Mão

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Que privilégio é o seu? Por que o órgão mudo e cego nos fala com tanta força persuasiva? Porque é um dos mais originais, um dos mais diferenciados, à maneira das formas superiores de vida. Articulado por meio de gonzos delicados, o punho arma-se sobre um sem-número de ossículos. Cinco ramos ósseos, com um sistema de nervos e ligamentos, projetam-se por baixo da pele, para depois se separar de chofre e dar origem a cinco dedos separados, cada um dos quais, articulado sobre três juntas, com atitude e espírito peculiares. Uma planície abaulada, percorrida por veias e artérias, arredondada nas bordas, une o punho aos dedos, ao mesmo tempo que lhes encobre a estrutura oculta. O verso é um receptáculo. Na vida ativa da mão, ela é suscetível de se distender e de se endurecer, assim como é capaz de se moldar ao objeto. Esse trabalho deixou marcas no oco da mão, e podem-se ler aí, se não os símbolos lineares das coisas passadas e futuras, ao menos o traço e como que as memórias de nossa vida de resto já apagada – e quem sabe, até, alguma herança mais antiga. De perto, trata-se de uma paisagem singular, com seus montes, sua grande depressão central, seus estreitos vales fluviais, ora fissurados por acidentes, cadeias e tramas, ora puros e finos como uma escritura. Toda figura permite o devaneio. Não sei se o homem que interroga esta chegará a decifrar algum enigma, mas me parece bom que contemple com respeito essa sua serva orgulhosa.

Henri Focillon (1881-1943), em Elogio da mão, tradução de Samuel Titan Jr., publicado na revista Serrote, número 6, novembro de 2010.

Foto: JonGenius

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