Danúbio vermelho

(publicado na UC dezembro/2010)

Mais acostumados a divulgar vazamentos de petróleo que acidentes da indústria de alumínio, jornais de todo mundo espantaram seus leitores ao divulgarem no começo de outubro imagens da pequena cidade húngara de Ajka (a 160 km de Budapeste), inundada por um líquido espesso, vermelho e altamente cáustico. A destruição, causada pelo rompimento de um reservatório de “lama tóxica” – como ficou conhecido o material, que chegou a alcançar o rio Danúbio -, trouxe à tona as sérias questões ambientais que envolvem a fabricação do metal.

Para alguns pesquisadores, a catástrofe reforça a necessidade urgente de encontrar uma utilidade para esse resíduo corrosivo, que se acumula em gigantescas lagoas artificiais construídas em diversos países onde há exploração de bauxita – entre eles, o Brasil. Da bauxita se extrai a alumina (óxido de alumínio), que depois é convertida em alumínio, o metal leve e maleável com o qual são feitas latas de bebidas, embalagens de alimentos e esquadrias de portas e janelas, para citar apenas alguns exemplos domésticos.

Para produzir uma tonelada de alumínio são necessárias quatro toneladas de bauxita e, no processo de beneficiamento, são geradas duas toneladas de lama vermelha, explica Maria Lúcia Pereira Antunes, pesquisadora do Núcleo de Automação e Tecnologias Limpas da Unesp em Sorocaba. “Ninguém sabe o que fazer com esse resíduo. É um enorme passivo ambiental.”

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Pesquisas no anel de luz

(publicado na UC dezembro/2010)

Alguns pesquisadores precisam de muita luz para trabalhar. E luz, nesse caso, na sua definição mais básica: a de um amplo espectro de radiação eletromagnética. Para analisar as entranhas microscópicas, moleculares ou atômicas de suas amostras, esses cientistas precisam ora de raios X, ora de luz ultravioleta ou infravermelha, de ondas de rádio ou até mesmo de luz visível. Tudo depende do material que querem conhecer melhor, da propriedade que pretendem medir e do fenômeno que precisam esmiuçar, seja ele físico, químico ou biológico. É a fase embrionária do que pode vir a ser o desenvolvimento de uma nova tecnologia.

Em 2009, essa necessidade de luz levou 2.320 cientistas de todo o país (e alguns de países vizinhos) a passar alguns dias, praticamente em regime de internato, no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), que fica no distrito de Barão Geraldo, em Campinas (SP). Lá funciona, desde 1997, o único anel de luz síncrotron da América Latina. Um síncrotron (para os íntimos) é um acelerador de elétrons que emite simultaneamente – e com muita intensidade – um amplo espectro de radiação, sob a forma de feixes muito finos.

O equipamento é grande e sofisticado demais para caber no laboratório ou no orçamento individual de qualquer projeto de pesquisa. É por isso que a maioria dos 30 anéis de luz deste tipo em funcionamento no mundo são instalações multiusuário, que atendem à comunidade científica de uma determinada região e funcionam 24 horas por dia, sete dias por semana, praticamente o ano inteiro.

Um dos usuários do LNLS é o engenheiro de materiais Celso Valentim Santilli, do Departamento de Físico-química do Instituto de Química da Unesp em Araraquara, distante 190 km de Campinas. A partir das 8 h do último dia 13 de outubro, logo após o feriado prolongado, Santilli e três de seus orientandos passaram 48 horas numa das 14 linhas de luz do anel, a chamada SAX-2, uma das duas linhas por onde passam apenas raios X de baixo ângulo, na sigla em inglês.

Considerando a quantidade de amostras que eles levaram na bagagem e todas as medidas a serem feitas, além dos naturais imprevistos que sempre surgem ao longo de um experimento, 48 horas não é muito. Como a próxima visita pode demorar vários meses para ser agendada, é preciso aproveitar cada minuto e se revezar na tarefa dia e noite. “É puxado”, resigna-se Eduardo Molina, aluno de pós-doc de Santilli.

O orientador acompanharia o trabalho do grupo até o fim daquela tarde, mas, por causa de compromissos no dia seguinte, voltaria para dormir em Araraquara, deixando a responsabilidade nas mãos dos três pupilos. “Quando é um experimento novo, ele (Santilli) fica, mas esse nós já fizemos outras vezes”, diz Molina. “Só não vai dar para dormir muito. (Na madrugada) vamos ter que trocar (de turno) a cada 3 ou 4 horas. O ideal era ter mais uma pessoa.”

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Sede de sal

(publicado na UC de março/2011)

Pode acontecer com qualquer um. Já aconteceu com cerca de 30% dos brasileiros adultos. Um belo dia, provavelmente depois dos 50 anos, com azar antes disso, o sujeito deixa o consultório médico com a receita de um anti-hipertensivo e a recomendação expressa de fazer exercícios e diminuir muito o sal de sua comida. Ele é o mais novo membro do clube dos portadores de pressão alta, candidatos preferenciais ao infarto e ao derrame cerebral.

Tomar o remédio será a parte mais fácil. E se conseguir vencer a preguiça e a falta de tempo, o sujeito se dará conta de que a atividade física, nem que seja uma simples caminhada, pode ser prazerosa. A pior parte vai ser se acostumar à ‘vida sem sal’. E ter de lutar contra instintos primitivos que provavelmente o paciente nunca imaginou que tivesse.

O cloreto de sódio é tão importante para a biologia e a cultura da humanidade que nossos ancestrais percorreram distâncias absurdas e até travaram guerras por um bom punhado do mineral. “Substância divina”, para o poeta Homero, e um mineral “particularmente caro aos deuses”, segundo o filósofo Platão, seu simbolismo fica evidente no nosso vocabulário. Do latim sale derivaram palavras como salário, saúde e saudável (veja quadro abaixo).

A evolução talhou nosso cérebro para gostar de sal, precisamente do sódio. Fomos programados para buscá-lo. Em especial porque – e essa talvez seja a parte mais surpreendente dessa necessidade fisiológica – o apetite para este nutriente e a sede são irmãos gêmeos siameses.

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Uma ciência em transformação

(publicado na UC fevereiro/2011)
Em uma de suas canções menos lembradas hoje em dia, Renato Russo dizia que não sabia nada de Física, Literatura ou Gramática. “Só gosto de Educação Sexual”, afirmava ele no refrão, para em seguida frisar: “E eu odeio Química, Química, Química!”.

Os químicos que me perdoem, assim como eles devem ter perdoado o líder da Legião Urbana por seus versos juvenis e insensatos. Mas o que nem eles ignoram é que as pessoas em geral têm um pé atrás em relação a tudo o que é químico.

“Não há jeito de uma ciência que trata fundamentalmente de mudança ser encarada de modo inteiramente positivo por seres humanos, que são, no fundo, ambivalentes em relação às mudanças”, escreveu Roald Hoffmann, Nobel de Química em 1981, em O mesmo e o não-mesmo (Editora Unesp, 2000), um elogio crítico à ciência das moléculas.

Poluidora e tóxica são alguns dos rótulos negativos que nas últimas décadas se colaram à atividade industrial amparada no conhecimento desta ciência dura, cheia de fórmulas e nomes antipáticos, mas que seus defensores definem como central, como a ciência da transformação.

No Ano Internacional da Química, as Nações Unidas e químicos do mundo todo unem esforços para limpar sua reputação. “A ideia é mudar sua imagem na sociedade, porque ela está associada apenas a coisas ruins”, afirma Vanderlan Bolzani, do Instituto de Química da Unesp em Araraquara e membro do conselho consultivo da Sociedade Brasileira de Química.

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Papai Noel na berlinda

(publicado na UC dezembro/2010)
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Papai Noel é coisa séria. E não apenas para as criancinhas que o aguardam no Natal. Também na ciência há quem acredite nele, pelo menos o suficiente para investigá-lo. Esses pesquisadores tentam entender o segredo de tão duradouro sucesso, assim como os efeitos (nem sempre admiráveis) que essa presença vermelha e rotunda exerce na psicologia de crianças e adultos, nas relações sociais, na religião e até na saúde pública. Afinal, o “bom” velhinho tem lá suas idiossincrasias. Ao longo das últimas décadas, uma série de estudos tem revelado resultados surpreendentes e até perturbadores, que tendem a ser ofuscados por interesses comerciais.

Um dos primeiros a dedicar uma análise aprofundada sobre o protagonista do Natal foi ninguém menos que o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (1908-2009). Sua motivação teve origem numa notícia publicada no jornal France Soir, em 24 de dezembro de 1951, com o título: “Papai Noel é queimado no átrio da Catedral de Dijon diante de crianças de orfanatos”. Coordenada pelo clero católico (com apoio de protestantes), a manifestação do dia anterior apregoava o caráter pagão daquela figura, que estaria arruinando a tradição cristã.

A opinião pública francesa se dividiu diante da inusitada situação: de um lado, a Igreja demonstrando espírito crítico e, de outro, os racionalistas defendendo a superstição. A contradição chamou a atenção de Lévi-Strauss e resultou no livro O suplício do Papai Noel (Cosac Naify, 2009, tradução de Denise Bottmann). Nele, o antropólogo classifica o Papai Noel do ponto de vista da tipologia religiosa:

“Não é um ser mítico, pois não há um mito que dê conta de sua origem e de suas funções; tampouco é um personagem lendário, visto que não há nenhuma narrativa semi-histórica ligada a ele. Na verdade, esse ser sobrenatural e imutável, fixado eternamente em sua forma e definido por uma função exclusiva e um retorno periódico, pertence mais à família das divindades; as crianças prestam-lhe culto em certas épocas do ano, sob a forma de cartas e pedidos; ele recompensa os bons e priva os maus. É a divindade de uma categoria etária de nossa sociedade (…) e a única diferença entre Papai Noel e a verdadeira divindade é que os adultos não creem nele, embora incentivem as crianças a acreditar e mantenham essa crença com inúmeras mistificações”

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