável (bastante plástica). Animais de grande porte, portanto mais pesados, imprimiriam suas pegadas diretamente abaixo da camada mais seca de areia que sofreria total deformação, sem que houvesse preservação da morfologia dos pés nas camadas superficiais.

Devido ao excesso de peso no substrato arenoso, o animal produtor das pegadas coletadas provocou uma deformação das camadas inferiores de sedimento, transmitindo a impressão em subsuperfície e gerando o que chamamos de undertrack (‘sub-pegada’). O contato do pé do animal com a subsuperfície, possivelmente mais úmida, produziu as crenulações, podendo ter alterado o comprimento real do eixo maior da pegada ao levantar o pé para mudar o passo, revolvendo a areia seca em superfície. — Experimente isso ao caminhar na praia!

Ao todo, quase uma tonelada de rocha contendo os icnofósseis foram coletadas no dia 08 de julho de 2004 na pedreira São Bento, localizada no município de Araraquara no Estado de São Paulo, nas coordenadas de 21o49’03.4”S e 48o04’22.9”W. Estre estas, os registros do dinossauro aqui descrito. Esta pedreira apresenta a secção de uma grande duna fóssil com 20 m de altura e 100 m de comprimento, com mergulho de 29° aproximadamente em direção S-SW. As lajes coletadas estão depositadas na coleção de paleontologia do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva da Universidade Federal de São Carlos (DEBE/UFSCar).

Pedreira São Bento em Araraquara, SP – Corte de uma Paleo-duna. Pode-se observar as pegadas do grande ornitópode em fase de retirada. Foto por Luciana B. Fernandes.

 

Desde os primeiros estudos sobre pegadas fossilizadas da região de Araraquara, em 1976 pelo paleontólogo e padre italiano Dr. Giuseppe Leonardi, somente pegadas com no máximo 15 cm de comprimento tinham sido registradas.

Nunca havia sido registrada a ocorrência de dinossauros bípedes herbívoros deste porte aqui descrito na região Sudeste. Em 30 anos de pesquisa é primeiro registro de um dinossauro de grandes dimensões para a Formação Botucatu. Fato novo e muito importante para a compreensão da evolução dos dinossauros no Brasil e para o entendimento das mudanças ambientais em nosso País.

O Dinossauro Ornithopoda do interior paulista pesava aproximadamente duas toneladas, com uma altura de quase 4 metros e comprimento de 6 metros. Um gigante em se tratando de uma fauna de deserto.

Reconstituição do grande Ornithopoda da Fm. Botucatu. Por Marcelo Adorna Fernandes.

 

Entre em contato com o Paleontólogo Prof. Dr. Marcelo Adorna Fernandes:
Laboratório de Paleoecologia e Paleoicnologia – Universidade Federal de São Carlos, UFSCar
Contatos pelo telefone: +55 (16) 3351-8322
E-mail: mafernandes@ufscar.br
Fernandes, M.A. & Carvalho, I.S. 2007. Pegadas fósseis da Formação Botucatu (Jurássico Superior – Cretáceo Inferior): O registro de um grande dinossauro Ornithopoda na Bacia do Paraná. In: Carlhalho, I.S. et al (eds.) Paleontologia: Cenários da Vida, vol. 1, Editora Interciência.