Na semana de aniversário de Machado de Assis, vamos falar sobre um dos maiores escritores brasileiros e retomar a questão das traduções literárias. Para essa tarefa, convidei a doutoranda Juliana Gimenes para contar um pouco sobre suas pesquisas. A autora é formada em Linguística e em Letras pela Unicamp. Em sua dissertação de mestrado (“‘Você já reparou nos olhos dela?’ – metáforas do olhar em duas traduções de Dom Casmurro para o espanhol”), concentrou-se na tradução dos famosos “olhos de ressaca” nas duas mais recentes traduções do romance para o espanhol. Agora, no doutorado também pela Unicamp, está estudando a tradução para espanhol das personagens femininas de Machado de Assis.
Machado de Assis em espanhol
Juliana Gimenes
Na semana em que Machado de Assis comemoria seu 178º aniversário, fui convidada a escrever sobre suas traduções para o espanhol. Coincidência? “Há mais cousas no céu e na terra do que sonha a filosofia…”. Sua obra, imortalizada nos romances, nos contos, nos poemas, entre outros gêneros, viajou o mundo todo graças às traduções. Ironicamente, em vida Machado nunca saiu do Brasil, mas sua obra ganhou o mundo em diferentes línguas: são mais de 99 traduções, segundo o Index Translation, banco de dados da UNESCO.
E a história dessas traduções vale a pena contar. Quando escrevia seus textos, Machado os enviava a seu editor F. H. Garnier, na França. Só depois de impressos, seus livros eram trazidos de volta ao Brasil. Em cartas com o editor, o escritor brasileiro teria pedido autorização para que, em 1899, um de seus textos fosse traduzido para o alemão, mas Garnier não autorizou. Em 1901, houve novamente outra tentativa de tradução, desta vez para o francês, do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas. Mais uma vez, porém, o pedido foi negado. Na visão de Machado, as traduções poderiam ser uma porta de entrada para um mundo tão diferente do seu. Na visão do editor, porém, havia a ideia de que os admiradores preferem ler as obras na língua materna do escritor.
Sabemos que não é bem assim. Faça um teste rápido: veja quantos dos seus livros são traduzidos e quantos não. Quanta coisa boa você não teria perdido se não fossem as traduções para o português?
Infelizmente, durante sua vida, Machado de Assis teve acesso a apenas duas traduções de dois de seus romances, ambas para o espanhol: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1902, do tradutor uruguaio Julio Piquet) e Esaú e Jacó (1905, tradução argentina). O caso de Esaú e Jacó é bem peculiar: o jornal argentino La Nación distribuiu a tradução do romance brasileiro como brinde a seus leitores. A tradução, no entanto, não trazia o nome do tradutor.
Durante o período em que Garnier foi editor de Machado, mesmo depois da morte do autor, houve um baixo interesse por traduções. Na década de 1940, porém, ocorre a venda dos direitos autorais para o editor argentino W. M. Jackson, e com isso Buenos Aires dá novos ares às traduções machadianas.
Embora as traduções não tenham ocorrido de um modo sistemático e constante, timidamente elas foram ocupando espaço no mercado editorial latino americano. Enquanto dois dos romances, Ressurreição e Iaiá Garcia, não foram traduzidos para o espanhol, alguns contos, como O Alienista, Missa do Galo, A causa secreta, A cartomante, tornaram-se clássicos em língua espanhola e têm várias traduções. Além disso, não há uma sistematicidade de tradutores, ou seja, muitos tradutores traduziram um ou, no máximo, dois textos de Machado. E outro dado que não pode ser deixado de lado é o fato de o governo brasileiro, em muitos casos, financiar a tradução para a língua espanhola, visando promover um intercâmbio cultural.
Sobre esse assunto, dois estudiosos são fundamentais para entender um pouco mais sobre as traduções machadianas: Pablo Soto e Carlos Domínguez. Para Soto, a avaliação que se pode fazer do número de traduções é positiva, pois demonstra o interesse contínuo do mundo hispânico por nosso escritor. Domínguez, por sua vez, traz um contraponto importante: talvez Machado de Assis seja muito lido em espanhol, mas apenas por especialistas e em ambientes acadêmicos.
Considerarmos que essa baixa circulação de textos de Machado de Assis em língua espanhola é, sem dúvida, uma grande ironia para o mestre da ironia, que sempre quis ser popular e adorava ser lido.
Dicas de leitura:
“Traducciones de Machado de Assis al Español”, de Pablo Cardellino Soto (GUERINI, A. et al. (Orgs.). Machado de Assis: tradutor e traduzido. Florianópolis: Ed. Copiart, 2012, p. 129-159).
“Andanzas póstumas: Machado de Assis en español”, de Carlos Espinosa Domínguez (Caracol, n°1, p. 64-85, 2010. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/caracol/article/view/57638>)