O ipê-roxo da Luís Góis

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Ele tem provocado suspiros e olhares contemplativos entre os que moram ou trabalham por perto. Suas raízes estão fincadas, sabe-se lá há quantos anos, na esquina da rua Luís Góis com o início absoluto da avenida Jabaquara, onde a avenida Domingos de Moraes apenas muda de nome – a tristeza do cenário segue a mesma. É bem aí que passa a linha imaginária que divide a Vila Mariana e a Saúde (zona sul de São Paulo), mas há controvérsias que não vêm ao caso.

O que interessa é que graças aos seus abundantes, majestosos cachos floridos em forma de pompom, o ipê-roxo da Luís Góis tem sido admirado e fotografado diariamente.

-Calma, menino. Você não sabe apreciar a natureza! – ralhou a mãe com o filho adolescente que lhe pedia pressa, enquanto ela enquadrava o belo espécime através da lente de seu celular.

– Tá bonito, né? – disse a senhorinha ao lado do marido tão velho e nipônico quanto ela e tantos outros habitantes do bairro, a maioria frequentadora do templo budista que fica ali a poucas quadras.

Quando eu finalmente me lembrei de levar a câmera fotográfica, o céu estava sem graça. Ainda bem que não me faltou apoio.

– Esse ipê tá uma coisa de louco. Todo dia é gente tirando foto – disse-me o moço de sotaque nordestino que esperava o sinal de pedestre abrir.

Em tempos de instabilidades climáticas e incertezas ecológicas, é um consolo constatar que o ipê-roxo da Luís Góis floresceu precisamente quando se espera que todo ipê-roxo floresça, pelo menos desde que alguém pela primeira vez se deu ao trabalho de observar a época de floração dos ipês-roxo. Ou seja, no começo de junho.

A propósito, isso é antes do desabrochar igualmente silencioso e festivo de seus congêneres amarelo e branco, naturalmente mais tardios e que a esta altura (se tudo estiver correndo bem para eles) ainda devem estar ocupados com o desfazer das folhas, para descontentamento momentâneo de muitos garis, donas-de-casa e empregadas domésticas. Mas depois todo mundo acha uma beleza.

Tabebuia heptaphylla é o nome científico desta espécie nativa da América do Sul, mas há diversas outras alcunhas, ou sinonímias como dizem os botânicos. Acho por bem pular essa parte e ir direto aos nomes vulgares, sempre mais interessantes, e que variam de estado para estado.

Segundo o Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais (IPEF) de Piracicaba (SP) o ipê-roxo é conhecido também como cabroé, graraíba e ipê (RJ,SC); ipê-de-flor-roxa, ipê-piranga e ipê-preto (RJ,RS); ipê-rosa (MG); ipê-roxo-anão (SP); ipê-uva e pau-d’arco (BA); pau-d’arco-rosa (BA); pau-d’arco-roxo (BA,MG); peúva (MS); e piuva (MS,MT). Na Argentina e no Uruguai, lapacho e no Paraguai, lapacho negro. Aqui na Luís Góis, é ipê-roxo mesmo.

Tem gente que pensa que o ipê-rosa é outra planta, mas, de acordo com o IPEF, trata-se da mesmíssima espécie, “em cujo período que antecede a floração as folhas caem e [depois] surgem no ápice dos ramos magníficas panículas com numerosas flores tubulosas, de coloração rósea ou roxa, perfumadas e atrativas para abelhas e pássaros”.

Perfumadas? A ver quando as flores começarem a despencar na calçada, pois não as alcanço. Abelhas nunca vi, mas sei que nessas ocasiões elas trabalham muito discretamente. Quanto às aves, sim, de manhã se vê passarinhos, mas na maior parte do dia prevalecem as pombas, embora elas prefiram se empoleirar nos fios elétricos que trespassam o esqueleto da nobre árvore. (O que não está mal, considerando as condições de higiene desses ratos alados.) Fazem companhia ao ipê-roxo da Luís Góis duas palmeiras muito altas que, vistas de baixo, mais parecem postes, um arbusto feinho e o semáforo O-397, o único dos cinco que não faz fotossíntese e enlouquece com os temporais de verão.

Nobre árvore, eu disse, e com certa tristeza. Porque é lamentável que a nobreza de uma árvore seja a medida do olho gordo da cobiça humana. Assim é. Usada na fabricação de vigas na construção civil, quilhas de navio, instrumentos musicais, degraus de escada e até bolas de boliche, a madeira do ipê-roxo, bem como a de seu irmão amarelo, segue o mesmo caminho do mogno e do pau-brasil, isto é, ladeira abaixo.

Alguns especialistas têm lutado para protegê-lo, porém. Pedem que o ipê seja incluído na Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas (Cites), tal como aconteceu com o mogno em 2003, o que fez o governo brasileiro se mexer contra a exploração indiscriminada da tradicional madeira vermelha, como informa a reportagem de Afra Balazina na Folha de S. Paulo em janeiro último.

A vida é cheia de ironias, até mesmo a vida das árvores. Contra os abusos da lei da oferta e da procura, é preciso criar leis para garantir a existência da madeira de lei em selvas inocentes cobiçadas por capitalistas selvagens. Assim, o ipê-roxo da Luís Góis e de qualquer outra rua de qualquer cidade parece estar mais seguro que seus semelhantes das matas do Brasil e, talvez, também do resto da América do Sul.

É claro que em cidades como São Paulo é improvável que ele se reproduza naturalmente. Depende de inseminação artificial, coisa que um cidadão só pode fazer se tiver um quintal suficientemente grande para tal empreendimento (eu não tenho). Vale a pena destacar, contudo, que o custo é desprezível. No site QueBarato!, um pacotinho com 30 sementes de ipê-roxo sai por dez reais, com frete grátis, e o vendedor ainda diz que pode dar um desconto. Com 30 sementes eu podia povoar com ipês-roxo os mais de quatro quilômetros da avenida Jabaquara, tão longa e tão feia, a coitada. Mas eu precisaria de uma britadeira para quebrar a calçada e além do mais a prefeitura, vocês sabem.

Ainda não falei das propriedades medicinais do ipê-roxo. Pensando bem, não vou falar. Saiba apenas que ele as tem. Não quero estimular a automedicação, nem correr o risco de que algum espertinho tente tirar lascas do seu caule, que, aliás, é duríssimo, desista.

Será que, depois da floração, o ipê-roxo da Luís Góis vai dar frutos? Tenho essa esperança. Dizem que eles são pretos, estriados, muito longos, podendo atingir até 50 centímetros. Mas eu sonho mesmo é com as sementes, que, segundo o IPEF, aparecem em boa quantidade e “são grandes e aladas”. Estou de olho.

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