Quem vai querer plantar banana?

Matéria publicada na Unesp Ciência de maio de 2011.

Fungos agressivos colocam o cultivo da fruta mais popular do país em alto risco; novas técnicas de manejo e de melhoramento são promissoras, mas ameaças podem levar a uma reinvenção da cultura no futuro

Yes, nós temos… problemas. É o que provavelmente diriam muitos produtores de banana do Vale do Ribeira, no sul do Estado de São Paulo, se parafraseassem o imortal verso da marchinha de Braguinha e Alberto Ribeiro, lançada no carnaval de 1938.

A região, uma das maiores concentrações de plantio da fruta do país, já há algum tempo sofre com a Sigatoka negra – doença que atinge as folhas da bananeira, tingindo-as de manchas escuras. Sem poder capturar energia solar, esse arbusto gigante (não é uma árvore) fica incapaz de fazer corretamente a fotossíntese e, portanto, não consegue nutrir seu cacho.

Quem passa por uma estrada de terra que corta vários bananais comerciais nos arredores de Registro, a maior cidade do Vale do Ribeira (70 mil habitantes), vê de vez em quando bananeiras com cachos atrofiados que, se não forem cortados, vão cair e apodrecer antes de amadurecer. A imagem mais frequente, porém, são folhas estragadas, que um leigo pode pensar serem apenas velhas, mas nas quais qualquer agrônomo do lugar bate o olho e diagnostica facilmente a doença.

“Os bananicultores que me perdoem, mas a doença aqui está um espetáculo. Para mostrar para os alunos”, ironiza o engenheiro agrônomo amapaense Wilson da Silva Moraes, enquanto dirige seu carro e mostra à reportagem de Unesp Ciência algumas áreas afetadas.

Pesquisador da Agência Paulista de Tecnologia de Agronegócios (Apta), no polo do Vale do Ribeira, Moraes faz suas pesquisas em conjunto com a Unesp em Registro, onde é professor em tempo parcial no curso de Agronomia. Ele chegou à cidade em 2004, praticamente junto com a praga.

A Sigatoka negra é uma doença incurável causada pelo fungo Mycosphaerella fijiensis, cujos esporos podem viajar no vento por distâncias de até 50 km. Surgida no Caribe no fim dos anos 1970, ela desceu o continente por Colômbia e Equador, grandes centros exportadores de banana. Em 1998, o fungo foi encontrado em Manaus. De lá se alastrou pela Região Norte, atravessou Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, e conquistou finalmente o Sudeste e o Sul. Por enquanto, apenas o Nordeste está livre do problema, exceto o Maranhão.


Foi grande o alvoroço quando a doença chegou ao Vale do Ribeira há seis anos, lembra o pesquisador. “Houve uma mobilização geral dos produtores e do governo local. Houve até certo terrorismo em torno do assunto, porque todos já tinham ouvido falar do estrago que ela havia causado em outros estados e países. Alguns agrônomos viajaram para fora, pois não sabiam lidar com a doença.”

O que todos já conheciam muito bem, em compensação, era a Sigatoka amarela, uma forma mais branda da praga, causada por um fungo aparentado, o Mycosphaerella musicola, que já estava na região havia muito tempo, mas sem causar tantos problemas. Muito menos severa que a negra, a forma amarela também não tem cura, mas é possível tratá-la com fungicidas. No tempo em que o Vale do Ribeira só era afetado por essa variedade, os produtores faziam de quatro a cinco aplicações destes produtos por ano. Agora, com a negra, esse número varia entre nove e dez.

“Houve um aumento de 50% no custo de produção só com os fungicidas”, constata Moraes. Ainda assim, a situação de São Paulo é bem menos problemática que a da Costa Rica e do Panamá. Lá, os extensos bananais recebem anualmente cerca de 50 pulverizações de produtos químicos.

A primeira epidemia de Sigatoka amarela registrada no mundo ocorreu em 1912, nas Ilhas Fiji, hoje um paraíso turístico do Pacífico Sul. Precisamente nos plantios de banana do vale do rio Sigatoka. Com a precariedade sanitária das fronteiras comerciais da época, o mal não tardou a atravessar continentes: da Ásia para a África e por último, América. Dela se originou a temida variante negra.

Fungo evoluído
A bananicultura de larga escala em regiões equatoriais, com o uso intensivo de fungicidas, teria contribuído muito, acreditam os especialistas, para a seleção de um organismo geneticamente mais resistente aos produtos químicos e mais bem adaptado ao calor. Na competição entre as duas variantes, ganhou a mais maligna, a negra, de modo que a amarela hoje é rara no Vale do Ribeira. Com o aumento do custo dos bananais, alguns produtores da região, geralmente os menores, vêm desistindo do negócio, que em muitos casos é passado de geração em geração há mais de 50 anos.

Alguns têm migrado para a cultura da pupunha, ou para o gado. Outros simplesmente abandonaram o bananal, o que só piora a situação, segundo Moraes. “Essas bananeiras ficam aí cheias da doença, como focos de infecção, emitindo esporos para os vizinhos.” O ideal, diz, é botar a plantação abaixo e tratar o solo.

A banana é a principal atividade econômica do Vale do Ribeira. A região compreende 31 municípios – 22 paulistas e nove paranaenses, mais de 400 mil habitantes e 2,8 milhões de hectares. Na porção paulista, onde se registra o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Estado, o cultivo ocupa 40 mil hectares. As propriedades são geralmente de pequeno porte (de 20 a 30 hectares), com alguns médios e grandes produtores.

Apesar das condições adversas, é dessas montanhas e várzeas quentes e chuvosas, muito próximas ao litoral, que sai a maior parte da produção de banana do Estado de São Paulo, o segundo maior produtor nacional. O primeiro é a Bahia (onde a Sigatoka negra ainda não chegou), mas por pequena diferença. Cada um produziu cerca de 1,3 milhão de toneladas em 2009, segundo o IBGE. Neste ano, o Brasil colheu ao todo cerca de 7 milhões de toneladas, cultivadas em todos os Estados.

Ao lado de cultivos minoritários como chá e pupunha, a banana ocupa apenas 3% da área do vale, que abriga a Bacia Hidrográfica do Rio Ribeira de Iguape. Outros 5% destinam-se ao gado, inclusive búfalos. O resto é área de preservação ambiental e Patrimônio Natural da Humanidade, segundo a Unesco. É o maior fragmento remanescente de Mata Atlântica do país – 61% do que restou do bioma original.

Nem todas as bananas do mundo estão correndo risco, porém. Há quase mil variedades delas, e a Sigatoka negra, assim como a amarela, afeta apenas a nanica, que o pessoal do ramo chama de Cavendish.

Além de ser a banana mais consumida no Sudeste e no Sul do país (seguida pela prata, que custa o dobro), a nanica é também o fruto padrão de exportação, chegando aos supermercados do hemisfério norte desde o Equador e América Central, principalmente, onde se concentram quatro grandes empresas multinacionais.

No Vale do Ribeira, 80% do cultivo é de nanica e o restante, de prata. Muito pouco é exportado. No resto do país, a situação se repete: 80% da produção é consumida internamente. A região de Joinvile (SC), onde a Sigatoka negra está presente, é um dos poucos polos exportadores e abastece principalmente o Cone Sul.

A missão de Wilson da Costa Moraes é descobrir maneiras de controlar a doença e melhorar a produtividade dos bananais, para que os produtores colham cachos graúdos usando o mínimo de fungicida. Além de diminuir os riscos de contaminação da bacia hidrográfica e os custos de produção, isso é importante também para não favorecer o surgimento de fungos cada vez mais resistentes.

“Uma coisa que nunca se deve fazer, por exemplo, é aplicar o mesmo produto mais de três vezes seguidas”, diz. A recomendação é dos próprios fabricantes, que também temem que seus produtos fiquem obsoletos com o mau uso, explica ele. Mas nem todo mundo a segue.

Nesses seis anos, o engenheiro agrônomo vem estudando formas de prevenir a doença. “A bananeira é igual a nós”, compara. “Se você não cuida dela, não aduba direito, deixa os vermes do solo tomarem conta da raiz, abrem-se as portas para o agente infeccioso que estava ali, mas antes não conseguia entrar porque a planta estava forte.”

Os experimentos do pesquisador são feitos num amplo terreno da Apta em Registro (área semelhante está sendo preparada no câmpus da Unesp na cidade). Lá ele testa o rodízio e a combinação mais eficiente dos fungicidas; o uso deles direto na planta em vez da dispersão aérea; a correta adubação do solo; o efeito da temperatura e umidade na gravidade dos sintomas etc.

À medida que são concluídos, esses estudos geram resultados que ficam disponíveis aos produtores da região, por meio da Apta e de outros órgãos estaduais e municipais de fomento à agricultura. Mas nem sempre o conhecimento chega às mãos de quem mais precisa dele. Um dos problemas da região, explica Moraes, é que os produtores não estão muito acostumados a consumir esse tipo de informação técnica. De forma geral, a bananicultura no Vale do Ribeira ainda é uma atividade bastante familiar e amadora.

“Tem bananais aqui de 40 anos, quando o recomendado pela Embrapa é renová-los a cada dez anos”, diz Moraes. Dos mais de 3 mil produtores, poucos se reúnem em associações, o que dificulta sua articulação e até o conhecimento de formas de se proteger. Além disso, muitos deles não contam com a assistência de um agrônomo. E, em casos excepcionais, chegam até a imaginar que a Sigatoka negra é uma invenção dos fabricantes de fungicida para aterrorizá-los.

O curso de Agronomia da Unesp em Registro tende a mudar esse quadro, ainda que lentamente, avalia Moraes. Já não é tão raro que filhos de produtores se formem agrônomos. Um deles, recorda o professor, tal como o pai, não acreditava na doença. Felizmente mudou de ideia até o fim do curso.

Em breve, a empresa júnior do curso também poderá dar consultoria aos produtores no controle da Sigatoka negra. Moraes está capacitando os alunos num método relativamente simples que trouxe da França e adaptou para o Vale do Ribeira. A ideia é analisar as folhas da bananeira para prever o momento ideal de aplicar o fungicida. “Não existe mais isso de calendário fixo de aplicações”, diz.

Resumidamente, um estudante vai ao campo e seleciona 10 plantas num raio de 50 km. Em cada uma delas, observa (com uma lente de aumento) três folhas específicas da bananeira e dá pontuações que variam conforme a gravidade do estrago causado pelo fungo. Os números alimentam uma planilha Excel, que leva em conta dados de temperatura, chuva e umidade do ar. No fim, um gráfico indica se está na hora de dar remédio ao bananal ou não. O trabalho já mostrou que no inverno o número de aplicações pode ser menor que no verão.

O método de Moraes é simples e bastante prático, mas pode pecar pela imprecisão. Um outro trabalho desenvolvido por Sílvia Helena Modenese Gorla da Silva, também professora da Unesp em Registro, promete resolver isso. Em projeto recém-concluído, ela usou técnicas de inteligência artificial para automatizar a tarefa.

A ideia é que, em vez de a pessoa julgar com os próprios olhos o nível de gravidade da doença na folha da bananeira (o que sempre pode embutir erros de interpretação), ela tire uma foto com um telefone celular, no qual um software faz todos os cálculos hoje feitos na planilha Excel. O dispositivo pode ser implantado com baixo custo e ser acessível a pequenos e médios produtores, segundo Moraes. Os pesquisadores estão buscando parcerias com empresas para viabilizar a tecnologia em escala comercial.

Grandes pandemias
Não é de hoje que os bananicultores do Vale do Ribeira e do mundo vivem atormentados por pragas, em particular os fungos. Registros arqueológicos na Ásia e África indicam que o ser humano come banana há pelo menos 5 mil anos, mas foi na virada para o século 20, com o surgimento do mercado de exportação, que grandes pandemias da bananeira começaram a surgir.

A primeira foi da Sigatoka amarela na Ásia, que mais tarde daria origem à sua irmã negra. A segunda, ainda mais grave, foi a do mal do Panamá, que surgiu no Suriname e tomou conta de América Central e Caribe a partir dos anos 1920. A praga é causada pelo fungo Fusarium oxysporum e imune aos fungicidas.

Nessas regiões se produzia uma variedade de banana praticamente extinta e que os brasileiros nunca conheceram, a chamada Gros Michel, que abastecia América do Norte e Europa. Hoje ela só existe em bancos de variedades mantidos para pesquisa.

A banana nanica foi criada justamente para atender o mercado de exportação desabastecido de Gros Michel. Ela foi selecionada por ser resistente ao mal do Panamá e, ao mesmo tempo, não ter gosto muito diferente da banana à qual americanos e europeus já estavam acostumados.

A invenção da nanica foi o único jeito de contornar a doença. Por causa deste fungo, todo o mercado exportador de banana teve de ser reestruturado, entre os anos 1920 e 1950, para o cultivo da nova variedade. Evidentemente, muitos prejuízos foram inevitáveis.

O mal do Panamá chegou a São Paulo em 1930, mas aqui não havia a Gros Michel. Em compensação, ele atacou a banana maçã, cultivada no Vale do Ribeira e a variedade mais consumida na época. A praga mobilizou as autoridades paulistas.

Em 28 de janeiro de 1931, a extinta Folha da Manhã publicava em sua manchete central: “As medidas tomadas pelo governo para combater uma praga dos bananais”. Em entrevista ao jornal, o diretor de Inspeção e Fomento Agrícolas do Estado explicava que a doença fora identificada um ano antes em Piracicaba (SP) e que o governo ia distribuir gratuitamente aos bananicultores paulistas mudas de uma nova variedade do fruto, resistente à praga. Eram mudas de Cavendish, que aqui foi chamada de nanica por causa da baixa estatura da bananeira.

Mas a mudança foi gradual. Só a partir da década de 1960 a nanica virou a banana padrão consumida no Sul e Sudeste (em outras regiões do país, há mais alternativas, com forte presença de bananas de cocção, como a banana da terra).

A banana maçã desapareceu do Vale do Ribeira e só escapou da extinção porque seu cultivo acabou migrando, a partir dos anos 1960, para o norte de Minas, mas lá a situação atual não é boa e até hoje a fruta sofre com o mal do Panamá. Por isso tem ficado mais escassa e cara nos supermercados ao longo dos anos.

Cultura nômade
Os produtores de banana maçã estão sempre buscando terras livres da doença, explica o agrônomo gaúcho Edson Perito Amorim, da Embrapa Mandioca e Fruticultura, em Cruz das Almas (BA). “Na melhor das hipóteses, o produtor tem três colheitas (ao longo de cerca de dois anos), depois o Fusarium inviabiliza o plantio. É uma cultura nômade”, define. O fungo permanece no solo por pelo menos 50 anos.

Diferentemente do fungo da Sigatoka, que ataca a folha da bananeira e emite esporos voadores, o do mal do Panamá vive na terra, invade o pseudocaule da planta e tem muito menos mobilidade. Para levá-lo a uma região, só carregando uma muda ou a própria terra contaminada. Tratores, arados e outras ferramentas agrícolas infectadas são, desse modo, um risco alto.

A situação piorou há alguns anos, quando uma variedade muito mais agressiva do mal do Panamá surgiu na Ásia. E seu alvo é justamente a banana nanica. A chamada raça 4 do mal do Panamá tem causado grandes prejuízos em especial a Índia, Filipinas e China, os três maiores produtores mundiais segundo a FAO (o Equador é o quarto, e o Brasil, o quinto).

Já presente na Austrália e na África do Sul, a nova doença ainda não apareceu na América, o que para muitos do ramo é questão de tempo, apesar das barreiras sanitárias impostas pelo Ministério da Agricultura nas fronteiras. “Assim como a raça 1 (a primeira versão da praga), a 4 não é controlável por nenhum fungicida conhecido e pode arrasar um bananal em semanas”, afirma Amorim.

A situação da bananicultura no mundo é tão dramática que cientistas de vários países unem esforços para encontrar soluções e evitar que a nanica desapareça do mapa, tal como ocorreu com a Gros Michel, ou fique acuada como a banana maçã. O desafio é criar variedades resistentes tanto ao mal do Panamá quanto à Sigatoka negra. Para isso, há basicamente dois caminhos, segundo Amorim, que coordena o programa de melhoramento de bananeira da Embrapa.

Uma saída é promover cruzamentos em laboratório até chegar a uma planta produtiva e com fruto aceitável pelo consumidor. A outra é usar a biologia molecular para produzir uma banana transgênica.

O cruzamento em laboratório é complicado, porque, de forma geral, todas as bananas comerciais são um fruto estéril. Ele não produz sementes, ao contrário das espécies primitivas que surgiram no Sudeste Asiático (Musa acuminata e Musa balbisiana). E se reproduz no campo de forma assexuada. Por meio de um broto, ou clone de si mesma, que a planta emite durante seu único ciclo de vida. Depois que a “mãe” dá seu cacho, ela já não serve mais, e os produtores conduzem a “filha”. E assim sucessivamente. O resultado é uma baixíssima diversidade genética, o que explica por que os bananais são tão suscetíveis a doenças.

As sementes das bananas ancestrais são parecidas com as de mamão, só que bem mais duras, o suficiente para um desavisado quebrar os dentes. As variedades que conhecemos resultaram de sucessivos e complicados cruzamentos dessas espécies originais e seus descendentes, que culminaram na banana sem caroço.

O melhoramento convencional de bananeiras começou a ser feito na Jamaica e em Honduras entre os anos 1920 e 1930. O objetivo sempre foi conseguir mudas resistentes a pragas que já castigavam a região e que originassem plantas de fácil manejo, cujos frutos agradassem os consumidores. O problema é que agora, para tentar modificar esse fruto, é preciso voltar às sementes como ponto de partida.

Caroço da nanica

Bananas primitivas estão disponíveis em bancos de germoplasmas – áreas de cultivo existentes na Apta, na Embrapa, em breve na Unesp de Registro e em muitos lugares do mundo. Neles é preservado o material genético para futuras gerações de bananeiras.

O caroço da banana nanica sempre foi um sonho dos pesquisadores que fazem melhoramento convencional. Nos últimos anos, eles tiveram uma ótima surpresa. Em condições mais frias, a nanica, sim, pode ter semente. Ainda que poucas, imperfeitas, quase inviáveis, mas suficientes para a fertilização in vitro.

Um experimento da Embrapa na região da Chapada Diamantina (BA) está testando essa possibilidade, já relatada por produtores, conta Amorim. “O que acreditamos que aconteça, grosso modo, é que em condições de estresse (frio), a planta ‘pense’ que vai morrer e por isso faça um esforço maior para perpetuar a espécie.”

Quem já conseguiu extrair o caroço da nanica é o agrônomo guatemalteco Juan Fernando Aguilar Moran, da Fundação Hondurenha de Investigação Agrícola (FHIA). “Não é que ela seja estéril, mas tem baixíssima fertilidade”, diz, em bom português, por telefone à Unesp Ciência. Mestre e doutor pela Esalq-USP, em Piracicaba, Moran coordena, em La Lima (Honduras), o Programa de Melhoramento de Banana e Plátano da FHIA, o mais antigo centro de pesquisa em atividade na área (plátano, em espanhol, é a banana de cocção).

Desde 1959, a FHIA criou uma enorme variedade de bananas e distribuiu suas mudas em diversos países, inclusive Brasil. Entre as últimas novidades do programa, explica Moran, está uma variedade de banana maçã resistente ao mal do Panamá raça 1. “Pode ser uma opção para o Brasil”, sugere ele. A Embrapa Amazônia Ocidental tem produto semelhante, a chamada BRS Conquista, variedade que está sendo cultivada por pequenos produtores assentados no Pará.

Genoma da bananeira
Em outra frente, o programa que Amorim toca na Embrapa em Cruz das Almas usa a biologia molecular para chegar a bananas resistentes a pragas. A empresa faz parte de uma rede internacional de pesquisa, o ProMusa (www.promusa.org), que há 5 anos começou a sequenciar o genoma da banana. Falta pouco para o projeto ser concluído. Os resultados devem ser divulgados em Salvador num congresso, de 10 a 14 de outubro, que reunirá os principais pesquisadores da rede, representantes dos produtores, de empresas e de governo.

Além do sequenciamento do genoma da banana, os cientistas do ProMusa alimentam outros projetos com os dados genéticos disponíveis na base de uso comum à rede. Isso permitiu à Embrapa desenvolver uma nanica transgênica resistente à Sigatoka negra, adianta o pesquisador. Já autorizados pela CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, do Ministério da Ciência e Tecnologia), os testes em campo devem começar neste ano.

Mas a banana transgênica da Embrapa – se vier – não há de ser tão transgênica assim, comenta Amorim. “Nós não estamos trabalhando com genes de outra espécie, como foi o caso da soja e do trigo geneticamente modificados”, compara. “Nós estamos pegando um gene de outra variedade de banana.”

Por precaução, os pesquisadores brasileiros não estão trabalhando diretamente com o mal do Panamá raça 4. Seria temerário trazê-lo ao país, por causa do risco de contaminação. Eles estão enviando algumas variedades desenvolvidas pela Embrapa para testes em parceiros da Europa, como França e Bélgica (onde as mudas são cultivadas em estufas). “Isso só pode ser feito em lugares em que não há cultivo comercial do fruto”, justifica Amorim.

Tem jeito?
Diante desse quadro, acuados pela Sigatoka negra e angustiados na espera do mal do Panamá raça 4, não é de estranhar que alguns produtores comecem a abandonar seus bananais. Nem que os cientistas e agências de fomento agrícola estejam correndo para encontrar soluções antes que seja tarde. Ninguém quer que se repita o que ocorreu com a Gros Michel há 80 anos.

Mas o quadro não é tão apocalíptico quanto parece. Houve certo alarmismo, argumentam os pesquisadores ouvidos na reportagem, quando no início dos anos 2000 começaram a ser levantadas suspeitas de que a nanica poderia desaparecer na década seguinte. A banana não deve acabar, afirmam.

Ela ainda pode ser um ótimo negócio. Mas é preciso agir nesse sentido.
Wilson Moraes nos levou à Fazenda Univale, de um grande produtor do Vale do Ribeira que estreou na bananicultura em 2009 e agora está literalmente colhendo ótimos frutos. Com 800 hectares, a propriedade pertence ao município de Jacupiranga (17 mil habitantes). Depois de uma hora de estrada (metade por terra) a partir de Registro, conhecemos Silvio Guatura Romão, um médico radiologista aposentado que se divide entre São Paulo e a fazenda, que adquiriu há 24 anos.

Romão veio de uma família rural da região de Bebedouro (SP). Formou-se médico em 1974, pela Faculdade de Medicina de Botucatu, que se incorporaria à Unesp dois anos mais tarde. Na capital trabalhou como radiologista em grandes hospitais, como o A.C. Camargo. Nos anos 1990, com os filhos crescidos, foi diminuindo a dedicação à medicina para se voltar mais à fazenda. Começou a investir em gado, em dois segmentos bem específicos e incomuns à região: a engorda de fêmeas para abate e, mais rentável ainda, a criação de reprodutoras, que por inseminação artificial vão gestar matrizes bovinas.

Em 2009, ele e um de seus filhos, Augusto, decidiram diversificar o negócio e, seguindo o exemplo dos vizinhos, optaram pela banana, mesmo sabendo das pragas. Um ano e meio depois, eles afirmam que a banana é mais lucrativa que o gado, por incrível que pareça. Por isso, a área de 50 hectares reservada para o fruto começou a ser expandida. Numa várzea fértil, antes usada para o gado e cujo solo foi “descansado”, eles estão formando num novo bananal.

Como médicos rurais aplicados, Silvio e Augusto estudaram muito o mercado antes de entrar nele e hoje estão fazendo uma espécie de agricultura baseada em evidências. “Nós fizemos tudo que é curso, seminário, palestras que você pode imaginar”, diz o filho. Na mesa da sala da sede da propriedade, empilham-se livros, apostilas, artigos científicos e muitas pastas. Eles também contam com a assistência de um bom agrônomo, que os acompanha desde os primeiros passos.

Os amigos da vizinhança deram auxílio inicial, explica o pai, mas foi preciso muito tato para recusar alguns favores, como a oferta de mudas. “Esse é o costume aqui, pegar a muda do vizinho. Mas aí você já começa com um material contaminado pela Sigatoka negra.” Gastaram um pouco mais para comprar mudas propagadas em laboratório (virgens) fornecidas por empresas especializadas. Além disso, não compraram todas de um único fornecedor. “Para ter um mínimo de diversidade genética”, justifica Silvio. A maior parte do plantio é de nanica e o resto, prata.

Alta produtividade
Para usar os fungicidas de forma racional, eles estão usando aquela planilha Excel criada pelo professor da Unesp. Esse e vários cuidados resultaram num bananal que visivelmente se destaca dos vizinhos. Com a colheita do primeiro cacho, que sempre se espera menor que os próximos, a fazenda está fazendo 40 toneladas de fruto por hectare. A produtividade média da cultura no Vale do Ribeira é quase a metade disso. Grandes produtores estrangeiros conseguem produzir até 100 toneladas do fruto por hectare.

A dupla afirma conseguir, assim, colocar no mercado uma banana premium. “Um fruto de qualidade, que chega à venda bonito, sem marcas, agrega até 40% no preço”, conta Augusto. O produto tem como destino supermercados refinados da capital paulista.

“Isso mostra que podemos controlar a Sigatoka negra e ainda aumentar a produtividade do cultivo no Vale do Ribeira”, diz Moraes. “E sem aumentar a área de plantio, algo que é complicado por aqui, porque quase tudo é reserva.”

Outro ponto positivo, comenta, é a geração de empregos, pois a bananicultura usa mão-de-obra intensiva. Diferentemente da cana-de-açúcar e dos grãos, a colheita não pode ser mecanizada. Cada bananeira – cada cacho – tem de receber cuidados individuais.

Em relação ao mal do Panamá raça 4, o temor persiste, na avaliação dos especialistas. Por ora, o melhor é confiar nas regras de quarentena do Ministério da Agricultura para as fronteiras estaduais e internacionais, que segundo eles endureceram bastante nos últimos anos. A torcida é para que quando o novo fungo chegar, já se tenha encontrado uma variedade resistente de nanica.
Se isso não ocorrer, muito provavelmente a bananicultura no Vale do Ribeira, no Brasil e no mundo terá de se reinventar uma vez mais. Aí, sim, a nanica pode sumir de nossas fruteiras. Que banana ocupará seu lugar, só nossos filhos ou netos irão saber.

***

QUADRO: RISCOS PARA A SEGURANÇA ALIMENTAR

Nativas do Sudeste Asiático, as espécies ancestrais de banana ainda podem ser vistas em florestas das Filipinas, da Indonésia e da Papua Nova Guiné. Tribos primitivas a teriam levado, há milhares de anos, para Índia, ilhas do Pacífico e África Oriental, onde se acredita que a planta tenha sido domesticada. Alexandre, o Grande, imperador da Macedônia, parece ter sido o responsável por disseminar a banana da Pérsia ao Egito, da Grécia ao norte da África. O nome do fruto vem do árabe: banana significa dedo. Na América, a planta chegou pelas mãos dos europeus no século 16.

As bananas primitivas tinham (e ainda têm) sementes. No processo de domesticação pelo homem, deu-se preferência aos frutos de mais fácil mastigação. Depois, na virada para o século 20, com o início do melhoramento das bananeiras, por cruzamentos induzidos em laboratório, as variedades desenvolvidas para o comércio em grande escala deixaram de ter qualquer caroço.

Existem cerca de mil tipos de banana, subdivididos em 50 grupos de variedades. O fruto padrão de exportação (para Europa e EUA) é a Cavendish, nanica no Brasil, que também é a mais consumida nas Regiões Sul e Sudeste. No resto do país, bem como nos países da África e da Ásia, a oferta do fruto é muito mais variada, com forte presença das bananas de cocção (ou da terra), que são cozidas, assadas ou fritas, ainda verdes.

A banana é o quarto mais importante produto agrícola para as nações em desenvolvimento, segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), atrás de arroz, trigo e milho. São cerca de 100 milhões de toneladas do fruto por ano, produzidas em mais de 130 países. Entre os maiores produtores estão Índia, Filipinas, China, Equador e Brasil. Por sua importância para a segurança alimentar em países pobres, a bananicultura no mundo, há décadas ameaçada por pragas, é uma preocupação da FAO, que tem financiado pesquisas que visem o desenvolvimento de variedades resistentes.

Apenas 20% da produção mundial de banana é exportada, seguindo principalmente para União Europeia, Estados Unidos, Rússia e Japão. Estimado em US$ 6 bilhões, esse mercado é abastecido por Equador, Costa Rica, Filipinas e Colômbia, todos países em desenvolvimento. Uma crise no setor, estima a FAO, traria grandes prejuízos econômicos e sociais a essas nações.

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QUADRO: BANANAS, PROPINAS E SANGUE

Graças a Carmen Miranda, a banana é, para os brasileiros, um ícone divertido de nossa tropicalidade. Para muitos hispanoamericanos, porém, o fruto evoca histórias de violência.

O episódio mais sangrento, conhecido como “Massacre das bananeiras”, ocorreu na Colômbia no dia 6 de dezembro de 1928, na cidade de Ciénaga, onde 25 mil empregados da empresa americana United Fruit Company estavam em greve. Pressionado pela companhia e pelos Estados Unidos, o governo colombiano ordenou, e o exército abriu fogo contra a multidão desarmada, que protestava numa praça por melhores condições de trabalho.

Ninguém sabe ao certo o número de vítimas – estimativas de testemunhas variam de 800 a 3 mil -, porque os corpos teriam sido jogados ao mar. O escritor Gabriel Garcia Márquez recriou o incidente no livro Cem anos de solidão, cuja história se passa na cidade fictícia de Macondo, que significa banana na língua africana Bantu.

Para abastecer os Estados Unidos e a Europa, a United Fruit Company mantinha vastos campos de cultivo no Equador, no Panamá, na Costa Rica, em Honduras, entre outros países centro-americanos e caribenhos, pejorativamente identificados como “repúblicas das bananas”. Mantinha, além disso, a má-fama de manter seus empregados em regime de semiescravidão e de obter o apoio dos governantes locais em troca de generosas propinas.

Ao longo das décadas seguintes, a empresa sofreu tantos processos nos tribunais (inclusive americanos) que, para reposicionar sua imagem, em 1985 ela passou a se chamar Chiquita Brands. Ainda é uma das principais exportadoras de banana do mundo.

A Chiquita continua presente em alguns países latino-americanos, mas deixou outros, como Honduras. A empresa manteve nesse país um de seus centros de melhoramento de banana, criado em 1959, cujo principal objetivo era criar uma variedade de banana Gros Michel que fosse resistente ao mal do Panamá (raça 1). Quando deixou Honduras, nos anos 1980, a empresa doou suas instalações, na cidade de La Lima, ao governo, que criou a Fundação Hondurenha de Investigação Agrícola (FHIA), onde se mantém o mais antigo programa de pesquisa de melhoramento genético de banana (www.fhia.org.hn).

***

QUADRO: ELES NÃO TÊM? NÓS TEMOS!

A falta de banana nos Estados Unidos provocada pela contaminação das plantações pelo mal do Panamá, no início dos anos 1920, foi retratada na canção “Yes, we have no bananas”, de Frank Silver e Irving Cohn. Ela apareceu num musical da Broadway em 1923 e foi gravada por vários intérpretes nas décadas seguintes.

Em resposta, o carioca Braguinha (1907-2006) compôs com Alberto Ribeiro a marchinha “Yes, nós temos bananas”, que estourou no carnaval de 1938. Foi uma crítica bem-humorada ao hábito americano de se referir pejorativamente aos países da América Latina como “repúblicas das bananas”. Ao contrário do que muitos imaginam, não há registros de que a canção tenha sido gravada por Carmen Miranda.

Discussão - 4 comentários

  1. Raimundo Alves Santana disse:

    o meu bananal está doente quero saber se tem algum remédio ou uma vacina contra fungos

  2. Pedro Ramon disse:

    Foi de extrema importancia para mim apresentar um seminario sobre sobre a banana nanica(ou casca verde, como aqui é conhecida).

  3. joao bosco disse:

    estou estudando sobre bananas poi pretendo iniciar o cultivo estou a 50km do mercado consumidor sp muito bom e esclareceor um pouco assustador kkkkkkkkkkkkkkk

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