A culpa não é do capim

Matéria publicada na Unesp Ciência de março de 2012 (pdf).

O sol massacrante e o predomínio de gado holandês é que prejudicam a pecuária leiteira no semiárido cearense, aponta estudo da Unesp em Jaboticabal; técnicas de manejo poderiam amenizar o problema

 

Ninguém mais lembra quando nem como vacas holandesas chegaram pela primeira vez a Limoeiro do Norte, cidade cearense que fica a 200 km de Fortaleza, em pleno semiárido nordestino. Como a pecuária extensiva e a atividade leiteira são tradicionais na região, para os limoeirenses é normal ver esses animais, com seu pelo malhado em branco e preto, soltos nos pastos ou, o que é bastante comum, descansando na sombra das árvores, dentro de pequenas propriedades espalhadas pelo município onde vivem cerca de 56 mil pessoas e quase 7 mil vacas de leite, segundo o IBGE.

Ver essa raça de gado originada dos Países Baixos – onde o clima é classificado como temperado marítimo – sendo criada numa das regiões mais tórridas do Brasil pode ser normal para os limoeirenses, mas não para o zootecnista acreano Alex Sandro Campos Maia.

“Fiquei muito surpreso”, recorda o pesquisador da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp em Jaboticabal, que na época da visita ao local, anos atrás, estava ligado à Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa). “Quando conto para meus colegas do exterior, que também trabalham com gado holandês, ninguém acredita que isso é possível.” Segundo ele, existem raças de gado mais bem adaptadas ao calor intenso.

A contradição climática chamou a atenção do pesquisador, que conversando com produtores locais logo descobriu que a produtividade deles é muito baixa.

Enquanto no Sudeste uma vaca holandesa produz em média 33 quilos de leite por dia – em casos excepcionais podendo superar 40 quilos diários –, em Limoeiro do Norte cada animal rende diariamente entre 12 e 15 quilos de leite, compara Campos Maia. “Não que eles (os produtores) reclamem”, afirma. “O negócio parece estar indo bem. Mas podia estar muito melhor.”

O pesquisador constatou também que os produtores sabem que suas vacas podiam render mais leite e costumam justificar o infortúnio culpando o capim, que seria de má qualidade – hipótese que não convenceu o zootecnista. “Não há nada de errado com o pasto. A folhagem é boa”, afirma.
Desde o princípio, sua suspeita recaiu sobre o estresse térmico severo a que aquelas vacas estão expostas. Para comprová-lo, ele elaborou um projeto de pesquisa cujos resultados estão prestes a ser publicados na revista Applied Animal Behaviour Science. Os resultados permitem concluir que a culpa não é do capim, mas do sol e do calor acachapantes do lugar – não há holandês que aguente.

A vaca foi pra sombra
A pesquisa consistiu na observação de oito vacas holandesas, ao longo de uma semana em outubro de 2010, numa das propriedades do município cearense. Quem estava lá de prontidão, das 6 h da manhã às 6h da tarde, era Steffan Edward Octávio de Oliveira, na época aluno do último ano do curso de Zootecnia da Ufersa, que fez do projeto seu trabalho de conclusão de curso, sob orientação de Campos Maia. “Analisamos o efeito da radiação solar no comportamento das vacas”, explica ele.

As vacas tinham acesso ao pasto a partir das 6 h da manhã, depois da primeira ordenha do dia, em estábulo, que começava às 3 h. O problema é que às 7 h o sol já é “muito forte”, segundo Campos Maia. E há um incremento brutal nas horas seguintes. “Às 7 h, a intensidade da radiação solar está em torno de 500 Watts por metro quadrado (W/m2). Uma hora depois, esse valor chega a 900 W/m2”, acrescenta. O pico, entre 10 h e 11 h, ultrapassa 1.100 W/m2.

Os resultados mostraram que a partir das 8 h, quando a radiação solar superava 600 W/m2, os animais procuravam a sombra e lá ficavam, parados, a maior parte do tempo. O horário em que mais comeram foi das 6 h às 7 h, quando a radiação ainda estava abaixo dos 300 W/m2. Durante a tarde, não lhes restava muito tempo para pastar, pois quando o sol começava a amainar, ao redor das 15h, eles eram reconduzidos ao estábulo para nova ordenha e dali só saíam no dia seguinte.

É por comer pouco que as vacas não estão produzindo todo o leite de que são capazes. Segundo o pesquisador, o sol intenso as faz perder o apetite, tal como ocorre com humanos. “Metabolicamente falando, o animal faz uma conta interna, segundo a qual é melhor ficar sem comer, mas na sombra, do que buscar alimento no sol. É uma questão de sobrevivência.”

Algumas medidas deixam claro que a decisão das vacas é, de fato, a mais prudente. Enquanto a temperatura média do solo à sombra ficava por volta dos 30 oC, a do chão exposto ao sol superou os 60 oC. Já a temperatura superficial dos animais, medida com câmeras de infravermelho, foi pelo menos 5 oC menor à sombra em comparação a quando estavam debaixo do sol.

A segunda fase da pesquisa já começou. Desta vez, o horário da ordenha será alterado para que o rebanho possa pastar em momentos do dia com menor radiação solar. Se com isso ele ficar mais tempo no pasto, a produção de leite deve aumentar.

Esta é a hipótese que Oliveira vai testar ao longo do seu mestrado, iniciado no ano passado, na Unesp em Jaboticabal. “Existem sistemas de sombreamento, mas custam caro para o produtor. Estamos buscando soluções simples”, conta o aluno. “Queremos adiantar as ordenhas em uma hora e verificar se há resultado.” Seu orientador não descarta a ideia de interferir um pouco mais, permitindo que o rebanho possa pastar à noite, por exemplo.

Sem protetor
Mesmo que técnicas de manejo não aumentem a produtividade da pecuária leiteira de Limoeiro do Norte (o que é pouco provável), poupar o rebanho holandês do sol  do semiárido deve pelo menos amenizar um problema de saúde bovina comum na região: o câncer de pele. “Cerca de 10% dos animais que vi lá tinham a doença, às vezes em estágio avançado. É um número muito alto”, diz Campos Maia.

 

 

Quem vai querer plantar banana?

Matéria publicada na Unesp Ciência de maio de 2011.

Fungos agressivos colocam o cultivo da fruta mais popular do país em alto risco; novas técnicas de manejo e de melhoramento são promissoras, mas ameaças podem levar a uma reinvenção da cultura no futuro

Yes, nós temos… problemas. É o que provavelmente diriam muitos produtores de banana do Vale do Ribeira, no sul do Estado de São Paulo, se parafraseassem o imortal verso da marchinha de Braguinha e Alberto Ribeiro, lançada no carnaval de 1938.

A região, uma das maiores concentrações de plantio da fruta do país, já há algum tempo sofre com a Sigatoka negra – doença que atinge as folhas da bananeira, tingindo-as de manchas escuras. Sem poder capturar energia solar, esse arbusto gigante (não é uma árvore) fica incapaz de fazer corretamente a fotossíntese e, portanto, não consegue nutrir seu cacho.

Quem passa por uma estrada de terra que corta vários bananais comerciais nos arredores de Registro, a maior cidade do Vale do Ribeira (70 mil habitantes), vê de vez em quando bananeiras com cachos atrofiados que, se não forem cortados, vão cair e apodrecer antes de amadurecer. A imagem mais frequente, porém, são folhas estragadas, que um leigo pode pensar serem apenas velhas, mas nas quais qualquer agrônomo do lugar bate o olho e diagnostica facilmente a doença.

“Os bananicultores que me perdoem, mas a doença aqui está um espetáculo. Para mostrar para os alunos”, ironiza o engenheiro agrônomo amapaense Wilson da Silva Moraes, enquanto dirige seu carro e mostra à reportagem de Unesp Ciência algumas áreas afetadas.

Pesquisador da Agência Paulista de Tecnologia de Agronegócios (Apta), no polo do Vale do Ribeira, Moraes faz suas pesquisas em conjunto com a Unesp em Registro, onde é professor em tempo parcial no curso de Agronomia. Ele chegou à cidade em 2004, praticamente junto com a praga.

A Sigatoka negra é uma doença incurável causada pelo fungo Mycosphaerella fijiensis, cujos esporos podem viajar no vento por distâncias de até 50 km. Surgida no Caribe no fim dos anos 1970, ela desceu o continente por Colômbia e Equador, grandes centros exportadores de banana. Em 1998, o fungo foi encontrado em Manaus. De lá se alastrou pela Região Norte, atravessou Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, e conquistou finalmente o Sudeste e o Sul. Por enquanto, apenas o Nordeste está livre do problema, exceto o Maranhão.

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O outro cardápio da mandioca

Matéria publicada na Unesp Ciência de outubro de 2009.

Nossa mais tradicional raiz comestível não é só farinha ou petisco de bar. Estudos mostram as oportunidades e vantagens econômicas e ecológicas do etanol produzido a partir dela

Até o início de 2010, o Brasil vai começar a produzir etanol a partir de sua mais popular e original raiz comestível – a mandioca, também conhecida como aipim ou macaxeira. Duas usinas estão em fase final de montagem: uma em Botucatu, no interior paulista, e outra em Porto Nacional, no Tocantins. Elas fazem parte de um projeto de transferência tecnológica da Unesp cujo objetivo é oferecer a pequenos agricultores, principalmente das regiões Norte e Nordeste, um modelo de negócio sustentável do ponto de vista econômico, social e ambiental.

Não será a primeira vez que o país vai produzir etanol da mandioca. Nos anos 1970, época do Pró-Álcool, chegaram a ser implantadas nove usinas. Elas não vingaram por pelo menos duas razões. De um lado, houve problemas na articulação com os produtores do tubérculo. De outro, o grande sucesso industrial da cana-de-açúcar acabou por inviabilizar o negócio. É por isso que, desta vez, o foco no pequeno produtor está no cerne do projeto, segundo Cláudio Cabello, vice-diretor do Centro de Raízes e Amidos Tropicais (Cerat), do câmpus Lageado da Unesp em Botucatu.

Por ironia, essa planta originária da Amazônia, largamente difundida pelo continente e profundamente ligada com a cultura popular brasileira, já é usada para a produção de álcool na China, na Indonésia e nas Filipinas, onde sua principal finalidade é a adição à gasolina. Aqui, porém, o produto é mais atraente não como fonte de energia, mas como insumo para os mercados cosmético, farmacêutico, de bebidas e de tintas e vernizes.

O etanol é o segundo insumo mais usado pela indústria depois da água. E esses mercados demandam um álcool mais puro, como o da mandioca, o da batata-doce ou o do milho. Por isso eles são mais caros que o da cana-de-açúcar, que contém mais impurezas. “Nós temos um produto de melhor qualidade. Mas ao mesmo tempo sabemos que não podemos competir com os níveis espetaculares de eficiência do eixo da (rodovia) Castelo Branco”, afirma Cabello, referindo-se ao polo sucroalcooleiro do centro-oeste paulista.

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Os adoçantes na balança

Matéria publicada na Unesp Ciência de setembro de 2009.

Em junho passado o governo da Venezuela proibiu a venda da Coca-Cola Zero no país, alegando que componentes da fórmula do refrigerante seriam prejudiciais à saúde. Assim, sem mais detalhes. Como a versão com açúcar da bebida não sofreu restrições, supõe-se que a decisão deve ter sido motivada por suspeitas que rondam os adoçantes artificiais. Anti-imperialismo norte-americano à parte, resolvemos perguntar a especialistas da Unesp: Adoçantes são realmente seguros? Afinal, por que o rótulo desses produtos traz em letras miúdas: “Consumir preferencialmente sob orientação de nutricionista ou médico”?

“Os adoçantes estão sendo usados de forma inadequada”, alerta Aureluce Demonte, do Departamento de Alimentos e Nutrição da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp, câmpus de Araraquara. Segundo ela, a preocupação exacerbada dos brasileiros com a estética corporal, a mesma  que  faz do país o campeão mundial de cirurgias plásticas, leva ao consumo excessivo de adoçantes por pessoas cujo perfil passa longe daquele para o qual são indicados – diabéticos ou pessoas em dieta de restrição calórica.

Substituir a sacarose (açúcar comum) pelos edulcorantes dietéticos pode ser contraproducente, pondera Norka Beatriz Barrueto, do Laboratório de Nutrição e Dietética do Instituto de Biociências, em Botucatu. Ao restringir o consumo de calorias desse modo, sem orientação profissional,  tende-se a compensar a falta com alimentos ricos em carboidratos e lipídeos. Além disso, lembra, alguns produtos diet trazem teores de gordura mais altos que os dos convencionais, como chocolates, sorvetes, biscoitos e preparados em pó para sobremesas (flans).

Cancerígeno?
A dúvida ressurge de tempos em tempos com os principais suspeitos do mercado: sacarina sódica, ciclamato de sódio e aspartame. Estudos com animais e doses extremamente altas já mostraram, de fato, tal associação. Mas a endocrinologista Célia Regina Nogueira, do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina em Botucatu, interpreta essas evidências de outra forma. “Esses estudos nos falam de tolerância. E mostram que os efeitos nocivos só aparecem com quantidades altíssimas que ninguém jamais conseguiria ingerir diariamente (centenas de envelopes ou de latas de refrigerante diet).”

As pesquisas que avaliam efeitos de longo prazo são mais complicadas e controversas, principalmente em relação ao aspartame, já associado a tumores de cabeça, linfomas e leucemias em animais adultos expostos a baixas doses da substância (compatíveis com o consumo humano) desde a fase intrauterina. Estudos epidemiológicos são ainda mais difíceis de executar. Primeiro porque é necessário acompanhar muitas pessoas por décadas.  Além disso, “o câncer tem causas multifatoriais e a resposta individual é muito variável”, explica Aureluce. Para ela, a precaução é necessária, já que ninguém sabe o que pode acontecer depois de  40 ou 50 anos de uso contínuo – e excessivo – desses produtos.

Doçura salgada
Em meio a essas dúvidas, uma coisa é certa: melhor moderar o consumo de sacarina e ciclamato, assim como se deve maneirar o sal – um dos principais vilões da hipertensão.  “Esses produtos são fonte de sódio”, explica Célia Regina. Um cafezinho com adoçante não ameaça ninguém, mas é preciso considerar o que está presente nos demais produtos. “O limite diário recomendado de ingestão de sódio é 2 g.
É fácil ultrapassá-lo”, diz Aureluce. Além disso, é possível encontrar o mineral adicionado ao aspartame e à estévia, para realçar o sabor doce e disfarçar o resíduo amargo do produto, explica.

A maior  preocupação dos especialistas, porém, é com os refrigerantes zero e diet, já que muitas pessoas os consomem em grande quantidade. Por isso, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) atualizou, em 2008, a tabela de teores máximos dos edulcorantes dietéticos usados em alimentos e bebidas industrializadas. Redução de 50% na sacarina e 75% no ciclamato. As novas regras valem a partir de março de 2011.

Crises de enxaqueca
O aspartame, contraindicado para portadores de fenilcetonúria, deve ser evitado também por quem sofre de enxaqueca, segundo Norka, porque parece ajudar a deflagrar as crises. Unanimidade entre as especialistas, gestantes e crianças não devem consumir nenhum tipo de adoçante. Em relação a adolescentes e adultos saudáveis que querem  evitar o ganho de peso, elas ressaltam que melhor é partir primeiro para a atividade física.

Para quem tem de cortar a sacarose da dieta,  como diabéticos e obesos, os adoçantes mais indicados por médicos e nutricionistas são frutose e estévia, e, mais recentemente, sucralose, que praticamente não é absorvida pelo organismo. O problema é que eles são pouco usados pela indústria de alimentos, que ainda prefere a combinação de aspartame, ciclamato, sacarina e acessulfame de potássio – este último mal conhecido pelos consumidores, mas presente em diversos produtos.

Aureluce critica a publicidade desses produtos, que induz ao consumo excessivo, sem restrições, sob o manto do estilo de vida saudável. “A propaganda do cigarro fazia algo parecido”, provoca.

Veja comparação entre os adoçantes no quadro no pdf.

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