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Astropaleobiologia: Uma ciência embrionária

 
Esta contribuição foi feita pelo aluno de graduação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) chamado Rodolfo Otávio dos Santos. Atualmente ele se encontra no 6º período do curso de Ciências Biológicas e está estagiando no Laboratório de Paleontologia da UFU (https://www.facebook.com/PaleoUFU).
Devido ao seu interesse na área e de auxiliar na divulgação sobre tais assuntos, ele seguirá contribuindo com mais postagens sobre os mais variados tópicos. Rodolfo fez sua primeira contribuição tratando sobre a discrepância entre a abundância de dinossauros na Argentina x Brasil (aqui) e sua segunda discutindo sobre quais fósseis reais foram usados como base para os Pokemon fósseis (aqui). Hoje elecomenta brevemente sobre uma ciência que não é nova, mas que nas últimas décadas tem apresentado novas descobertas incríveis. A ciência em questão é a Astrobiologia, bastante em voga nas ultimas semanas devido a descoberta de novos planetas com potencial significativo de haver vida!


Uma forma bastante eficiente de se conhecer uma ciência é saber qual seu objeto de estudo, ou seja, quais perguntas ela busca responder. Dessa forma a Biologia, por exemplo, tem como objetivo final explicar a totalidade das questões relacionadas à vida. Para áreas emergentes da ciência, no entanto, delimitar as questões que as concernem não é uma tarefa muito simples, pois a maioria aborda temas cujo nosso conhecimento atual é demasiadamente pequeno. Podemos citar, como exemplo, estudos sobre a astropaleobiologia, o tema deste texto.
É preciso, de início, definir o termo astropaleobiologia, que é: área da ciência responsável pelo estudo dos fósseis encontrados fora do planeta Terra. Nesse sentido, é válido mencionar que o vocábulo astropaleontologia já era utilizado anteriormente, porém com outros significados, como: o estudo da evolução das estrelas e/ou o estudo de como os eventos astronômicos influenciaram a vida da Terra. Sendo assim, o termo astropaleobiologia é atualmente o mais utilizado para designar a área que estuda os restos de organismos vivos que porventura habitaram outros locais do nosso universo.
A partir do momento que os astrônomos começaram a estimar com maior precisão o tamanho do universo e se depararam com sua grandeza, logo perceberam que as escalas de medidas convencionais eram ineficazes para as distâncias cósmicas. A noção de que o universo é infinitamente grande e antigo fez com que novos questionamentos surgissem. Parece existir uma incongruência entre a quantidade de espaço disponível e o número de formas de vida no universo, conhecida popularmente como Paradoxo de Fermi. Em outras palavras, parafraseando o célebre astrônomo norte americano Carl Sagan: “Seria o universo um grande desperdício de espaço?”.

Fig. 1 (Créditos NASA)
Fig. 1: Foto conhecida como “O ponto pálido azul”, tirada pela espaçonave Voyager 1, a uma distância de 6,4 bilhões de km, próxima da órbita de Saturno. Nela, nosso planeta aparece como um pequeno ponto luminoso, em contraste com a imensidão e escuridão do espaço circundante. (Créditos: NASA)

Quando o assunto é a possibilidade de vida extraterrestre, outro tópico importante é a Equação de Drake. Trata-se de um famoso cálculo, criado por Frank Drake, que busca estimar a quantidade de civilizações presentes na galáxia, partindo do uso de algumas variáveis (até então impossíveis de serem mensuradas na época de sua criação, ainda que hoje algumas delas sejam razoavelmente conhecidas). A equação foi recentemente atualizada, havendo uma substituição de algumas variáveis por outras que atualmente são capazes de serem mensuradas, passando a ser conhecida como Equação de Seager.
Fig. 2 (Créditos Revista Época)
Fig. 2: Comparação entre as duas equações. A mais recente possui variáveis que podem ser mensuradas a partir de dados coletados principalmente pela Sonda Kepler, dando uma estimativa mais aproximada do número de planetas habitáveis. (Créditos: Revista Época)

 
A descoberta de organismos vivos fora da Terra traria implicações para toda nossa sociedade, principalmente para a ciência, filosofia e religião. Por exemplo, a possibilidade de múltiplas origens do que conhecemos como vida, ou o fato dos organismos vivos terem se originado em outros locais do universo e posteriormente terem colonizado a Terra (a famosa panspermia cósmica) revolucionariam toda a Sistemática Filogenética e, consequentemente, o modo como entendemos as relações de parentesco entre os seres vivos.
Mesmo nos dias atuais, não existe um consenso entre os biólogos sobre uma definição universal de vida. A existência de seres extraterrestres, que provavelmente teriam uma bioquímica muito diferente da nossa, poderia fazer com que a resposta para tal pergunta ficasse ainda mais difícil, pois ampliaria o leque de possibilidades para aquilo que definimos como um ser vivo. Em Titã, um dos satélites naturais de Saturno, cientistas têm especulado sobre um possível tipo de vida muito diferente da terrestre, baseado em hidrocarbonetos como o metano, dada a ausência de água líquida nessa lua.
Fig. 3 (Créditos Walter Myers)
Fig. 3: Representação artística de uma sonda explorando os lagos de hidrocarbonetos de Titã. Astrônomos descobriram que existe um ciclo de metano semelhante ao ciclo da água terrestre. Dessa forma, haveriam condições para o desenvolvimento de formas de vida muito diferentes das terráqueas, ainda que muito simples. (Créditos: Walter Myers)

 
Do ponto de vista astropaleobiológico, a hipótese mais interessante seria a de que, tal como ocorre na Terra, as taxas de extinções de seres vivos no universo sejam grandes, de forma que a grande maioria dos organismos já se extinguiram. Dessa forma, para conhecermos de fato essa diversidade inimaginável, teríamos que estudar os vestígios por eles deixados, provavelmente análogos ao que conhecemos como “fósseis”. Portanto, nesse momento, entra em cena a Astropaleobiologia.
Desde o final do século XX, graças às melhorias em nossa tecnologia, foi possível detectar os primeiros exoplanetas (planetas localizados fora do sistema solar). Atualmente, são conhecidos mais de 3000, alguns deles com características semelhantes às encontradas na Terra e consequentemente, os locais mais prováveis de encontrarmos vida fora de nosso planeta. Os radiotelescópios também têm ajudado os astrobiólogos na procura pela vida extraterrestre. Em 2016, a China inaugurou o maior até então já construído, o que pode ser um passo definitivo para respondermos a questão: estamos ou não sozinhos no universo?
Fig. 4 (Créditos Nan et al)
Fig. 4: Radiotelescópio chinês, conhecido como FAST (sigla para Five-hundred-meter Aperture Spherical Telescope). Estes aparelhos captam sinais (ondas de radio), emitidos naturalmente por estrelas, galáxias, quasares e outros objetos. Além disso, podem ser utilizados na procura de eventuais transmissões de civilizações extraterrestres. (Créditos: Nan et al)

 
Apesar do pequeno número de evidências, existem materiais para estudos astropaleobiológicos e, por mais paradoxal que possa parecer, esses materiais foram encontrados em nosso próprio planeta, porém suas origens remontam a um local distante. No passado, corpos celestes chocaram-se contra Marte, fazendo com que rochas marcianas fossem lançadas para o espaço. Eventualmente, algumas delas caíram na Terra e os cientistas, ao estudarem sua composição, perceberam que tais rochas não eram terrestres.
Em 1996, a notícia de que um meteorito (ALH 84001), encontrado na Antártica, continha estruturas muito semelhantes a fósseis de “bactérias marcianas” correu o mundo. Em 2006 cientistas analisaram outro meteorito, encontrado em 1911 no Egito, que possuía estruturas microtubulares, possível evidência de atividade microbiana. Mais recentemente, em 2014, outra rocha marciana (Y000593), encontrada no Japão, ganhou as manchetes por também apresentar microtúbulos, além de pequenas esferas, prováveis resquícios da presença de organismos vivos.
Alguns cientistas alegam que os microtúbulos seriam, na realidade, túneis escavados por estes organismos extraterrestres enquanto se alimentavam, de forma muito semelhante ao que é feito por algumas bactérias terrestres. Outros pesquisadores, entretanto, afirmam que tais estruturas teriam uma origem totalmente abiótica, sendo resultantes de reações físico-químicas desvinculadas de atividade biológica, pois não foram encontrados vestígios de moléculas capazes de se replicar. Há ainda a possibilidade de contaminação do material por organismos terrestres, o que dificulta os estudos.
Fig. 5 (Créditos McKay)
Fig. 5 (Domínio Público)
Fig. 5: Microscopia eletrônica do meteorito ALH 840001, acima, detalhando estruturas muito semelhantes a bactérias fossilizadas. Passado o alvoroço da descoberta, estudos posteriores mostraram que elas poderiam ter se originado a partir de processos físico químicos. Abaixo, microscopia do meteorito Y000593, evidenciando a presença de micro esferas ricas em Carbono no círculo vermelho (prováveis fósseis de “bactérias”), e microtúbulos, no círculo em azul, que teriam sido feitos por atividade biótica (um possível icnofóssil extraterrestre). (Modificado de McKay (1996)).

Porém, de nada adianta os organismos vivos deixarem restos de sua existência para trás se os futuros cientistas não conseguirem ter acesso aos materiais. Em nosso planeta, conseguimos ter acesso aos fósseis pois as camadas em que eles se encontram são soerguidas graças à forças vindas do interior da Terra, possibilitando aos paleontólogos acesso mais fácil aos materiais. Isso só é possível devido ao fato de que a Terra é um planeta geologicamente ativo. No sistema solar, corpos celestes como Vênus provavelmente compartilham essa característica, enquanto outros, como Mercúrio e Marte, são geologicamente inativos, fator que dificultaria, e muito, o trabalho dos futuros astropaleobiólogos.
É importante salientar que as buscas por vida extraterrestre são altamente enviesadas, pois nossa procura se concentra em locais semelhantes à Terra (restrita, portanto, a planetas rochosos e com água). De forma similar, a procura pelos “fósseis” extraterrestres também está limitada ao nosso conhecimento acerca dos processos de fossilização terrestres. Entretanto, muito provavelmente, a imensa biodiversidade universal, ainda oculta, deve carregar consigo uma gama ainda maior de processos que desafiam nosso conhecimento.
Fig. 6 (Créditos NASA)
Fig. 6: Sonda Espacial Kepler, lançada em 2009 e responsável pela descoberta de milhares de exoplanetas. Estimativas feitas por cientistas, com base nos dados por ela obtidos, indicam que podem haver aproximadamente 40 bilhões de planetas rochosos na Via Láctea. (Créditos: NASA)

A busca por organismos extraterrestres, estejam eles já extintos ou ainda vivos, é sobretudo uma forma de conhecermos a nós mesmos, de entendermos qual nosso papel no universo. No futuro, talvez o conhecimento adquirido com o estudo de possíveis “fósseis” extraterrestres, possamos definir e explicar de forma mais satisfatória o fenômeno que denominamos de vida. Quanto aos paleontólogos do presente, resta usar a imaginação, na tentativa de vislumbrar o passado de outros mundos, e aguardar pacientemente o progresso da ciência em sua procura por organismos extraterrestres.
Adendo: Duas descobertas recentes trouxeram grandes avanços para a Astropaleobiologia. A primeira pesquisa revelou a existência de um sistema composto por sete planetas rochosos, distante 39 anos-luz da Terra, orbitando a estrela TRAPPIST-1, dos quais três estão na chamada zona habitável, a região em que, caso exista água, ela se encontra no estado líquido, aumentando as chances de encontrarmos organismos vivos. Foi a primeira vez que um sistema contendo tantos planetas com grande potencial para abrigar vida foi encontrado.
Fig. 7 (Créditos NASA)
Fig. 7: Representação artística do recém-descoberto sistema planetário da estrela anã-vermelha TRAPPIST-1, com seus sete planetas rochosos, mostrados em escala de tamanho em relação ao planeta Terra. (Créditos: NASA)

 
A segunda pesquisa mostrou a existência de fósseis de bactérias com uma idade entre 3,8 e 4,3 bilhões de anos, os mais antigos encontrados até o momento. Os materiais foram encontrados no Nuvvuagittuq Supracrustal Belt, em Quebec. No passado, este local foi um sistema de fontes hidrotermais rico em ferro, elemento que era utilizado no metabolismo dessas bactérias, que deixaram vestígios na forma de pequenos túbulos. Essa descoberta indica que a vida na Terra apareceu pouco tempo após a formação dos oceanos.
Fig. 8 (Créditos Matthew Dodd)
Fig. 8: Fósseis das mais antigas formas de vida até então conhecidas, bactérias que viviam em fontes hidrotermais, numa região onde hoje se localiza o Canadá. (Créditos: Mathew Dodd)

 
Os autores do estudo ainda lembraram que as condições do planeta Marte há 4,3 bilhões de anos eram semelhantes às da Terra primitiva, um forte indício de que a vida possa ter prosperado também no planeta vermelho, ainda que por um curto período de tempo. Considerando tais estudos, a existência de vida extraterrestre ganhou fortes evidências a seu favor e agora é uma questão e tempo até que novas descobertas sobre o assunto sejam encontradas, confirmando a existência de vida extraterrestre.
 
Referências Bibliográficas:
Astropaleobiologia:
COX, G. Astropaleobiology. Disponível em: <https://starscapescientific.wordpress.com/2012/06/09/astropaleobiology/>. Acesso em 4 de mar. 2017.
Paradoxo de Fermi:
NUNES, J. O Paradoxo de Fermi. Disponível em: <http://www.universoracionalista.org/o-paradoxo-de-fermi/>. Acesso em 4 de mar. 2017.
Equação de Drake e Seager:
OLIVEIRA, D. R. A. Equação de Drake para a vida alienígena recebe um upgrade. Disponível em: <http://www.universoracionalista.org/equacao-de-drake-para-a-vida-alienigena-recebe-um-upgrade/>. Acesso em 4 de mar. 2017.
PONTES, F. A caçadora de extraterrestres: A exótica missão da astrônoma Sara Seager, em busca de planetas habitáveis pelo Universo. Disponível em: <http://epoca.globo.com/vida/noticia/2013/08/cacadora-de-bextraterrestresb.html>. Acesso em 4 mar. 2017.
Vida em Titã:
HRALA, J. Life “Not as We Know It” Might Be Possible on Titan. Disponível em: <http://www.sciencealert.com/life-on-titan-might-be-completely-different-than-the-life-we-re-familiar-with>. Acesso em 4 de mar 2017.
Radiotelescópio Chinês:
O’NEILL, I. Monster Chinese Telescope the Next ET Hunter?. Disponível em: <http://www.seeker.com/monster-chinese-telescope-the-next-et-hunter-1765285433.html>. Acesso em 4 de mar. 2017.
Vida em Marte e Meteoritos:
SÉRVULO, F. Como procurar por vida em Marte?. Disponível em: <http://www.universoracionalista.org/como-procurar-por-vida-em-marte>. Acesso em: 4 de mar. 2017.
MCKAY, D. S. et al. Search for past life on Mars: Possible relic biogenic activity in martian meteorite ALH84001. Science, Washington, v. 273, p. 924-930, ago. 1996.
MIKOUCHI, T. et al. Mineralogy and petrology of Yamato 000593: Comparison with other Martian nakhlite meteorites. Antarctic Meteorite Research, Washington, v. 16, p. 34-57, fev. 2003.
MCKAY, D. S. et al. Life on Mars: new evidence from martian meteorites. Proceedings of SPIE Annual Meeting, Bellingham, v. 7441, p. 80-102, ago. 2009.
WARMFLASH, D.; WEISS, B. Dis life come from another world?. Disponível em: <http://www.bibliotecapleyades.net/ciencia/esp_ciencia_life09.htm>. Acesso em 4 de mar. 2017.
Missão Kepler:
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CLARK, S. Kepler space telescope in emergency mode. Disponível em: <https://spaceflightnow.com/2016/04/09/kepler-space-telescope-in-emergency-mode/>. Acesso em 4 de mar. 2017.
Exoplanetas:
SCHNEIDER, J. et al. Defining and cataloging exoplanets: the exoplanet.eu database. Astronomy & Astrophysics. Paris, v. 532, p. 79-90, jul. 2011.
LOPES, M. Métodos de Detecção de Planetas Extrasolares. Disponível em: <http://www.astropt.org/2013/11/20/metodos-de-deteccao-de-planetas-extrasolares/>. Acesso em 4 de mar. 2017.
Planetas geologicamente ativos:
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Planetas em TRAPPIST-1:
BARSTOW, J. K.; IRWIN, P. G .J. Habitable worlds with JWST: transit spectroscopy of the TRAPPIST-1 system?. Monthly Notices of the Royal Astronomy Society, Oxford, v. 461, n. 1, p. 92-96, mai. 2016.
Fósseis mais antigos já encontrados:
DODD, M. S. et al. Evidence for early life in Earth’s oldest hydrothermal vent precipitates. Nature, Londres, v. 543, p. 60-64, jan. 2017.

Os Sobreviventes

A história da vida na Terra tem em torno de 3.8 bilhões de anos, mas devo enfatizar que esta não foi uma jornada fácil. Mesmo espécies bem sucedidas por milhares ou centenas de milhares, até mesmo milhões de anos, estiveram altamente suscetíveis aos mais catastróficos e devastadores eventos de extinção do nosso planeta (5 no total). A lição de humildade: Todos somos criaturas efêmeras – querendo ou não -, frágeis e vulneráveis ao completo desaparecimento.

Espécies mamalianas não costumam durar mais que um milhão de anos antes de desaparecerem por completo ou serem substituídas por outras melhor adaptadas a um ambiente particular. Isso também vale para outros grupos de vertebrados e muitos invertebrados. Porém, vez por outra, a evolução tira a sorte grande. Um determinado tipo de organismo, sem sofrer extraordinárias modificações morfológicas, pode rasgar o tempo e sobreviver por eras, quase como se a espécie tivesse sido transportada por uma máquina do tempo. Estes são verdadeiros sobreviventes, e o seu tempo no Planeta Terra é contado por dezenas ou até centenas de milhões de anos. São organismos tão respeitáveis, que sobreviveram até mesmo aos golpes mais duros dos piores eventos de extinção em massa. Darwin os nomeou de “fósseis vivos” – oxímoro que também sobreviveu por quase um século e meio até cair em desuso no meio científico.
 
Fóssil de Carangueijo-ferradura e seu repressentante vivente
 
Pegue o exemplo extremo dos estromatólitos – associações microbianas que formam acumulações sedimentares caracteristicamente estratificadas (Veja fotografia). Eles são encontrados em poucos lugares inóspitos do planeta hoje em dia, como Shark Bay na Austrália. Suas estruturas laminadas são virtualmente indistinguíveis daquelas encontradas no registro fóssil por todo mundo, cuja idade pode ter até 3.45 bilhões de anos, quando a vida no planeta ainda era ‘recém-nascida’.
Estromatólitos atuais em Shark Bay, Austrália
Fósseis de Estromatólitos
Outro exemplo bastante impressionante é o do braquiópode Lingula. Braquiópodes são animais marinhos de corpo mole que foram muito abundantes durante o Paleozóico. Eles são compostos por duas valvas ornamentadas (conchas), a semelhança dos moluscos bivalves atuais, porém possuem simetria diferenciada. Lingula, em particular, tem o seu nome devido à semelhança ao formato à língua humana. Apesar de seu desenho ser tão simples e o animal não ter nada de extraordinário, Lingula foi muito bem sucedida e está presente no Planeta Terra há mais de 500 milhões de anos.
Lingula atual e Lingula ordoviciana
Lingula atual
Outros sobreviventes são mais carismáticos, apesar de menos extremos:
Podemos citar o Límulo ou carangueijo-ferradura, que sobreviveu quase inalterado por mais de 450 milhões de anos, ou os celacantos, um grupo de peixes de nadadeiras lobadas, aparentado dos peixes pulmonados, que está no planeta há aproximadamente 400 milhões. – Os próprios peixes-pulmonados permanecem sem grandes mudanças há mais de 220 milhões de anos.

Carangueijo-ferradura (Limulus) atual
Carengueijo-ferradura fóssil
Celacanto atual e fóssil
É fascinante a idéia de mergulhar no tempo profundo e encontrar criaturas que sobreviveram por tão longo período, enquanto galhos inteiros da árvore da vida foram ceifados. Porém é triste observar, que alguns sobreviventes extremos não consigam ultrapassar a barreira da presença humana no planeta. Nós, Homo sapiens sapiens declaramos a grande Sexta Extinção em Massa. – Mais uma vez, após 60 milhões de anos, a taxa de extinção de espécies ultrapassa a taxa evolutiva (“criação” de espécies). A taxa média de extinção extrapola e muito a chamada ‘taxa de extinção de fundo’ e centenas de espécies desaparecem antes mesmo de serem conhecidas pela Ciência.
O Náutilo, um raro cefalópode com concha, único sobrevivente de um ramo muito diverso de organismos que preencheram os mares mesozóicos, está hoje em perigo iminente. O ilustre sobrevivente da extinção cretácica (aquela que pôs fim não só aos dinossauros não-avianos, mas também a outra série de organismos extraordinários, como os grandes grupos de répteis marinhos e pterossauros) pode desaparecer pelas mãos humanas, graças à pesca excessiva, e principalmente a pressão da indústria turística, atraída pelas suas conchas peroladas.
Nautilus
Nautilóide fóssil
 
A vingança dos ‘verdadeiros sobreviventes’ virá, todavia, com muita ironia: O mundo será das baratas, os animais mais prováveis a sobreviverem ao Apocalipse Nuclear ou a qualquer outra catástrofe que possamos imaginar que venha a destruir o nosso reinado primata. Elas estão quase imutáveis, morfologicamente dizendo, há mais de 300 milhões de anos e fornecem um lembrete desgostoso da fragilidade de nossa própria espécie. Onde está a ‘superioridade evolutiva’? Existe ‘superioridade evolutiva’?
Apesar do exemplo desses fortuitos sobreviventes, é importante enfatizar que o fato de possuir uma característica adaptativa bem sucedida não é garantia de sobrevivência na certa. É preciso muita sorte também. A nossa suposta inteligência primata pode ser uma boa arma na competição evolutiva, mas também dependemos da causalidade. Incontáveis vezes na história biológica do Planeta Terra, inovações evolutivas extraordinárias foram silenciadas por eventos catastróficos inesperados. A história biológica, portanto, poderia ter sido completamente diferente e, sob esta perspectiva, somos um verdadeiro milagre.
Da mesma forma, é importante salientar, que a aparente imutabilidade morfológica não significa a ausência do processo evolutivo propriamente dito. A morfologia do animal apenas reflete parte das mudanças ao longo do tempo geológico. A evolução procede majoritariamente de forma invisível aos olhos humanos, dentro das cadeias de moléculas que regem o que é o ser. Apenas algumas alterações tornam-se visíveis, ou macroscópicas, quando expressas fenotipicamente. A maior parte das mutações permanece obscura, na forma de deleções, inserções e trocas mudas no DNA. A aparência do animal pode ser ‘primitiva’, mas ele não deve ser considerado dessa forma. A respeito de tempo, ele esteve constantemente evoluindo, e não parado no tempo. A diferença é o equilíbrio ou constância de seu plano morfológico: se ele funciona muito bem para os seus propósitos, não há porque alterá-lo. A evolução, dessa forma, procede de ‘maneiras misteriosas’, rastreadas com auxílio de estudos genéticos aplicados.
Não há um ápice evolutivo. A evolução não segue um caminho. De acordo com o tabuleiro do jogo, determinados jogadores serão mais bem sucedidos que outros – até que haja uma reviravolta. A evolução sempre tem um ‘porém’. Esses caras aí em cima, até agora têm sido supremos vencedores, lugar no pódium que muito dificilmente macacos com polegares opositores poderão conquistar enquanto tomarem atitudes coletivas tão pouco inteligentes como as quais temos demonstrado em massa nos últimos milênios. A vangloria de nossa própria civilização – o progresso – nos colocou numa ‘barca furada’. Nós já apertamos o gatilho e seremos nossos próprios algozes. Estamos correndo contra o tempo pela nossa própria sobrevivência. Uma grande ironia.

Estromatólitos recentes
Richard Fortey acabou de lançar um livro que discorre exatamente sobre essa temática, chamado ‘Survivors’. Está atualmente disponível somente em inglês e dificilmente será traduzido tão cedo para o português. Richard Fortey ficou famoso no Brasil pelo seu livro “Vida, uma biografia não autorizada”. Seu jeito leve e descontraído de escrever conquistou dezenas de milhares de leitores pelo mundo. Sua literatura é acessível tanto para profissionais das ciências geológicas e biológicas, como os não formalmente introduzidos na área. Vale a pena conferir, já está disponível pela Amazon.com.