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>Novos vertebrados do Mesozóico brasileiro – Começamos bem 2011!

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Depois do anúncio de Tapuiasaurus em fevereiro, somam-se à lista de vertebrados mesozóicos do Brasil o gigante dino carnívoro Oxalaia, mais um bizarro crocodilomorfo terrestre – Pepesuchus – e Brasiliguana, um pequeno lagarto da região de Presidente Prudente, SP… 
Mas isso não é só, ainda há muito mais por vir!!

Tapuiasaurus foi descrito ainda em fevereiro na revista científica de divulgação livre, PLoS ONE (acesse o artigo aqui). O anúncio do bicho foi um sucesso: Dinossauro na cabeça! Um crânio completo foi apresentado por Zaher e colaboradores e o estado de conservação do material deixou pesquisadores do mundo inteiro boquiabertos. Tapuiasaurus pertence a um grupo de dinossauros chamado de saurópodes (dinos gigantes de pescoço e cauda longos) e mais especificamente a um ramo chamado de ‘titanossaurídeos’. Crânios de dinossauros saurópodes são relativamente raros, já que tendem a logo se desarticular do corpo depois da morte do animal. Por isso Tapuiasaurus foi recebido com tanta festa.!
A idade do fóssil está entre 125 e 112 milhões de anos. Ele foi encontrado nos estratos cretácicos da Bacia Sanfranciscana, nas imediações do município de Coração de Jesus, Minas Gerais, próximo a divisa com a Bahia.
Não só o crânio, mas vértebras, partes da escápula, um rádio e um fêmur também foram descritos.
O crânio é impressionante. Com o focinho alongado e a abertura nasal na altura dos olhos, ele lembra aquele de outros titanossauros como Rapetosaurus e Nemegtosaurus. Porém, Tapuiasaurus viveu bem antes destes animais – pelo menos 30 milhões de anos antes. Em termos evolutivos, essa é uma informação muito importante. Tudo indica que este formato craniano, comumente encontrado em dinossauros saurópodes titanossaurídeos do final do Período Cretáceo, já havia evoluído bem antes do que se pensava.
Uma exposição temática com os fósseis do animal está sendo apresentada no Museu de Zoologia da USP em São Paulo. Vale a pena visitar!! Exposição “Cabeça Dinossauro”.

O crânio de Tapuiasaurus macedoi.

Reconstituição do animal pelo paleoartista Leandro Sanchez.

Quanto a Oxalaia, anunciado à imprenssa brasileira no dia 16 de março, temos um registro bem menos impressionante, mas tão importante quanto o de Tapuiasaurus. Oxalaia tratava-se de um imenso dinossauro carnívoro espinossaurídeo (da família do Espinossauro e do Suchomimus, dinos com o focinho alongado e achatado como o dos crocodilos), que devia medir entre 12 e 14 metros. Seria o segundo maior dinossauro dessa família de terópodes. Os restos do animal foram encontrados ainda em 1999 durante uma expedição da equipe de paleontólogos do Museu Nacional à Ilha do Cajual, no Estado do Maranhão (Leia aqui!). Encontrado na famosa ‘Laje do Coringa’, o nível mais fossilífero da Formação Alcântara, o bicho parece ter sido um elemento comum no ambiente pretérito daquela região, onde são encontrados abundantes dentes do animal. Foram descritos por Kellner e colaboradores dois fragmentos de crânio, considerados suficientes para definir a nova espécie. O trabalho foi apresentado numa edição especial dos Anais da Academia Brasileira de Ciências e pode ser acessado aqui. Oxalaia pode ser considerado hoje o maior dinossauro carnívoro brasileiro. Três espécies de espinossaurídeos já foram descritas para o Brasil: Irritator challengeri, Angaturama limai e Oxalaia quilombensis. O nome Oxalaia faz referência a divindade africana Oxalá e quilombensis à um antigo Quilombo da região da Ilha do Cajual.

Fragmentos do crânio de Oxalaia, descritos por Kellner e colaboradores.

Reconstituição artística do animal por Maurílio de Oliveira.

Pepesuchus pode parecer um nome estranho, mas foi uma homenagem ao Prof. José Martin Suaréz (conhecido por seus colegas como Pepe) para nomear o mais novo crocodilomorfo terrestre barsileiro. Descrito por Diógenes de Almeida Campos e colaboradores, a nova espécie conta com dois crânios quase completos e mandíbulas. O material é proveniente do famoso sítio “Tartaruguito” (Fm. Presidente Prudente, Grupo Bauru, Bacia Bauru), próximo às cidades de Pirapozinho e Presidente Prudente, no Estado de São Paulo. A nova espécie foi classificada como um peirossaurídeo e acrescenta ainda mais ao conhecimento desses animais na Bacia Bauru, Cretáceo Superior brasileiro. Os peirossaurídeos parecem ter sido um dos clados de Mesoeucrocodylia mais bem representados no paleocontinente austral, Gondwana. O material pós-craniano da nova espécie será descrito separadamente.

Reconstituição do crânio de Pepesuchus.
Reconstituição artística de Pepesuchus.

Por fim, não poderíamos deixar de falar de Brasiliguana, também publicado na edição especial dos Anais da Academia Brasileira de Ciências (acesse aqui). Brasiliguana trata-se de um pequeno lagarto dos estratos do Cretáceo Superior da Formação Adamantina, Bacia Bauru, da região do município de Presidente Prudente, SP. O registro de squamatas no Brasil é raro e inclui somente 6 apontamentos: Tijubina, Olindalacerta e squamata indeterminado, da Bacia do Araripe, e Pristiguana e 2 registros também não específicos da Bacia Bauru. Brasiliguana viria a acrescentar este conhecimento.
O animal foi descrito por William Nava e Agustín Martinelli com base em um fragmento cranial, cujos formato e implantação dos dentes, de acordo com os autores, são semelhantes a dos lagartos iguanídeos.

Material descrito de Brasiliguana prudentensis.


Já que falamos tanto da edição especial dos Anais da Academia Brasileira de Ciências, vale a pena checar os outros artigos. Você os encontra disponíveis aqui.

Não deixe de dar uma olhada naquele de Bittencourt & Langer (aqui). O amigo Johnny fez uma fantástica revisão sobre as ocorrências de dinossauros no Brasil e as suas relações biogeográficas. Referência!
As novidades por enquanto são estas, mas fiquem de olho porque tem muito mais por vir!


>As pegadas fósseis do interior paulista – O Grande deserto Botucatu, Parte I

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Texto original por Marcelo Adorna Fernandes – adaptações por Aline Ghilardi

Há aproximadamente 140 milhões de anos, durante o final do Período Jurássico e início do Período Cretáceo, a região onde hoje se localizam as cidades de Araraquara e São Carlos, no interior de São Paulo, era coberta por um imenso deserto que se extendia por uma superfície de cerca 1.600.000 km2 (do sul de Minas Gerais até o Uruguai).

Imagem ilustrativa de como se pareceria o antigo deserto de Botucatu.

Este antigo deserto, chamado de Botucatu, foi um dos maiores que já existiu na história do Planeta Terra, e nele, dinossauros e pequenos mamíferos caminharam em busca de água, que brotava em pontuadas lagoas – oásis – formadas entre as gigantescas dunas de areia. Estes animais pré-históricos deixaram suas pegadas enquanto prosseguiam em suas jornadas diárias, e fortuitamente, estes registros fossilizaram, deixando pistas valiosas sobre a vida misteriosa do passado.
As pegadas fossilizadas são encontradas hoje em lajes de arenito retiradas de algumas pedreiras de Araraquara e São Carlos. Estas lajes foram vastamente utilizadas durante os séculos passados para o calçamento público de diversas cidades do interior paulista. Hoje, as calçadas dessas cidades guardam um tesouro precioso de dezenas de milhões de anos….

Reconstituição da fauna extinta do antigo deserto Botucatu. Por Ariel Milani e Aline Ghilardi.

Como as pegadas fossilizaram?

Pegada de dinossauro carnívoro.

As pegadas deixadas pelos animais que habitavam o paleodeserto de Botucatu eram delicadamente recobertas pela areia trazida pelo vento, que formava camadas sobrepostas protegendo a pista do animal. Depois de milhões de anos, a areia das dunas compactou-se de tal maneira – por cimentação natural dos grãos devida aos sais minerais de sua composição – que transformou-se em rocha (arenito), preservando o registro da vida extinta.
As dunas do antigo deserto continham um certo teor de umidade que também ajudava na preservação das pegadas. Porém, a umidade não era suficiente para favorecer a fossilização dos restos ósseos de animais que ali caminhavam. O clima rigoroso, associado ao desgaste pela ação erosiva dos grãos de areia e o vento, destruía completamente os corpos dos animais. Por isso não encontramos fósseis corporais de dinossauros – ou outros bichos -, mas somente suas pegadas.

Pista de pequeno mamífero.

A raridade de fósseis nesse tipo de ambiente faz com que todas as informações a respeito da vida nos paleodesertos restrinja-se sempre à impressões – vestígios indiretos – como pegadas e escavações para fuga ou habitação, por exemplo.

Pista de pequeno dinossauro carnívoro e detralhe de uma pegada.

Os arenitos da Formação Botucatu

Com o passar do tempo, a areia deste imenso deserto foi sofrendo um processo de compactação. As camadas inferiores de areia foram sendo gradativamente cobertas por novas camadas que o vento trazia, e as pegadas foram “guardadas” num “arquivo sedimentar”. Camada após camada, a areia endureceu formando as rochas conhecidas como arenito, da Formação Botucatu, pertencente à Bacia do Paraná, a mesma rocha que compõe o Aqüífero Guarani.

Diagrama litoestratigráfico indicando o posicionamento da F,. Botucatu dentro da Bacia do Paraná.

Pedreira na cidade de Araraquara, SP, onde afloram os arenitos da Formação Botucatu. Ainda pode-se observar a inclinação da antiga paleoduna.

Calcamento de arenito em Araraquara, SP.

Pegadas no calçamento. Algumas são cobertas com cimento: Alguns moradores as tinham como ‘defeitos’ na calçada.
O arenito foi muito utilizado para calçamentos de vias públicas em Araraquara e região, conseqüentemente muitas pegadas são encontradas ainda hoje nas próprias calçadas de diversas cidades do interior paulista e inclusive na Capital.

O estudo do registro icnofossilífero

O estudo de um icnofóssil (vestígio preservado da atividade de um organismo) é de grande importância, pois pode auxiliar nas interpretações paleoambientais e paleoecológicas de um determinado período de tempo geológico, assim como evidenciar o comportamento dos diversos organismos fósseis.

As pegadas fósseis podem estar preservadas basicamente como impressões (epirrelevo côncavo), correspondendo a moldes das plantas dos pés do animal, e como contra-moldes (hiporrelevo convexo) produzidos pelos sedimentos sobrejacentes nas impressões originais. Devido ao peso, alguns animais poderiam ainda provocar deformações nas camadas inferiores do sedimento, formando as undertracks ou subpegadas.
A partir das pegadas fossilizadas é possível reconstruir o esqueleto do pé do animal, saber como era a pele e musculatura do pé. Também é possível conhecer relações ecológicas destes seres primitivos e sua influência nos ecossistemas. O estudo destes vestígios torna-se algo fascinante e que nos permite reconstruir, passo a passo, a trajetória da vida no Planeta.
O final da existência dos dinossauros do deserto no interior paulista foi selado por um grande evento magmático (registrado como a Fm. Serra Geral), no qual grandes fissuras na crosta terrestre derramaram magma sobre o paleodeserto, mudando o clima e a paisagem e determinando o fim do antigo ambiente do Botucatu. Isso se deu há pelo menos 135 milhões de anos.

Pegadas de pequeno mamífero.

Ilustração representando a antiga fauna do deserto Botucatu. Por Ariel Milani.

Maiores informações sobre o sítio paleontológico de Araraquara no site:
— Em próximos posts: “A fauna do Paleo-Deserto Botucatu”, “Xixi de dinossauro” e “Um estranho gigante nas dunas”

>Uma introdução à respeito dos Monstros Marinhos do Cretáceo

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Durante a Era Mesozóica, os mares eram habitados por uma formidável diversidade de répteis marinhos. O enfoque desse texto introdutório é para os três grupos extintos mais conhecidos desses animais: os Ictiossauros, os Plesiossauros (Pliossauros inclusos) e os Mosassauros.

Figura 1: Cladogramas de répteis marinhos mesozóicos.
Fonte: SCIENCE. www.siencemag.org

Figura 2 Reconstrução de Ictiossauro caçando um amonite.

By Jorge Gonzales.

O primeiro grupo a ser apresentado, os Ictiossauros (figura 2), eram extremamente adaptados à vida marinha. Possuiam um corpo aquadinâmico, semelhante ao de um golfinho, com membros em formatos de pás, nadadeiras caudais verticais, como as de um tubarão, focinhos longos, e, em espécies mais derivadas, barbatanas dorsais (há restos de fósseis com registro de contorno de barbatanas dorsais para alguns gêneros, como observou McGowan à respeito dos melhores fósseis encontrados para esse grupo na região de Holzmaden, na Alemanha).

A locomoção dos Ictiossauros se dava por propulsão em alta velocidade dada por meio de sua poderosa cauda com o direcionamento da barbatana (para os indivíduos que tinham essas características já desenvolvidas) e nadadeiras. O seu hábito alimentar envolvia basicamente uma dieta de cefalópodes, ingeridos por meio de sucção (como algumas baleias modernas). Sua reprodução era ovovivípara, ou seja, os filhotes eram expelidos do corpo já formados: há amplo registro fóssil de fetos associados as mães que teriam morrido por complicações no parto — Para alguns pesquisadores, todavía, há também a teoria que os fetos poderiam ser expelidos do corpo das mães pós-morten, como McGowan propôs baseado em carcaças de baleias na Tasmania que liberaram os fetos depois de mortos.

Os Ictiossauros surgiram no início do Período Triássico e extiguiram-se no Neocretáceo, há cerca de 90 milhões de anos. Um dos gêneros encontrados na Colômbia, Platypterygius, foi um dos últimos antes que o grupo se extiguisse. O gênero Platypterygius encontrava-se também nos mares da América do Norte, Europa, Rússia, Índia e Austrália.

Figura 3: Reconstrução computadorizada de um Plesiossauro.

Figura 4: Reconstrução computadorizada de um Plesiossauro Elasmossauro. Fonte: Johnson Mortimer.


Os Plesiossauros compunham o grupo de predadores marinhos mais bem-sucedidos e melhor distribuídos durante todo o Mesozóico. Tinham formas e tamanhos variados, que incluíam animais de pescoço longo com cabeça pequena ou de pescoço curtos com cabeça enorme, mas geralmente possuíam a cauda muito curta e as nadadeiras bem desenvolvidas.

O grupo surgiu no meio do Período Triássico e seguiu até o Maastrichiano (final do Período Cretáceo), onde enfrentou sua ext
inção, sem deixar descendentes de alguma forma. Há alguns que acreditam na existência de Plesiossauros vivendo isolados no Lago escocês Loch Ness. Até hoje, porém, não houve evidências concretas e toda aquela história não passa, na verdade, de mito.

Os Plesiossauros (Diapsida: Sauropterygia: Plesiosauria) eram compostos por dois grandes grupos: os Elasmossauros (com cabeças incrivelmente pequena e um pescoço muito longo. Figuras 3 e 4); e os Pliossauros (com pescoço curto e cabeças enormes).

Não há registro de fetos fósseis para o grupo, logo não é sabido se esses animais davam à luz aos seus filotes na agua, ou se desovavam na praia. A constituição robusta caixa toráxica foi justificada por alguns cientistas para defender a teoría de os Elasmossauros pudessem ir à praia, em terra firme. Entretanto, as nadadeiras compridas e os pescoços muito longos os tornariam muito desajeitados fora da água e eles se tornariam presas fáceis para dinosauros carnívoros ou crocodilianos. Atualmente, a grande maioria dos paleontólogos acreditam ser quase impossível que esses animais saíssem da água.


Figura 5: Reconstrução computadorizada de um Kronosaurus.

Figura 6 (autoria desconhecida): Reconstrução computadorizada de um Kronosaurus.


“O Liopleurodon ergue sua cabeça robusta vagarosamente e movimenta suas nadadeiras. À medida que ele avança, amonites agitam-se na agua e os peixes escondem-se nos corais em seu temor. Sua boca abre e atinge gravemente a porção do meio de um Ophthalmosaurus. A força de seu ataque carrega ambos sua cabeça e sua presa para fora da agua, onde, por um breve instante ele pausa antes de trazer ambos abaixo com uma força explosiva. Há sangue por todos os lados. Sua vítima more instantaneamente, seu corpo perfurado pelos longos dentes e suas costas quebradas. O Pliossauro ajeita sua presa na boca, mordendo e sacudindo-a repetidamente (…) Ele volta à superficie erguendo a garganta rosada e engolindo.”
(Haines)

Liopleurodon tratava-se de um Pliossauro. Colossais predadores, entre os maiores répteis carnívoros que já viveram.

As primeiras formas intermediárias entre os plesiossauros e os pliossauros surgiram no início do Jurássico, como os Macroplata longirostris, M. tenuiceps e possivelmente Eurycleidus arcuatus. Eram plessiossauros de pescoço mais curto e crânio ligeiramente mais robusto.

O gênero Pliosaurus é conhecido para o Jurássico Médio, e foi um dos primeiros do grupo a ter as características que os definem.

Ao Final do Jurássico e Cretáceo, diversas formas floresceram, incluso os colossais predadores Liopleurodon, Kronosaurus, Mareasaurus, Brachauchenius, Megalneusaurus e Peloneustes. Sua distribuição era ampla, incluindo as Américas, a Europa, a Ásia e a Oceania.

Em 1992, o Paleontólogo alemão Oliver Hampe descreveu um enorme Pliossauro proveniente da região de Boyacá, ao norte da Colômbia. Ele foi nomeado Kronosaurus boyacencis, embora suas costelas, demasiado robustas (diferente do encontrado em outros do grupo), pudessem ser peculiares o suficiente para que se levantasse a hipótese de um novo gênero para a América do Sul. Os Kronosaurus (figuras 5 e 6) estavam distribuídos desde a Austrália até a Colômbia.

Ao final do Cretáceo foram extintos, assim como tantas outras espécies marinhas.


Figura 7: Reconstrução computadorizada de Mosassauros.
Fonte: Johnson Mortimer.

 Figura 8: Reconstrução de Mosassauro.
Fonte: Walter Colvin.

Os Mosassauros (Figuras 7 e 8) foram criaturas aparentadas aos lagartos varanídeos atuais. Eram extremamente bem adaptados à vida marinha: enormes predadores de corpo alongado, esguio, dentes triangulares afiados e uma comprida cauda que lhes dava propulsão para perseguir suas presas.

Esse grupo evoluiu rapidamente (em termos de escala geológica) durante meados do Período Cretáceo. Há 90 milhões de anos atrás, Mosassauros já habitavam diversas regiões do globo e estavam entre os animais marinhos mais bem-sucedidos daquele momento. Alguns pesquisadores sugeriram que os Mosassauros teriam gradualmente substituído o nicho ecológico dos Ictiossauros, que se extinguiram no início daquele Período. Entretanto, parece haver uma incompatibilidade em relação aos hábitos alimentares dos dois grupos para que sustentasse essa idéia.

Mosassauros, assim como diversos outros grupos, foram totalmente extintos durante o final do Cretáceo.




Bibliografia:
. Ellis, Richard. Sea Dragons: predators of the prehistoric oceans. University Press of Kansas, 2003.
. Motani, Ryosuke. The Evolution of Marine Reptiles. Evo Edu Outreach (2009) 2:224–235. Acesso livre em Springerlink.com, 2009

Vertebrados fósseis da região de Marília, SP

O paleontólogo e coordenador do Museu de Paleontologia de Marília, William Nava, vem há 17 anos fazendo um minucioso trabalho de escavação e coleta de fósseis nas rochas da região de Marília, interior de São Paulo. Seu trabalho resultou em importantes descobertas para a Paleontologia brasileira no que tange estudos sobre o Cretáceo do Brasil. Nesta postagem, convidamos William para nos contar um pouco da sua história trabalhando com fósseis no interior de São Paulo:

Texto de William Nava

As minhas primeiras coletas de fósseis em Marília datam do início dos anos 90 e referem-se a fragmentos ósseos identificados como pertencentes à saurópodes do grupo dos titanossauros.Fiz a primeira descoberta de ossos de um dinossauro na região de Marília em 1993, na estrada vicinal P. Nóbrega-Rosália. O achado ganhou repercussão nacional na época, sendo amplamente divulgado pelos meios de comunicação. 

O incremento das pesquisas ao longo dos anos, revelou inúmeros afloramentos do Cretáceo Superior por toda a região. A partir de 1996, com o achado dos primeiros fósseis de crocodilomorfos notossúquios (que 3 anos depois seriam descritos cientificamente como  Mariliasuchus amarali) em rochas próximas ao vale do Rio do Peixe,  foi possível  concluir que a região tinha  potencial para fósseis muito bem preservados. A grande maioria desses fósseis vem sendo coletada em cortes de estradas rurais. Inúmeros materiais, principalmente de crocodilomorfos, como  o pequeno crocodilo Adamantinasuchus navae,   foram descobertos durante a  escavação de obras  no Córrego Arrependido, afluente do Rio do Peixe.
A vantagem de residir na cidade onde estão os sítios paleontológicos é que se pode ir à campo a qualquer dia, ou mesmo nos finais de semana.  Igualmente, se pode abrir novas frentes de escavação e acompanhar esse trabalho, catalogando, fotografando as ocorrências e os níveis estratigráficos onde ocorrem os fósseis.
William Nava explicando sobre os fósseis e a geologia da região. Foto de Bernardo Pimenta.

Com o passar dos anos, acumulei muitos restos ósseos de dinossauros e crocodilos que escavava pela região, além de alguns materiais obtidos por doação (como peixes do Nordeste e restos de madeiras petrificadas oriundos de outros estados) formando um considerável acervo, que mais cedo ou mais tarde, necessitaria de ser exposto à comunidade. Em pouco mais de uma década de escavações e coletas, os trabalhos na região resultaram numa diversificada fauna de vertebrados fósseis, com dinossauros do grupo dos titanossauros, pequenos crocodilomorfos (Mariliasuchus e Adamantinasuchus), escamas ganóides (de peixes lepisosteiformes), dentes e restos ósseos de vários tipos de peixes, dentes de pequenos terópodes, um pequeno lagarto, além de microfósseis. 

Reconstituição artística de um dinossauro saurópode titanossaurídeo. Arte de Felipe Elias (http://felipe-elias-portfolio.blogspot.com/)

 
Mariliasuchus e Adamantinasuchus

Entre os fósseis mais importantes relacionados aos crocodilomorfos da região de Marília estão ovos fossilizados e coprólitos de Mariliasuchus amarali.  Esses ovos fósseis constituem o primeiro registro desse tipo de fóssil no Brasil. Em 2002 encontrei num bloco de arenito uma ninhada composta por 9 ovos fossilizados, um achado fantástico. Tudo indica que os animais, vivendo em populações perto de lagoas, ali depositavam seus ovos e muitos  eram rapidamente soterrados por grandes cargas de sedimentos, passando assim para o registro fóssil. 

Reconstituição de Mariliasuchus em vida. Arte de Maurílio de Oliveira.

De acordo com estudos já publicados sobre o Mariliasuchus e o Adamantinasuchus, apurou-se que esses animais, além de um comportamento gregário e terrestre, que lhes permitia caminhar longas distâncias em áreas com clima quente e seco, tinham um hábito alimentar bastante diversificado, podendo incluir em sua dieta desde carne até vegetais. Isso é um dado bastante incomum para os crocodilos de hoje, que só vivem na água e possuem dieta carnívora. Dessa forma, as duas espécies de crocodilos encontradas em Marília, além de muito raras no registro fossilífero, permitem a nós, paleontólogos, inúmeras possibilidades de estudos, devido à boa preservação dos fósseis encontrados nas rochas da Formação Adamantina, que ocorrem em todo o oeste do estado de São Paulo.
Reconstituição Artística de Adamantinasuchus navae. Arte de Deverson da Silva (Pepi).
O MUSEU DE PALEONTOLOGIA

Museu de Paleontologia de Marília

Inaugurado em novembro de 2004 pela Secretaria Municipal da Cultura e Turismo da Prefeitura Municipal de Marília, o Museu de Paleontologia é uma significativa contribuição ao conhecimento científico nacional e internacional na área da paleontologia. Está localizado no centro da cidade, e vem se tornando um dos grandes potenciais científicos da região, tendo em vista a raridade do material  encontrado. Trata-se do segundo museu do interior paulista com exposição permanente de fósseis de animais que viveram no período Cretáceo, entre 70 e 90 milhões de anos atrás. Está aberto a toda a comunidade e também á escolas e universidades. Além das dezenas de escolas da cidade e da região, também já recebemos alunos de graduação e pós-graduação do curso de Geologia da Universidade Federal do Paraná, Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade de São Paulo, entre outras.
O Museu abre novas perspectivas no campo científico e também para o turismo local e regional com o incremento de atividades pedagógicas, visitas técnicas monitorizadas, produção de material impresso e outros recursos que auxiliam na educação e na maior divulgação do espaço, até como forma de gerar e atrair novos recursos e investimentos. O museu tem como objetivo a busca e pesquisa dos fósseis, sua preservação, divulgação junto à comunidade local e regional, exposição do acervo de ossos principalmente de dinossauros, que são o grande chamariz para o público leigo e crianças, e as reconstituições em vida do Mariliasuchus e do Adamantinasuchus, para dar uma idéia de como eram esses pequenos crocodilos, que viviam entre os grandes titanossauros. Temos recebido milhares de visitantes tanto daqui e da região, como também de outros estados, fazendo do museu hoje, um forte atrativo cultural e turístico para uma vasta região do interior do estado.
 
No museu podem ser vistos diversos ossos de dinossauros (titanossauros), restos de crocodilos, ovos fossilizados, peixes da Chapada do Araripe (CE), troncos de árvores  fossilizados, restos de tartarugas, banners ilustrativos, fotografias de expedições realizadas nos campos de pesquisa da região e mapa de ocorrências fossilíferas dentro do Grupo Bauru, entre outras atrações.

O museu está situado na Av. Sampaio Vidal, 245, esquina com a Av. Rio Branco, em Maríla, no centro, e fica aberto de segunda à sexta, das 8h30 às 18h00.
O telefone para contato é (14) 3402-6600 –  ramal 6614.
  
PARCERIAS, ESTUDOS e DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA
 
Diversos fósseis escavados nas rochas da região encontram-se depositados para estudos em instituições como Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Museu Nacional da UFRJ, UNIRIO, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Museu de Zoologia da USP, UNESP campus de Bauru-SP, Museu de História Natural de Taubaté-SP, e recentemente UnB- Universidade de Brasília, em parcerias técnico-científicas bastante promissoras.
Atualmente Marília se coloca ao lado das grandes regiões fossilíferas do país, contribuindo com seus fósseis para um melhor entendimento acerca dos ecossistemas e da paleofauna que existiu no Brasil há milhões de anos. Os fósseis aqui achados já foram citados em periódicos de Paleontologia, como o American Museum Novitates, Gondwana Research, e recentemente o Bulletin of Geosciences, da República Tcheca.

Visite o site www.dinosemmarilia.blogspot.com para saber mais sobre os fósseis de Marília e região.
 
William Roberto Nava
Paleontólogo e Coordenador do Museu de Paleontologia de Marília
Secretaria Municipal da Cultura e Turismo
Prefeitura Municipal de Marília

>Olá Pakasuchus!

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Novo (e mais um bizarro) crocodilomorfo fóssil encontrado. Dessa vez na Tanzânia.

Não, dessa vez esse não é brasileiro, mas é um primo próximo dos bichinhos daqui. Pakasuchus foi encontrado na África, especificamente no sul Tanzânia, lado leste da costa africana. Trata-se de um pequeno crocodilomorfo de idade cretácica (105 milhões de anos), do tamanho de um gato doméstico e, como bom notosuquídeo que é, terrestre e portador de algumas características bem bizarras. Como vocês verão, esse animal possuía dentes muito similares ao de mamíferos e, ao que tudo indica, alguma capacidade de mastigar….

Ilustração de Zina Deretsky, US National Science Foundation

Para recapitularem o que é um crocodilomorfo notosuquídeo, revisitem o post de Morrinhosuchus (aqui).

Os fósseis de Pakasuchus foram encontrados na Bacia de Rukwa Rift, na Tanzânia. O responsável pela descoberta é o Prof. Patrik O’Connor, da Universidade de Ohio, EUA, que juntamente com um time internacional de outros cientistas, descreveu o pequeno crocodilo. O estudo foi financiado pela U.S National Science Foundation e a National Geographic Society, e publicado esse mês na revista Nature.  

O primeiro espécime de Pakasuchus foi coletado em 2008, em rochas do Cretáceo Médio (105 milhões de anos), e tratava-se de um exemplar completo. Foram encontrados posteriormente, no entanto, materiais equivalente à outros 7 indivíduos, que apesar de fragmentados,  ajudaram a complementar o estudo. Levou um tempo até que todos os espécimes fossem analisados, mas não para que o pequeno crocodilo se mostrasse uma descoberta interessante.

O mais impressionante nesse animal não é o formato de seu corpo, mas o de seus dentes:

“Se você somente pudesse observar os dentes desse animal, não pensaria que se trata de um crocodilo. Você se perguntaria que tipo estranho de mamífero ou ‘réptil-mamaliforme’ possuía aquilo”, afirmou Patrik, que admite que se surpreendeu com o novo animal.

A nova espécie de crocodilomorfo era grácil, sem a pesada armadura dérmica dos crocodilos atuais – com exceção de duas fileiras de placas na cauda. O animal possuía os membros alongados e uma cabeça relativamente pequena com narinas frontais. Todos os aspectos da sua anatomia sugerem fortemente hábitos terrestres e bastante móveis (cursoriais).

O pequeno crânio cabe na palma de uma mão e o animal não deveria ser maior do que um gato doméstico. As características de sua dentição logo se destacam: Há redução dentária – como em todos os notossuquídeos –  e uma acentuada heterodontia (diferenciação dentária). Grandes caniniformes frontais são seguidos por alguns pequenos dentes cônicos e então substituídos ao longo da fileira por conspícuos dentes molariformes.

Pakasuchus kapilimai (Ilustração: Zina Deretsky)
A dentição de Pakasuchus: Formas molariformes destacadas e a mandíbula que poderia se movimentar para frente e para trás. (Ilustração: Zina Deretsky)
Vista esquerda do crânio de Pakasuchus

Os dentes molariformes desse notossúquio possuem pequenas cúspides para o processamento de alimento, semelhante àquelas dos dentes de alguns mamíferos carnívoros. Certamente esse animal processava seu alimento de uma maneira bem peculiar. Trata-se de mais um exemplo de que os crocodilomorfos possuíram linhagens incrivelmente variadas: muitas formas, tamanhos e estilos de vida distintos.

Pakasuchus viveu num período em que as massas de terra do Gondwana ainda estavam ligadas, portanto será possível reconstituir a história biogeográfica que o relacionava com os notossúquios sulamericanos. Frente aos bichinhos da América do Sul, Pakasuchus não é nenhuma novidade surpreendente… apenas mais um fragmento da história das bizarrices crocodilianas.

Nos continentes do Hemisfério Norte, pequenos mamíferos estavam em ascensão. Essas criaturinhas exploravam todos os tipos de oportunidades ecológicas periféricas enquanto os dinossauros dominavam os ecossistemas terrestres. Porém, no Hemisfério Sul, essa história parece ter sido um pouco diferente. O que os registros fósseis indicam é que os pequenos mamíferos eram relativamente raros e esses estranhos crocodilos, os notossúquios, é que deveriam preencher os nichos disponíveis com adaptações bastante similares aos seus equivalentes mamíferos do Hemisfério Norte.

Patrik nomeou Pakasuchus em referência ao vocábulo para ‘gato’ em  Kiswahili (uma língua Bantu) e adicionou o sufixo ‘suchus’ de ‘crocodilo’. O nome completo do bichinho é Pakasuchus kapilimai.

Foram utilizadas técnicas de CAT Scan para o estudo detalhado da dentição do animal. Pakasuchus possuía apenas 13 dentes de cada lado da boca e uma mandíbula relativamente móvel, o que sugere uma certa capacidade de mastigação.


Os estudos filogenéticos de Pakasuchus indicam que ele seria um parente muito próximo de Adamantinasuchus navae um pequeno notossúquio brasileiro descrito em 2006. Adamantinasuchus viveu há 90 milhões de anos no que é hoje a região de Marília, SP, tinha a mesma forma grácil, não passava de 50 cm de comprimento e também apresentava heterodontia.


A heterodontia, portanto, não é nenhuma novidade surpreendente nesse grupo. Diversos outros notossúquios apresentam configuração dentárias bastante exóticas indicando dietas ímpares. Desde carnivoria estrita, passando por onivoria, até possivelmente a herbivoria.


Pakasuchus também é proximamente relacionado à Mariliasuchus e Candidodon, outros dois crocodilinhos terrestres brasileiros. Candidodon no início fora confundido com um mamífero (o nome inclusive faz alusão), justamente pela sua configuração dentária peculiar, só posteriormente quando encontraram melhores evidências do animal é que ele foi reclassificado corretamente como um crocodilomorfo.

Mariliasuchus amarali 
Dente de Candidodon itapecuruense – Fonte: Carvalho, I.S. 1994. Candidodon: Um crocodilo com heterodontia (Notosuchia, Cretáceo Inferior, Brasil). Anais da Ac. Bras. de Ciências, 66(3): 331-346. (aqui)

Pakasuchus de fato é um novo bichinho muito interessante, mas atenção: sem alarme ou estardalhaço demais. A heterodontia e a relativa flexibilidade mandibular já eram bem conhecidas entre os crocodilomorfos. Os nossos bichinhos brasileiros estão beeeem a frente nisso. O que Pakasuchus leva ao extremo – o que o torna tão especial –  é a condição molariforme altamente modificada que ele
alcançou, com cúspides acessórias incrivelmente semelhantes aos mamíferos carnívoros atuais.

Para mais informações: 
Veja o vídeo da reconstituição crânio/dentes aqui.
A matéria site da National Geographic Society aqui  – e a do site da Nature aqui

O’Connor, P. et al 2010. The evolution of mammal-like crocodyliforms in the Cretaceous Period of Gondwana. Nature, 466: 748-751  | doi:10.1038/nature09061;