Quem vai querer plantar banana?

Matéria publicada na Unesp Ciência de maio de 2011.

Fungos agressivos colocam o cultivo da fruta mais popular do país em alto risco; novas técnicas de manejo e de melhoramento são promissoras, mas ameaças podem levar a uma reinvenção da cultura no futuro

Yes, nós temos… problemas. É o que provavelmente diriam muitos produtores de banana do Vale do Ribeira, no sul do Estado de São Paulo, se parafraseassem o imortal verso da marchinha de Braguinha e Alberto Ribeiro, lançada no carnaval de 1938.

A região, uma das maiores concentrações de plantio da fruta do país, já há algum tempo sofre com a Sigatoka negra – doença que atinge as folhas da bananeira, tingindo-as de manchas escuras. Sem poder capturar energia solar, esse arbusto gigante (não é uma árvore) fica incapaz de fazer corretamente a fotossíntese e, portanto, não consegue nutrir seu cacho.

Quem passa por uma estrada de terra que corta vários bananais comerciais nos arredores de Registro, a maior cidade do Vale do Ribeira (70 mil habitantes), vê de vez em quando bananeiras com cachos atrofiados que, se não forem cortados, vão cair e apodrecer antes de amadurecer. A imagem mais frequente, porém, são folhas estragadas, que um leigo pode pensar serem apenas velhas, mas nas quais qualquer agrônomo do lugar bate o olho e diagnostica facilmente a doença.

“Os bananicultores que me perdoem, mas a doença aqui está um espetáculo. Para mostrar para os alunos”, ironiza o engenheiro agrônomo amapaense Wilson da Silva Moraes, enquanto dirige seu carro e mostra à reportagem de Unesp Ciência algumas áreas afetadas.

Pesquisador da Agência Paulista de Tecnologia de Agronegócios (Apta), no polo do Vale do Ribeira, Moraes faz suas pesquisas em conjunto com a Unesp em Registro, onde é professor em tempo parcial no curso de Agronomia. Ele chegou à cidade em 2004, praticamente junto com a praga.

A Sigatoka negra é uma doença incurável causada pelo fungo Mycosphaerella fijiensis, cujos esporos podem viajar no vento por distâncias de até 50 km. Surgida no Caribe no fim dos anos 1970, ela desceu o continente por Colômbia e Equador, grandes centros exportadores de banana. Em 1998, o fungo foi encontrado em Manaus. De lá se alastrou pela Região Norte, atravessou Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, e conquistou finalmente o Sudeste e o Sul. Por enquanto, apenas o Nordeste está livre do problema, exceto o Maranhão.

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Células imortais

Matéria publicada na Unesp Ciência de abril de 2011.

Laboratório em Botucatu cria seres híbridos que não morrem nunca e são capazes de fabricar os anticorpos monoclonais, moléculas indispensáveis nos bancos de sangue e na medicina diagnóstica

Estranhas formas de vida são cultivadas no subsolo da Faculdade de Medicina de Botucatu. Numa área de acesso restrito do hemocentro, uma equipe de pesquisadores cria os chamados hibridomas, células híbridas que não existem espontaneamente. Ao contrário das células naturais, elas não morrem nunca, desde que bem cuidadas e alimentadas.

Mas não é por serem imortais que essas quimeras biotecnológicas são manipuladas com tanto zelo. É porque elas são verdadeiras fábricas microscópicas, capazes de gerar ad eternum um produto sofisticado e valioso – os anticorpos monoclonais. Usadas como ferramenta de identificação em análises laboratoriais, essas complexas proteínas, altamente específicas, revolucionaram o modo de fazer transfusão de sangue e a medicina diagnóstica nos últimos 30 anos.

A médica hemoterapeuta Elenice Deffune, chefe do Laboratório de Engenharia de Tecidos da Unesp em Botucatu, aprendeu a construir hibridomas em Paris, durante o mestrado e o doutorado feitos entre a Universidade Pierre e Marie Curie e o Instituto Pasteur, de 1986 a 1992. Ela foi estudar o assunto após se inquietar com reações do organismo à transfusão de sangue, que ocorrem em uma minoria dos pacientes, mas costumam ser fatais. Com os anticorpos monoclonais, diz ela, a hemoterapia (o emprego terapêutico de sangue e seus derivados) evoluiu muito nas últimas décadas.

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Cartas de um herói ressentido

Resenha publicada na Unesp Ciência de abril de 2011.

Análise das missivas de Simón Bolívar, um dos maiores ícones da independência da América Latina, revela o esforço de um homem frustrado para salvar sua honra e ser idolatrado pelas gerações futuras

Alheia à história da independência da América hispânica, a maioria dos brasileiros talvez deva a Hugo Chávez o pouco que sabe sobre o general Simón Bolívar (1783-1830).

O presidente da República Bolivariana da Venezuela (assim renomeada por Chávez) comporta-se como a reencarnação do herói que derrotou o domínio europeu no século 19 e até hoje é cultuado com tintas vibrantes também na Colômbia, no Peru e na Bolívia.

Em julho passado, Chávez ordenou a exumação dos restos de Bolívar, para investigar a “verdadeira” causa mortis. Os registros oficiais dão conta de que a tuberculose matou lentamente o general, mas o líder venezuelano desconfia que ele foi envenenado – afinal, herói que se preze morre assassinado, não de infecção.

É possível que a historiadora Fabiana de Souza Fredrigo tivesse problemas se quisesse publicar seu Guerras e escritas (Editora Unesp) no país de Hugo Chávez, pois o Simón Bolívar que ela revela, por meio da análise de suas cartas, é um ser humano vaidoso, ambicioso e, mais tarde, frustrado e amargurado. E, acima de tudo, um homem preocupado com a forma como seria lembrado na posteridade.

Por meio das 2.815 missivas que escreveu ao longo da vida, analisadas em seu doutorado na Unesp em Franca, a autora descortina um projeto de memória que Bolívar assumia como parte importante de sua vida.

“Ao oferecer aos seus interlocutores, cuidadosamente escolhidos, suas missivas, o general construía um código de valor entre seus homens (…). Bolívar pretendia que sua memória atingisse e mobilizasse gerações futuras. Pleitear a possibilidade de a posteridade anuir a seu projeto era uma aposta audaciosa, reveladora do fato de que, embora Bolívar não pudesse ter o domínio do futuro, o projetava. As cartas e os documentos que deixara para comprovar sua história eram a armadura protetora de sua honra”, escreve a autora.

Em nome dessa honra, o general costumava exagerar nos relatos de sucesso de suas estratégias militares e no número de soldados de que dispunha. Numa carta de 1822, Bolívar pede a outro militar: “[escreva] mil exageros de paz, guerra e coisas de Europa para que eu possa mostrar estas cartas a todos, principalmente aos inimigos, mas [escreva] exageros que sejam críveis”. Em 1825, quando começa sua decadência física, ele dissimuladamente registra: “Não mande publicar minhas cartas, nem vivo nem morto, porque elas estão escritas com muita liberdade e desordem”.

Libertar as colônias sul-americanas do domínio espanhol até que foi fácil se comparado ao trabalho que foi lidar com as guerras internas que se sucederam à independência e fragmentaram parte do continente, para profundo desgosto do general. “A vida de glórias terminaria com a incompreensão do povo que ele havia lutado para libertar”, afirma Fabiana. “Se, ao final da vida, algo paralisava Bolívar, não era exatamente a doença, mas o ressentimento.”

E se hoje nada disso transparece no culto ao mito é porque seu projeto de memória foi de fato bem-sucedido. Influenciou gerações de historiadores latino-americanos, principalmente venezuelanos, que abriram mão do olhar crítico e ignoraram as contradições do personagem – um cenário que felizmente começa a mudar, como mostra este livro.

Guerras e escritas – A correspondência de Simón Bolívar (1799-1830)
Fabiana de Souza Fredrigo; Editora Unesp; 290 págs. R$ 59

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