Diário do doutor da selva

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Em 1905, Albert Schweitzer era um pastor luterano de 30 anos, professorde Teologia da Universidade de Estrasburgo (França), escritor e músico respeitado como um dos grandes intérpretes de Bach. Não satisfeito com o status que já desfrutava, começou a estudar Medicina com o propósito de se embrenhar nos tórridos e miseráveis rincões da África Equatorial para tratar seus enfermos. Oito anos depois estava no Gabão, então colônia francesa. Em 1952 entrou para a lista de ganhadores do prêmio Nobel da Paz.

Em Entre a água e a selva, Schweitzer narra essa experiência pioneira que inspiraria a criação da organização humanitária Médicos Sem Fronteiras, em 1971, também na França e igualmente premiada com o Nobel da Paz, em 1999. Lançada pela primeira vez no Brasil nos anos 1950 pela Editora Melhoramentos, a obra agora é reeditada pela Editora Unesp, com tradução de José Geraldo Vieira. O livro será lançado na Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que acontece entre os dias 12 e 22 deste mês.

Schweitzer narra com muita objetividade as lições que aprendeu como “doutor da selva”, como ele se autodenominou, numa espécie de etnografia permeada de observações médicas, sociológicas, filosóficas ou simplesmente prosaicas, num texto ligeiro que entretém o leitor que aprecia a literatura de viagem e os diários de exploradores que desbravaram novos continentes.

A aventura começa em 1913, quando o médico embarca no navio que, antes de chegar ao Gabão, passa pelo Senegal e o Congo. “Não tive boa impressão de Dakar”, escreve. “Não posso me esquecer da brutalidade com que são tratados os animais naquele lugar.” Em Lambaréné, destino final da viagem, ele já na chegada se surpreendeu com o precário estado de saúde e a hostilidade dos gaboneses que ele teria de enfrentar.

O médico missionário tratou tudo, de diarreia a transtornos mentais, sempre com parcos recursos. Seu primeiro consultório foi montado num antigo galinheiro. Mas as dificuldades nem sempre vinham da falta de dinheiro. “Não sei como poderei continuar a alimentar meus doentes. Aqui passou a dominar quase a carestia total…por causa dos elefantes”, relata o médico no Natal de 1914.

Qualquer iniciativa agrícola era aniquilada pela abundância dos animais, cuja origem ele explica. “Se a população nativa diminui, como é o caso em muitas áreas, há bem menos caçadas. Além disso, os nativos esqueceram a arte primitiva da caça (primitiva e todavia tão sagaz) com que seus antepassados colhiam em armadilhas os bichos.”

Negando os estereótipos da época, Schweitzer se esforçou em mostrar que o nativo africano não era um preguiçoso, “mas sim um homem livre”. Defendia que “o essencial é que exista um espírito de fraternidade” entre os povos, ainda que a forma pela qual ele colocava esse princípio em prática se revele hoje preconceituosa, paradoxo que não invalida o mérito de sua missão, porém.

“O negro é como uma criança”, escreveu. “Sem autoridade não se obtém nada de uma criança. Por consequência, preciso estabelecer fórmulas entre nossas relações de maneira que a minha autoridade natural se manifeste. Defino da seguinte forma a minha atitude para com o primitivo: ‘Sou teu irmão, mas teu irmão mais velho’.”

Resenha publicada na edição de agosto da Unesp Ciência.

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