Restos de lipoaspiração tratam distrofia muscular de camundongo

Esta é uma versão pré-editada da minha reportagem publicada pela Folha, ontem.

Quando a bióloga Natássia Vieira decidiu fazer uma lipo, não imaginava que assinaria seis anos mais tarde um artigo científico na revista “Stem Cells” com dez pesquisadores, incluíndo Vanessa Brandalise, a sua cirurgiã plástica.

Preocupada com sua lipoaspiração, em 2002, Vieira lia sobre o assunto quando descobriu que um grupo de pesquisadores da Universidade da Califórnia em Los Angeles havia encontrado células-tronco no meio das células do tecido de gordura que existe, em maior ou menor quantidade, debaixo da pele dos seres humanos.

Células-tronco são capazes de se transformar em praticamente qualquer tipo de tecido do corpo humano e são justamente a especialidade da orientadora do doutorado de Vieira, Mayana Zatz, da Universidade de São Paulo.

Zatz, Vieira e Brandalise iniciaram então um trabalho com células-tronco de gordura humana com o objetivo a longo prazo de criar uma terapia para tratar as distrofias musculares progressivas.

Distrofia muscular é uma doença que enfraquece progressivamente todos os músculos. Os pacientes morrem quando não têm mais força nem para respirar. A causa dela é genética: os pacientes nascem sem os genes que comandam a produção de uma ou mais das proteínas necessárias ao funcionamento dos músculos.

Células-tronco podem salvar um dia a vida desses pacientes, se os pesquisadores encontrarem uma maneira segura e eficiente de fazê-las se fixar nos músculos com distrofia e ali se tranformar em células saudáveis, capazes de produzir a proteína necessária para regenerar o tecido.

Brandalise contribuiu para a pesquisa fornecendo os tecidos de gordura extraídos de mais de 20 lipoaspirações, com o consentimento dos doadores. “Não tenho problema de doador”, diz Vieira. “A gente conversa com a pessoa, explica que a gordura iria para o lixo e faz um resumo da nossa pesquisa.”

Para saber se as células-tronco de lipoaspiração interagem com as células musculares de distrofia muscular, Vieira cultivou os dois tipos de células juntos em um recipiente no laboratório. Quarenta e cinco dias depois, ela examinou o recipiente ao microscópio e viu que as células tinham se transformado, formando estruturas em forma de tubos, que são encontradas nas fibras musculares.

Vieira partiu para estudar o efeito dessas células-tronco em camundongos sofrendo de um tipo distrofia muscular que acontece quando a proteína faltante é a disferlina. Em seres humanos, a falta de disfrelina provoca fraqueza acentuada no músculo da cintura e dos ombros. “Alguns pacientes não conseguem levantar os braços”, explica Vieira.

Nos camundongos a doença se manifesta de maneira parecida. “Quando você ergue um camundongo pelo rabo, ele faz força para segurar a sua mão e não ficar de ponta-cabeça. O camundongo sem disferlina não consegue; fica parado, com as patas encolhidas junto do abdomen”, ela explica.

A pesquisadora decidiu injetar as células-tronco na corrente sanguínea dos camundongos pela veia da cauda, da mesma maneira que se espera que um futuro tratamento para pessoas funcione. “Outros já haviam injetado células-tronco direto no músculo do camundongo, com resultado muito bom naquele músculo”, conta Vieiria. Acontece que a distrofia afeta todos os músuculos do corpo. “Tem músculo, como o do diafragma do pulmão, muito difícil de conseguir injetar as células direto.”

Dois meses após as injeções, Vieira sacrificou alguns dos camundongos e encontrou nos músculos deles as proteínas musculares disferlina e, além dela, a proteína distrofina.

A aparição da distrofina é um dos grandes achados da pesquisa. “As células-tronco produzem todas as proteínas musculares, independentemente da proteína que está faltando”, explica Vieira. “Isso é importante porque, para muitos dos pacientes, a gente não consegue achar a mutação genética [que provoca a ausência de uma certa proteína].”

Outra descoberta que fez os pesquisadores comemorarem foi que o organismo dos roedores aceitou as células-tronco sem nenhuma reação imune. “Não usamos imunossupresores [remédios que impedem a ação do sistema imune que protege o organismo de doenças, usados em transplantes de orgãos, por exemplo]. Foi um absurdo”, conta Vieira. Imunologistas, também da Universidade de São Paulo, tentaram explicar o fato. Parece que as próprias células-tronco vindas de tecidos de gordura secretam susbtâncias imunosupressoras.

O que mais animou Vieira e seus colaboradores, porém, foi a “performance” dos camundongos nos testes de força física, após as injeções. A Escola de Educação Física e Esporte da USP tem uma espécie de academia de ginástica para camundongos para fazer esses testes. “A gente brinca que é a “Runner” dos camundongos, tem piscina e esteira…”

“Os [camundongos] injetados foram 15% melhor nos testes em relação aos não injetados”, diz Vieira. “Houve melhora clínica mesmo com o músculo recuperado parcialmente.”

“O próximo desafio é crescer um número de células-tronco suficiente para injetar em um animal maior, mais parecido em tamanho com um ser humano, como um cachorro. A distrofia nos cachorros é muito mais severa que nos camundongos. Vamos testar se nessa sistuação pior conseguimos o mesmo resultado”, conta Vieira.

Vieira ainda mantêm alguns dos camundongos injetados vivos, para observar se eles desenvolvem algum efeito colateral, como um câncer. Nada apareceu, até agora.

A revista Pesquisa Fapesp publicou uma reportagem de Maria Guimarães mais abrangente, falando sobre outras pesquisas do mesmo laboratório relacionas a essa.

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