Arquivo da categoria: Geral

TERMOS CIENTÍFICOS (FILOSAFANDO #1)

Olá a todos! Sei muito bem que o Colecionadores de Ossos é um blog de divulgação sobre paleontologia, no entanto, justamente por isso ele é um blog cientifico. Muitas vezes para se entender informações científicas, mesmo em mídias de divulgação isso demanda certo conjunto específico de conhecimentos que associamos a ciência, como por exemplo, anatomia e filosofia. Portanto, venho por meio desta apresentar uma nova sequência de textos que irá tratar de assuntos direta e indiretamente relacionados à Filosofia da Ciência, que carinhosamente apelidei de Filosofando. O intuito dessa série é divulgar, facilitar e ampliar o entendimento em filosofia por parte daqueles interessados em ciências em geral. Recomendarei leituras do tipo para aqueles que veem a filosofia como algo “inútil” ou não vinculado a ciência e, assim espero, conseguir mudar essa visão ou pelo menos fazê-los repensar sobre o assunto.
Como primeira postagem, trago um tema básico que são os termos científicos. Aqui trarei algumas definições de termos que provavelmente vocês já ouviram no dia a dia ou leram em textos tanto de divulgação quanto em artigos científicos. No entanto, como esses mesmos termos possuem inúmeras definições, trarei aqui aquelas que considero como as melhores e que, portanto, serão a base que usarei nas próximas postagens. Convido todos que usam, conhecem ou preferiram outras definições a deixar um comentário para que discutamos sobre o assunto!
A comunicação que está ocorrendo entre minhas palavras escritas nesse texto e sua interpretação como leitor só são possíveis devido à semântica intrínseca de cada palavra aqui usada e dos significados destas retidas em seu cérebro. Sendo assim, o entendimento semântico dos termos usados em qualquer campo cientifico, e obviamente a paleontologia não se difere nisso, deve ser buscado por todos aqueles que praticam ciência. Por isso, existem severas discussões acerca de todos os termos usados buscando sempre haver uma uniformização de suas definições e aplicações para que haja uma otimização na transmissão das ideias produzidas. Quem nunca teve problema com um familiar ou amigo por usar uma palavra que foi interpretada por ele em um sentido diferente da que você usou? Na ciência também temos problemas deste tipo e justamente por isso tais discussões acerca da semântica das palavras é tão relevante. Além disso, o ato de citar autores prévios que forneceram a definição que você esta aplicando é um habito cientifico que seria muito bem aceita em nossa vida cotidiana, pois dessa forma, mesmo que o ouvinte tenha um conhecimento de definição diferente da mesma palavra ele estará contextualizado do sentido que você impôs ao usar tal termo.
Então vamos comparar aqui duas situações: 1) a calçada está molhada as 16:34; e, 2) Fulana é mão de vaca. Em geral, nos referimos a ambas as frases como fatos. No entanto, se valendo das definições do que significa “fato”, apenas a situação 1 pode ser considerada como tal. Para Mahner & Bunge (1997) fato é tanto a existência de algo em determinado estado quanto um evento que ocorreu em uma coisa, sendo, portanto, fato algo que podemos considerar como real/existente independente de nossa interação com ele – ou seja, ele não é uma alucinação e, portanto pode ser percebido pelos sentidos de outras pessoas. Nesse contexto, retomo a situação 1, qualquer pessoa que ver a calçada X as 16:34 perceberá que a mesma se encontra molhada, sendo portanto um fato. Uma propriedade interessante dos fatos é que eles não são passíveis de serem tratados como verdadeiros ou falsos, eles apenas são o que são. Todavia, na situação 2, a frase não é um fato, pois esta foi construída para explicar um fato ou conjunto de fatos que é ou foram a observação da Fulana se negando a pagar determinado valor em um produto. Ou seja, ver Fulana agindo de tal forma com relação a seu dinheiro é um fato perceptível a todos, no entanto, nomear Fulana como mão de vaca é atribuir uma explicação causal ao fato de Fulana ter agido de tal maneira. Sendo assim, a situação 2 na verdade é uma hipótese baseada no fato descrito acima. Mas então qual seria a definição de uma hipótese? Hipóteses são explicações de algum fato ou conjunto de fatos, dando a nós pelo menos um entendimento inicial daquilo que nós percebemos (Fitzhugh, 2008). Portanto, podemos considerar hipóteses como sendo espaço temporalmente restrito. Além disso, diferente dos fatos, as hipóteses são passíveis de falsificação diante de procedimentos conhecidos como testes (que aprenderemos mais em uma eventual postagem futura)! Em suma, diante do fato expresso na situação 1, posso propor uma hipótese explanatória, com caráter causal, que seria “antes das 16:34 choveu nessa região”. Ou seja, diante do fato uma hipótese foi proposta e que por meio desta adquiri certo conhecimento inicial do fato exposto na situação1.
Mas agora, por exemplo, se você leitor disser que tem uma opinião diferente da minha acerca da situação 1, cientificamente falando o que isto implicaria? O resultado dessa divergência de opiniões e bastante severa visto que isso indicaria que você leitor considera um determinado conjunto de hipóteses e teorias diferentes das minhas como verdadeiras. Sendo assim, podemos definir opinião como o ato de aceitar como verdadeiro determinado conjunto de hipóteses e teorias (Fetzer & Almeder, 1993). Portanto, opiniões diferentes implicam na aceitação de hipóteses/teorias diferentes como verdadeiras. Voltando ao exemplo da situação 1, na minha opinião a hipótese “chuva” é verdadeira para o fato “calçada molhada”, no entanto, para você leitor a hipótese “Maria lavou a rua” é a verdadeira. Cientificamente falando, a opinião que for embasada em hipóteses que tiverem as melhores evidências deverá prevalecer a menos que novas evidências surjam. Mas afinal o que são evidências? Segundo Fetzer & Almeder (1993) evidência seria aquilo que demonstra que algo seja o caso, ou seja, observações, experimentos ou construções linguísticas na forma de premissas que suportam determinada hipótese. Sendo assim, toda opinião fundamentada por evidências (opinião justificada) forma aquilo que chamamos de Conhecimento (Fetzer & Almeder, 1993). Portanto, como só somos capazes de adquirir conhecimento a partir do momento que fundamentamos nossas opiniões com evidências, sendo assim, a opinião sempre precede o conhecimento (Williamson, 2000).
Quando nos baseamos em informações prévias adquiridas em nosso tempo de vida para propor uma hipótese para explicar a situação 1 ou mesmo para propor a situação 2, nós nos baseamos no conhecimento prévio, que são todas as opiniões aceitas como verdade em relação a condução de uma observação ou experimento (Fetzer & Almeder, 1993). Portanto, todas as teorias, leis e outras hipóteses de conhecimentos, juntamente com nossas vivências (coisas não diretamente relacionadas com o que tradicionalmente chamamos de ciência) compõem nosso conhecimento prévio. Por isso que, quando paleontólogos dizem que “um bom paleontólogo é aquele que viu mais ossos”, essa argumentação e bem fundamentada visto que quanto mais materiais vistos por ele maior será seu conhecimento prévio e, portanto mais evidências ele terá para sustentar suas opiniões.
Bom, mas vamos retomar a discussão sobre evidências. Tradicionalmente podemos reconhecer dois tipos distintos de evidência que possuem funções e são usadas em momentos e situações completamente distintas. O primeiro tipo seriam as evidências usadas para sugerir uma hipótese (Fitzhugh, 2006), por exemplo, na situação dois usamos os fatos da Fulana se negar a gastar dinheiro em diversas situações e a teoria ou concepção geral que temos acerca de “mão de vaca” e com base nisso propusemos a hipótese presente na situação 2. Nesse contexto, tanto os fatos quanto a teoria são evidências. O segundo tipo de evidências, também conhecidas como evidências de teste, são usadas como base para julgar a veracidade de uma hipótese (Fitzhugh, 2006; obs: veremos mais sobre elas na postagem sobre testes). Portanto, na situação2, todas outras evidências que não sejam do primeiro tipo, mas que podem ser usadas para julgar a veracidade da hipótese pertencerá a esse segundo tipo.
Por fim, me resta distinguir dois termos corriqueiramente usados no dia a dia e na ciência que são teoria e lei. Leis são sumarizações de fatos ou eventos que apresentem certa periodicidade ou tendência, portanto ainda falando da situação 2, podemos propor uma Lei para Fulana visto que sempre que possível ela age de forma a gastar a menor quantidade de dinheiro possível. Já as teorias são conceitos explanatórios que buscam estabelecer relações de causa-efeito, que podemos usar junto as nossas percepções para adquirir entendimento (conhecimento) acerca de determinados fatos. De tal forma, teorias são espacial e temporalmente irrestritas, inclusive permitindo graus de inferências. Portanto, Leis e Teorias não são as mesmas coisas e muito menos possuem funções parecidas, enquanto leis buscam descrever padrões as teorias buscam explicações para tais. Por exemplo, podemos propor a lei “quando a água entra em contato com objetos eles se molham”, na situação 1 essa lei faz parte do nosso conhecimento prévio e é uma evidência a ser usada para propor uma hipótese explanatória. Além disso, temos a teoria de que certos eventos meteorológicos possibilitam a precipitação de água dos céus (i.e., chuva). Sendo assim, unindo esses conhecimentos prévios de que a calçada esta molhada (situação 1), de que para estar molhado o objeto entrou em contato com água (lei) e que a água pode ter vindo do céu (teoria), podemos propor a hipótese de que em determinada hora choveu na região da calçada X. Uma conclusão bastante importante é que nesse contexto de definições uma hipótese nasce como uma hipótese e morrerá como uma hipótese, assim como as teorias nascem e morrem como tal, sendo, portanto, impossível que uma hipótese se torne uma teoria (discutirei mais sobre isso em uma postagem futura).
Bom pessoal era isso! Espero que tenham gostado do texto e que achem tal tipo de postagem interessante e pertinente ao blog. Sempre que possível darei continuidade a essa série! Obrigado a todos.
 
Referências:
Fetzer, J. H. & Almeder, R. F. 1993. Glossary of Epistemology/ Philosophy of Science
Fitzhugh, K. 2006. The abduction of phylogenetic hypotheses. Zootaxa, 1145: 1-110.
Fitzhugh, 2008. Fact, theory, test and evolution. Zoologica Scripta, 37, 109–113.
Mahner, M. & Bunge, M. (1997). Foundations of Biophilosophy. New York: Springer-Verlag.
Williamson, T. 2000. Knowledge and its limits.
 
Sites recomendados para consultas de termos filosóficos:
Stanford Encyclopedia of Philosophy = http://plato.stanford.edu/entries/lawphil-nature/
Internet Encyclopedia of Philosphy = http://www.iep.utm.edu/

Tetrapodophis amplectus e a história sem fim da “cobra” de quatro patas: uma perspectiva interna.

Em 2015, um fóssil proveniente do Brasil veio à tona com uma publicação feita por Martill e colaboradores. A repercussão dessa publicação foi imensa por vários motivos, como por exemplo, o fato de se tratar de um espécime muito bem preservado de uma suposta cobra de quatro patas. No entanto, nem tudo foram flores, críticas acerca da procedência duvidosa do material e até mesmo da sua designação como uma serpente foram levantadas. Para sabermos um pouco mais sobre o assunto e a importância das discussões levantadas convidamos o Doutorando Tiago Rodrigues Simões, especialista no estudo da origem e evolução de Squamata (lagartos e cobras), para escrever o esclarecedor texto abaixo.

Obs: Agradeço ao colega João Francisco Botelho pela sugestão do tema, que me motivou a convidar o Tiago para redigir tal texto.

———–

 (TEXTO POR TIAGO SIMÕES)   

Tetrapodophis amplectus e a história sem fim da “cobra” de quatro patas: uma perspectiva interna

Fósseis espetaculares costumam chamar a atenção da comunidade científica e da mídia ao redor do mundo. Em parte pelo fascínio que a paleontologia como um todo (especialmente através dos dinossauros) causa em muitos, em parte pelas novas perspectivas que certos fósseis fornecem acerca da evolução dos seres vivos. Dentro desse último aspecto encontra-se um réptil fóssil denominado Tetrapodophis amplectus (Figura 1), da Formação Crato da Bacia do Araripe, que viveu a cerca de 115 milhões de anos atrás. A espécie, originalmente publicada como uma cobra de quatro patas (Martill, Tischlinger & Longrich, 2015) criou grande comoção na comunidade científica internacional no ano de 2015. Contudo, logo após a sua publicação, o estudo foi alvo de uma série de controversas envolvendo tanto a procedência do material, quanto a ciência por trás da descoberta. No relato abaixo, eu forneço um relato e as minhas perspectivas sobre o assunto do ponto de vista de um brasileiro, especialista em lagartos fósseis e diretamente envolvido na nova pesquisa sobre a Tetrapodophis.

dsc_3341
Figura 1: Espécime (holótipo) de Tetrapodophis amplectus. Créditos: Michael W. Caldwell

Problemas na caracterização anatômica e classificação

A posição ocupada pela Tetrapodophis na evolução do grupo que compreende as cobras e lagartos (Squamata, ou escamados) é sem dúvida o aspecto mais problemático na interpretação científica do fóssil. No último encontro da Society of Vertebrate Paleontology (SVP) em Salt Lake City, nos EUA, um time de colaboradores liderados por Michael Caldwell (University of Alberta, Canadá), e que também inclui Robert Reisz (University of Toronto, Canadá), Randall Nydam (Midwestern University, EUA), Alessandro Palci (Flinders University, Austrália), além de mim (afiliação abaixo), apresentou uma série de dados novos sobre a Tetrapodophis. Em resumo, aspectos da morfologia dentária (Figura 2), craniana e das vértebras indicam que o indivíduo se parece mais com um grupo extinto de lagartos aquáticos denominados dolicossaurídeos (proximamente relacionados aos mosassauros) do que com qualquer cobra vivente ou fóssil conhecida. Um dos aspectos mais relevantes dos novos dados obtidos é que a informação anatômica presente na descrição original do espécime ou está errada, ou é impossível de ser visualizada. Além disso, partes do material preservam impressões da morfologia do crânio (Figura 3) que foram simplesmente ignoradas no estudo original. É de se espantar que tal informação não tenha sido incluída no estudo original, já que tais impressões em baixo relevo do crânio fornecem informações valiosas sobre alguns ossos que são importantes para a classificação dessa espécie dentre os escamados (Squamata).

dentition
Figura 2: Imagem dos dentes presentes no holótipo de Tetrapodophis amplectus . a) material original; b) representação esquemática, enumerando os dentes. Créditos: Michael W. Caldwell

skulls-part-and-counterpart
Figura 3: Imagens do crânio de Tetrapodophis amplectus . Principais ossos preservados, bem como as impressões de ossos completa ou parcialmente destruidos. Créditos: Michael W. Caldwell

O leitor pode se perguntar como que erros em tamanho volume podem ter sido cometidos em um estudo publicado num periódico de tamanho escalão como a Science? Pois bem, você não é o único. Diversos outros especialistas em escamados presentes na reunião anual da SVP ficaram igualmente espantados sobre a falta de cuidado na correta interpretação anatômica da Tetrapodophis. Alguns já desconfiavam de diversos erros ao comparar as fotos publicadas com a descrição escrita do material no artigo original, mas somente agora com os novos dados fornecidos pelo nosso time de colaboradores puderam confirmar tais suspeitas (veja relato do Dr. Jason Head, Cambridge University: http://news.nationalgeographic.com/2016/11/snakes-tetrapodophis-fossils-ethics-science/).

Uma outra pergunta que aqueles que não são especialistas em cobras e lagartos podem fazer (e extremamente relevante nessa discussão) é: como um animal alongado e de patas curtas não é uma cobra? O que ocorre é que diversas linhagens de lagartos adquiriram um corpo alongado seguido de redução dos membros durante a sua história evolutiva, incluindo as cobras, dolicossaurídeos, anfisbênias, dibamídeos, pigopodídeos, diversas grupos de anguídeos, scincídeos, entre outros. Dessa forma, a redução de membros e presença de um corpo alongado estão longe de ser um aspecto exclusivamente observado nas cobras. Para se reconhecer uma cobra como tal, deve-se analisar a morfologia das vértebras e, em especial, do crânio. Sendo assim, a combinação de dados que foram mal-interpretados ou ignorados certamente influenciou os resultados apresentados por Martill e co-autores, inclusive a análise filogenética realizada pelos mesmos.

Problemas na interpretação do hábito de vida

A interpretação inicial do fóssil como um animal fossorial foi um dos pontos que mais me chamou a atenção na descrição por parte de Martill e colaboradores. O indivíduo possui os ossos do pulso e do tornozelo pouco ou não ossificados. Apesar de essa característica poder ser indicativa de um estágio juvenil em répteis, especialmente no estágio embrionário ou recém-nascido, nenhum outro aspecto da morfologia do animal indica um estágio de desenvolvimento tão jovem. Uma outra hipótese, no entanto, explica de forma mais parcimoniosa esse baixo grau de ossificação: um hábito de vida aquático, conforme observado em inúmeras linhagens de répteis que adquiriram um hábito aquático em sua história evolutiva (ex: mosassauros, plesiossauros, talatossauros, entre outros). Além disso, a baixa ossificação dos ossos do pulso e tornozelo tornariam as patas da Tetrapodophis pouco úteis para atividades como escavar ou escalar. Outros argumentos também foram utilizados em um estudo mais recente para demonstrar empiricamente que a Tetrapodophis não possui o leque de adaptações que normalmente se observa em lagartos ou cobras fossoriais (Lee et al., 2016).

Problemas legais e éticos

O outro aspecto controverso sobre a Tetrapodophis, e que concerne de forma mais direta a paleontologia brasileira, é como esse material foi parar em uma coleção particular na Alemanha. A legislação brasileira proíbe, desde 1942, a venda de fósseis ou a sua retirada do país sem permissão legal. No entanto, toneladas de fósseis deixam o Brasil ilegalmente para serem vendidos no exterior, especialmente aqueles da bacia do Araripe (região de procedência da Tetrapodophis)—para mais detalhes sobre a legislação brasileira sobre os fósseis e o problema do contrabando de fósseis, veja Simões and Caldwell (2015). Os autores do trabalho relataram não saber sobre a exata época em que o fóssil saiu do Brasil (http://www.sciencemag.org/news/2015/07/four-legged-snake-fossil-stuns-scientists-and-ignites-controversy). Na realidade, depoimentos por parte do autor principal (Martill) sobre a saída do material do Brasil demonstram o quão preocupado com as normas éticas e legais o autor parecia estar no momento de sua publicação “pessoalmente, eu não dou a mínima para como e quando o fóssil saiu do Brasil” [tradução livre] (veja o relato de Martill no link anterior). Contudo, o fato do fóssil pertencer a uma coleção particular e devido ao longo histórico de tráfico de fósseis da região do Araripe criam uma situação muito suspeita acerca da procedência do material e as circunstâncias da sua saída do país. Isso levou a abertura de um processo criminal para se investigar a saída desse fóssil do Brasil (http://www.nature.com/news/four-legged-snake-fossil-sparks-legal-investigation-1.18116).

Um dos grandes problemas envolvendo coleções particulares e venda de fósseis é a perda de conhecimento sobre a biodiversidade pretérita devido a exemplares que terminam em gavetas de indivíduos particulares, ao invés de serem estudados por especialistas em museus e universidades. No caso da Tetrapodophis, o exemplar havia sido depositado em um museu na região de Solnhofen à época da publicação. Contudo, o material pertence a um colecionador particular e o dono detém os direitos de retirar o espécime do museu quando bem entender. Em algum momento entre o fim de 2015 e início de 2016, soubemos da notícia que o dono do material havia retirado o espécime do museu em Solnhofen e que, portanto, o holótipo e único espécime conhecido de Tetrapodophis não estava mais disponível para estudo. As observações do espécime feitas por Martill e co-autores, seguidas das realizadas por Caldwell e Reisz em uma visita ao museu logo após a publicação da espécie, poderão permanecer como as únicas existentes acerca desse material, talvez por muitos anos a frente. Nesse contexto, e ao meu entendimento, fica clara a resposta a pergunta: quem ganha com materiais científicos depositados em coleções particulares? Certamente, não é a ciência.

Referências para os artigos citados acima:

Lee MSY, Palci A, Jones MEH, Caldwell MW, Holmes JD, Reisz RR. 2016. Aquatic adaptations in the four limbs of the snake-like reptile Tetrapodophis from the Lower Cretaceous of Brazil. Cretaceous Research 66: 194-199.

Martill DM, Tischlinger H, Longrich NR. 2015. A four-legged snake from the Early Cretaceous of Gondwana. Science 349: 416-419.

Simões TR, Caldwell MW. 2015. Fósseis e legislação: breve comparação entre Brasil e Canadá. Ciência e Cultura 67: 50-53.

Dados sobre o autor:

12645264_10207058817362317_831737693683863186_nTiago Rodrigues Simões possui graduação e mestrado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e atualmente está concluindo o doutorado na University of Alberta (Edmonton, Canandá). A sua pesquisa consiste no estudo da origem e evolução de Squamata (lagartos e cobras), utilizando dados de espécies fósseis e viventes (https://www.researchgate.net/profile/Tiago_Simes2).

Vida nova no nosso canal!!

Pessoal, FINALMENTE, depois de MUITA dificuldade, chegou hoje o equipamento novo para o nosso canal!! A gente nem acredita… Foram meses lutando para recebê-lo. Porém agora, tudo certo, vida nova!! Agora começa uma nova etapa.

captura-de-tela-2016-10-05-as-17-08-12

OBRIGADA apoiadores, vocês foram demais!!!
Cada um de vocês:
Keila Matsumura
Melissa Fasano
Juan Cisneros
 Giuliana Miranda Santos
Guilherme Raffaeli Romero
Helder da Rocha
João Carlos Moreno de Sousa
Marcelo Adorna Fernandes
Rodrigo Giesta Figueiredo
Rodrigo Satoro Mizobe
Alex Barbosa
Alessandro Bastos Ferreira
André Luiz Neves da Silva
Carlos Alejandro Rico Guevara
Douglas Miranda
Gabriel Rubens
Gislaine Rosa
Helio e Eloisa Pacheco
Hevisley Ferreira
Hugo Napoleão Bezerra Aragão
Igor Lemos
Izabel Lima dos Santos
Jesse Jesus
João Paulo Reis
Julia Back Comandolli
Leandro Araujo
Leticia Emidio
Lilian Pavani
Ludson Neves de Ázara
Maico Moura
Marcos Paulo
Naieni Ferraz
Nicholas Bittencourt
Patrick Król Padilha
Pietro Antognioni Alves
Ricardo Dias Alves
Rodolfo Nogueira Soares Ribeiro
Rodrigo Calegario
Silvia Naylor
Tahiana D’Egmont
Tiago Rodrigues Simoes
Vinicius Carvalho
Viviani Zaffani
E também aos apoiadores anônimos.
Chegou a hora de entregar as recompensas!

Enquanto nos preparamos para gravar o primeiro vídeo com a câmera e microfone novos, vamos deixar com vocês os últimos vídeos publicados em nosso canal. Espero que gostem!

captura-de-tela-2016-10-05-as-16-07-46

captura-de-tela-2016-10-05-as-16-08-15

captura-de-tela-2016-10-05-as-16-10-24
captura-de-tela-2016-10-05-as-16-11-05
__________________________________
Queremos saber como o nosso blog já ajudou você! Responda este questionário rapidinho, só vai tomar 3 minutos do seu tempo: AQUI.
 
 
 

O livro sobre dinossauros que você estava procurando

No início deste mês, estivemos na 24ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo para o lançamento do Livro “Realidade Oculta”, de um dos integrantes de nossa equipe, o paleontólogo Tito Aureliano.

O livro, uma ficção cheia de suspense e aventura, conta a história de um grupo de pessoas, que, acidentalmente, viaja no tempo para o Período Cretáceo. Lá, eles procuram compreender que fenômeno foi responsável pelo seu deslocamento temporal, enquanto tentam sobreviver aos perigos da Era Mesozoica.

captura-de-tela-2016-09-07-as-16-55-21
“Realidade Oculta” traz uma visão realista e atualizada sobre os dinossauros. Enquanto você mergulha na trama envolvente da história,  acaba por aprender sutilmente uma série de conceitos sobre geologia e paleontologia.

Falar sobre dinossauros em livros ou filmes de ficção nunca foi tão difícil como depois da década de 1990. Depois do filme “Jurassic Park” (e suas sequências), absolutamente tudo que fosse relacionado à dinossauros, tanto no cinema, como na literatura, passou a ser considerado como uma “uma cópia de Jurassic Park” (pelo menos para os insuficientemente versados no tema “ficção científica”…).

Após 1993, Jurassic Park tornou-se a principal (talvez única, para alguns) referência sobre dinossauros e paleontologia, e assim tem sido até hoje (acredite!). A força memética do filme é tão grande, por exemplo, que pouca gente sabe que a história de ‘Jurassic Park’ é inspirada em um livro. Não é curioso?

A mídia cinematográfica hollywoodiana tem um impacto gigantesco em nossa sociedade. Sem entrar em detalhes sobre o despotismo a influência cultural do cinema produzido pelos Estados Unidos, a linguagem audiovisual por si só é mais atrativa e penetrante.

‘Jurassic Park’ foi a maior bilheteria da história, na época, e o sucesso se deve, em grande parte, à Steven Spielberg. O icônico diretor conseguiu fazer uma obra primorosa, com efeitos especiais inovadores e ultra-realistas. Foi um verdadeiro marco na história do cinema. O filme trouxe também uma visão diferente sobre os dinossauros: até então, o público geral ainda guardava uma ideia vitoriana dessas criaturas (como lagartos estúpidos e lentos), enquanto que no filme ‘Jurassic Park’, vislumbramos o que se tinha mais atual na paleontologia de dinossauros do início dos anos 1990.

A agilidade dos "novos dinossauros" era assustadora, assim como o fato de eles não serem tão estúpidos quanto imaginávamos.
A agilidade dos “novos dinossauros” era assustadora, assim como o fato de eles não serem tão estúpidos quanto imaginávamos.

O mérito de transmitir a visão atualizada dos dinossauros em ‘Jurassic Park’, todavia, não é essencialmente de Spielberg. Ele é, na verdade, de Michael Crichton, autor do livro ‘Jurassic Park’. Médico e professor de profissão, Michael Crichton dedicou-se imensamente à divulgação científica por meio da publicação de livros de ficção. Para escrever sua novela ‘Jurassic Park’ (mesmo que a história tratasse sobre criaturas geneticamente modificadas e não dinossauros propriamente ditos), Michael Crichton fez uma ampla pesquisa, consultando, não só livros acadêmicos sobre paleontoljurassic-parkogia (alguns dos mais atualizados para sua época), como também paleontólogos eminentes dos anos 1990.

Crichton não só se preocupava com a qualidade da informação que seria transmitida em suas obras, mas ele também tinha um incrível talento para envolver o leitor em tramas inteligentes, excepcionalmente criativas e muito bem-amarradas. Não é à toa que o livro ‘Jurassic Park’ arrebatou meu coração, quando jovem, e também o de Spielberg, que decidiu por transformar a história no filme homônimo. Filme, que por sua vez, conquistou tanta gente de todas as idades.

Conheça outras obras de sucesso de Michael Crichton clicando aqui. Além de ‘Jurassic Park’, muitas outras obras dele também viraram filmes.

Na minha opinião pessoal, o livro ‘Jurassic Park’ é muito melhor do que o filme. É por isso que sempre aconselho a sua leitura. Porém, o filme teve um alcance muito maior, um apelo muito maior, e foi ele que marcou as pessoas de verdade. Marcou TANTO, que tornou-se, na cultura popular, a referência quase isolada para ficção-científica com dinossauros. Mesmo muitas outras obras envolvendo ‘répteis terríveis’ (“dinossauros”, do grego) terem sido produzidas antes dele, como os clássicos “O Mundo Perdido” (1925) (baseado na obra homônima de Sir Arthur Conan Doyle, publicada em 1912), “The Beast from 20.000 Fathoms” (1953), “Godzilla” (1954 a 2016) “King Kong” (1933 a 2005), “O Vale de Gwangi” (1969), entre outros.

Esses filmes precursores  acabaram obscurecidos (no conhecimento geral) pela popularidade alcançada por ‘Jurassic Park’. E essa fama também viria a oprimir qualquer tentativa posterior, cinematográfica ou literária,  que envolvesse dinossauros. Qualquer obra, invariavelmente, seria comparada com ‘Jurassic Park’, e considerada, quase sempre, uma cópia ou imitação.

Em 2005, quando foi lançada a releitura de ‘King Kong’ por Peter Jackson, por exemplo, houveram críticas insinuando que o filme era uma imitação de ‘Jurassic Park’. Especialmente o portão de entrada da ilha e o fato do gorila lutar contra dinossauros. O que não faz sentido nenhum, pois Peter Jackson estava sendo, nada mais, nada menos, que fiel ao primeiro ‘King Kong’, de 1933, que também apresentava dinossauros e, a propósito, era o filme onde o tal portão apareceu pela primeira vez! Spielberg fala em diversas entrevistas, inclusive, que quis homenagear ‘King Kong’ com o portão de ‘Jurassic Park’. O portão do parque, que vemos no primeiro filme, não está presente no livro original, e foi algo acrescentado por Spielberg. Pessoas pouco conhecedoras da literatura e do cinema de monstros e seres extintos, simplesmente acreditam erroneamente que tudo depois de ‘Jurassic Park’ será simplesmente uma imitação.

Cartaz do filme “O Mundo Perdido” (1925), baseado no livro de Arthur Connan Doyle. O tema dinossauros não era uma novidade nem no cinema e na literatura, quando foi lançado ‘Jurassic Park’.

A notoriedade de ‘Jurassic Park’ (o filme) teve outra grande consequência: ela fez com que a visão dos dinossauros para o público geral parasse nos anos 1990. Independente das novas descobertas da Paleontologia, o visual dos dinossauros para a maioria das pessoas ainda é aquele mostrado em ‘Jurassic Park’ (os filmes). Isso é um pouco frustrante para os paleontólogos, já que houve um avanço significativo na paleontologia de dinossauros desde então.

Mesmo que muitos digam saber que se tratam de 'monstros', ainda os chamam de dinossauros: T. rex, Velociraptor, Dilophosaurus, etc.
Mesmo que muitos fãs digam saber que se tratam de ‘monstros’, ainda os chamam de dinossauros: T. rex, Velociraptor, Dilophosaurus, etc.

‘Jurassic Park’ (o filme) foi uma faca de dois gumes. Na época, fez um imenso serviço à Ciência, disseminando conhecimentos de ponta da Paleontologia e também atraindo centenas de jovens para a carreira científica. Porém, hoje, ainda se arrasta como a principal referência para dinossauros entre o público geral, propagando uma imagem desatualizada dessas criaturas.

walking_with_dinosaur
“Caminhando com Dinossauros”, de 2013.

Desde ‘Jurassic Park’ (e sequências), nenhum outro livro ou longa cinematográfico (de sucesso) conseguiu efetivamente atualizar a imagem dos dinossauros. Os que tentaram, foram excessivamente infantis ou até mesmo muito conservadores.

Finalmente, é aqui que eu gostaria de falar sobre o livro recém-lançado na Bienal de São Paulo: “Realidade Oculta”.

3481-autosave-v1

‘Realidade Oculta’ veio para quebrar paradigmas. É um livro que fala sobre dinossauros e outros seres extintos, como tantos outros que já foram escritos antes dele, MAS que transformará sua visão sobre sobre o passado. Mesmo sendo inspirado em histórias anteriores sobre dinossauros, incluindo ‘Jurassic Park’, o enredo do livro é original e a trama muito envolvente.

” Esqueça essa história de cópia ou imitação de ‘Jurassic Park’, histórias de dinossauros existiram antes e vão continuar a ser produzidas com muita originalidade mesmo depois de ‘Jurassic Park’.”

Essa é uma narrativa sobre dinossauros, que traz muitas novidades. A primeira, é que os dinossauros não são apresentados necessariamente como monstros, mas como animais de comportamentos complexos, que você terá a oportunidade de conhecer como se estivesse vivendo a aventura. A segunda, é que você deverá se acostumar com o novo visual dos dinossauros, porque eles lhe serão apresentados aos olhos das últimas descobertas científicas. Ou seja, prepare-se para ver penas! Afinal, você vai se deparar com dinossauros segundo a ciência do século XXI. Neste ponto, eu garanto, as penas não tornam os dinossauros não-avianos menos assustadores. Os personagens humanos continuam tendo que correr muito para sobreviver e passam por situações de extremo terror. Além disso, já estava mais do que na hora de encararmos as Aves como dinossauros e o livro também apresenta isso muito claramente.

Livro digital 3d capa 2016

Apesar de muita gente associar dinossauros ao público infantil, definitivamente essa não se trata de uma história para crianças. Eu não aconselharia para menores de 10 anos. Como o livro é narrado em primeira pessoa (em formato de diário), toda história gera muita tensão. Além disso, algumas cenas exigem estômago forte.

Como o livro foi escrito por um cientista, é importante ressaltar que toda a discussão têm muita credibilidade e uma sessão de referências pode ser encontrada no final do livro, para aqueles que quiserem se aprofundar mais sobre cada assunto.

Um dos pontos que mais me conquistou em ‘Realidade Oculta’ foi o fato da história se passar em um lugar diferente dos Estados Unidos (e que não envolva personagens estadunidenses!). Afinal, esse E.U.A.centrismo já se tornou maçante em filmes e histórias de aventura ou ficção científica. A trama do livro se passa aqui mesmo, no Brasil, com personagens brasileiros e sobre a fauna cretácica do nosso país. As descobertas feitas por paleontólogos nacionais são valorizadas pelo autor e você poderá de vez enterrar aquela “síndrome de vira-lata”. Tem muita coisa interessante que você poderá descobrir sobre os dinossauros do Brasil, que não deixam nada à desejar em relação ao velho T. rex (temos “vilões” tão terríveis quanto!). E mais: uma história de ficção científica de qualidade produzida no Brasil!

Enfim, o livro vale a pena cada página da leitura. Que por sua vez é bastante fluida, já que cada capítulo é curto, com não mais que 8 páginas. Os capítulos geralmente te deixam com frio na barriga, esperando pelo próximo, e você acaba, que não consegue desgrudar do livro.

Esse era o livro de dinossauros que você estava precisando. Essa era a cara dos dinossauros que todos esperávamos depois de ‘Jurassic Park’.

Confira mais sobre ‘Realidade Oculta’ na fanpage do livro (AQUI). Você pode adquiri-lo através da internet, pelos sites de várias livrarias do Brasil, ou garantir um exemplar autografado pelo autor, com direito à marca página temático, clicando em “Comprar agora” , no botão do aí em baixo! Você será redirecionado para o site do Paypal, para loja oficial dos Colecionadores, a Mesozoika. O valor total do livro autografado com o marcador e também o envio para qualquer lugar do Brasil é de R$44. Preencha os dados de envio corretamente. Essa é uma promoção exclusiva dos Colecionadores de Ossos!

Em breve, ‘Realidade Oculta’ também estará disponível nas lojas físicas de todas as grandes livrarias do país.

 

Explicando as similaridades entre os seres vivos: da observação até as hipóteses!

Desde muito cedo em suas vidas os seres vivos instintivamente buscam abstrair padrões daquilo que seus sentidos captam do mundo ao seu redor. Uma planária é capaz de perceber por meio de seus ocelos ambientes mais claros e escuros, optando por aquele que lhes é mais favorável. Abelhas e Aves são capazes de detectar odores, formatos e cores das flores que os cercam separando-as nas que devem e não devem ser visitadas durante sua colheita/alimentação. Mamíferos herbívoros conseguem detectar por meio de odores, morfologia e padrões de cores espécimes vegetais que não devem ser utilizados para alimentação. Mamíferos carnívoros rapidamente aprendem a identificar as características que caracterizam certos animais como presas, inclusive sendo capazes de distinguir feições que tornam determinado indivíduo uma presa em potencial, como ferimentos e patologias. Nossos ancestrais, e incluindo a nós mesmos, utilizamos das feições contidas pelos objetos que nos cercam para identificar e agrupar em categorias funcionais. Por mais óbvio que isso possa parecer, um objeto é um objeto pelas características próprias que eles possuem principalmente aquelas tidas como exclusivas (Armstrong, 1997), e nos valemos disso para categorizá-los e atribuir algum significado/valor.

Georges_Cuvier_large
O ilustre paleontologo e anatomista Georges Cuvier.

Assim como nas cotidianas comparações entre as características dos objetos que nos cercam também são largamente utilizadas na ciência, com uso extensivo na paleontologia. Embora, hoje em dia, tais comparações na ciência pareçam triviais e automáticas, no passado elas não eram. Georges Cuvier (1769 – 1832; sim o mesmo que abordamos a algumas postagens atrás, aqui), considerado o Pai da Paleontologia, foi um dos responsáveis por estabelecer como um método cientifico o ato de se comparar características expressas por objetos diferentes, ato este conhecido como anatomia comparada e morfologia funcional (ato de atribuir funções associadas a determinados tipos de morfologia, um grande passo para os estudos paleoecológicos). Com tal metodologia em mãos ele foi capaz de comparar fósseis com esqueletos de animais viventes e devido às similaridades morfológicas ele foi capaz de realocar os fósseis (que antes eram classificados por Lineu junto às rochas), na taxonomia Lineana entre os grupos viventes.
sir-richard-owen-moa-skelton-1879-276x400
Richard Owen ao lado de um Moa, ave extinta da Nova Zelândia.

No entanto, foi um contemporâneo de Cuvier que buscou propor termos para tais características observadas pelo método comparativo. Este foi Richard Owen (1804 –1892), um prodigioso e produtivo pesquisador, famosos por ser um dos diretores do Museu de História Natural de Londres e cunhar o termo Dinosauria (veja Padian, 1997 e suas referências para um melhor entendimento da biografia de Owen). Owen, em 1843, publicou o trabalho intitulado “Lectures on the Comparative Anatomy and Physiology of the invertebrate animals” (tradução: Ensaios sobre anatomia comparada e fisiologia dos animais invertebrados), como o próprio nome diz, neste trabalho volumoso ele discorre sobre a anatomia comparada e fisiologia de uma vasta variedade de invertebrados. No entanto, o diferencial deste trabalho é a utilização de um termo, HOMOLOGO, empregado quando comparações entre características tidas como iguais eram feitas ou discutidas. Embora o termo homologo não seja novo e já tenha sido utilizado em outras áreas, como na matemática, e até mesmo na biologia pelo Francês Auguste de Saint-Hilaire, Owen foi o responsável por formalizar uma definição para tal termo dentro do estudo da anatomia comparada. Diante disto, no glossário de seu trabalho de invertebrados, Owen define tal termo da seguinte forma: “HOMOLOGUE. (Gr. homos; logos, speech.) The same organ in different animals under every variety of form and function.” (Owen, 1843: 379; tradução: Homologo (Gr. homos; logos, speech.) o mesmo órgão em diferentes animais sob qualquer variedade de forma e função). Dando continuidade à designação de termos no estudo da anatomia comparada Owen, em 1847, no trabalho intitulado “Report on the Archetype and Homologies of the Vertebrate Skeleton” (tradução: Reporte sobre o Arquétipo e Homologias do esqueleto dos Vertebrados) cunhou outro termo chamado Homologia, segundo ele tal termo pode ser dividido em três, cada um com uma aplicação própria, eles são: 1) Homologia especial é a correspondência de um órgão, ou parte de um órgão, cuja explicação indica a existência de um tipo comum entre os possuidores daquele órgão (e.g., quando correlacionamos os úmeros dos vertebrados e sugerimos que tal estrutura possui uma origem em comum); 2) Homologia geral um órgão, parte dele ou séries de partes de um organismo que possam ser relacionadas com um tipo fundamental/geral reconhecendo que determinado grupo de organismos formam um grupo natural (e.g., quando relacionamos alguma parte de nosso corpo diretamente a uma parte pertencente ao arquétipo de nosso grupo); e, 3) Homologia seriada sucessão de órgãos ou partes similares entre si que se sucedem longitudinalmente ao longo do corpo, sendo possível haver especializações regionais entre essa parte repetida, no entanto sem perder suas feições primordiais (e.g., as vértebras dos animais vertebrados que apresentam modificações especificas para cada parte do corpo, mas continuam tendo as feições necessárias para considerarmos como vértebras).
3-Organos-homologos
Exemplos de homologos, ou homologias como alguns virão a chamar, entre os ossos dos membros anteriores de um (da esquerda para direita): humano, gato, baleia e morcego.

Interessante notar que, além da proposição de novos termos, neste trabalho sobre o esqueleto dos vertebrados, Owen ressuscitou e defendeu a Teoria do Arquétipo como explicação causal para as similaridades observadas entre os organismos. Tal teoria propõe que todas as morfologias observadas nos organismos derivam de um arquétipo, que para Owen esse arquétipo não era uma entidade existente e sim um modelo ideal de onde todas as outras morfologias derivaram. Como resultado desta idéia Owen esboçou como ele imaginava que seria o Arquétipo dos vertebrados, sendo um animal fusiforme similar a um peixe composto por uma série de vértebras, ressuscitando a idéia de que o crânio era derivado das vértebras anteriores. Fica evidente a idéia de uma força superior que modelaria os vertebrados conhecidos baseado nesse modelo proposto.
500px-Vertebrate_archetype
O arquétipo dos vertebrados segundo Owen.

thomas-henry-huxley-1885220px-Ray_Lankester
Thomas Huxley (a esquerda) e seu estimado orientando Ray Lankester (a direita). Ambos grandes defensores das ditas teorias evolutivas de Darwin.
Em 1870, Ray Lankester, um jovem aluno de 23 anos, cujo orientador era ninguém menos que Thomas Henry Huxley (renomado pesquisador que hoje é famoso por ter defendido Darwin e suas idéias), publicou um trabalho revisando os termos propostos por Owen e recomendando a utilização de alguns novos, mais adaptados a teoria da descendência com modificação (hoje conhecida como evolução). Neste trabalho Lankester propõem que como o termo Homologia de Owen esta intrinsecamente associada à Teoria dos Arquétipos, visão esta que foi derrubada pela descendência com modificação e seleção natural, este deveria ser substituído por dois novos termos: homogenia e homoplasia. Ambos os termos se aplicariam como explicações causais das similaridades compartilhadas entre os organismos, no entanto, as homogenias seriam aplicadas para quando essa similaridade é explicada pela ancestralidade em comum e a homoplasia se aplicaria a todos os outros casos que não a ancestralidade em comum. No entanto, Lankester vislumbrou o termo homologo como sendo aplicado as estruturas que já haviam sido explicadas pelas homologias, justamente o oposto do que Owen havia proposto.
800px-St_George_Jackson_Mivart
George Jackson Mivart, grande defensor de Richard Owen e protagonizou trabalhos que antagonizavam as idéias de Darwin, como seu trabalho “Genesis of Species”.

Porém, embora a idéia de Lankester com seus novos termos fosse amenizar futuras confusões entre os termos e as teorias que estes termos representavam, suas propostas foram mal recebidas. No mesmo ano de sua publicação, 1870, um dos seguidores das idéias Owen, Mivart publicou um trabalho contrargumentando Lankester e propondo novas combinações com os termos antigos e novos usados na época. No fim, Mivart criou ainda mais confusão com suas proposições. Para piorar, pesquisadores posteriores resolveram começar a utilizar o termo homoplasia em seu sentido original, mas decidiram não utilizar o termo homogenia e manter o termo homologia. Apesar disso, a homologia nesse novo contexto não possuiria o mesmo significado original, proposto por Owen, e sim o significado de homogenia proposto por Lankester (Hass & Simpson, 1946).
394626aa.eps.0
Colin Patterson, grande paleontólogo Britânico que trouxe grandes contribuições teóricas para o estabelecimento daquilo que hoje conhecemos como Cladística.

Decorrente dessa história o significado de homologia se tornou um mistério que muitos tentaram resolver propondo conceitos diferentes para cada novo uso ou teoria proposta. Patterson, em 1981, fez uma revisão dos vários conceitos propostos para o termo homologia e, além disso, nessa época podemos verificar que os termos “homologo” e “homologia” começaram a ser tratados como sinônimos uns dos outros, tradição essa que permanece até hoje entre a maioria dos pesquisadores. Em sua revisão, Patterson defende que o melhor conceito de homologia/homologo seria equivalente ao de sinapomorfia (termo utilizado na sistemática filogenética para representar caracteres compartilhados por grupos monofiléticos), ou seja, uma visão “atualizada” da homogenia de Lankester. Essa vem sendo o conceito mais ensinado utilizado e aceito pelos biólogos atualmente.
download (7)
Representação esquemática de alguns termos utilizados na Cladística, sendo que para muitos homologia seria um equivalente de sinapomorfia (circulos cinza).

Com base nessa breve contextualização histórica, podemos concluir que uma das principais fundamentações para qualquer cientista é um conhecimento dos termos e seus significados. Apesar de alguns filósofos defenderem que os termos em si não são importantes, e sim a importância reside no significado que damos aos termos (i.e., semântica). Desta forma, entender a origem e aplicação dos diferentes termos permitem que se estabeleça um consenso de qual seriam os mais apropriados para o contexto da época. Finalizo por hoje ressaltando a importância de se compreender o contexto histórico em que tais termos estão envolvidos, pois parte de seus significados derivaram do conhecimento prévio da época. Sendo assim, leiam sempre que possível o trabalho original em que o termo foi proposto e busquem acompanhar e compreender o que aconteceu com ele ao longo dos anos, pois como vimos no termo homologia, muita confusão foi criada.
 
Gostaria como sempre de agradecer a Kamila L. N. Bandeira pela revisão do texto. Tal postagem foi inspirada nas discussões dos termos aqui apresentados feita por Fitzhugh (2006), no entanto, guardarei para uma próxima postagem as propostas feitas por ele e as implicações decorrentes disso e dos critérios filosóficos defendidos por ele. Além disso, aprofundarei nas demais visões vigentes acerca desta temática! Espero que gostem.
 
REFERÊNCIAS:
 ARMSTRONG, D. M. 1997. A World of States of Affairs. New York: Cambridge University Press, 300 p.
 FITZHUGH, K. 2006. The abduction of phylogenetic hypotheses. Zootaxa, 1145: 1-110.
HAAS, O. & SIMPSON, G.G. 1946. Analysis of some phylogenetic terms, with attempts at redefinition. Proceedings of the American Philosophical Society, 90: 319–349.
LANKESTER, E. R. 1870. On the use of the term homology in modern zoology, and the distinction between homogenetic and homoplastic agreements. Annals and Magazine of Natural History, 6: 35-43.
 MIVART, S. G. 1870. On the use of the term “homology”. The annals and Magazine of Natural history, 32 (4): 113-121.
 OWEN, R. 1843. Lectures on the Comparative Anatomy and Physiology of the Invertebrate Animals, Delivered at the Royal College of Surgeons, in 1843. London: Longman, Brown, Green, and Longmans.
OWEN, R. 1847. Report on the archetype and homologies of the vertebrate skeleton. Report of the Meeting of the British Association for the Advancement of Science, 16: 169-340.
PADIAN, K. 1997. The Rehabilitation of Sir Richard Owen. BioScience, 47(7): 446-453.
PATTERSON, C. 1982. Morphological characters and homology. In: Joysey, K.A. & Friday, A.E. (Eds.), Problems of Phylogenetic Reconstruction. Academic Press, New York, New York, pp. 21–74.