Origem da matéria dá Nobel a japoneses

Esta é uma versão expandida da reportagem sobre os ganhadores do Nobel 2008 de Física que fiz ontem em parceria com o grande Eduardo Geraque, e que foi publicada hoje na Folha de S.Paulo:

Um trio de origem japonesa ganhou ontem o Prêmio Nobel de Física por seus trabalhos que ajudam, sem exagero, a explicar por que tudo existe.

Se uma tal de “quebra de simetria”, estudada pelos laureados, não tivesse acontecido no início do Universo, toda a matéria teria sido aniquilada pela sua irmã gêmea “do mal”, a antimatéria.

O japonês naturalizado americano Yoichiro Nambu, 87, que está desde 1952 na Universidade de Chicago, vai receber US$ 700 mil pelo Nobel. Em 1960, Nambu inventou o conceito de “quebra de simetria”.
Makoto Kobayashi, 64, que trabalha no acelerador de alta energia KEK em Tsukuba, Japão, e Toshihide Maskawa, 68, da Universidade Kyoto, ganharão US$ 350 mil cada.

Nambu foi o primeiro a introduzir o conceito de “quebra espontânea de simetria” no estudo das partículas, inspirado em um trabalho anterior seu com supercondutividade elétrica. O físico usou a tal quebra de simetria para explicar porque a chamada força nuclear fraca tem um alcançe tão curto, se comparada à força eletromagnética. A explicação é que no início do Universo deve ter ocorrido uma quebra de simetria entre as partículas que transmitem a força eletromagnética, os fótons, e as partículas que transmitem as força nuclear fraca, os bósons W e Z. Enquanto os fótons permaneceram sem massa e portanto podem viajar à velocidade da luz, os bósons W e Z engordaram demais e vivem pouco, deslocando-se somente por distâncias subatômicas.

Dois trabalhos de Nambu, em 1961, contribuíram de forma decisiva para o surgimento do chamado Modelo Padrão, que consolida todo o conhecimento que os físicos têm sobre as partículas elementares.

A única peça faltante no Modelo Padrão é o chamado bóson de Higgs, que dá uma massa diferente para cada uma das partículas, justamente por uma “quebra de simetria”.

O físico brasileiro Rogério Rosenfeld, do Instituto de Física Teórica da Unesp (Universidade Estadual Paulista), explica a quebra de simetria imaginando um chapéu mexicano. “Imagine que sobre o cocuruto do chapéu exista um animal. A aba, neste caso, forma um extenso vale onde existe comida. Em tese, ele pode escolher qualquer direção mas, ao fazer isso, estará quebrada a simetria. Ele poderia ter ido tanto para a esquerda quanto para a direita”, explica.

Rosenfeld contou com a presença de Nambu na sua banca de doutorado, em 1990, na Universidade de Chicago.

Kobayashi e Maskawa levaram o Nobel por descobrirem a quebra de simetria que fez a matéria sobrepujar a antimatéria no Big Bang.

“Eu não esperava ganhar. É uma honra receber o prêmio pelo meu trabalho tanto tempo depois”, afirmou Kobayashi logo após o resultado ter sido divulgado, ontem de manhã. “Estava apenas perseguindo meu interesse [acadêmico].”

Em 1972, Kobayashi e Maskawa usaram o conceito de quebra de simetria para explicar o comportamento estranho de uma partícula chamada kaon, observada em 1964. O problema, explica o físico da Unesp, é que para o modelo deles fazer sentido deveria haver três quarks a mais do que os conhecidos na época, o “up”, o “down” e o “estranho”. Os quarks são partículas do núcleo do átomo que são os menores constituintes da matéria.

“O modelo deles foi ignorado na época”, conta o físico Gustavo Burdman, da USP. “A explicação que estava na moda era outra, que foi provada errada.”

Todos os físicos, porém, logo reconheceram a explicação de Kobayashi e Maskawa como a correta quando os quarks que eles previram (“charme”, “bottom” e “top”) foram descobertos, em 1974, 1977 e 1994.

Além de explicar o kaon, a proposta da dupla sobre a quebra de simetria relacionada às cargas dos pares de partículas e antipartículas explica a própria existência da matéria.

No momento do Big Bang, se toda a matéria tivesse sido aniquilada pela antimatéria, só teríamos a radiação. A sorte, talvez, é que houve um pequeno desvio da ordem de uma partícula de matéria para cada 10 bilhões de partículas de antimatéria. “O desbalanço é grande, mas os parâmetros que levaram a essa assimetria são pequenos”, diz Rosenfeld. Exatamente a explicação de parte dessa assimetria é que rendeu o Nobel à dupla japonesa.

Em 2001 e 2002, aceleradores de partículas nos EUA e no Japão -o mesmo onde Kobayashi trabalha-, confirmaram a sutil diferença entre matéria e antimatéria em partículas chamadas mésons B. Os mésons B são partículas feitas de um par de quark bottom e anti-quark bottom. O par oscila rapidamente se transformando um no outro e essa oscilação é afetada assimetria entre matéria e antimatéria.

A diferença descoberta por Kobayashi e Maskawa, porém, não é suficiente para explicar a quantidade de matéria que sobreviveu ao aniquilamento primordial.

O experimento LHCb, do gigantesco acelerador de partículas LHC, que deve entrar em operação ano que vem, vai medir com maior precisão o comportamento dos mésons B, em busca de outras assimetrias desconhecidas entre matéria e antimatéria.

Discussão - 5 comentários

  1. Carlos Hotta disse:

    Acho essa história de quebra de simetria muito doida! Estou gostando dos prêmios neste anos, muita cool science sendo premiada!

  2. Paula disse:

    Excelente matéria Igor! Li ontem pelo Jornal da Ciência!
    Parabéns

  3. Paula disse:

    Na verdade, a que eu li no Jornal da Ciência foi sobre o perrengue entre os cientistas com o vírus HIV e o reconhecimento da academia para os franceses... Viajei... Mas a matéria continua excelente. Esse e a outra.

  4. airton disse:

    excelente materia,parabens a dupla japonesa pelo premio

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