A seleção natural contada por um jogo
Quando estamos fazendo um jogo a pergunta que mais nos fazemos é: será que tá divertido? Hoje, mesmo trabalhando com jogos para a divulgação científica, essa é a nossa pergunta top 1!
É com este pensamento que os nossos jogos nascem. Nós, da Clareira dos Jogos, amamos trabalhar com temas ligados à biologia, mas de que adianta agregar tanta informação se isso não engajar as pessoas? Queremos sempre criar vivências com significados, para que a pessoa mergulhe em meio a novas descobertas por vontade própria e, claro, por diversão.
Nosso grupo é formado por biólogos, artistas, designers de jogos e programadores que, em 2020, fundaram a clareira para desenvolver jogos de divulgação científica e educação ambiental. Escolhemos esta mídia (que somos apaixonados) por entendermos o potencial dos jogos em promover imersão e o protagonismo aos jogadores, características que ajudam muito o aprendizado.
Por gostar de falar de ciências, sempre que podemos também estamos juntos com quem a produz! Seja em eventos acadêmicos ou sala de aula, as trocas e opiniões destas comunidades enriquecem qualquer jogo.
Também foi em sala de aula que Molukas surgiu. Um jogo sobre ecologia e evolução desenvolvido em meio a testes com estudantes do ensino fundamental e médio e universitários.
Foram temas que escolhemos justamente pela falta de exemplos práticos que podem ser dados quando se ensina sobre eles. Por serem tópicos mais abstratos, a interatividade e imersão do jogo criaram novas vivências para serem usadas na simplificação do entendimento.
Ao levar para a sala de aula, os estudantes também se conectaram muito com o estilo visual. Nós escolhemos referências como Pokémon e Hora da Aventura para as ilustrações por serem produções que mexem com vários públicos (inclusive com a gente). Nós recebemos até ilustrações dos estudantes que participaram da nossa versão antecipada!
Essa mesma turma de onde veio a ilustração foi o nosso primeiro teste usando Molukas no ensino remoto. Os relatos da professora foram os mais positivos possíveis, os estudantes inadimplentes começaram até a fazer exercícios atrasados para poder jogar com a turma.
A escolha por abordar aspectos ecológicos e evolutivos nos guiou em todas as nossas decisões, inclusive na estética. Como o jogo é focado em processos abrangentes, optamos criar espécies fictícias, assim, nós evitamos qualquer associação exclusiva de um efeito biológico com espécies reais.
As regras (ou mecânicas) de Molukas foram feitas para o jogador conseguir se relacionar com a diversidade de conceitos presente na ecologia e evolução. No mapa, por exemplo, temos três terrenos diferentes e quanto mais espécies em um terreno, mais disputada a comida fica.
Durante este jogo o vencedor é aquele que consegue fazer suas espécies prosperarem. Para isso você tem que garantir a alimentação e reprodução delas! As cartas também são muito importantes para isso. Cada uma delas contém um conceito biológico diferente, assim uma carta como “Pioneiros” pode beneficiar uma espécie que esteja sozinha em um terreno, sendo uma simplificação do conceito ecológico de espécie pioneira.
Além de disputar por alimentos e fugir de predadores, existem outros riscos que você pode correr. A seleção natural também pode te pegar desprevenido por meio das cartas que extinguem espécies. Um exemplo é a carta “Falta de Recursos” que diminui drasticamente o número de alimentos que a espécie precisaria comer.
Durante o percurso de desenvolvimento também percebemos que as mecânicas de Molukas eram um pouco complicadas para o público infantil. Como ele é um jogo com muitas regras e textos, muitas das crianças que eram atraídas pelas ilustrações fofas não conseguiam jogar de fato. Isso varia muito para cada pessoa, algumas com menos de 10 anos conseguiram jogar sem dificuldade, mas não deixa de ser um aperto no coração quando outras não conseguem (principalmente quando se está cercado de crianças).
Quando a partida termina, você também pode desbloquear novos conteúdos! O jogador pode conhecer as histórias dos exploradores que visitaram as Ilhas Molukas. Fizemos isso para expandir a quantidade de curiosidades biológicas do jogo e homenagear as ilhas da Indonésia, onde Wallace formulou seus ensaios sobre seleção natural.
Como Molukas é um jogo digital também existem algumas limitações para levar para sala de aula. Em turmas que os estudantes não poderiam jogar no celular, professores já usaram Molukas no projetor e fizeram um jogo colaborativo com os alunos tomando as decisões. Mesmo sendo usado de uma maneira inesperada, os professores que fizeram isso nos relataram experiências excelentes em que o problema foi o controle dos alunos querendo participar ao mesmo tempo.
Os testes em sala de aula também resultaram em um manual didático com toda essa experiência! Nele compilamos os conteúdos do jogo e propostas pedagógicas sobre como utilizar Molukas. Para acessar esse conteúdo você pode entrar na página do jogo: https://clareiradosjogos.itch.io/molukas
Nos apaixonamos pelos resultados deste jogo e desejamos um bom jogo para vocês!
Mateus Melotti Martins é mestre em biologia animal pela Universidade Federal do Espírito Santo. Atualmente, faz parte da Clareira dos Jogos como designer de jogos e divulgador científico.
Obesidade e Depressão podem ser causadas por bactérias que vivem no nosso intestino, dá pra acreditar?!
Você já deve ter se deparado com relatos de conhecidos, parentes e amigos, que seguiram as mais variadas receitas e dietas milagrosas para uma tentativa frustrante de emagrecimento sem sucesso.
Ou ainda, em encontros com a família, escutado a sua tia comentar à mesa durante o café da tarde, “que está no terceiro antidepressivo diferente”, na esperança de combater a depressão.
Ou a caminho do happy-hour após o trabalho, em que um colega cancela a presença em cima da hora, pois iniciou o tratamento com antidepressivos “e o remédio o está deixando muito sonolento nesta primeira semana”.
Situações como estas são tão frequentes no nosso dia-a-dia, que não nos damos conta de que as doenças crônicas têm ganhado cada vez mais espaço entre a população.
Mas será que quando pensamos em obesidade, apenas as cores e a composição do nosso prato é o que importa? E quanto aos efeitos colaterais ou a baixa eficácia das terapias medicamentosas no combate à depressão? Será que estas são as nossas únicas opções?
Cientistas também se debruçaram sobre estes questionamentos.
E embora obesidade e depressão sejam síndromes completamente distintas, pesquisadores descobriram que as duas podem ter suas raízes patológicas, no nosso gigantesco universo microscópico conhecido como microbiota intestinal, em especial a sua porção bacteriana.
É consenso entre cientistas da área, que todos nós possuímos uma microbiota intestinal bastante diversificada, marcada pela presença de diferentes espécies e grupos bacterianos, nas mais diversificadas proporções ao longo do nosso intestino.
Assim como no caso das populações humanas, no que tange a microbiota intestinal, a diversidade é muito importante, e uma microbiota que apresenta alta diversidade bacteriana é considerada saudável, na maioria dos casos.
Nos últimos anos, constataram que as bactérias intestinais das pessoas acometidas pela depressão crônica ou pela obesidade são diferentes daquelas que habitam os indivíduos considerados saudáveis.
São tão diferentes que se referem à esta condição como uma microbiota em disbiose, ou em outras palavras, em um estado de “desequilíbrio microbiano”.
E isso não é tudo.
Através da prática conhecida como transplante de microbiota, em que é possível transferir as bactérias intestinais de um indivíduo para outro, é possível estudar a ação de determinados micro-organismos em relação aos seus hospedeiros.
Em meio a este contexto investigativo, as bactérias intestinais presentes nas fezes de pacientes diagnosticados com depressão crônica foram coletadas em um estudo científico, e transferidas para o intestino de camundongos de laboratório.
Após o transplante, cientistas constataram que estes mesmos camundongos, antes saudáveis, após a colonização pelas bactérias intestinais provenientes dos indivíduos com depressão, passaram também a apresentar sintomas depressivos.
Em outro ensaio experimental de transplante de microbiota, neste caso, de uma microbiota proveniente de indivíduos obesos para camundongos, os cientistas tiveram uma surpresa ainda maior. Independe do tipo de alimento que dessem para estes camundongos que abrigavam uma “microbiota intestinal de indivíduos obesos”, os camundongos sempre desenvolviam sobrepeso.
Por demonstrarem a atuação direta da microbiota intestinal sobre o fenótipo e o comportamento dos camundongos transplantados com as microbiotas em disbiose provenientes de humanos, estes estudos inauguram uma nova vertente no entendimento da depressão e da obesidade na nossa sociedade.
De volta para os questionamentos do início deste post, um olhar a partir da perspectiva das nossas bactérias intestinais (da microbiota intestinal) e da sua relação conosco, talvez ajude a elucidar o porquê de inúmeras práticas e tratamentos milagrosos para a redução de peso ou controle dos sintomas depressivos não funcionarem com a praticidade e o rendimento que nós gostaríamos. Abrindo caminhos para o surgimento de novas propostas terapêuticas a partir da manipulação da composição da nossa microbiota intestinal.
Dionisio Pedro Amorim Neto. Biólogo Licenciado pela UNICAMP e Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação do Dpto. de Biologia Celular e Estrutural, com ênfase em Biologia Celular por esta mesma instituição. É vinculado ao LNBio/CNPEM, onde desenvolve projetos relacionados às temáticas de Biologia Celular, Neurobiologia e Microbioma, sendo estas as minhas áreas de atuação e interesse.
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Matheus de Castro Fonseca. Graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Biologia Celular (UFMG). Doutor em Ciências Biológicas: Fisiologia e Farmacologia (UFMG). Atualmente, é membro da Sociedade Brasileira de Biologia Celular e pesquisador do Laboratório Nacional de Biociências, CNPEM, Campinas, onde desenvolve pesquisa com foco em neurobiologia celular e molecular, imageamento de neuroestruturas por raio-X e mecanismos celulares do Parkinson Idiopático.
Um homem entre gigantes | Quando a ciência “bate de frente” com a NFL
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do ScienceBlogs Brasil
O filme “Um homem entre gigantes” (“Concussion” no título original), foi lançado em 2015 nos EUA é a história real do médico que através de ciência coloca em pauta o embate entre a ganância empresarial – que só visa lucrar – e o conhecimento científico – em prol de ajudar a salvar vidas. Em tempos de pandemia, em que a ciência luta mais uma vez para ter voz em meio ao panorama econômico, falar sobre esse filme se torna mais relevante ainda.
No longa, Will Smith dá vida ao Dr. Bennet Omalu, um neuropatologista nigeriano que lançou luzes a um problema recorrente, porém “invisível”. Omalu dizia estudar a “ciência da morte”. Atuava como médico legista em uma agência pública e sua postura chamava a atenção pela forma respeitosa com a qual lidava com os cadáveres durante as necropsias. Ele conversava com os mortos e pedia ajuda para entender o que poderia ter acontecido ainda em vida para que houvesse aquela morte. O respeito pelos mortos é oriundo da cultura africana Bantu, a qual pontua a importância de cultuar os corpos corretamente uma vez que a morte e doença para os bantus não são fenômenos naturais, mas sim atribuídos a algum fator específico.
O enredo se passa na cidade sede do time de futebol americano Pittsburgh Steelers, e mostra o ex-astro do time Mike Webster tendo uma série de comportamentos fora de controle. Webster morre de infarto, mas seu histórico de loucura, ainda que com apenas 50 anos, chama a atenção de Omalu, que insiste em investigar a real causa por trás dessa morte. O médico se pergunta o porquê de um cérebro que deveria estar uma bagunça não mostrar nenhuma alteração visual aparente.
O filme aborda o processo do método cientifico e traz um pouco do que seria o estereótipo de um cientista. Uma casa cheia de livros espalhados, um microscópio em cima da mesa e evidenciando por várias vezes ao longo da trama a dedicação do personagem à pesquisa acadêmica.
Após fazer várias análises microscópicas do cérebro de Webseter e um levantamento bibliográfico sobre colisões em outras espécies, ele chega a conclusão de que enquanto vários animais possuem um sistema de amortecimento de choque para proteger o cérebro, os humanos não. E, que colisões da dimensão das que ocorrem em jogadores de futebol americano ao longo do tempo levaria a uma série de eventos neurológicos graduais, a qual ele nomeou Encefalopatia Traumática Crônica (ETC). Seus achados em conjunto com seus colegas foram publicados em 2005 em uma revista científica com o título “Encefalopatia traumática crônica em um jogador da liga de futebol americano”.
Hoje se sabe que a ETC é uma lesão cerebral causada por repetidas concussões, comum no mundo dos esportes. O cérebro de quem sofre de ETC vai se deteriorando e começa a perder massa, bem como tem a liberação e acúmulo de proteínas que alteram a função cerebral, como no Mal de Alzheimer, o que levava muitas vezes a um diagnóstico equivocado.
A trama chama atenção também pelas vezes em que o médico tenta explicar a doença de forma acessível ao público leigo. Em uma das cenas o médico diz que as proteínas liberadas no cérebro são como jogar cimento úmido em um cano, e quando endurecem, comprimem a passagem, algo semelhante aconteceria no cérebro de portadores de ETC.
Omalu pretendia chegar a uma forma de resolver este problema e garantir a vida saudável dos praticantes do esporte. O que ele não imaginava era o tamanho da briga que estava comprando. A ETC não era apenas uma descoberta acadêmica, mas também uma luta contra uma grande corporação que movimenta bilhões por ano. Será que os jogadores continuariam na profissão cientes de que poderiam ter problemas neurológicos no futuro? Será que as mães continuariam incentivando os filhos nesse esporte? Pra NFL – a liga de futebol americano – esse seria o fim do esporte.
Diante disso, o filme aborda a NFL fazendo de tudo para parar essa pesquisa clínica, indo de ligações ameaçadoras e perseguições a seus colegas de trabalho e família, a exigências de cartas de retratação. A liga quer desacreditar o médico e todo seu estudo científico. Porém Omalu segue firme em seu propósito e conforme os mesmo sintomas se manifestam em outros jogadores, a existência da ETC é reafirmada. Seu parceiro de pesquisa e ex-médico dos jogadores consegue falar sobre os achados de Omalu na cúpula geral da Liga sobre concussão. Mesmo assim, a NFL segue tentando fazer vista grossa para os estudos ainda que o número de casos fossem suficientes para a aprovação científica.
A NFL não se pronunciou sobre os casos por um longo tempo. Só em 2016, mais de 10 anos depois dos achados de Omalu a NFL se pronunciou dizendo que acreditava que pudesse existir uma relação entre o futebol americano e a ETC.
O filme fecha com Omalu dizendo que os mortos o dão o “Presente do Saber” pois através deles se chegou a descoberta de uma doença que acomete 28% dos jogadores. Desde então a NFL sofreu uma série de processos dos jogadores por não estarem cientes do risco de suas profissões. Ao fim, o longa mostra o reconhecimento científico de forma verossímil, o quão árduo foi o processo para que a ciência tomasse voz em um meio onde só se pensa em lucrar, independente de quantas vidas isso custe. Em um trecho o filme faz alusão à luta contra a indústria do tabaco nos anos 90.
Também são abordadas algumas questões culturais como o racismo sofrido pelo médico por ser preto nigeriano, tendo sua capacidade duvidada a todo tempo. Em alguns momentos teve seus achados apresentados por outro médico para que suas descobertas fossem validadas. Isso nos trás a reflexão sobre a suposta superioridade americana e seus preconceitos. Podemos perceber a dificuldade do médico e cientista para que dessem voz ao conhecimento, o quanto ele precisou sair da zona de conforto para que fosse ouvido.
“Se eu negar meu trabalho, homens continuam morrendo”. Essa frase de Omalu traz a uma reflexão bem atual como levantei no início do texto. Quantas vidas poderiam ter sido poupadas, se tivessem dado a atenção devida às pesquisas que alertavam sobre o Coronavírus no início dos anos 2000? Os mercados chineses, em nome do lucro, mantiveram seu comércio com diversos animais silvestres, ainda que a ciência já tivesse emitido seus alertas. Ok, esse assunto é longo e tema pra uma outra resenha mas ilustra o quão atual é a questão.
Por fim, a trama mostra o impacto direto da ciência sobre a vida humana e seus benefícios para a sociedade e nos inspira como cientistas a travarmos a nossa luta diária em defesa do conhecimento.
A título de curiosidade, em 2017, 12 anos após a primeira descoberta sobre a doença, Omalu publica pela primeira vez um artigo sobre um caso de ETC em uma pessoa viva. Tal fato ilustra o quanto o processo de “fazer ciência” é um processo árduo, lento, levando também a reflexão acerca dos desafios diários do mundo científico, independente de vieses econômicos e políticos.
O filme rendeu uma indicação ao globo de Ouro como melhor ator a Will Smith e encontra-se disponível no Netflix.
Aqui o trailer do filme:
Kamilla Avelino de Souza. Bióloga e doutoranda em Ciências Morfológicas pelo Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faço parte da equipe de colunistas do site “Ciência Explica” e amo divulgar ciência de forma geral.
Choro e ranger de dentes: a formação do pesquisador brasileiro precisa mesmo disso?
Esse post é parte da Blogagem Coletiva de comemoração aos 10 anos do ScienceBlogs Brasil. Essa semana é Tema Livre. Hoje quem escreve é Mariella De Oliveira-Costa é doutora em saúde coletiva.
Ansiedade, angústia, desânimo, depressão e dificuldades de concentração são alguns dos problemas de saúde física e mental que acometem parte dos estudantes de pós-graduação, assim como quem está na época de realizar sua monografia.
Todos vibram muito com a conquista daquela sonhada vaga na universidade mas nem sempre (ou quase nunca) a vida acadêmica se mostra tranquila e interessante. A família que apoiou a escolha daquele aluno, o encontra por vezes isolado de tudo e de todos, sem tempo para atividades coletivas e até mal humorado.
Boa parte dos estudantes se frustra com as dificuldades inerentes dessa etapa da vida acadêmica, com o orientador, com o programa de pós, com os colegas, com os conteúdos de pesquisa, enfim, com o ambiente dentro de uma universidade ou instituição de pesquisa.
Mas esta etapa da vida não precisa ser assim.
Existem inúmeras dificuldades, mas também muitas estratégias para que esta fase de formação de um pesquisador, da iniciação científica, passando pelo TCC, mestrado e doutorado sejam momento de crescimento e aprendizado.
Nas redes sociais, tem sido comum observar um discurso de tristeza, abatimento e desilusão para com a pós-graduação e seus desafios e dificuldades.
Me incomoda bastante o discurso de que uma pós-graduação é apenas para alguns poucos iluminados e que a maioria deve sim viver num mar de choro e ranger de dentes. A vida acadêmica, bem administrada, pode ser leve e um momento bem feliz (e é importante compartilhar essa ideia)!
Sou recém-doutora e ao longo de minha formação sempre busquei espaços na agenda para atividades completamente fora do meu tema de pesquisa, e me cerquei de pessoas que tinham outras carreiras, falassem de outras coisas e ventilassem minha conversas e minha mente.
Pensando nisso, comecei um canal no youtube para falar sobre a vida acadêmica de uma forma mais realista e bem humorada.
Meu intuito é apresentar que existe vida além da pós-graduação, com temas do cotidiano acadêmico de maneira leve e breve, para auxiliar os pós-graduandos (e os candidatos a uma pós) a encararem esta etapa da vida tal como ela realmente é: apenas uma parte, uma etapa, um degrau na sua caminhada (e não a caminhada toda).
Existe vida além da pós-graduação e nenhuma vida precisa ser resumida a uma rotina casa-universidade. Um problema no laboratório, um resultado inesperado, uma pesquisa com uma série de limitações não pode definir a personalidade de ninguém, pois não somos máquinas e é preciso saber lidar com as dificuldades sem se tornar refém delas.
Afinal, se formarmos pesquisadores desanimados, frustrados na sua formação básica e com a saúde mental comprometida, qual será o futuro da ciência brasileira?
Mariella De Oliveira-Costa é doutora em saúde coletiva, jornalista, escritora e tem como um de seus hobbies seu canal no Youtube. Atualmente trabalha na Fiocruz Brasília.
Do Papai Noel à Metástase
Esse post é parte da Blogagem Coletiva de comemoração aos 10 anos do ScienceBlogs Brasil. Essa semana é Tema Livre. Hoje quem escreve é Bruno Ricardo Barreto Pires, Biólogo e Pós-doutorando do Instituto Nacional de Câncer.
Eu nasci e fui criado no interior de Goiás, em uma cidade de 25.000 habitantes chamada Posse. Tive uma infância sem shoppings ou cinemas, mas com muito contato com a natureza e com os meus 20 primos. No natal de 1994, nos reunimos na casa dos meus avós maternos para a ceia. Na época, eu tinha 5 anos e carregava uma enorme vontade de falar tudo o que pensava. O clímax daquela noite foi a aparição do Papai Noel durante o jantar. Eu estava empolgadíssimo com aquela presença, assim como os meus primos que tinham mais ou menos a mesma idade, até que percebi que a minha avó não estava mais no recinto. Comecei a observar bem aquele Papai Noel, sua barba branca, seu cabelo branco, gorro e roupas vermelhas… então, gritei “O Papai Noel é a vovó!”
Todos os adultos se espantaram. Meus pais desconversaram e depois de alguns minutos, o bom velhinho partiu. Eu insistia que era, mas parecia que eu havia falado um palavrão, pois todos me olhavam com um certo desprezo. No dia seguinte, a primeira coisa que fiz foi questionar a minha mãe. Ela confirmou, “ele não é real”. Apesar de ela ter me explicado todo o motivo pelo qual ele foi criado, eu senti aquilo como uma facada nas minhas vísceras. Embora aquela verdade tenha sido difícil de administrar no auge dos meus 5 anos, eu quis mais: “então, o coelhinho da Páscoa também não existe?” Também não, respondeu a minha mãe com um olhar de velório. Naquele dia, eu dormi muito mal, mas decidi contar a verdade para as outras pessoas (que tinham a mesma idade). No final de semana subsequente, estávamos todos os primos reunidos na casa dos meus avós e aproveitei a ocasião para libertá-los daquela mentira. No entanto, para a minha maior decepção, eles disseram que era eu quem estava mentido e um deles completou: “meus pais falaram que existe e eles não mentem”. Eu fiquei arrasado. Percebi que meus pares preferiam viver em uma ilusão do que aceitar a “verdade nua e crua”.
Aquela história envolvendo o papai noel me deu uma enorme coragem para questionar qualquer coisa. Além disso, ela quebrou o paradigma de que eu deveria acreditar em tudo que “os mais experientes” afirmam. Só que eu me empolguei. Aos 6 anos, eu estava desenvolvendo uma noção sobre parentesco/hereditariedade, e cheguei a conclusão de que os meus pais não pareciam fisionomicamente comigo. Sem saber o que a genética mendeliana conta sobre os alelos raros, acusei os meus pais de terem me adotado. No começo, os meus pais riram, mas eu insisti tanto com o assunto que no mesmo dia, a minha mãe me levou ao hospital em que nasci para que todos dessem o depoimento que testemunhava a favor dela. “Eles estão todos comprados”, repeti a frase que ouvia ocasionalmente no Programa Livre – um clássico da década de 90.
Nesse dia, eu tinha passado da conta. Mesmo para uma criança de 6 anos, era perceptível a tristeza de uma mãe que se sentia rejeitada pelo próprio filho. “Você é sangue do meu sangue, meu filho. Por que está fazendo isso comigo?” Esse diálogo nunca mas saiu da minha cabeça…
Alguns anos depois, a minha avó materna falece com câncer de mama. Lembro de uma conversa entre os meus pais que contava, segundo o oncologista do Hospital de Base, que o câncer havia se espalhado e que não havia tratamento para isso. No dia após o velório, eu contei no ouvido da minha mãe, que eu iria estudar porque “aquilo” matou a minha avó. Naquele momento, eu descobri como utilizar a minha vontade de investigar/pesquisar sem machucar as pessoas. Muito pelo contrário, ajudando-as. Então, naquele dia eu aceitei a missão de ser um cientista.
Desde então, eu persigo a metástase do câncer de mama como aquele que busca vingança, mas ao mesmo tempo, como aquele que quer dar esperança a todas as famílias que sofrem com esta doença.
Bruno Ricardo Barreto Pires, Biólogo e Pós-doutorando do Instituto Nacional de Câncer. Escreve no blog “Novais da Silveira” e é entusiasta da divulgação científica nas redes sociais.
Estudos Literários: existimos, a que será que se destina?
Esse post é parte da Blogagem Coletiva de comemoração aos 10 anos do ScienceBlogs Brasil. Essa semana é Tema Livre. Hoje quem escreve é Claudia Alves, escreve no Blogs Marca Páginas dos Blogs de Ciência da Unicamp.
Sempre imagino começar uma aula de Literatura perguntando aos alunos o que se estuda nas outras aulas. Matemática? Números, equações, formas geométricas. Biologia? Reino animal, reino vegetal, corpo humano. História? Grécia, Império Romano, Independência do Brasil, Segunda Guerra Mundial. E então perguntar para a classe: e Literatura? Esperaria respostas como livros, escritores, histórias. Mas acho que poderíamos complementar e dizer ainda tudo o mais que se aprende nas outras aulas, afinal números, corpos e guerras, por exemplo, são temas bastante recorrentes também na Literatura.
Esse exercício de imaginação sempre me fez acreditar que ali naquele contexto escolar seria possível mostrar aos alunos que, em uma aula de Literatura, podemos passar, em maior ou menor medida, pelos conteúdos de todas as outras disciplinas. Nesse grande guarda-chuva, não haveria limites para imaginar quais temas existem e podem ser trabalhados na escola. Tudo que é humano é passível de ser literário.
De alguma maneira, quando explico o que são os Estudos Literários, tento percorrer esse mesmo trajeto. Se a Literatura nos permite criar em cima de tudo o que é humano, os Estudos Literários se abrem como uma área capaz de propor os mais variados tipos de exercícios de reflexão a partir da Literatura e de seus desdobramentos.
Existimos como uma área científica, então, nessa perspectiva: produzindo os mais diferentes conhecimentos possíveis de serem pensados a partir de obras literárias e de tudo o que pode existir ao seu redor. Na prática, isso significa pensar e questionar desde o contexto histórico em que um livro foi escrito até a biografia de quem o escreveu, passando pelas mais diversas características de forma e estilo do próprio texto, ou ainda pelas teorias literárias que se constituem a partir de um conjunto de textos.
Pensemos em um grande clássico da literatura brasileira como Dom Casmurro, por exemplo, escrito no século XIX por Machado de Assis. Esse livro é certamente uma das obras mais analisadas até hoje pelos Estudos Literários no Brasil e também no exterior. E como pode tanta gente ainda ter tanta coisa a dizer sobre um texto de 200 e poucas páginas? A começar por sua construção literária, Dom Casmurro é um dos enredos mais instigantes da história da Literatura. Em seu universo, é possível estudar desde as escolhas linguísticas operadas por Machado até as maneiras como os sentimentos humanos e as subjetividades das personagens são construídas literariamente. Por outro lado, é também uma representação muito interessante de um certo Rio de Janeiro dos anos de 1800 e em certa medida do próprio contexto brasileiro da época. Além disso, há a oportunidade de investigar a biografia de Machado de Assis e suas trajetórias de leitura e reflexão, que ganharam novos contornos em suas próprias criações. Finalmente, as infinitas possibilidades que surgem das relações com outros livros, outros escritores, outros tempos e também com outras línguas, graças à área de traduções literárias. Sem esquecer, é claro, dos diálogos com outras Artes, como Cinema e Teatro, algo que também tem ganhado espaço nos Estudos Literários.
Com tais ideias em mente, muito se pode discutir ainda sobre os Estudos Literários em si serem ou não considerados um ramo das Ciências Humanas e, consequentemente, fazerem parte dos interesses da Divulgação Científica. Ora, mais do que responder a essa pergunta de forma pragmática, parece ser mais interessante instigar a reflexão crítica: por que Literatura seria ou não uma Ciência? Que tipo de produção de conhecimento está atrelada a essa questão ou por que essa dúvida é feita de maneira mais atenuada, com menos desconfiança, quando se trata de pesquisas das áreas de exatas e biológicas? Ou ainda, a quem interessa um certo tipo de sociedade em que fazer Ciência e produzir conhecimento é algo diretamente relacionado à utilidade prática que tais pesquisas terão, o que excluiria a princípio o tipo de pesquisa feita nos Estudos Literários?
Deixo essas dúvidas sem respostas porque nem eu mesma as tenho, mas fato é que nós, pesquisadoras e pesquisadores de Estudos Literários, existimos. Somos uma área de pesquisa presente nas universidades, nas bibliotecas, nos institutos de pesquisa, ou seja, em instâncias institucionais de renome, onde são produzidos conhecimentos. Estamos compartilhando esses espaços com muita resistência, já que socialmente os conhecimentos produzidos pelas Ciências Humanas ainda são muito desvalorizados; principalmente quando se espera das Ciências uma aplicabilidade instantânea, o que não condiz com o que é feito nos Estudos Literários. Nossa tentativa, portanto, é não sermos sufocados pela grande pergunta “mas pra que serve o que você está fazendo?”.
Porém, quando confrontada com ela, gosto de responder e, mais do que isso, de acreditar que estamos pensando e repensando as formas que o ser humano encontrou para estar no mundo, sobretudo por meio de suas mais diversas manifestações literárias e linguísticas – e isso não é pouca coisa. Para mim, parece que é um bom destino para uma área de conhecimento e, em certa medida, para todas as ciências existentes. E você, concorda?
Claudia Alves, escreve no Marca Páginas, dos Blogs de Ciência da Unicamp.
A “legalização” da ciência
Esse post é parte da Blogagem Coletiva de comemoração aos 10 anos do ScienceBlogs Brasil. Essa semana é Tema Livre. Hoje quem escreve é Natália Coelho Ferreira, bióloga e co-fundadora da iniciativa de ONG chamada Draw Earth.
Antes de começarmos a dissertar sobre o tema proposto, vamos refletir? Afinal, o que é ciência? Quando pesquisamos no site google, aparece uma lista de significados e aplicações que podem ser resumidos em uma palavra: Conhecimento. Desta forma, podemos dizer que a ciência é o conhecimento, saber, estar ciente, ter perícia e etc. Com isso, chamo a atenção para o tema com uma nova pergunta, o que seria a “legalização” da ciência? Quando falamos sobre “legalização” de algo nos referimos a liberação de alguma coisa com a aprovação da justiça, correto? Correto. Mas a ciência não é ilegal… ou é? Uma nova pergunta, a ciência abrange toda a população? Sim ou não, eis a questão.
Na visão popular o cientista é um ser ranzinza, arrogante e excêntrico que fica brincando de “Deus” dentro de um laboratório. Mas entenda, não é todo mundo que pensa assim, viu? Vemos a sabotagem de pesquisa por mau uso da ética profissional ou por simples ignorância, e quando digo ignorância quero dizer falta de conhecimento, falta de saber, falta da ciência. Essa falta de conhecimento por parte de uma população que se vê fadada ao “achismo”, sensacionalismo da mídia e o estereótipo formulado do ser cientista. Esse estereótipo muitas vezes são consolidados profissionais que retém o saber ao seu âmbito profissional e compartilham apenas com pessoas que possam entender do assunto. Estou mentindo? Com quantas pessoas você conversou por iniciativa própria uma conversa científica?
Não é muito fácil iniciar uma conversa de conteúdo científico com pessoas leigas, e talvez seja esse o ponto de desestímulo. Falar em uma linguagem acessível para a população, promover ações de integração. Porém, liberar a ciência para um público comum destoando do meio científico, evita especulações sobre a ciência e seus métodos. Afinal, que cientista não é posto em tabu sobre as experiências com animais? Já fui questionada sobre o assunto mesmo sem trabalhar com fauna, imagina quem trabalha? Além disso, a popularização da ciência evitaria pesquisas tendenciosas, embora sejam feitas em termos legais. Contudo, as consequência dessas pesquisas prejudicam tanto a conservação que se torna um crime contra a natureza, na qual ela cobra e quem responde não é só o “réu” da questão. O preço de um crime ambiental é tão incomensurável que não há dinheiro que o pague, “jeitinho” que se dê e fuga das consequências.
Então, pontuando o título: Liberte a ciência. O conhecimento não é objeto de posse de cientista e nem o cientista é o ser estereotipado que afirmam ser. Cientistas são todos que sabem sobre algo, ao mesmo tempo que não nutrem perícia de nada e tem curiosidade pelo todo. A ciência é do povo e os profissionais de cada ramo são os porta-vozes da área. Sendo então esses porta-vozes, temos que disseminar, não apenas para preencher currículo ou inflar o ego de profissionais. Devemos propagar a ciência para que ela seja acessível por todos, para manutenção do saber, para que ela possa ser aplicada e que principalmente, para que a ciência não seja perdida e nem os fatos corrompidos.
Assim, finalizo meu texto, meu discurso e argumento. A ciência é bem e pode ser maldição, depende de quem usa e para o que usa. Entretanto, ela é irrestringível e por isso, não pode ser limitada a segmentos. Cada cientista em sua área contribui para algo além dele. O saber promove a evolução, previne tragédias e expande o universo. Desta forma, temos que começar a pensar na ciência como um assunto mais holístico em que todos se inserem e tem sua função. Nós temos que libertar, legalizar e consolidar a ciência no seu significado mais profundo, o aprofundamento do conhecimento.
Natália Coelho Ferreira, bióloga, mestranda em Ecologia de Sistemas na Universidade de Vila Velha.
Que a ciência esteja com você
Esse post é parte da Blogagem Coletiva de comemoração aos 10 anos do ScienceBlogs Brasil. Essa semana é Tema Livre. Hoje quem escreve é Arthur Filipe, mestrando no Programa de Pós-Graduação em Diversidade Biológica e Conservação nos Trópicos da UFAL.
Quando eu fiquei sabendo da blogagem coletiva de divulgação científica para comemorar os 10 anos do ScienceBlogs Brasil, logo pensei: “O que é que eu tô fazendo aqui fora da festa?”. Acontece que neste exato momento em que estou escrevendo este texto também estou desenvolvendo a minha dissertação do mestrado, e justamente por isso as coisas andam tão corridas que às vezes fica meio difícil dedicar o tempo que eu gostaria para a divulgação científica. Mas, de repente, um pensamento me veio: “Ei, e por que não fazer as duas coisas ao mesmo tempo?”; assim sendo, resolvi pôr as mãos na massa e escrever um texto para falar um pouco para vocês sobre o que eu ando aprontando na minha dissertação.
Recentemente, numa galáxia bem conhecida, um cientista chamado Lei Wang, da Universidade Nacional da Austrália, teve uma ideia genial: criar hologramas. Se você for um admirador de obras de ficção científica como eu, entenderá logo do que estou falando. Resumindo, hologramas são imagens tridimensionais formadas a partir de diferentes intensidades de luz, e esta inovação pode revolucionar desde mensagens que enviamos no celular até tecnologias utilizadas por astronautas no espaço. Se você está pensando que esta ideia parece ter nascido de um filme de ficção científica não está enganado: Lei Wang é fã de Star Wars desde criança.
Quando o cineasta George Lucas criou Star Wars, o seu objetivo principal era contar uma história que tivesse conceitos de mitologia antiga; além disso, Star Wars também apresenta conceitos influenciados pela ciência, como as tão conhecidas viagens mais rápidas do que a luz da nave Millenium Falcon. As viagens mais rápidas do que a luz se parecem com o conceito da velocidade de dobra no espaço-tempo, que ainda é uma especulação dos físicos e dos fãs de Star Trek (olá, leitor do futuro, aí já existem naves que viajam na velocidade de dobra no espaço-tempo?); contudo, George Lucas considerou viagens mais rápidas do que a luz como uma realidade bem plausível em seu universo. Quanto a viagens mais rápidas do que a luz ainda permanecemos no campo da especulação, mas já podemos ter bons pressentimentos sobre os hologramas, apesar das pesquisas nesta área ainda estarem em fase inicial.
Bom, mas afinal de contas, o que isso tudo tem a ver com a minha pesquisa do mestrado? Na verdade, tem tudo a ver! Se um cientista Jedi, como o que mencionamos acima, decide trabalhar com hologramas devido ao fato de se interessar muito por ficção científica, podemos nos perguntar: o que mais faz um cientista querer trabalhar com determinado ramo da ciência? Existem algumas pesquisas, por exemplo, que demonstram que muitas pessoas escolhem ser astronautas ou físicas teóricas por gostarem de filmes e séries sobre exploração espacial; mas existem muitos outros motivos que também podem explicar os interesses de pesquisa. E são esses motivos que eu quero descobrir na minha dissertação!
Trazendo essa discussão para dentro da Biologia (que é a minha área de atuação), a minha pergunta é sobre quais as razões que levam um pesquisador estudar uma determinada espécie, e não outra. Seria o seu status de ameaça na IUCN? Ou talvez seria o fato da espécie ser conhecida há mais tempo pelos pesquisadores? Será que variáveis biológicas, como os hábitos de vida ou os tipos de ambientes das espécies influenciam o esforço da pesquisa? Para responder a essas perguntas, os organismos-modelo do meu estudo são as espécies da Classe Amphibia, importantes indicadoras ambientais e de grande relevância comercial. Para encontrar as respostas, a minha pesquisa necessita simplesmente de um computador e ideias bem definidas em mente; e, no final das contas, será possível entender um pouco as motivações dos pesquisadores, e como isso afeta as espécies biológicas. Legal, né?
Eu ainda não sei o que influencia (ou deixa de influenciar) a pesquisa para os anfíbios, mas pelo que tudo indica, o Heavy Metal tem tudo para ser uma variável preditora: que o diga a espécie Dendropsophus ozzyi, batizada assim em homenagem ao cantor Ozzy Osbourne!
Arthur Filipe da Silva, biólogo formado na Universidade Federal de Alagoas, atualmente é mestrando no Programa de Pós-Graduação em Diversidade Biológica e Conservação nos Trópicos dessa mesma universidade. É integrante do Laboratório de Ecologia Quantitativa e do Laboratório de Biologia Integrativa. Edita o blog Hipótese Nula, e adora coisas como ecologia, evolução, ciência livre, R, e, claro, café.
Perguntas que não acabam
Esse post é parte da Blogagem Coletiva de comemoração aos 10 anos do ScienceBlogs Brasil. O tema dessa semana é Fazer Ciência, minha vida de cientista. Hoje quem escreve é Gracielle Higino, doutoranda em Ecologia e Evolução na UFG.
Se você quiser participar saiba mais em: http://bit.ly/SBBr10anos
Imagine como se sente uma criança que adora ciência ao ver na TV como os cientistas conseguiram fazer crescer algo com o formato de uma orelha humana nas costas de um rato. Talvez você tenha sido uma destas crianças, certo? Pois é, este foi o momento exato em que eu decidi que seria cientista. O engraçado é que eu não me interesso tanto assim por orelhas humanas, ou mesmo por ratos; eu sempre adorei Ecologia (lembro nitidamente da aula na primeira série em que aprendi sobre o ciclo da água e entendi por que chove). Só que esse episódio do rato não tinha a ver com minhas perguntas preferidas: foi ali que eu vi como a ciência pode alcançar feitos incríveis, e eu queria que todo mundo percebesse isso. Talvez isso as fizesse acreditar que qualquer pessoa pode conquistar coisas incríveis, com o método certo.
Foi assim que me tornei ecóloga teórica com uma grande paixão por divulgação científica. Hoje estou fazendo doutorado em Ecologia e Evolução e sempre me metendo em projetos paralelos de comunicação científica e ciência aberta. Eu me dedico bastante a estes projetos porque eu acredito que a ciência pode empoderar todos nós, e estou sempre tentando convencer meus colegas a embarcarem comigo nessas aventuras. Então eu vou contar aqui como é essa minha vida de cientista um pouco menos tradicional. Vamos lá?
Bom, pra começar, desde 2014 sou pós-graduanda (com um intervalo aí no meio de pesquisa independente). Isso quer dizer que eu faço parte de uma categoria de trabalhadores que quase ninguém entende muito bem como funciona. Nossos direitos, deveres e verbas passeiam entre o Ministério da Educação e o da Ciência e Tecnologia. A gente assiste a aulas, apresenta trabalhos, faz matrícula, paga meia entrada no cinema. A gente também dá aulas, tem contrato de dedicação exclusiva, produz a maior parte do conhecimento e desenvolvimento tecnológico do país. Porém, não temos férias, aposentadoria, adicional de insalubridade, e só recentemente conseguimos licença maternidade.
Isso também significa que eu estou naquela janela da vida em que eu tenho que explorar todo o meu potencial, tentar botar pra funcionar todos os meus planos A, B e C pra ter como me sustentar depois do doutorado sem depender de concurso ou bolsas de pós-doc (cada vez mais raras). E também é nesta fase que eu tenho que desenvolver a cientista que eu quero ser nos próximos anos, e isso, definitivamente, não inclui somente a minha tese.
Por isso a minha rotina inclui, por exemplo, um clube de revisão de preprints, porque quero exercitar a capacidade de analisar criticamente os artigos, sabendo identificar o que eles têm de bom e no que podem melhorar. Sem contar o benefício ENORME pra ciência que é a revisão de preprints, né, mores? Os preprints são artigos científicos completos que seus autores consideram prontos, mas que precisam de discussão e maturação antes da submissão à publicação em uma revista. Às vezes a revisão pela qual esse artigo passa enquanto é um preprint já adianta bastante o processo de publicação, fazendo toda a pesquisa andar mais rápido.
Minha rotina também tem uma parte significativa dedicada à divulgação científica de alguma forma. Ano passado, toda sexta-feira à tarde eu escrevia algum texto, lia artigos sobre o assunto, atualizava a página do LEQ ou do TheMetaLand (meus labs ❤) no Facebook, ou ajudava algum colega com suas tarefas relacionadas à DC. Este ano eu mudei esse dia da DC para as quartas, que eram os dias em que me reunia com o pessoal do Mozilla Open Leaders e trabalho no meu projeto aberto, o IGNITE. O Mozilla Open Leaders é um programa de treinamento de líderes de projetos abertos, aqueles em que tudo é transparente e a liderança é descentralizada, do jeitinho que eu gostaria que funcionasse o meu futuro laboratório. O MOL me ajudou a pensar de um jeito diferente na divulgação científica, na minha carreira e na minha pesquisa. Também foi durante o MOL que eu aprendi ferramentas de gerenciamento de projetos que eu estou aplicando na minha tese com um plano de auto-mentoria.
No meio disso tudo eu estudo como as espécies se organizam no espaço, do ponto de vista continental, e por quê. Quero entender o que tem nos locais em que as espécies estão que fazem elas estarem lá, ou o que tem nos locais onde elas não estão que fazem elas não estarem lá. Outro dia eu encontrei um texto (que infelizmente eu não sei quem escreveu) que descreve exatamente o que eu faço no meu dia-a-dia:
“[…] eu faço mundos que não são reais em computadores. Nestes mundos não-reais, eu faço muitos, muitos animais não-reais e faço eles brigarem muitas, e muitas, e muitas vezes. Então eu vejo quais animais brigaram mais. É muito legal.”
Esta é parte da minha pesquisa. Só que nos meus mundos não-reais, estas brigas geram agrupamentos de espécies ou buracos sem espécies. Uma espécie empurra a outra mais pro cantinho, ou uma faz a outra sumir, todo esse tipo de coisa.
Quando eu era criança, lá naquela época em que eu vi o ratinho com a orelha nas costas, eu queria crescer e ter um emprego em que eu pudesse responder perguntas, e sabia que este seria um trabalho infinito, porque as respostas de vez em quando acabam, mas as perguntas não. E esta é a minha vida de cientista hoje: respondendo perguntas que nunca acabam.
Gracielle Higino, doutoranda em Ecologia e Evolução na UFG, escreve no blog Hipótese Nula e toca o projeto IGNITE de treinamento em divulgação científica.