Ossos do ofício

Um mês exatamente sem postar. {modo carente ON} Mas aposto que ninguém aqui sentiu falta, né? {modo carente OFF}.

Mas eu explico: estava afundado dentro de um projeto de pesquisa, escrevendo, pegando preço de equipamento, escrevendo, arrumando justificativa praqueles equipamentos caros, escrevendo, arrumando sub-projeto para futuros alunos usarem os equipamentos caros, escrevendo…  É impressionante como à medida que a gente vai mais e mais a fundo na vida dentro da academia o foco do nosso trabalho muda do “dia-a-dia do laboratório” para a “procura por financiamento para manter alguém cuidando do dia-a-dia do laboratório”. E é exatamente esse último que eu andei fazendo nesse último mês.

Você vai me dizer: “Tá reclamando de quê? Você sabia que ia ser assim!” E eu vou te dizer: não estou reclamando não. Só constatando. Eu sabia que o foco ia mudando com o tempo, que a gente deixa de colocar a mão na massa e fazer ciência todo dia e passa a formar pessoas, negociar financiamentos, fazer política no departamento, essas coisas pra poder… fazer ciência. Mas saber não significa que é preciso gostar, certo? Aqui vale um parênteses: meu ex-chefe e meu chefe atual são pesquisadores impressionantes e ainda assim capazes de fazer política e ganhar financiamentos como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo. Quando eu crescer quero ser assim.

Gostando ou não, fazendo bem ou não, essa é o tipo da transição que tem que ser feita, sem choro nem vela. Sabe as “dores do crescimento”? Pois é. Hoje eu ainda me vejo mais como alguém que põe um laboratório pra funcionar, faz medidas, analisa dados, escreve paper, briga com referee de paper, por fim publica o paper e aí começa tudo de novo. Mas uma hora a gente passa pro lado do escrever projeto, orientar tese, administrar o orçamento, escrever relatório, divulgar os resultados e começar tudo de novo. Espero poder manter o primeiro o máximo possível, mesmo assumindo o segundo lado de braços abertos.

Mas nem tudo é ruim nessa transição. Na verdade, esta foi está sendo uma experiência bem interessante: projetar o futuro, pedir auxílio pra fazer coisas relevantes sem tirar os pés do chão e sem reinventar a roda. O mais difícil é a parte do orçamento. É muito? É pouco? Eu vou pedir um experimento inteiro. A FAPESP vai me dar? Eu não faço a menor ideia. Depende só da física que eu quero fazer ou depende da física que o assessor acha interessante? Ou ele vai pesar se eu tenho alguma capacidade de fazer? São todas perguntas que eu não faço a menor ideia de como responder. {modo irônico ON} Dúvidas da juventude, sabe como é? Afinal, o projeto não se chama Jovem Pesquisador à toa, né? {modo irônico OFF}

E aí com todas essas dúvidas, você monta o projeto pra ser algo flexível, que você precisa de equipamento, mas escolhe uma rota em que eles são mais baratos, mas ao mesmo tempo tenta justificar um laser mais caro que é essencial pro que você quer fazer e assim vai… Ciência, embebida em orçamento, misturada com prazos apertados mas factíveis. E esse coquetel vira um projeto de pesquisa.

Mas o próximo passo é saber o que os futuros colaboradores pensam… Pelo menos eles têm mais experiência. 🙂

P.S.: Semana que vem, como você sabe, estarei em Lindau. Tentarei, veja bem, TENTAREI, fazer uma cobertura bacana do evento com os ganhadores do Nobel. Fique ligado.

O bom filho à casa torna… ou não?

Se você andou aqui pelo blog nos últimos tempos, sabe que eu estou me preparando pra um dois concursos no lugar onde fiz o mestrado e o doutorado. É o meu segundo concurso e o segundo no mesmo lugar, de onde facilmente depreende-se que eu quero voltar pro lugar onde me formei (sim, nesse caso doutorado, e NÃO graduação, é sinônimo de formação).

Verdade. Mas apenas em parte. Eu ando me perguntado, desde há algum tempo, o que é o certo a se fazer. Voltar pra “casa”? Ou fazer morada em outro lugar? É óbvio que há uma infinidade de fatores envolvidos nessa decisão, não apenas profissionais, mas pessoais também. É óbvio que nenhuma decisão nesse caso é pétrea: pode sempre mudar. Mas o certo é que não sei bem o que fazer e muito menos (e talvez o mais importante) o que é o melhor a se fazer.

Aqui na Alemanha, por exemplo, a dinâmica do sistema é extremamente diferente: você nunca (ou quase nunca) se tornará professor no lugar onde se formou. É preciso mudar para subir na carreira. Mesmo professores estabelecidos precisam receber propostas de emprego melhores e mudar de cidade (carregando o grupo todo junto) para subir na carreira. No Brasil, eu acho que não existe essa “regra não escrita”: as universidades contratarão quem melhor se sair no concurso aberto para a vaga, independente mente (quase sempre) de o candidato ter se formado ali ou não.

Você o que acha? Já passou por isso? Como se decidiu? Quais os fatores mais importantes a serem levados em conta? Abaixo, pra motivar a discussão e por que eu também acho que deve haver “uns par” de gente na mesma situação que eu, coloco os diversos prós e contras de voltar, do ponto de vista profissional.

Prós:

  1. o lugar onde me formei tem uma estrutura de apoio fantástica
  2. é disparado o melhor grupo do Brasil na minha área
  3. a verba é farta
  4. o instituto como um todo é grande, muitas possibilidades de colaboração
  5. eu conheço a maioria das pessoas do grupo

Contras:

  1. eu conheço a maioria das pessoas do grupo
  2. há o risco de ficar à sombra do pesquisador líder, um físico conhecido e consagrado
  3. a estrutura do lugar está montada, dificilmente eu conseguiria deixar uma marca num sentido mais amplo
  4. o instituto como um todo é grande, muitas possibilidades de “sumir na multidão”
  5. hábitos/culturas erradas são mais difíceis de serem mudadas num grupo grande e estabelecido

É só isso? Claro que não, mas estes são alguns dos fatores que me vieram à cabeça imediatamente ao escrever esse post. Deixe aí nos comentários o seu pensamento sobre isso.

O café nosso de cada dia

Cena comum nos institutos de pesquisa (e, suponho eu, firmas, redações, etc, etc…): chega o estudante e vai direto, como um zumbi, para a máquina de café e com este em sua xícara para sua mesa de trabalho.

Cena igualmente comum e concomitante: o café espirra da xícara para o chão, tampo da mesa, teclado, roupa…

Isso é uma verdade absoluta, a menos que o nosso personagem esteja minimamente acordado (ou escolado) e ande da máquina de café à sua mesa equilibrando a xícara para o café não espirrar.

Apesar de estas serem verdades do nosso dia-a-dia, nunca antes tinham sido estudadas sistematicamente. Até agora.

 Hans Mayer e Rouslan Krechetnikov, escrevendo para o Physical Review E desta semana estudaram o café nosso de cada dia e os motivos pelos quais ele espirra para fora da xícara. Eles mostraram que o modo fundamental como o café oscila na xícara é facilmente atingido pelo caminhar normal de um ser humano. E que “equilibrar a xícara” significa andar de um forma a não excitar esse modo de oscilação ou pelo menos contra-balançar o tal modo à medida que se anda. No trabalho, eles desenvolvem um modelo matemático simples e eficiente para modelar os dados experimentais, medidos com pessoas de verdade e câmeras que observavam o café à medida que estas andam, tomando cuidado, ou não. Ah! Eles inclusive mostram que se você tropeçar, corre o risco de derrubar todo o café… e ter que voltar pra máquina pra começar tudo de novo… 😛

O trabalho pode ser lido em Phys. Rev. E 85, 046117 (2012). Infelizmente, eu não achei uma versão de acesso gratuito… 🙁

 

Vende-se ou Troca-se

Físico, ano 2002, mestrado e doutorado, 2 pós-doutorados sendo 1 no exterior. Duas dezenas de publicações, 6 vezes mais citações. Toda a documentação comprobatória. Escreve e fala inglês. Arranha alemão. Trabalha duro, de sol a sol, segunda a segunda se necessário. Movido a álcool e comida. Única dona. 11.680 dias rodados. Final da placa: 9. Vendo, troco, financio.
Tratar: (0987) 6555-4321

Seria bom se fosse assim, não? Mas não é. Pra fazer concurso, a gente tem que preparar algo como uma mini-autobiografia, chamada “Memorial”. Eu até adoro escrever (se não gostasse meus posts não seriam tão longos eu nem teria o blog), mas se tem algo que me tira do sério e consome um monte de energia é ter que preparar o meu “memorial”. Me propagandear, me vender, mostrar como eu sou interessante, lindo, charmoso, esperto…  e como a banca deveria me contratar por isso.

“Esse cara tá de mimimi!” vai dizer você, caro leitor. Afinal, todo mundo tem que se vender em algum momento não? Entregar CV pra procurar emprego, fazer entrevista… Mesmo cientista: a gente vende ideia pra aprovar projetos e vende resultados pra publicar papers.

Você está certíssimo em pensar assim, em quase todos os aspectos. Eu gosto da parte de escrever sobre ciência, convencer alguém que vale a pena dar dinheiro pra um projeto ou outros alguéns que os resultados que eu medi à base de sangue, suor e lágrimas são bacanas e valem uma publicação. Até mesmo preparar meu CV, ou ir numa entrevista de emprego… nenhum problema com isso. Mas colocar em palavras, contar a sua história, dar opinião sobre você mesmo e sobre o seu trabalho… Enfim: colocar humanidade naquilo que normalmente é tão exato, bem definido, tem barras de erro claras… é duro. Eu acho até que pro povo de humanas isso deve ser mais fácil que pra gente de exatas como eu, afinal lá nem tudo é preto no branco, mas há muitos tons de cinza e mesmo cores. Mas se eles precisam fazer isso pros concursos, eu não faço a menor ideia. Baita contradição se não tiverem, né?

Bom, faz parte do jogo, eu sei. Mas é daquelas regras que te consomem um bocado de energia pra atender. O jeito é torcer pra não precisar fazer isso muitas vezes.

Reunião dos Prêmios Nobel em Lindau – lá vamos nós!

Você sabe o que é a Reunião dos Prêmios Nobel em Lindau (Lindau Nobel Laureate Meeting)?

É uma reunião organizada anualmente por uma fundação que têm o mesmo nome e reúne em Lindau, às margens do lago Constance, na fronteira entre Alemanha, Suíça e Áustria e pertinho de Lichtenstein, diversos ganhadores do Prêmio Nobel (este ano serão 31!) com jovens pesquisadores do mundo inteiro (cerca de 550).

A reunião deste ano é dedicada à Física e por isso a maioria dos Nobel participantes são ganhadores do Nobel de Física. Esta será a 62a reunião, que acontece desde 1951.

O blog têm o prazer de anunciar que foi indicado e selecionado para participar da reunião em Julho deste ano, junto com os Nobel e outros jovens pesquisadores. 😀

Se tudo der certo, ao longo dos próximos meses, vou colocar aqui detalhes da reunião, e, se possível, todas as impressões e experiências, durante a semana do encontro (1-6 de julho). Fique de olho!

O paper e a bomba

Um tempo atrás eu comentei que estávamos escrevendo um paper aqui e que o processo observado lembrava o que acontecia na detonação de uma bomba atômica. Pra não deixar ninguém ser pego “no meio da conversa”, antes de discutir meu ponto, deixa eu lembrar o que acontece, em um e no outro.

A Física:

Eu tenho um gás, separado em diversos pedacinhos e assim eles vivem “felizes e contentes”. Eu então tiro as repartições que mantém esses pedaços de gás separados. Quando eles expandem uns por cima dos outros e se juntam acontece o que a gente denomina um “colapso” da nuvem. O colapso pode ser entendido como uma explosão: o sistema não suporta as novas condições em que você o colocou e expele violentamente partículas e energia de forma a ficar apenas do tamanho que ele suporta. Essa reação “violenta” é o colapso. A novidade do paper, no fim das contas, não é o colapso em si (isso é assunto velho), mas a forma como o colapso é induzido e, principalmente, o fato de ele acontecer em condições não observadas anteriormente. Essa é a física dentro do paper que vamos publicar.

A Bomba:

Como funciona uma bomba atômica? De uma forma bem simples: você arranja várias amostras pequenas de um material radioativo e que, sozinhas, são estáveis. Estável nesse caso quer dizer o seguinte: quando um núcleo dentro da amostra libera nêutrons, não há um número/densidade suficiente de outros átomos ao redor que possam absorver esses nêutrons, se quebrar (liberando energia) e liberar outros nêutrons, encadeando e amplificando o processo. Na bomba, essas amostras individuais são então empurradas umas em direção às outras comprimindo todo mundo junto e… Bom você entendeu. Há um “colapso” do sistema quando as partes (estáveis) formam um todo (instável), já que agora há número/densidade suficiente de núcleos atômicos para sustentar uma reação em cadeia.

O Paper

No paper a gente discute a física do processo, resultados, análises, simulações e etc e havia/há (ainda não decidimos) um parágrafo sobre essa analogia entre o nosso resultado e o que acontece em uma bomba atômica. A analogia era puramente retórica, afinal a física por trás dos processos é totalmente diferente. De fato, a gente nem fala de bomba explicitamente, mas do fato de que enquanto as partes são estáveis, o todo não é. A bomba é a conseqüência? É. Mas não estava lá, pelo menos não explicitamente.

Bom, agora eu cheguei no ponto desse post. Eu sou totalmente a favor de incluir a analogia. Mas alguns dos meus colegas (incluindo o chefe) não pensam assim. Como eu, todos concordam que a analogia funciona pra ilustrar a física a ser discutida e ajuda a não-especialistas visualizarem o processo.

Mas alguns sentem-se “incomodados” com a analogia. E por quê? Porque acham que bombas atômicas são um assunto delicado demais pra colocar num paper. Eu não sei se eu que sou muito ingênuo, pouco afeito a armas e que tais, mas eu realmente acredito que a gente não pode “fechar os olhos” e fingir que não sabe que a analogia é boa. Pra mim isso é prejudicar a experiência do leitor. Por mais que seja apenas uma analogia, eu realmente acho que ajuda.

O argumento dos que são contra é de que processos nucleares foram e são usados para fabricar armas e que mataram gente e foram por muito tempo, até hoje, ferramenta de medo e intimidação para muito mais gente. E que fazer “apologia” a isso não é legal.

Mas aí eu pergunto: colocar a analogia no paper muda o que aconteceu? Muda o que vai acontecer? Vai fazer os EUA, Israel, a Rússia, a Coréia do Norte, o Irã, o Brasil, enfim, qualquer um com acesso a armas e/ou processos nucleares deixar estas de lado? Eu acho que não. Vai fazer menos gente conhecer como funciona uma bomba atômica? Também acho que não. Então vale a pena tirar do paper, fingindo que a gente não sabe que a analogia é boa? Você sabe o que eu acho.

Agora eu te pergunto: o que você faria? Colocaria no paper ou não? E se você estivesse fazendo isso na Alemanha, um país com o passado que tem, isso mudaria sua opinião?

P.S.: Em tempo: as escalas de energia, como você pode imaginar, são extraordinariamente diferentes entre a minha “explosão” no laboratório e a de qualquer processo nuclear.

Várzea tedesca em verde e amarelo

O governo brasileiro instituiu recentemente esse programa “Ciência sem Fronteiras” pra dar um quinquilhão de bolsas pros brasileiros seguirem pro exterior. Ótima iniciativa, o país precisa de gente mais e mais especializada, etc e tal. Os estrangeiros, pelo menos aqui pela Alemanha ficaram loucos. Explico: aqui eles têm que incluir bolsas de estudantes nos projetos, como salário, e isso sempre dá trabalho pra acertar e manejar. Já vi gente trabalhando aqui em Stuttgart e sendo paga por um projeto de Hannover, por causa de colaborações. E assim vai. Pois o projeto brasileiro é uma chance de financiar estudantes sem precisar escrever grandes projetos e isso facilita muito a vida deles. Eles ficaram muito interessados.

Aqui eu fiquei responsável por colocar no site as ofertas do nosso grupo (um doutorado e um pós-doutor). Fiz isso em janeiro. Janeiro. Ontem, um email veio avisando que as propostas estavam online. Fui lá checar. Para minha surpresa, a descrição do projeto, ao invés da correta, relacionada a gases quânticos dipolares, veio com algo relacionado à tecnologia de solos e o outro a alguma bio-sei-lá-o-quê que se eu tiver que chutar é um projeto na área de Farmácia. Isso tudo, porque a página da oferta do projeto é basicamente uma reprodução dos campos que eu preenchi no formulário onde se faz a oferta, ou seja, nada muito complicado de se implementar automaticamente e sem erros. Mas deu no que deu e agora vamos ver quanto tempo leva pra resolver.

Você pode pensar: agora ele vai dizer que isso só acontece porque é algo brasileiro e tal. Quase isso. De fato, o meu contato aqui pra resolver o problema é o DAAD no lado alemão e pelo que eu entendi foram eles que fizeram todo o procedimento. Então, apesar de não dar pra cravar se o problema é alemão ou brasileiro, esse tipo de acontecimento só reforça, pros estrangeiros, a imagem de que somos desorganizados, atrasados e não fazemos as coisas direito. E isso é ruim. Principalmente porque nem sempre é verdade. 🙁

Fisico, mas pode chamar de técnico em refrigeração com especialização em fotografia

Este é o post inaugural do blog aqui na sua nova casa, o Science Blogs Brasil. Por ser assim, achei apropriado me apresentar e explicar pra você o que eu faço pra “garantir o leite das crianças” (não, eu não tenho filhos, ainda) e porque eu escrevo aqui.

Eu sou físico. Até a raiz dos cabelos. Daqueles que costumam ser chatos a ponto de conseguir discutir física na mesa do bar na sexta à noite. E gostar disso. Eu gosto absurdamente de ciência, de saber. E é fantástico porque o meu prazer virou o meu trabalho (e vice-versa). Do vestibular até aqui já se vão 14 anos de graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado. A maior parte no Brasil. Os últimos 2 anos na Alemanha. E (quase) sempre me divertindo.

O que eu faço é algo relativamente simples de entender. Primeiro de tudo, é física experimental, por isso é preciso preparar o experimento. Assim sendo, eu primeiro pego uma caixa de metal e tiro tudo de dentro. O “nada” que sobra lá dentro é comparável ao “nada” que preenche o espaço interestelar. Só um milhão de vezes mais denso. Mas ainda assim um milhão de milhões menos denso que a nossa atmosfera. Isto feito, eu coloco dentro dessa caixa, costumeiramente chamada de “câmara de vácuo”, um gás de um único elemento. Eu já trabalhei com Sódio e Rubídio, mas hoje eu trabalho com um gás de Cromo (é, Cromo, que cobre as rodas dos carros dos manos).

A partir desse ponto, o experimento está (quase) pronto para acontecer. Falta apenas resfriar esse gás. O refrigerador que eu uso é feito de lasers e outras combinações de ondas e campos eletromagnéticos. De fato, ele é bastante ineficiente, mas ainda assim é capaz de resfriar o gás dentro da caixa à temperaturas baixíssimas. O que eu quero dizer com temperaturas baixas? Aproximadamente -273.1499998 ºC ou, em outras palavras, alguns bilionésimos de grau mais quente que a temperatura mais baixa possível de ser alcançada, o famoso “zero absoluto”, ou -275,15 ºC. Este é o conhecido “frio pra car…o!”

E para quê eu quero esse gás tão frio desse jeito? Simples: porque quando ele está bem frio, ele deixa de se comportar como nós o conhecemos normalmente, ou seja, tal qual bolas de bilhar que andam a esmo batendo em si mesmas e nas paredes da caixa que as contém. Os átomos que formam o gás passam a se comportar como ondas. Você leu certo, ondas. Mais do que isso, essas ondas se comportam coletivamente como… como se dançassem uma coreografia, todas juntas, cada uma desempenhando o seu papel indivudalmente, mas no qual apenas o conjunto faz sentido, no qual cada uma individualmente é indistinguível.

Onde você já ouviu essa história de ondas? Exatamente: essa é a manifestação mais básica da Física Quântica: matéria agindo como onda. Pois bem, é por ser capaz de fazer esse tipo de resfriamento e atingir esse tipo de regime, dito quaântico, com o meu gás, que eu me vejo muitas vezes como um “técnico em refrigeração”, só metido a besta.

Com o gás frio é possível fazer um bocado de experimentos bacanas, que andaram dando uns prêmios para algumas pessoas aqui e acolá.

E onde entra a fotografia nessa história? Fotografia é o que eu faço para olhar para os átomos e medir os fenômenos quaisquer que sejam eles. Não, aqui não tem nenhuma simplificação, é fotografia do mesmo jeito que você faz nos seus passeios por aí. Talvez com uma diferença: eu fotografo a sombra dos átomos… mas quem nunca fotografou uma sombra, não é? Mesmo sem querer.

E aí está, em resumo, o que eu faço da vida: congelo átomos pra depois tirar fotos. 😉

E o blog? O blog é minha outra paixão: ensinar, transmitir conhecimento. É uma sensação quase orgástica ver nos olhos de alguém que entendeu/aprendeu algo que você ensinou. Então o blog é um pouco isso, minha vontade de discutir e espalhar ciência e por isso que aqui vai ter discussão em todos os níveis, do mais básico até… bom, até onde a gente conseguir. O céu é o limite… 🙂

Mais uma vez, seja bem vindo!

 

>Cego?! Pesquisa e pessoas com necessidades especiais

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“- Cego?! Mas, como assim, cego?”

“- É, cego. Fez a graduação, o diploma e agora quer fazer doutorado. Bacana, né?”

Este pedaço de conversa aconteceu lá em casa uns dias atrás, entre minha mulher e eu. Ela, também física, conversou com um estudante interessado em fazer doutorado com ela. Ele é cego. Aquilo mexeu comigo. E me fez pensar.

A gente sempre fala que a sociedade tem que abrir espaço, oportunidades, diminuir barreiras, enfim, integrar da melhor forma possível pessoas que têm alguma especial, seja de mobilidade, seja pela privação de algum dos sentidos. Todo esse discurso é bacana, a maioria de nós sabe, repete, apóia, luta para que ele seja mais que um discurso e se torne soluções reais. Mas eu confesso: nunca tinha pensado sobre o assunto quando a atividade se tratava de pesquisa científica. E agora tenho vergonha disso porque, afinal, é isso que faço da vida.

A pergunta natural a se fazer é: por quê não? Não há motivos, a priori, para que pessoas com qualquer tipo de deficiência não façam pesquisa, em qualquer nível. É claro, alguns tipos de problema restringem o quê se pode fazer mas, impedem? Acho que há poucos exemplos que realmente previnem alguém de fazer ciência completamente. Só pra organizar o post (e as ideias) eu dividi as diversas necessidades especiais que me vem à cabeça abaixo e as possíveis restrições que elas possam trazer, pelo menos do meu ponto de vista. Como não sou um especialista no assunto, nunca tinha pensado nisso e não conheço realmente exemplos práticos de pessoas com necessidades especiais fazendo ciência, se você sabe do assunto, conhece exemplos ou discorda (concorda) com o que eu escrever ali embaixo, deixe seu comentário para enriquecer a discussão e, por que não?, me instruir um pouco no assunto.

As deficiências motoras são as menos restritivas, especialmente quando se trata de fazer teoria, afinal seu maior instrumento de trabalho é a cabeça. É óbvio que quanto maior a restrição, maiores as dificuldades e mais recursos extras é preciso usar para se trabalhar, mas possível, sem dúvida que é, está aí o Stephen Hawking que não me deixa mentir.

Para fazer ciência experimental, a coisa muda um pouco de figura. Se o pesquisador é cadeirante ou não tem um dos braços funcionais, por exemplo, eu acho que ainda dá, apesar de eu nunca ter entrado num laboratório onde um cadeirante pudesse entrar e se locomover propriamente, quiçá trabalhar. Mas adaptações podem sem dúvidas ser feitas de forma a garantir o trabalho com qualidade e sem restrições excessivas. Já no caso de tetraplegia ou falta de ambos os braços, a coisa piora um pouco, afinal não é qualquer coisa que pode ser feita com a boca (pipetar ácido?!) ou com os pés. Nesses casos, eu diria que as restrições são grandes demais, mas adoraria alguém me contradizendo.

Deficiências sensoriais, no meu modo de ver, são um pouco mais restritivas. De novo, para fazer teoria, ser surdo ou cego (como acabei de aprender) não é um problema, desde que seja possível ter acesso aos meios para se ler, escrever e falar enfim, comunicar-se. Para fazer ciência experimental, eu diria que a cegueira é totalmente restritiva, uma vez que nem tudo é tocável, muito pelo contrário. A surdez também é extremamente restritiva, especialmente por questões de segurança. Dentro do laboratório, espera-se alguém completamente alerta a sons, cheiros, ou qualquer coisa estranha. É claro que numa equipe, um compensa o outro e num ritmo de trabalho normal, uma pessoa com surdez não deve deixar nada a desejar a uma pessoa com audição perfeita. Mas quando se trabalha sozinho ou, como citei, em lugares onde sons estranhos podem significar um problema, a coisa se torna complicada. E segurança, em qualquer nível, é o mais importante.

Finalmente, o que dizer de pessoas com deficiências cerebrais? Por ser um trabalho essencialmente intelectual, graves problemas cerebrais (paralisia, etc) certamente restringem completamente o trabalho com pesquisa. Mas nesse ponto, eu me pergunto: e a síndrome de down ou o autismo? Antigamente, pessoas com essas doenças eram consideradas mentalmente atrasadas, mas sei que hoje, com o estímulo certo podem viver vidas normais e desempenhar os mais diversos papéis dentro da sociedade. Mas, e pesquisa? Eu não conheço nenhum exemplo. Quais as restrições, se é que existem, que pessoas com essas doenças têm, por exemplo, com cálculos matemáticos, ideias abstratas ou coordenação motora? Eu juro que não fui me informar sobre o assunto, mas pretendo. E por isso não emito opnião agora. Seria irresponsável. Mas reforço o pedido ali de cima. Se você conhece alguém ou sabe sobre o assunto, deixe seu comentário. O blog agradece.

O blog segue em ritmo de festas de final de ano e deseja a todos um Feliz Natal, bem atrasado, e um ótimo Ano-Novo. Nos vemos no comecinho de 2012!

>Ciência, Pesquisa e Responsabilidade

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Pingou ontem na caixa de email o boletim 19 deste ano da Sociedade Brasileira de Física (texto completo aqui). 
Neste boletim, Daniel Neves Micha, doutorando da UFRJ e professor do CEFET/RJ, discute um problema que nos cerca mais do que a gente normalmente nota: o engodo de certos produtos que prometem super efeitos físicos e mentais aos seus usuários sem qualquer embasamento científico e conseguem emplacar vendas astronômicas e mesmo garotos-propaganda famosos. Tudo isso fonte da “ignorância científica” da maior parte da população.
Nesta mesma mensagem ele bem coloca que parte da responsabilidade é nossa, de cientistas e pesquisadores que fazemos nossas pesquisas ultra especializadas, publicamos em revistas científicas de impacto, vamos a conferências científicas mas pouco nos preocupamos com a divulgação, popularização e boa divulgação, não só da nossa ciência, mas da ciência do dia-a-dia, aquela que permite ver e evitar engodos, enganações e absurdos que esses ditos produtos propagandeiam.
Finalmente, ele conclama a comunidade científica a mudar, procurar jornalistas, divulgar ciência para o grande público, tanto quanto possível. 
Eu preciso dizer que concordo em gênero, número e grau (e declinação) com as posições colocadas pelo Daniel. É preciso reconhecer que fora do campo acadêmico há várias iniciativas pessoais/institucionais nesse sentido de popularização da ciência, incluídas aí blogs sobre ciência, programas de TV (apesar de em horários normalmente esdrúxulos) e ações empreendidas por associações de abnegados. 
Mas dentro do campo acadêmico, acho que podemos fazer ainda mais. Muito mais. De fato, se cada um que faz ciência se preocupasse em educar a própria família, e para isso não precisa ser professor-doutor-pesquisador, mas apenas estudante, o ganho já seria gigantesco. De verdade, eu acho que o verbo não deveria ser poder, mas dever. Cada um do meio científico que de alguma forma é financiado por dinheiro público, não só pode mas DEVE, TEM QUE se envolver com divulgação, popularização, espalhamento da ciência na sociedade. Seria uma forma de contrapartida, justa e válida, a meu ver, de devolver à sociedade o investimento que foi feito nas suas pesquisas. Seria uma forma de criar uma sociedade melhor, mais consciente. E seria uma forma de aproximar a academia, normalmente tão fechada em si mesma, do mundo real.
Eu reconheço minha ignorância nesse sentido, mas não seria bacana se houvesse, nos termos de outorga de contratos de bolsa de estudo, projetos científicos ou o que quer que fosse, uma cláusula de “divulgação de ciência”? Por enquanto, eu acho que o que existe vindo do meio acadêmico é fruto de ações espontâneas. Num mundo ideal, seria bem bacana que sempre fosse assim, mas numa escala maior, onde cada um assume sua responsabilidade perante os outros. Fora do mundo ideal, se as agências de fomento impusessem cláusulas do tipo, fariam também sua parte, obrigando os “semi-deuses” cientistas a se aproximarem dos meros mortais, assumindo a responsabilidade por levar ciência a um número cada vez maior de pessoas. 
Fica a sugestão.

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