>Diário da Ilha – Cajual MA

>

PRIMEIRO DIA

O dia começou ensolarado, perfeito para um período de escavação. Tomamos o catamarã, na beira do córrego Boqueirão em São Luís. O sol ardia em nossas costas, com uma leve brisa batendo em nossas faces. Tão distante já se via a ponta da ilha que nos esperava, Cajual, terra perdida e isolada, paraíso cretácico.
.
Eu estava extremamente ansiosa até o momento que aportamos na ilha, tivemos que fazer fila “indiana” para descarregar as malas até um lugar seco. A ilha, um paraíso natural. Só se via areia, mata de babaçu e algumas casinhas de barro feitas pelos nativos (descendentes de escravos) do local. Depois de descarregarmos tudo, fomos à primeira aula do professor Manoel Alfredo, paleontólogo da UFMA, que nos explicou o que havia ocorrido há alguns milhões de anos para a formação daquela maravilha rochosa cenomaniana, a qual soterrou diversas estruturas ósseas, dentárias e vegetais de animais e plantas já extintos.
.
O tempo continuava ajudando, até que bateu a hora do almoço e fomos comer um original e delicioso – sim, delicioso. Naquele momento estávamos tão famintos, que o que viesse nos pareceria ser uma apetitosa costela bovina assada – cup noodles.
.
Após o almoço fomos para mais uma aula de geologia e paleontologia, e para isso tivemos que andar em média uns 14 km (ida e volta) pelo litoral. Chegamos até a ponta leste da ilha, onde pudemos observar mais uma formação rochosa do cenomaniano, que também mostrava marcas (supostas) de Tsunami ocorrido há milhões de anos.
.
Quando voltamos para nossas instalações improvisadas (barracas), já estava escurecendo, e ainda tínhamos que tomar banho. Para isso, tínhamos que adentrar a floresta, passar pelo mangue, sermos comido por murissocas – isso ainda não era nada – até chegarmos a uma poça improvisada, onde, com um balde, tomaríamos banho com água de coloração “marrom escura” naquela escuridão selvagem. Depois de “limpas”, eu, Aline e Simone voltamos para o litoral, passando mais uma vez pela mesma odisseia. Sim, uma odisseia, parecia que milhões de murissocas estavam nos comendo vivos, nossas pernas ardiam e coçavam ao mesmo tempo. Palavrões de nossas bocas saiam constantemente. Até que UFA, chegamos às instalações e comemos, comemos como nunca pão, patê, água e PEDRA!
.
A lua estava cheia e era a única fonte de luz que iluminava aquela ilha deserta. Artificialmente, as lanternas ajudavam-nos a passar pela mata rasteira. Ficamos horas na praia, alguns bebiam, outros se divertiam com suas câmeras fotográficas e outros namoravam sob a lua cheia e apaixonante. Até que o sono foi maior que qualquer coisa e fomos dormir – digo isso por mim, pois alguns continuaram bebendo e conversando pelo resto da noite.
.
SEGUNDO DIA
.
Pude acordar com a iluminação natural do sol batendo em minha barraca. O calor não deixava-nos querer dormir nem por mais 10 minutos. Levantei, peguei meu cantil de água, utilizei seu conteúdo para escovar os dentes e lavar o rosto. O pessoal também já despertava, outros continuaram a dormir. Fui até a casa de barro tomar café, lá se encontravam alguns de nós esperando pelo horário da escavação. Outros se preparavam para partir no catamarã que estava para chegar. Eu estava sem noção de tempo, perguntei a Manoel Alfredo o horário, e ainda era 8h da manhã. Teríamos que sair somente após o almoço para escavar, pois era por esse período que a maré estaria baixa, propicia para poder escavar com segurança. Ficamos sabendo de histórias de mortes já naquela ilha, pessoas que foram imprudentes e por fatalidade tiveram um final triste.
.
Fiquei esperando o tempo passar, e acredite, aquilo não passa. Nesse tempo fiquei a pensar no povo nativo que ali vivia. O que faziam para se divertir? Não tinham livros, tv, nem luz elétrica. Também não tinham condições sanitárias ideais. Suas necessidades tinham que ser feitas no meio do mato, e banho era por água da chuva que se acumulava em poços artificiais. Fiquei pensando se fosse comigo, se eu conseguiria viver feliz em tais situações. Creio que seja uma vida muito difícil, mesmo que dentro de um paraíso natural, longe de congestionamentos, aglomerações humanas, poluição. Os homens eram fortes, tinham um corpo atlético sem nunca terem passado por uma academia. Sim, era um corpo obtido através de exercícios em atividades diárias de subsistência.
.
Chegando a hora do almoço, o tempo começou a fechar, uma parte do pessoal já tinha voltado para São Luís. Éramos agora 12 “sobreviventes”. Aquele tempo demonstrava que as condições não seriam muito boas para o trabalho árduo com martelo. O local de coleta dos fósseis seria em cima de uma formação constituída por óxido de ferro. Não poderíamos ir a lugar algum, pois os raios poderiam ser cruéis.
.
Esperamos que o tempo ruim passasse. E não passava. A chuva começou, forte e com ventania. As barracas voavam. Corri para tentar salvar a minha. Foi inútil, mesmo com a ajuda de Tito de do Jefferson, os meus pertences que estavam dentro já estavam ensopa. Nada se salvou, mochila, toalha, roupas. A barraca desarmou e tive que levar minhas coisas para lugar seguro. Minha garganta já doia, as picadas coçavam, os pés inchavam. Precisei “filar” remédio do pessoal que ali se encontava. QUE AVENTURA INCRÍVEL. Eram 14h e a chuva amenizou, tentamos então nos arriscar e ir para a formação procurar por mais alguns fósseis. Ficamos no máximo 30 minutos, pude encontrar alguns dentes de peixes, placas ósseas e uma pteridófita mineralizada. Até que começou a chover novamente. Não tínhamos onde nos proteger, e voltamos para o acampamento, ensopados. A chuva parou, e aproveitamos para tomar banho com a água que escorria do telhado da casinha de barro. Alguns ainda voltaram para a formação e Laje do Coringa, bravos e guerreiros.
.
O céu começava a escurecer novamente, e a chuva voltara mais forte do que nunca, como ninguém daquela ilha tinha visto há anos. Comemos, e o pessoal já começa a voltar, dizendo que os pingos da chuva foram crúeis, como facas cortando-lhes cada parte do corpo. Ficamos pensando que se soubéssemos que a chuva nos impediria de trabalhar, poderíamos ter voltado com os outros naquela manhã. Escurecia novamente e ninguém tinha onde dormir, então decidimos que todos deveriam dormir na casinha de barro, juntos para poderem se aquecer. Jogamos umas lonas pelo chão e ali nos agrupamos. Eu não conseguia dormir, alguns já se encontravam dormindo, até que os porcos começaram a tentar entrar em nosso cômodo. Eles “gritavam” como javalis, levantamos desesperados. Foi engraçado, ri e não parava mais. Mayra – estudante de biologia e paleontologia do Maranhão – também estava achando tudo muito engraçado, decidimos que não iríamos mais dormir naquela noite. Ficamos sentadas conversando com Igor, meus pés começavam a inchar novamente, alérgica pelas picadas dos malditos mosquitos. COMO EU OS ODIEI. Praguejei contra cada um que me picou. Mas me conformei, afinal, biólogo não pode reclamar de nada. Tomei um analgésico e bateu aquele sono. Voltamos a dormir. Dormi como um bebê.
.
TERCEIRO DIA
.
A chuva continuava pela manhã. Manoel Alfredo cogitou a hipótese de o catamarã não poder se arriscar naquelas águas agitadas e tempestivas, e termos que passar por mais uma noite na ilha. Alguns começaram a reclamar, não tinham mais roupas secas. A comida estava acabando, seria uma odisseia passar pro mais uma noite por lá. Ninguém conseguia se comunicar com o capitão do catamarã, até que no horizonte infinito daquela imensidão azul, pudemos ver uma vela se aproximar. Sim, estávamos salvos, era nosso barco que se aproximava. Arrumamos então rapidamente nossas coisas, e mesmo em baixo da chuva fomos em direção a praia para podermos deixar a ilha. Dessa vez não houve fila “indiana”, cada um salvou o que pôde. Tivemos que entrar no mar em fúria para chegar ao barco. No final, todos conseguiram chegar são e salvos. Nenhum desastre havia ocorrido desta vez, fomos embora, deixando as nossas costas aquele paraíso natural e paleontológico, aquele Mundo Perdido e mágico.

>O Maranhão no tempo dos dinossauros

>

PARTE I –A ILHA DO CAJUAL

Essas semanas sem postagens têm uma boa justificativa…

Recentemente os colecionadores de ossos estiveram reunidos no Estado do Maranhão para uma viagem no tempo. Estivemos todos mergulhados no Cretáceo maranhense em busca dos famosos fósseis da Ilha do Cajual.

A Ilha do Cajual já é lendária na paleontologia. Além de ser cenário inspirador com seu ar pré-histórico, ela guarda um dos mais importantes afloramentos fossilíferos do país, com mais fósseis de dinossauros por metro quadrado do que qualquer outro no território nacional.

Sua geologia e paleontologia são peculiares e no post de hoje vamos resumir um pouco dessa história fascinante.

Antes de iniciar essa viagem no tempo com vocês, não podemos deixar de destacar nossos agradecimentos ao Prof. Manuel Alfredo Medeiros e a toda equipe de paleontologia da UFMA, e sublinhar aqui também, com admiração, o seu fantástico empenho e trabalho na região.

A Bacia de São Luís-Grajaú

A Bacia de Grajaú se estende por grande parte do Estado do Maranhão. Ela foi atrelada à Bacia de São Luís, ao norte, por considerar-se afinidades no seu arcabouço estrutural e na natureza de seu preenchimento sedimentar. Estudos demonstram ainda, que estas bacias se comportaram como depressões individualizadas somente até o Albiano (meados do Cretáceo, entre 113 e 97 milhões de anos atrás), quando então passaram a se comportar como uma única grande bacia sedimentar.

Localização das Bacias São Luís – Grajaú

A Bacia de São Luís-Grajaú tem sua origem relacionada em parte devido ao processo de fragmentação do Gondwana e a separação da América do Sul e a África. Sua área total é de 250 000 km2, com uma parcela expressiva englobando o Estado do Maranhão. Sua seqüência sedimentar é predominantemente de idade cretácica e é bastante espessa, chegando a alcançar 4000 m em algumas localidades.

O Grupo Itapecuru

O Grupo Itapecuru, no topo da seqüência sedimentar da Bacia de São Luís-Grajaú, é composto por 3 unidades litoestratigráficas depositadas durante o Eocretáceo (início do Albiano, 113 milhões de anos atrás) até o fim do Neocretáceo e início do Paleógeno (65 milhões de anos atrás). Essa sucessão de estratos contém um importante registro fóssil de vertebrados, muito promissor para pesquisas paleontológicas.

A Formação Alcântara

A Formação Alcântara, unidade litoestratigráfica predominante em exposição no litoral maranhense, contém a mais diversificada fauna de vertebrados fósseis conhecida do grupo Itapecuru.
É de idade Albiana-Eocenomaniana (Cretáceo Médio – entre 113 e 95 milhões de anos atrás) e é composta por um conjunto de arenitos estratificados, folhelhos sílticos, com a presença de lentes de calcário e eventuais conglomerados, estes formados por processos de tempestades de grande intensidade e, subordinariamente, correntes de maré em ambientes marinhos rasos transicionais.

A Ilha do Cajual e a Laje do Coringa

A Ilha do Cajual está localizada no lado oeste da Baía de São Marcos, próximo a cidade de Alcântara, MA. Essa ilha abriga o afloramento da Laje do Coringa, o mais fossilífero dos níveis da Formação Alcântara.

 
Localização da Ilha do Cajual

A Laje do Coringa localiza-se na borda oriental da ilha. Descoberta em 1994, ela é reconhecida como um bone-bed: Uma área com elevada concentração de fósseis de por metro quadrado. Ela concentra mais fósseis dinossauros por unidade de área do que qualquer outro afloramento do país. Têm cerca de 4 hectares e contém uma grande variedade de formas dinossaurianas, além de restos de peixes, crocodilos, quelônios, pterossauros e diferentes formas vegetais. Reúne uma mistura de fauna marinha e continental, documentando um paleoambiente típico costeiro.

A fauna que habitou o norte-nordeste brasileiro durante o meso-cretáceo e que está representada no registro fossilífero da Ilha do Cajual e imediações é muito similar à fauna africana da mesma época. A composição faunística abrange dinossauros saurópodes (Grandes herbívoros com cauda e pescoço comprido – Titanosauridae, Andesauridae e Diplodocoidea) e terópodes (dinossauros bípedes predadores – Carcharodontosauridae, Spinosauridae e Dromeosauridae), além pterossauros, crocodilomorfos, plesiossauros (répteis marinhos de pescoço comprido), quelônios e numerosas ocorrências de peixes, tanto ósseos quanto cartilaginosos (Lepidotes, Mawsonia, tubarões hybodontiformes, peixes pulmonados e raias Sclerorhynchidae). Quanto a paleoflora são comuns troncos de coníferas, que deviam atingir mais de 20 m de altura, associados a samambaias arborescentes com 3 m de altura e equisetos (tipo de planta primitiva a grosso modo parecida com o Bambu), que se alastravam pelas margens dos rios e lagos compondo uma espécie de mata ciliar. 


O clima da região era de árido à semi-árido, com uma temperatura média de 45 graus Celsius, mas ainda assim comportava bolsões de vegetação luxuriosa confinados às proximidades dos cursos d’água.


Os fósseis da Laje do Coringa, via de regra são encontrados desarticulados e por terem sofrido processo de retrabalhamento, apresentam diferentes graus de desgaste. Quanto a materiais de dinossauros, por exemplo, são comuns centros vertebrais isolados de seus respectivos complexos neurais, fragmentos de ossos longos em geral não identificáveis e dentes. A gênese da Laje do Coringa é interpretada como tendo se dado em um contexto marinho raso, que reuniu elementos retrabalhados de diferentes fontes, com pelo menos algumas delas de origem fluvial. Os elementos isolados e desgastados tem utilidade limitada nas diagnoses, entretanto quando se dispões somente destes elementos para identificação, um esforço extra tem que ser feito para se realizar um diagnóstico efetivo.


Icnofósseis de vertebrados e invertebrados também são comuns. A grande quantidade de coprólitos encontrada poderia, segundo Prof. Manuel Alfredo, ser relacionada principalmente a pterossauros. Ele argumenta que é possível que o local abrigasse um grande ninhal, dado a grande quantidade de dentes e coprólitos desses animais encontrados ali.


Dos peixes são comuns escamas e dentes, mas também fragmentos ósseos do crânio, em especial de Mawsonia. Os exemplares de Mawsonia da região, devido a proporção dos ossos encontrados, deveriam apresentar tamanhos descomunais, maiores de 3 metros de comprimento. As tartarugas são representadas por placas ósseas da carapaça e plastrão, os crocodiliformes por dentes e placas ósseas e os plesiossauros (répteis marinhos) por raros dentes isolados. 


As coníferas, pteridóftas e equisetaceas são representadas pela preservação de suas porções mais lignificadas, como troncos e frondes.

Reconstrução do cenário cretácico maranhense por Felipe Elias. Representados: Dinossauro terópode Spinosauridae, Peixe (Mawsonia), dinossauro saurópode Titanosauridae e crocodilomorfo (Candidodon).

A Laje do Coringa fica imersa 2 metros embaixo d’água durante a maré cheia. Ela fica exposta somente algumas horas durante o dia. Nesse período é possível percorrer a pé o tapete de fósseis e se surpreender com a quantidade de material coletado em poucas horas.

Infelizmente, com a ação do maré, bancos de areia estão cobrindo a laje e a cada subida da mesma, várias partes da rocha se soltam. É um processo natural, mas que infelizmente destrói muitos fósseis e vem tornando inacessível algumas partes do afloramento.

Uma grande coleção de fósseis da Laje do Coringa e outros afloramentos da Formação Itapecuru da Ilha do Cajual estão depositados no museu da UFMA, em São Luís, outros, abrigados no Centro de Pesquisa de História Natural e Arqueologia do Maranhão. É típica a sua coloração escura, de castanho a negro e seu aspecto desgastado, de quem sobreviveu a mais de 95 milhões de anos de história….

Os fósseis maranhenses ajudam a reforçar uma importante interpretação da história dos continentes. A similaridade faunística entre o norte maranhense e o norte africano em meados do Cretáceo, nos ajuda a entender que um dia estes continentes já estiveram unidos em um único bloco de terra emersa: o Gondwana. “Seria impossível explicar esta similaridade entre as faunas se considerássemos que a posição dos continentes sempre foi a mesma que hoje. Temos que admitir que a África e a América do Sul já estiveram unidas num passado remoto”,  destaca o paleontólogo Manuel Alfredo Medeiros (UFMA).

Referências Bibliográficas

Medeiros M.A. & Schultz C.L. 2002. A fauna dinossauriana  da “Laje do Coringa”, Cretáceo Médio do Nordeste do Brasil. Arquivos do Museu Nacional, 60:155-162.

Medeiros M.A. & Schultz C.L. 2001. Uma paleocomunidade  de vertebrados do Cretáceo médio, Bacia de São Luís. In: Rossetti D.F., Góes A.M., Truckenbrodt W. (eds.) Cretáceo na Bacia de São Luís-Grajaú. Coleção Friedrich Katzer, Ed. Museu Paraense Emílio Goeldi, p. 209- 221.

Medeiros, M.A. 2003. Terra de Gigantes. Produção independente, 69 p.

Rossetti D.F. 2001. Arquitetura deposicional da Bacia de São Luís-Grajaú. In: Rossetti D.F., Góes A.M., Truckenbrodt W. (eds.) O Cretáceo na Bacia de São Luís-Grajaú. Coleção Friedrich Katzer, Ed. Museu Paraense Emílio Goeldi, p. 31-46.

>Um lindo exemplar de Rauisuchia!

>


Muitos devem ter acompanhado ontem pela televisão a curta notícia sobre o achado fóssil de um grande réptil de 238 milhões de anos na região do município de Dona Francisca, Rio Grande do Sul.  O material foi referido como pertencente a Prestosuchus chiniquensis, uma espécie de rauissúquio já conhecida pela ciência desde a primeira metade do século XX. O exemplar encontrado, porém, merece destaque! O estado de conservação está magnífico e o bicho encontra-se em grande parte articulado. Nas imagens é possível identificar o crânio do animal em excepcional estado de conservação.


Apesar de parecer, aviso antecipadamente: NÃO É UM DINOSSAURO. Trata-se de um Rauisuchia! – O que diabos? – Bem… já vamos entender toda história.

No Rio Grande do Sul, próximo ao município de Dona Francisca, cerca de 260km de Porto Alegre,  uma equipe de pesquisadores da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) anunciaram a descoberta de um fóssil quase completo de um superpredador do período Triássico. O animal, que teria cerca de 7 metros de comprimento e 238 milhões de anos, trata-se, segundo os envolvidos na descoberta, de um exemplar de Prestosuchus chiniquensis, uma espécie de rauissúquio que já fora descrita em 1942 por Friedrich von Huene, pesquisador alemão que na época explorava afloramentos fossilíferos do sul do Brasil.

           
Crânio e reconstituição em vida de Prestosuchus chiniquensis Barberena & Bonaparte, 1978

Prestosuchus é uma espécie de rauissúquio, grupo de grandes animais carnívoros quadrúpedes, terrestres, semelhantes a crocodilos, da linhagem dos Crurotarsi. Os Crurotarsi por sua vez são um dos dois grandes braços dos Archosauria, sendo dessa forma, grupo irmão dos Ornitodira. Os Crurotarsi englobam todos os crocodilos modernos e seus parentes pré-históricos, enquanto os Ornitodira, os pterossauros e dinossauros e aves.
Cladograma demonstrando as relações de parentesco entre os grupos citados acima

Isso ajuda a esclarecer uma questão: o animal encontrado é apenas como um primo distante dos dinossauros, apesar das semelhanças. E vale ressaltar ainda, que ele viveu num período um pouco anterior ao início da grande radiação dos seus parentes, que se deu há cerca de 230-225 milhões de anos atrás.

Qual a importância dessa descoberta?

O fóssil quase completo representa um dos mais importantes achados deste grupo de répteis. Os prestosuquídeos foram descobertos na primeira metade do século XX, em 1938, na região de Chiniquá, município de São Pedro do Sul, RS, em rochas correspondentes à Formação Santa Maria. Friederich von Huene foi quem recolheu os materiais, que constituíam-se de partes de um crânio e alguns outros ossos. Todos esses foram levados para estudos na Alemanha, onde permanecem até hoje no museu de Tübigen.


Mais tarde, na década de 70, um crânio completo foi encontrado. Ele estava associado a vértebras isoladas e outros materiais pouco preservados. Até hoje não se conhecia com detalhes, no entanto, como eram os membros posteriores desses animais.

A nova descoberta, sob essa perspectiva, veio abrir uma janela na compreensão da anatomia dos rauissúquios prestosuquídeos. “Este é o único fóssil deste grupo de animais a apresentar uma pata traseira preservada”, destaca Sérgio Furtado Cabreira, um dos paleontólogos envolvidos no achado. “Ele poderá trazer novas informações sobre a locomoção desses animais e favorecer uma reconstrução mais precisa do esqueleto”, adiciona o paleontólogo.

As rochas sedimentares do local da escavação correspondem ao que seria um lago primitivo. Herbívoros triássicos deveriam se reunir ali para matar a sede e esses predadores estariam prontos para a emboscada. O que tudo indica, pelo estado de preservação e articulação do material, é que logo após a sua morte o animal foi soterrado rapidamente. Nas rochas do entorno foram encontrados também restos de grandes dicinodontes e de pequenos cinodontes herbívoros, provavelmente presas comuns desses animais.

Os pesquisadores envolvidos na descoberta integram um projeto da Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação associada ao Museu de Ciências Naturais da ULBRA Canoas. Deve levar cerca de dois anos até que o material seja devidamente preparado e sejam publicados os seus primeiros estudos descritivos.

Mais detalhes sobre a descoberta

Há cerca de três anos Sérgio Cabreira e Lúcio Silvia encontraram duas grandes vértebras isoladas na área de estudo, um afloramento da Formação Santa Maria. De acordo com os pesquisadores, essas foram as pistas de que poderiam encontrar mais materiais naquela localidade, e que, pelo tamanho do material, poderiam pertencer a algum tipo de grande predador.

Foram as fortes chuvas do último verão que acentuaram a erosão do terreno rochoso e acabaram por expor as demais partes do esqueleto do animal ali sepultado. Nas fotos é possível ver o material preparado para retirada dentro dos bolsões de gesso.



 — O Rio Grande do Sul é umas das principais zonas de escavação paleontológicas brasileiras e é reconhecido mundialmente pela importância de seus fósseis. As rochas sedimentares mesozóicas, como a da área na qual foi encontrado o Prestosuchus, afloram preferencialmente na região central do estado e constituem uma destacada área de geoturismo.


— Quando se fala do Rio Grande do Sul não se pode deixar de falar do chamado Geoparque Paleorrota. Os afloramentos do geoparque abrangem rochas de idades permiana (Permiano Superior) e triássica (Inferior, Médio e Superior), entre 270 e 210 milhões de anos, das conhecidas unidades litoestratigráficas Santa Maria, Caturrita, Sanga do Cabral, Rio do Rasto e Irati.


— Foram as Formações Santa Maria e Caturrita que nos forneceram os registros dos mais antigos dinossauros brasileiros e dentre esses, algumas das formas mais basais de dinossauros do mundo. Os dinossauros gaúchos ajudaram e continuam a ajudar na elucidação do início da história evolutiva desses animais. 


— Em março desse ano pesquisadores da UFRGS anunciaram também a descoberta de um outro predador Triássico, Trucidocynodon riograndensis, um animal do tamanho de um lobo que viveu há cerca de 220 milhões de anos atrás.

Para saber mais:

>A MEGA Importância dos MICRO e NANO organismos

>

Há quem diga que estudar os microfósseis não tem nada de interessante ou não seja tão emocionante como encontrar um grande crânio ou fêmur de dinossauro. Oras, eu também poderia pensar o mesmo. Entretanto não é bem assim. O estudo de microfósseis é extremamente importante para a Paleontologia, e não deve ser subestimado, muito pelo contrário. Veremos logo abaixo, de maneira bastante sucinta, alguns dos por quês!


São considerados microfósseis todos aqueles vestígios microscópicos de organismos vAdicionar imagemivos, que representam ou o organismo todo ou partes deles – como ossos, unhas, dentes, conchas, fragmentos do exoesqueleto ou pólen. Os mesmos podem não só ajudar, mas são essenciais à paleoecologia e à paleoclimatologia, sendo muitos, peças fundamentais para determinar como se estruturava o ambiente primitivo. São peças-chave também na bioestratigrafia, ajudando a correlacionar estratos entre os depósitos sedimentares por todo o Planeta.


Alguns Microfósseis: diatomáceas, ostracodes, radiolários, espícula de esponja,foramíniferos planctônicos e cocólitos

Microfósseis e o Petróleo


A utilização de microfósseis na petrologia se dá pela correlação, a partir de estudos, de espécies de determinados microorganismos em diferentes camadas sedimentares. Esses microorganismos, na maioria dos casos, são representados por microfósseis carbonatados ou calcários. Tratam-se de foraminíferos, ostracodes e cocolitóforos. Abaixo tratarei mais especificamente dos cocolitóforos.

Os nanofósseis calcários são um conjunto de partículas de calcários, com dimensões menores que 50 micra, com grandes variedades de formas, mas geralmente constituem-se de placas arredondadas conhecidas como cocólitos. Parece redundância, mas esses cocólitos formam a cocosfera e são encontrados nos cocoliforídeos, seres unicelulares, biflagelados, fotossintetizantes, geralmente planctônicos e predominantemente marinhos.

O primeiro registro de cocoliforídeos se dá no Triássico Superior. Sua importância na indústria do petróleo está no fato de apresentarem grande diversidade biológica, alta taxa evolutiva, especificidades ecológicas e muito de seus representantes serem cosmopolitas, o que os torna fantásticos indicadores cronoestratigráficos e elementos identificadores de zonações ecológicas.

Nanofóssil Calcário: Cocolitoforídeo

Cocólitos apresentam características ideais para o estudo de camadas sedimentares. Um pesquisador estudando um bolsão de combustível fóssil em qualquer parte do mundo pode saber com uma boa margem de segurança qual a época de sua formação. Por exemplo, se uma espécie tal qual a Braarudosphaera chalk, for encontrada em uma determinada camada estratigráfica, o pesquisador logo saberá que esta pertence ao Oligoceno – época marcada por esta espécie. Então, se o mesmo ou outro pesquisador encontrar essa espécie em outra camada estratigráfica em outra parte do mundo, ele pode caracterizar aquele estrato como também pertencente ao Oligoceno, descartando muitas vezes a necessidade de uma datação radiométrica.

Outros objetos de estudo da Micropaleontologia: Palinologia e os Microfósseis de vertebrados

Dentro da micropaleontologia encontramos vertentes importantíssimas, tal qual a Paleopalinologia, ciência que dedica-se a estudar os grãos de pólen e esporos fósseis. É um ramo paleontológico extremamente importante para o estudo de paleoclimas e paleoecossistemas. Uma vez que cada espécie vegetal possui tipo particular de pólen ou esporo, torna-se possível determinar a composição vegetal e as características climáticas de Eras passadas e como foi sua evolução ao longo do tempo geológico.

Não menos importante, é o estudo dos microfósseis de vertebrados, Além de ajudar a entender melhor a diversidade de vida do passado e estabelecer marcos estratigráficos (como acontece com os dentes de conodontes), eles podem em alguns casos auxiliar a reconstruir características de ambientes extintos. Microfósseis de roedores cenozóicos oferecem essa possibilidade, por exemplo. Esses animais têm exigências ecológicas específicas e estudando a sua assembléia fóssil em uma localidade, podemos reconhecer como eram fisionomias vegetacionais do passado, mais abertas ou florestais por exemplo.

Concluindo, não devemos subestimar o “poder” dos microfósseis. eles são, na verdade, as principais ferramentas da paleontologia. A importância não está no tamanho, mas nas informações que eles são capazes de fornecer sobra a nossa fantástica e misteriosa história evolutiva.

Quando se fala em paleontologia, a primeira coisa que se vem a cabeça, são os fantásticos e imponentes dinossauros do mesozóico, mas o que as pessoas não sabem, ou ignoram, é que a paleontologia é muito mais que isso. Ela é abrangente assim como a genética, que não se baseia só no estudo de relações de paternidade entre indivíduos, ou a ecologia, que não estuda somente as relações entre organismos, ou ainda a bioquímica, que esta além do funcionamento do ciclo de Krebs. Essa abrangência se confirma em congressos de paleontologia, com temas diversificados em todas as escalas, nano, micro, macro ou mega. Considerando a diversidade dentro da micropaleontologia e o seu fantástico poder de predição, muito do que é discutido nesses congressos tem sim por base esse ramo paleontológico.

Em outras oportunidades voltaremos ao assunto, abordando outros grupos de microfósseis bastante importantes na Paloentologia.

Refêrencias

Alves, C.F.; Wanderley, M.D. Utilização dos Nanofósseis Calcários na Industria do Petróleo. 2º Congresso Brasileiro de P&D em Petróleo & Gás.

Carvalho, I.S. 2004. Sumário. In: Carvalho, I.S.(ed). Paleontologia. Vol 1. Rio de Janeiro: Interciência.

Fauth, G. ; Fauth, S.B., 2009. Microfósseis. Livro digital de paleontologia na sala de aula, UFRGS. Disponivel em: http://www.ufrgs.br/paleodigital/Microfósseis.html.

SEED, 2009. Geology: Microfósseis. Disponível em: http://www.seed.slb.com/v2/FAQView.cfm?ID=970&Language=PT

Aqui vai uma dica de site para quem se interessa por micropaleontologia, o criador, Jere H. Lipps, aborda sobre os mais comumente e importantes microfósseis estudados dentro da Micropaleontologia. Boa leitura!
http:/www.ucmp.berkeley.edu/fosrec/Lipps1.html

Estudando função e comportamento por meio do registro fóssil

Inferir o comportamento e a função de organismos extintos por meio dos registros fósseis é sempre um assunto polêmico. Alguns paleontólogos afirmam que isso deveria ser evitado, já que as hipóteses propostas nunca poderiam ser testadas, porém outros consideram essa uma das tarefas primordiais da paleontologia…

 
Nesse post dos colecionadores, inspirada pelo artigo do Prof. Michael J. Benton da Universidade de Bristol, Inglaterra, publicado em março deste ano na revista PLoS Biology, pretendo abordar um assunto um tanto controverso e espero que isso inspire alguns dos leitores a fazerem comentários. A inferência da função e comportamento de animais extintos por meio do registro fóssil. Ciência ou não? Qual a importância de tentar compreender detalhes da vida de organismos extintos?
 
Benton começa muito bem seu artigo, relembrando o fundador da anatomia comparada, Georges Cuvier (1769-1832). Georges Cuvier, naturalista francês, que foi ilustre titular da cadeira de Anatomia Animal do Museu de História Natural de Paris no início do século XIX, foi quem instituiu a observação de que existe um padrão comum entre os esqueletos de vertebrados, tanto os fósseis quanto os viventes.  E foi baseado nisso que ele propôs a possibilidade de se reconstruir a anatomia de um animal extinto a partir até mesmo de registros fósseis incompletos.
 
Fundamentado nesse seu princípio básico da anatomia e levando em consideração todas as suas observações de organismos vindos de vários cantos do planeta, Cuvier argumentou que o esqueleto de um animal, existente ou extinto, guarda pistas inequívocas sobre sua função e comportamento. Assim, enxergou que sua missão seria estabelecer algumas regras para a anatomia comparada que permitissem aos paleontólogos realizar certas afirmações sobre animais fósseis com clareza e confiança. 
Isso se tornou um princípio-chave na atualidade, e é o que chamamos de “reconstrução baseada na evidência” (i.e. dentes afiados indicam uma dieta carnívora, porque esse é um padrão típico observado nos organismos) diferente da pura especulação (i.e. “este dinossauro era rosa porque eu acho que ele era”).
 
Forma, função e comportamento
 
Pode-se assumir que estruturas biológicas são adaptadas de alguma forma e que elas evoluíram de maneira razoavelmente eficiente para realizar uma determinada função. Assim seria a tromba de um elefante: um órgão que evoluiu e atua como ferramenta muito competente de sucção e preênsil, permitindo ao grande animal alcançar o solo para buscar água e comida.  A partir de observações semelhantes, Cuvier entendeu que a forma de uma estrutura biológica deveria então refletir a sua função. Cuvier, no entanto, interpretou isto como sendo evidência da existência de algum tipo design inteligente e não como produto da evolução. É útil lembrar-se desse detalhe histórico, porque cabe colocar aqui, então, um alerta. É necessário cautela nas interpretações: nem tudo é resultado de uma adaptação e nem toda ‘adaptação’ é perfeita  A evolução trabalha como um sucateiro, não há uma escolha inteligente ou uma entidade por trás disso tudo, a evolução trabalha com os materiais que ela tem nas mãos.
 
Os fósseis como poderosas fontes de informação
 
Fósseis podem fornecer uma grande quantidade de informações:
 
1.        Anatômicas gerais dos organismos: O formato do esqueleto ou de outras partes biomineralizadas , que são os elementos mais facilmente preservadas no registro fóssil (i.e. o esqueleto reforçado dos artrópodes fósseis, que revela o formato de seu corpo e o número dos apêndices, a natureza de cada articulação e até detalhes das peças bucais e outras estruturas relacionadas com a alimentação e locomoção, as conchas de moluscos, dentes, escamas e ossos nos vertebrados).
 
2.       Anatômicas mais especializadas: Como evidências de cicatrizes de inserção muscular no esqueleto de vertebrados ou nas conchas de moluscos (i.e. impressões e alguns processos indicam de que maneira o músculo estava inserido ou qual era o seu tamanho, o que permite calcular a seu volume e potência) ou outras biomecânicas, como o cálculo do máximo rotacional de cada articulação dos ossos, inferido com base no formato das extremidades dos mesmos. Esse último pode ajudar a resolver questões interessantes sobre a postura e locomoção de animais extintos (i.e. a postura de caminhar nos pterossauros seria parasagital (com os membros abaixo do corpo) ou esparramada como a de um cowboy? Os fósseis demonstraram que a última seria o caso).
Mas não somente.Fósseis excepcionalmente bem preservados podem revelar muitos detalhes adicionais:
 
Anchiornis huxleyi
  1.     Como os contornos de partes moles dos organismos (i.e. dos tentáculos de beleminitas ou amonitas, de órgãos internos, pele e músculos de dinossauros, dos olhos compostos de trilobitas, etc.)
  2.     A presença de pêlos, penas ou outras estruturas semelhantes – em mamíferos, pterossauros, dinossauros ou aves.
  3.     Ou mesmo detalhes inesperados de estruturas moleculares (i.e. A preservação de osteócitos, de melanossomos, ou mesmo de boas porções de DNA, como nos mamutes congelados da Sibéria).
  4.    Existem ainda os fósseis excepcionais que preservam evidências de interações, mas vamos nos referir a eles mais detalhadamente adiante.
 
Abordagens para se extrair ao máximo as informações dos fósseis: A Função e Comportamento!
 
Existem três abordagens para inferir função e comportamento por meio de fósseis – 1) evidências empíricas, 2) comparação com análogos modernos e 3) a modelagem biomecânica. Vamos considerar as três:
 
1)      Evidências empíricas
 
Paleontólogos são inquisitivos por natureza, e eles reúnem evidências de todos os tipos para testar suas hipóteses. Evidências sobre o estilo de vida de um organismo extinto podem estar contidas 1) na rocha matriz, 2) na assembléia fossilífera associada (os outros organismos fósseis encontrados no mesmo contexto ou mesmo icnofósseis associados) e 3) em características particulares do próprio fóssil em questão.
 
As rochas podem nos dar evidências claras sobre paleoclimas e os fósseis associados podem indicar potenciais interações (predadores ou presas, etc). Já os icnofósseis, como pegadas e escavações, podem algumas vezes ser conectados aos seus produtores, e no caso de coprólitos (fezes fósseis), podem ser vasculhados para se determinar constituintes-chave da dieta de animais extintos.
 
Um famoso coprólito de 44 cm associado à Tyrannosaurus rex contém restos pulverizados de ossos de dinossauros Ornitischia que foram expostos à ação de ácidos estomacais, mas não foram inteiramente destruídos. Isso sugere um transito relativamente rápido do material alimentar pelo trato digestivo desses animais.
 
Quanto a características específicas do fóssil em questão, podemos, por exemplo, considerar detalhes dos dentes de animais pré-históricos para determinar a sua dieta.
 
Um estudo detalhado dos dentes de mamíferos fósseis pode até mesmo indicar que tipos de plantas eles utilizavam preferencialmente como recursos, baseando-se em micro-abrasões observáveis somente com o uso de microscópios eletrônicos. Ainda podem ser feitas análises das assinaturas isotópicas dos dentes, que revelam preferências por plantas C3 ou C4 na dieta dos animais, reflexos do paleoambiente no qual esses organismos estavam inseridos.
 
Algumas vezes um organismo pode ainda ser preservado de uma forma excepcional: capturado em um flagrante –  flagras de interações: Alimentando-se, por exemplo, ou mesmo engajado em um confronto. Já fizemos referência a esses tipos de fósseis em um tópico mais antigo desse blog.  Tratava-se particularmente do relato de um fóssil indiano descrito por Jeff Wilson e colaboradores. Sanajeh indicus, uma cobra preservada quase completa em pleno ataque a um ninho de dinossauros saurópodes.
Fóssil de Velociraptor e Protoceratops engajados em uma luta mortal.
O Flagrante fóssil de um Peixe abocanhando o outro. O resultado foi mortal.
Fóssil e reconstruções de Sanajeh indicus.
 
Na ocasião, Wilson e colaboradores utilizaram todos os três métodos comentados aqui (observações empíricas do espécime, combinada com comparações com análogos modernos e reconstrução biomecânica) para oferecer uma imagem do que retrataria aquele fóssil. Os autores incorporaram pesquisas museológicas, pesquisas de campo, estratigrafia e sedimentologia, histologia, embriologia e até mesmo análogos modernos para interpretar os detalhes de Sanajeh. Chegaram à conclusão de que aquele animal estaria espreitando o ninho de saurópodes à espera dos recém-nascidos para apanhá-los. É claro que não podemos ter completa certeza disso até que novos espécimes sejam encontrados com evidências de ossos dos pequenos bebês no que seria a região estomacal da cobra. MAS, em todos os casos, essas não são meras observações ou descrições óbvias de dados. São sim, hipóteses, como quaisquer outras, com suas referências e métodos, e sujeitas à refutação a qualquer momento.
 
O exemplo de que uma mandíbula que possua dentes mamalianos possa informar a um paleontólogo que aquele material pertença, vamos dizer, à uma toupeira marsupial de uma determinada família, e que devido aos seus dentes serem formato de agulha, ela deveria alimentar-se de insetos, está inteiramente dentro do modelo hipotético-dedutivo.
 
Assim como a asserção clássica de que “todos os cisnes são brancos” foi refutada pela descoberta do cisne negro Tasmaniano, toda asserção ou alegação feita por um paleontólogo está aberta a uma inspeção mais detalhada e refutação por novas evidências.
 
Comparação com análogos modernos
 
É provável que a função e o comportamento de um morcego fóssil possam ser inferidas com base em comparações com morcegos modernos, mas deveria um dinossauro ser comparado com seus parentes viventes (crocodilos e aves) ou animais com função ecológica aparentemente similar (elefantes ou rinocerontes)? A filogenia triunfa sobre similaridades gerais?
 
Talvez seja inútil comparar um Diplodocus com um pardal – seu tamanho corporal, morfologia e presumíveis modos de vida são completamente diferentes. Mas algo informativo vem sim da filogenia. De um modo ou de outro, a parcimônia permite aos paleobiólogos inferir sobre a presença de alguns tipos de caracteres e comportamentos. O desenvolvimento desse princípio da parcimônia é o que chamamos de  extant phylogenetic bracket” ou EPB.
 
De acordo com esse princípio, de uma maneira simples: poderíamos dizer que Tyrannosaurus rex presumivelmente teria os olhos com certas características, porque seus parentes viventes – aves e crocodilos – compartilham muitos caracteres em comum nos seus olhos. Outro exemplo, talvez um pouco mais impressionante, é a predição de que ovos fósseis serão um dia encontrados em estratos do período Carbonífero (360-280 m.a.). A razão principal para isso é que todos os amniotas viventes (i.e. répteis, aves e mamíferos) depositam ovos com casca, com exceção dos mamíferos que substituíram essa forma reprodutiva para dar a luz diretamente aos seus filhotes e também algumas espécies de cobras e lagartos.  Então, recapitulando: considerando a validez dessa observação para a atualidade, espera-se que o primeiro amniota no Carbonífero, há mais de 300 milhões de anos atrás, presumivelmente depositava ovos com casca, mesmo que o mais antigo registro para ovos fósseis seja datado do Triássico, 100 milhões de anos depois. Espera-se encontrar registros mais antigos.
 
A Parcimonia e o EPB são agora largamente utilizados nos discursos sobre os dinossauros com penas e as aves do Grupo Jehol da China (Cretácio Inferior, 131-120 m.a.). Quando espécimes do pequeno dinossauro terópode Sinosauropteryx foram anunciados, com a presença de filamentos simples análogos a penas cobrindo quase todo seu corpo, paleontólogos  logo olharam para as árvores filogenéticas e concluíram que essa descoberta lançava a origem das penas bem para trás no tempo, para a base do Jurássico Médio, 175 milhões de anos atrás. Isso porque Sinosauropteryx é um coelurossauro basal, e os primeiros coelurossauros conhecidos pertencem ao início do Jurássico Médio. A suposição mais parcimoniosa é que todos os coelurossauros possuíam algum tipo de pena desde o início de sua evolução.
 
Note que os filamentos de Sinosauropteryx ainda encontram-se em debate. Alguns pesquisadores argumentam que eles não seriam penas, mas sim tecido conectivo. De qualquer forma, penas tem sido reportadas para quase todas as linhagens de coelurossauros encontradas, e, portanto, sua origem estaria de alguma forma profundamente enraizada na filogenia dos dinossauros terópodes. Conhecendo o arranjo das penas e agora até mesmo o seu padrão de coloração, os paleobiólogos muito em breve poderão especular calmamente e racionalmente, sobre se certos dinossauros utilizavam suas penas para camuflagem, para emitir sinais de alerta, como display sexual, para estabelecer ordens sociais ou ainda outros comportamentos e funções.
 
Modelagem biomecânica
 
Modelos biomecânicos, combinados com considerações de análogos modernos, fornecem um poderoso discernimento sobre certos aspectos do movimento e da locomoção de organismos extintos. As oportunidades foram largamente expandidas com a facilidade de escaneamento e composição de imagens de estruturas 3-D, como ossos e conchas. Essas imagens podem então ser testadas utilizando softwares padrão de engenharia para determinar como a estrutura geral do esqueleto era modelada pelo estresse e a tensão do caminhar, correr, alimentar ou ‘bater cabeças’. Uma abordagem útil de modelagem é a “finite element analysys”ou FEA, um método bem estabelecido e utilizado por engenheiros para acessar a força de pontes ou outras edificações antes de sua construção. Agora ela é também aplicada para entender a estruturação de crânios de dinossauros, entre outras coisas.
Finite element analisys“, ou FEA, do crâneo de T. rex
 
Uma série de tentativas foram feitas para entender como os dinossauros corriam ou caminhavam, e claro, muitas delas foram focadas no T. rex. É razoável assumir que as leis da física e os princípios da biomecânica eram os mesmos no passado, assim como são hoje. Por exemplo, o ponto de partida de um estudo de locomoção para qualquer animal, especialmente um bípede, é estabelecer o seu centro de massa – aconteça o que acontecer o animal não pode cair à toa. O centro de massa para um animal vivente ou extinto pode ser determinado tanto por meio de modelos sólidos como por cálculos de distribuição de tecidos e espaços vazios utilizando-se as fatias do corpo reconstruído em 3-D. Em T. rex, o centro de massa está logo à frente dos quadris e a cauda balanceia o corpo, dando a postura mais natural ao animal com sua coluna posicionada quase totalmente na horizontal. Isso é um maravilhoso progresso  sobre a maneira ‘canguru’ como os dinossauros eram representados, com o corpo quase totalmente na vertical e a cauda arrastando no chão. Porém, isso é só o começo, baseado nos mesmos fundamentos T. rex pode ser reconstruído assumindo diversas poses ao se caminhar ou correr.
 
Ok, e qual seria a velocidade de T. rex? Várias estimativas já foram feitas. Algumas calcularam cerca 20 metros por segundo (72 km/h), enquanto outras, algo em torno de 5 metros por segundo (18 km/h) – a velocidade de um corredor de longa-distância humano. Muitos tipos diferentes de aproximações foram utilizadas para se chegar a isso, e várias ilustram a ingenuidade de alguns paleobiólogos. Por exemplo, pistas de pegadas podem ajudar a indicar a velocidade, já que existe uma relação constante entre o espaçamento das pegadas, o comprimento da perna do animal e a velocidade desenvolvida. Mas existem ainda outras formas de aproximação: as baseadas no comprimento relativo dos ossos das pernas, ou na suposição do risco de injúria para o animal, caso ele caia, utilizando-se de cálculos de estresse e tensão (quanto mais rápido o animal correr, maior o impacto do pé sobre o solo). Recentemente, Ponzer et al. (2009), finalmente  sintetizaram toda a história. Eles utilizaram cálculos baseados na estimativa do volume muscular das pernas do animal (os maiores músculos das pernas que alimentam as passadas são proporcionais à massa total e a velocidade do animal).  Ponzer e colaboradores concluíram que em velocidade de 5 metros por segundo, o T. rex de 6 toneladas necessitaria de músculos proporcionais àqueles de uma galinha, já se atingisse velocidade de 20 metros por segundo, a maior já assumida para o animal, os músculos da perna do T. rex  deveriam corresponder a mais de 86% de sua massa corpórea total. Recalculando isso de maneira a considerar a biomecânica da corrida, as taxas metabólicas envolvidas e evidências de tetrápodes atuais, foi possível concluir que dinossauros de grande porte deveriam exceder as capacidades máximas aeróbicas dos ectotermos modernos. Isso significa que eles seriam funcionalmente endotermos, mesmo que essa ‘homeotermia’ tenha origem por inércia térmica devido ao grande tamanho desses animais.
 
Frente a tudo o que foi discutido aqui, já é o suficiente para concluir que não há a necessidade de que os paleobiólogos façam especulações desvairadas para reconstituir o comportamento e a função de organismos do passado. Existem metodologias bem fundamentadas para se chegar às hipóteses. E as hipóteses estão sim sujeitas à refutação em qualquer momento. Interpretações engenhosas e descobertas espetaculares, como a de Sanajeh no ninho de saurópodes, podem diversas vezes nos fornecer extraordinários insights sobre a vida perdida do passado e isso nos ajuda a compreender como cada organismo evoluiu (não só anatomicamente) para se tornar o que é hoje.
Benton, M. J., 2010. Studying function and behavior in the fossil record. PLos Biol, 8(3): e1000321:doi10.1371/journal.pbio.1000321
 
Pontzer, H., Allen, V. & Hutchinson, J., 2009. Biomechanics of running indicates endothermy in bipedal dinosaurs. PLos One, 4(11): e7783.doi:10.1371/journal.pone.0007783.
 
Zhang, F.; Keams, S.; Orr, P.; Benton, M.; Zhou, Z. et al., 2010. Fossilized melanosomes and the color of Cretaceous dinosaurs and birds. Nature. E-pub ahead of print. doi:nature08740.3d.
 
Wilson J.; Mohabey, D., Peters, S & Head, J., 2010. Predation upon hatchling dinosaurs by a snake from Late Cretaceous of India. PLoS Biology, 8(3): e1000322.doi:10.1371/journal.pbio.1000322.
 
Witmer, L., 1995. The extant Phylogenetic Bracket and the importance of reconstructing soft tissue in fossils. In: Thomason, J. ed. Funcional Morphology in Vertebrate Paleonology. New York: Cambridge University Press. pp 19-33.