One Cup, three billion hearts…*

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O anjo das pernas tortas
A Flávio Porto

A um passe de Didi, Garrincha avança
Colado o couro aos pés, o olhar atento
Dribla um, dribla dois, depois descansa
Como a medir o lance do momento.

Vem-lhe o pressentimento; ele se lança
Mais rápido que o próprio pensamento
Dribla mais um, mais dois; a bola trança
Feliz, entre seus pés – um pé-de-vento!

Num só transporte a multidão contrita

Em ato de morte se levanta e grita
Seu uníssono canto de esperança.

Garrincha, o anjo, escuta e atende: – Goooool!
É pura imagem: um G que chuta um o
Dentro da meta, um 1. É pura dança!

Rio de Janeiro, 1962

(Vinicius de Moraes in ‘Livro de Sonetos‘)

Todos juntos na mesma emoção?

A Fifa estima que a audiência televisiva acumulada da Copa do Mundo de 2006 na Alemanha foi de cerca de 26 bilhões de telespectadores, ou mais de 400 milhões por jogo. E acredita que esse será o tamanho da audiência da Copa 2010 na África do Sul. [1] Uma audiência que perde apenas para os Jogos Olímpicos: em 2008, em Pequim, a audiência acumulada total estimada foi de 40 bilhões e 4,7 bilhões de telespectadores únicos [2, 3]. Fazendo uma extrapolação linear, a audiência da Copa do Mundo de Futebol alcança um universo de 3,06 bilhões de pessoas – nenhum esporte isoladamente atrai tanto público.

A história oficial (adotada pela Fifa [4]) reconhece tsu’chu (蹴鞠 cùjú – cù ‘chutar’ e jú ‘bola de couro’) como um precursor do futebol. Como o conhecemos, o futebol derivou de um jogo com diversas variantes e que daria origem também ao rúgbi. (A rigor, futebol é uma designação genérica de diversos
esportes aparentados.) A maior parte das transformações com sucessivos códigos de regras deu-se na Inglaterra. Pelo código de Cambridge, introduziram-se o chute a gol, o passe para a frente, a lateral e o impedimento de se correr enquanto a bola era segura pelas mãos. Sim, o jogo era jogado a maior parte do tempo com as mãos e ainda assim era chamado de futebol – football de foot ‘pé’ e ball bola – segundo alguns autores, em oposição a jogos de montaria como polo; era jogado a pé (isso explicaria que jogos em que o contato com o pé seja proibido tenham sido denominados football, mas muitas palavras calcadas empregam termos equivalentes a ‘pontapé, chute’ na composição da palavra). A antiguidade do termo foot-ball, sendo o primeiro registro datado de 1423-1424 [5] (em uma lei que o proibia!), atesta a antiguidade de suas raízes mesmo na Europa). A formação do The Football Association na Inglaterra com suas regras (as Laws of the Game, ‘Regras do Jogo’ – pouco modificada até os dias de hoje), em 1863, demarca a origem do futebol moderno – que é designado association football, mas, dada sua proeminência ante às demais codificações, é conhecido simplesmente como football e formas variantes. Em uma corruptela com a palavra ‘association‘, surge na Inglaterra, em fins do século 19, a variante assoccer – em 1899, a variante é encurtada ainda mais para soccer, enquanto o rúgbi era chamado de ‘rugger‘. Mas na Inglaterra o futebol é designado mesmo como football. (Nos EUA, soccer continua a designar futebol e football é usado para se referir ao futebol americano. Na Austrália, há o futebol australiano que chamam de Australian (rules) football e o futebol é football mesmo, sendo chamado também de soccer [6-7] – mas footbal pode designar diferentes modalidades/codificações a depender da região.)

Na Itália o jogo é denominado de calcio (‘chute’), do lat. calceus (‘calçado’) > calx, cis (‘calcanhar’) desde os tempos da encarnação medieval do ancestral do futebol. [O calcio fiorentino ainda é jogado em festivais (no jogo a bola pode ser impulsionada com as mãos e com os pés, o número de jogadores depende do tamanho do campo e há dez juízes). O termo calcio apoia a interpretação predominante de que o significado original de footbal associava a condução da bola com os pés.] Na maioria das demais línguas, ou se emprega por empréstimo direto o termo football – a prática se espalhou pelo mundo por intermédio dos trabalhadores ingleses nas diversas colônias do Império Britânico e das companhias transnacionais, ou ocorre uma adaptação fonética ou é traduzido com termos equivalentes para ‘pé’ e ‘bola’. Os franceses, tão ciosos de sua língua a ponto de sugerir um logiciel como substituto de software, adotam football sem modificações – e uma das revistas mais conceituadas sobre o esporte é a France Football [8]. Esp. fútbol, ale. Fußbal (os alemães empregam football para se referir ao futebol americano), neerl. Voetball, os japoneses fizeram apenas uma transliteração (com as
adaptações fonéticas próprias): フットボール ‘futtobōru’ (ou também サッカー
‘sakkā’, de soccer) – houve uma tradução com o termo 蹴球(しゅうきゅう) ‘shūkyū’ (shū ‘chute’ e ‘kyū’ bola), mas quase nunca é usado – o primeiro caracter é o mesmo de cùjú -; ao contrário do coreano, que utiliza os mesmo caracteres chineses, ou na forma dos caracteres coreanos: 축구 ‘chukgu’) -, rus. Футбол ‘futbol’, ind. फ़ुटबॉल ‘fu.tbôl’. No chinês, 足球 ‘zúqíu’ (zú ‘pé’ e qíu
‘bola’ – repare que o caracter para bola é o mesmo para o japonês, com pronúncia próxima), curiosamente, é uma tradução de football e não uma variação do cùjú como seria esperado (mas isso pela tradição ter se perdido no tempo e haver sido reintroduzida por meio dos ingleses),o mesmo ocorrendo no grego, com ποδόσφαιρο (podósfero de pous,podós ‘pé’ e sfairo ‘bola, esfera’) e não uma variação de ἐπίσκυρος (epískyros) ou φαινίνδα (phenínda) – jogos gregos antigos ligados à origem do futebol (em sentido amplo). Em finlandês: jalkapallo (jalka ‘pé, perna’ + pallo ‘bola’), os islandeses têm knattspyrna (knöttur ‘esfera, bola’ + spyrna ‘chute’) e também fótbolti (curiosamente knattspyrna é uma palavra de gênero feminino e fótbolti, masculino). Ár. كرة القدم (kúrat al-qádam) (kúrat ‘bola’ + al ‘de’ + qádam ‘pé’), heb. כדורגל (kadurégel) (kadur ‘bola’ + régel ‘pé’). Os croatas, sérvios e bósnios (que usam a mesma língua, mas a chamam de croata, sérvio e bósnio) dizem nogomet (nòga ‘perna’ + suf. -met ‘si mesmo’) – os bósnios e sérvios usam também fudbal, mas os sérvios escrevem em cirílico ногомет ‘nogomet’ e фудбал ‘fudbal’. Em turco, há a forma futbol e também ayaktopu (ayak ‘pé’ + top ‘bola’). Em guarani vakapi ‘pele, couro de vaca’ é usado para se referir ao jogo.

Para o português foram propostas várias alternativas: balípodo (gr. bállo ‘lançar’), ludopédio (lat. ludus, i ‘jogo’ + gr. pedíon, ou ‘planta do pé’), pedibola (lat. pes,pedis ‘pé’), podabolismo, bolapé, pebol… Obviamente nenhum pegou. O futebol na acepção moderna adentrou ao nosso léxico já em 1889 – na forma foot-boll -, em 1899 escrevia-se foot-ball (por isso muitos clubes brasileiros nascidos no início do século 20 têm como parte de seu nome oficial essa forma – como o Grêmio Foot-ball Porto Alegrense de 1905, Coritiba Foot Ball Club de 1909, o Santos Futebol Clube foi fundado em 1912 com a denominação de Santos Foot-ball Clube) e a forma futebol consolidou-se em 1933 (o São Paulo Futebol Clube é de 1935). [5]

Três bilhões de apaixonados incorrigíveis. E possivelmente outro tanto de ressentidos figadais: mas que talvez tenham um pouco de futebolite não-diagnosticada – ao menos entre aqueles que desejariam praticar o cùjú com o couro dos que assopram entusiasticamente suas vuvuzelas.

[1] Gleeson. No TV audience increase expected for 2010 World Cup. Reuters.

[2] Beijing Olympic Broadcasting. Beijing 2008.
[3] The final tally… Nielsen.
[4] Fifa History of Football. Fifa.
[5] Houaiss. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. V. 1.0.5a.
[6] Australian Football. Australian Institute of Sport.
[7] Football. Australian Institute of Sport.
[8] France Football. L’Equipe.

*”Uma Copa, três bilhões de corações”: Referência mashup de um clipe de filme altamente não recomendável e de um documentário oficial – “Two billion hearts” (“Todos os corações do mundo”) – sobre a Copa 1994, nos EUA, (a audiência única estimada na época era de dois bilhões de pessoas), dirigido por Murilo Salles.

Que se faça a luz!

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Por Joey Salgado

Não há quem nunca tenha se impressionado com vaga-lumes perambulando noite adentro. Aquelas gracinhas luminosas piscando feito luzes de natal, parecem faíscas geradas espontaneamente no ar, como inclusive observou Aristóteles e seus asseclas pouco mais de um par de milhares de anos atrás.[1] Para a mente mais inquisidora, seguinte à observação do fato de um inseto curiosamente poder emitir luz, talvez venha esse questionamento: como ele consegue fazer isso? De fato, o processo é um tanto complicado, envolvendo substratos específicos e catálise por enzimas adequadas, além de um ou outro metabólito biológico.
Expandindo-se o número de dados oferecidos para apreciação de vocês, leitores, cito o exemplo dos lightsticks, aqueles brinquedinhos de festas de casamento que geralmente são distribuídos quando a banda já começou a tocar “Balão Mágico” e coisas do gênero. Como o nível alcoólico no sangue geralmente está alto nessa altura do campeonato, talvez isso não desperte tanto o interesse e curiosidade das pessoas quanto vaga-lumes, geralmente encontrados em ambientes mais “verdes” e “limpos”. Mas lightsticks tem mais em comum com esses insetos do que outros insetos tem com vaga-lumes, por incrível que pareça.
vagalumes_lightsticks.png
Nesse ponto, talvez seja importante se definir alguns termos. Uma reação química que emita luz como um dos seus produtos de reação é dita quimiluminescente, como definido por Wiedemman em 1888.[2] Se o mesmo processo ocorre em um organismo vivo, e não dentro de uma vidraria de laboratório, refere-se ao mesmo por bioluminescência. Interessante ressaltar que Wiedemman, na mesma publicação,[2] diferenciou a quimiluminescência, fenômeno de “luz fria”, da incandescência, que é a emissão de luz por certos materiais mediante aquecimento. A incandescência, como bem se sabe, resulta do efeito fotolétrico, estudado intensamente por Planck e racionalizado em termos matemáticos por Einstein, o que daria o prêmio Nobel de Física para o último em 1921. A quimi e bioluminescências também são diferentes em seus princípios de funcionamento da triboluminescência, que é a emissão de luz por cristais macerados mecânicamente. Em um quarto escuro, com a visão bem acostumada para a falta de luminosidade, é possível se observar a emissão de luz a partir de cristais de açúcar de cozinha comum, quando submetidos a esmagamento (tentem, é uma ótima brincadeira!). 
A semelhança entre quimi e bioluminescências vem, principalmente, pelo fato de que em ambas há a formação de um intermediário peroxídico cíclico orgânico durante a reação química. Exemplifico esse intermediário de forma geral logo abaixo. Notem que o mesmo é uma cadeia fechada (cíclica), no formato de um anel de quatro átomos (dois de carbono e dois de oxigênio) e que possui uma ligação peroxídica (que é essa ligação química entre dois átomos de oxigênio, O-O). Nesse exemplo, os carbonos estão fazendo apenas duas ligações cada um (para fins de simplificação) sendo que cada um possui mais duas posições livre para se ligar a outros átomos.
intermediário_peroxídico.png
Na reação bioluminescente de vaga-lumes, uma molécula chamada luciferina, na presença de ATP (que é uma “fonte de energia disponível” em seres vivos), oxigênio molecular (O2) e de uma enzima chamada luciferase, forma exatamente esse intermediário peroxídico (notem o mesmo, destacado em vermelho, dentro de uma estrutura molecular mais complexa) (Figura 1).[3,4] Tal intermediário é formado em várias etapas e então decompõem para formar uma molécula de oxiluciferina no ‘estado eletrônico excitado’ (representado pelo símbolo S1). Um ‘estado eletrônico excitado’ pode ser entendido como um estado de maior energia da molécula, que está pronto para perder essa energia em excesso por emissão de calor ou de luz. No caso da oxiluciferina, a mesma perde essa energia emitindo luz, no final do processo de bioluminescência (Figura 1).[3] A reação quimiluminescente que ocorre dentro de lighsticks também leva a formação de um intermediário contendo esse anel peroxídico (Figura 2). Tal mecanismo descrito na Figura 2 foi formulado à medida que uma série de moléculas chamadas 1,2-dioxetanonas foram sintetizadas e estudadas em laboratório, demonstrando que as mesmas decompõem emitindo luz, quando da adição de um catalisador comum a essas duas reações (Figura 3, os grupos ligados ao anel peroxídico pelos carbonos pode mudar, sendo que nesse caso exemplificou-se com a molécula contedo dois grupos metila, -CH3).[5] Utilizando os resultados obtidos no estudo da reação envolvida em lighsticks (chamada de peróxi-oxalato) e 1,2-dioxetanonas, chegou-se à síntese e posterior estudo de moléculas chamadas 1,2-dioxetanos-aril-substituídos, que são capazes de decompor emitindo luz (Figura 4),[5] por uma via mecanística muito parecida com a da bioluminescência de vaga-lumes (Figura 1) (como sempre, notem a formação do anel peroxídico destacado em vermelho). Tanto a bioluminescência de vaga-lumes (Figura 1) quanto a decomposição de 1,2-dioxetanos-aril-substituídos (Figura 4) possuem eficiências de emissão de luz extremamente altas, o que faz desses 1,2-dioxetanos importantes ferramentas analíticas.[5]
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– Figura 1 –

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– Figura 2 –

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 – Figura 3 –

dioxetanoarilico.bmp
– Figura 4 –

Agora vem o pulo do gato: de fato, foi o estudo de tais 1,2-dioxetanos-aril-substituídos que permitiu que se entendesse melhor o funcionamento da bioluminescência de vaga-lumes, inclusive, melhorando a compreensão do processo que leva à formação do ‘estado excitado’ emissor de luz. E para tal, foi necessário antes disso estudar a reação de 1,2-dioxetanonas e a reação peróxi-oxalato, que ocorre em lightsticks. Tanto o preparo de 1,2-dioxetanonas e 1,2-dioxetanos-aril-substituídos quanto o estudo dos mecanismos de decomposição dessas moléculas e da reação peróxi-oxalatonão é trivial e fez (e ainda faz…) muitos alunos de pós-graduação e pesquisadores arrancarem os cabelos. A síntese de moléculas peroxídicas isoláveis, ou seja, que podem ser sintetizadas, purificadas, identificadas por técnicas espectrocópicas adequadas, como 1,2-dioxetanonas (Figura 3) e 1,2-dioxetanos-aril-substituídos (Figura 4) é muito complicada, levando de três a quatro anos até que se tenha sucesso em sua preparação. Um processo complicado e trabalhoso para, ao final, “destruir” a substância preparada para vê-la emitindo luz. A recompensa para todo esse esforço é, obviamente, gerar conhecimento que sustente a proposta para o funcionamento de um processo biológico intrigante e, porque não, elegante.
Notem como, algumas vezes, antes de se entender como certas coisas ocorrem em organismos biológicos, é necessário ficar um bom tempo na bancada do laboratório de química. É necessário se usar bem o tubo de ensaio antes de se trazer certos fatos à luz, rs.
Fonte das fotos: vaga-lume e lightsticks.
Referências e notas:
[1] Campbel, A. K.; Chemiluminescence: Principles and Applications in Biology and Medicine; Elis Howard Ltd.: Chichester, 1988.
[2] Wiedemann, E.; Ann. Phys. Chem. 1888, 24, 446. (Em alemão)
[3] Shimomura, O.; Chemical and Biological Generation of Excited States; Adam, W.; Cilento, G., eds.; Academic Press Inc.: New York, 1982.
[4] Interessante notar que, em química orgânica, geralmente não se representa um átomo de carbono pelo seu símbolo “C” em estruturas. Logo, em cada “esquina” formada por ligações químicas (no encontro entre “arestas”, onde não há símbolo algum), deve-se enxergar a presença de um átomo de carbono, com seu respectivo número de hidrogênio, de forma a completar suas quatro ligações de ‘direito’.
[5] Baader, W. J.; Bastos, E. L.; Stevani, C. V.; The Chemistry of Peroxides, Rappoport, Z., ed.; WIley & Sons: Chichester, 2005.
—————-
Em tempo, eu Fernando “Joey Salgado” Heering Bartoloni sou químico, atualmente no doutorado, estudando alguns sistemas orgânicos quimiluminescentes. E estou mais careca a cada ano. Não tenho palavras para expressar minha felicidade por estar participando do Tubo de Ensaios, nessa fantástica oportunidade que me foi dada pelo SBBr. Obrigado.

Você me conhece…

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O lutador
Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.
Algumas, tão fortes
como o javali.
Não me julgo louco.
Se o fosse, teria
poder de encantá-las
Mas lúcido e frio,
apareço e tento
apanhar algumas
para meu sustento
num dia de vida.
Deixam-se enlaçar,
tontas à carícia
e súbito fogem
e não há ameaça
e nem há sevícia
que as traga de novo
ao centro da praça.
(Carlos Drummond de Andrade in ‘Poesia Completa‘)

Disclaimer necessário:

Não sou filólogo, não tenho formação em Letras, não trabalho na área. Sou apenas um leigo curioso a respeito da origem e significado das palavras, bem como sua evolução e relações – poderá notar que esse viés é totalmente atribuível à minha formação. Sim, sou formado em Ciências Biológicas. Mas antes que bradem: “mais um!”, quero acalmar a todos dizendo que não pretendo aqui, neste Scienceblogs Brasil e sua comunidade, onde tenho a partir de agora a honra de blogar, criar e manter um blogue sobre Biologia. O SBBr está muito bem servido de uma equipa incrivelmente capacitada de profissionais da área. Até por isso, quando me inscrevi no concurso para novos blogues, procurei apresentar um projeto distinto: um que dissesse respeito à etimologia de expressões, não necessariamente científicas, usadas em nosso dia-a-dia ou em jargões.

Pretendo fazer uma pesquisa decente para embasar meus textos, mas não pretendo infalibilidade. Ao contrário, conclamo aos leitores que sejam críticos em relação às informações que eu apresentar neste espaço (ou em qualquer outro), aliás, como deve ser em relação a qualquer outra fonte de informação.

Com este alerta e agradecendo imensamente à equipa do SBBr pela oportunidade, além de dar os parabéns aos demais novos sciblings (Amigo de Montaigne, Fernanda Poletto/Bala Mágica, Roberto Berlinck/Quiprona – a esta altura já bem estabelecidos) e aos colegas tuboensaístas: Aninha Arantes e ‘drn1978’, e vamos então à primeira postagem.

Eu te conheço?

Γνῶθι σεαυτόν (‘gnōthi seauton‘), conhece a ti mesmo, estaria inscrito sobre o portão de entrada do Templo de Apolo em Delfos[1]. Sua tradução para o latim “nosce te ipsum” inspirou incontáveis obras. Do poema do poeta inglês John Davies ,”Nosce teipsum” (“teipsum” junto), de 1599 [2], à música de uma improvável banda italiana neo-clássica com toques de folk, Ataraxia, “Nosce te ipsum” (“te ipsum” separado), faixa do álbum “Ad perpetuam rei memoriam” [3].

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Zoneamento agroecológico a cana

por Glenn Makuta

Quinta-feira, dia 17 de setembro de 2009, foi lançado o zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar (ZAE Cana) no Brasil. é uma iniciativa com muitos aspectos positivos, sim, mas nem por isso são apenas as mil maravilhas. aparentemente apresenta mais pontos positivos que negativos…

Pra começar, eis o vídeo de lançamento do ZAE Cana:

O vídeo é lindo, isso é inegável: belas imagens, frases de impacto, uma musiquinha contínua, calma e com alguma identidade folclórica genuinamente brasileira…

Então vamos ver… vou apontando alguns aspectos que achei relevante, tanto positiva como negativamente:

– a iniciativa é de entidades respeitadas que agiram sinergicamente como embrapa (empresa brasileira de pesquisa agropecuária), unicamp(universidade estadual de campinas), ibge (instituto brasileiro de geografia e estatística), cepagri (centro de pesquisas metereológicas e climáticas aplicadas a agricultura), conab (companhia nacional de abastecimento), inpe (instituto nacional de pesquisas espaciais), cprm (companhia de pesquisa de recursos minerais), além da participação dos ministérios do meio ambiente (MMA), de agricultura, pecuária e abastecimento (MAPA), de minas e energia (MME), ciência e tecnologia (MCT), do planejamento, orçamento e gestão, e da casa civil. o estudo foi detalhado abordando diversos aspectos, como as condições do solo e do clima de cada região, tudo tendo a cana como referencial.

– regulamenta políticas públicas para a ocupação de terras por plantações de cana-de-açúcar, delimitando seu cultivo apenas a áreas já degradadas pela agricultura intensiva ou semi-intensiva, lavouras especiais (perenes, anuais) e pastagens, limitando e ordenando sua expansão. além disso considerou-se características climáticas e do solo, relacionados com os requerimentos desta cultura, classificando cada um dos três tipo de uso da terra (agrícola, pecuária ou agropecuária) em aptidões agrícolas alta, média ou baixa. é possível verificar isso em mapas detalhados em nível nacional ou estadual aqui.

– algumas áreas foram excluídas do zoneamento:

1. as terras com declividade superior a 12%, observando-se a premissa da colheita mecânica e sem queima para as áreas de expansão. [acabar com queimadas para colheita é bem importante, já que os principais fatores de ecotoxicidade assim como de toxicidade humana, estão relacionadas às queimadas. a degradação do solo também é bastante reduzida se suspendermos a queimada. a mecanização da colheita também é um grande diferencial, pois dá condições de trabalho mais dignas ao passo que gera outro grande problema social: emprega mão-de-obra especializada em operar máquinas para colheita de cana em detrimento de mão-de-obra pouco ou nada qualificado que é/era utilizado na colheita manual, agravando ainda mais a situação de oportunidade de trabalho para classes mais baixas];

queimadas da cana para colheita, ainda bastante comuns no estado de são paulo
2. as áreas com cobertura vegetal nativa [ótimo! o que sobra de Cerrado e outros biomas tende a continuar intacto, pelo menos em relação a cana…];
3. os biomas Amazônia e Pantanal [esse ponto é um ponto crítico para gringos, creio eu, já que o que eles conhecem de brasil é que temos o que erroneamente é conhecido como o “pulmão do planeta”. sabiam que os usineiros brasileiros usam como argumento o fato dos canaviais estarem distantes destes biomas para justificar a “sustentabilidade” da produção sucroalcooleira? pois é! os outros biomas nem são levados em consideração!] além da Bacia do Alto Paraguai;
4. as áreas de proteção ambiental e remanescentes florestais;
5. as terras indígenas [também acho ótimo não mexer com terras indígenas, apesar de que há índios muito mais “cara-pálida” que muitos de nós];
6. dunas;
7. mangues;
8. escarpas e afloramentos de rocha;
9. reflorestamentos e
10. áreas urbanas e de mineração.

– estabelece que o país dispõe de 64,7 milhões de hectares=647 mil km2 de áreas potenciais para ocupação por canaviais. isso corresponde a mais de 7 (SETE) vezes a área remanescente de mata atlântica ou 1,5 vezes maior que o que resta de Cerrado, isso sem mencionar os outros biomas menores (em extensão). considerando isso, restam”apenas” 7,5% do território nacional potenciais para o plantio de cana (se plantassem em toda área com potencial de plantio, seria praticamente um novo bioma pouquíssimo biodiverso e de origem antrópica). isso pelo menos é ótimo pelo fato de que não mais será preciso devastar novas áreas para este fim, uma vez que a vontade econômica dos governantes é de produzir cada vez mais cana.

o brasil é exemplo em alguns aspectos da produção de cana, pois somos capazes de utilizar o máximo da tecnologia a que temos acesso, produzindo muito mais do que seria esperado com a tecnologia vigente. só para ilustrar um fato que foi espantoso para mim quando fiquei sabendo, a lavagem da cana é feito com a água que extraem da própria cana, não necessitando de água de rios para isso.
– segundo o documento, um dos impactos esperados é a produção de biocombustíveis de forma sustentável e ecologicamente limpa. isso parece piada, pois uma coisa é querer reduzir os danos causados no ambiente nos processos de produção e uso dum combustível, mas dizer que se espera produzir um biocombustível limpo é uma mentira. o biocombustível é queimado e emite poluentes e isso já é o suficiente para que não seja limpo.
além disso, um dos grandes problemas da produção de biocombustíveis a partir de cana é a produção de vinhoto: para cada litro de bioetanol obtidos da cana, 14 litros de vinhoto são produzidos. esse grande volume é reutilizado para adubação do solo, mas boa parte acaba caindo em rios nas proximidades do canavial, e claro, sem tratamento.
– ao meu ver esta foi uma ótima forma de conter os ânimos de ruralistas como o ministro da agricultura reinolds stephanes, por que se dependesse dele, o país viraria um gigante deserto agrícola. e obviamente os ruralistas do pantanal e da amazônia devem se sentir injustiçados com isso.
– uma das intenções desse estudo é também a possibilidade de se conseguir créditos de carbono, e atrair investimentos nacionais e internacionais. ao meu ver o que fundamenta créditos de carbono são meram
ente aspectos econômicos e nada ambiental. não acho que concentrar as emissões de carbono seja mais benéfico que fragmentá-lo, ao contrário da lógica aplicada em fragmentos vegetacionais.
Gostaria de conhecer um pouco mais de manejo de solo pois acredito que em longo prazo monoculturas danifiquem muito este recurso natural. por enquanto só fica a suposição quanto a isso.
Mais uma vez friso que este zoneamento parece ser bastante positivo. os pontos fracos ficam no argumento de combustível limpo e do papo furado da sustentabilidade (que teoricamente deveria abranger as sustentabilidade ambiental, social e econômica). a cana brasileira tem em mãos boa fatia do mercado mundial, possibilitando esse tipo de iniciativa. este zoneamentos agroecológicos é bem completo e releva aspectos importantes para que possamos usufruir mais apropriadamente dos recursos naturais disponíveis, minimizando os danos desta atividade na escala em que é praticada (nesta escala, a principal vítima é o cerrado: uma área bastante extensa dela é tomada por atividades não apenas sucroalcooleiras, mas agropecuárias diversas).
já que é opção deste país a produção agrícola em nível industrial, o ideal seria que cada uma das principais culturas fosse feito um zoneamento agroecológico próprio, mas é pouco provável que haja interesses político e econômico tão engajados como no caso da cana.

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Glenn Makuta, biólogo, mestrando em comportamento e ecologia, escreve no blog sinantrópica. Mande seus textos para serem publicados aqui!

Natureza Perfeita

Por Glauco Kohler

Frequentemente, quando declaro que sou biólogo, recebo elogios e comentários de que a minha é uma profissão nobre, pois estuda a beleza, perfeição e equilíbrio da natureza. Como um defensor do pensamento científico, quase que na totalidade das vezes em que ouço tais afirmações, me obrigo a concordar com metade; de que minha profissão é nobre por estudar a beleza e funcionamento do mundo natural, mas que este não é perfeito e muito distante do equilíbrio. O conceito de mundo natural perfeito e em equilíbrio é fruto de nossa limitada capacidade de observação nas dimensões de tempo e espaço. Como produto, nossas conclusões e asserções tornam-se igualmente limitadas e presas a esta ótica empiricista e equivocada. 

De forma semelhante a nós humanos, natureza não é nunca foi e nunca será perfeita e equilibrada, pois o próprio dinamismo natural baseia-se em relações desonestas e trapaceiras, onde impera a lei do mais forte, e mais ainda, do mais esperto. Os epífitos (bromélias, orquídeas e outras) não pedem autorização para crescer sobre seu hospedeiro arbóreo, tampouco estão preocupadas com o peso de suas biomassas sobre os ramos do mesmo, o que lhes preocupa é crescer e se desenvolver num local favorável a suas atividades vitais. São egoístas. Os leões na savana africana, lutam ferozmente por um harém de fêmeas para poder propagar seus genes. Se neste harém recém conquistado pela expulsão do antigo macho houver ainda genitores do antigo líder, os mesmos serão assassinados friamente e suas mães aceitarão impotentes a intervenção do novo macho. Egoísmo e crueldade, sentimentos muito humanos. Os carneiros monteses (Ovis canadensis), das montanhas dos EUA e Canadá, travam combates violentos pelo direito a fêmeas na época do acasalamento. Não raramente o macho derrotado morre, mas se não, pouco interessa ao vencedor se o derrotado terá acesso a alguma fêmea. Indiferença e egoísmo. As orquídeas do gênero Ophyr têm flores que imitam as cores e padrões morfológicos de fêmeas de certas espécies de vespa e chegam até mesmo a produzir seus feromônios para atração dos machos ansiosos em copular. A orquídea se vale do esforço do macho iludido para levar suas polínias até outra planta que o enganará novamente, uma estratégia trapaceira e humilhante.

Estes são apenas algumas entre as mais notáveis e engenhosas estratégias de barganha no mundo natural, mostrando que a visão romancista, ingênua e benevolente dos seres vivos e suas relações não condizem com a realidade. Na natureza não há o equilíbrio e sim a guerra e o caos, dos quais provem a ordem magna natural. Porém, a humanidade comete pecados ainda maiores ao lidar com as interpretações d a natureza do qual provém: a de julgar suas relações sob a luz opaca de seus preceitos morais. Muitos que lerem os exemplos acima citados julgarão os organismos como de índole bestial e irracional, ante suas próprias concepções morais distorcidas advindas de crenças religiosas e metafísicas, no entanto, compartilho que devemos analisar estas relações com a veracidade que nos é nata. Seria-nos mais construtivo absorver o subliminar destas e entender que o sentido da vida que muitos procuram reside na própria existência e não dos produtos de nossa consciência. A única preocupação dos organismos é viver.

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Texto escrito por Glauco Kohler, biólogo chloroceryle [arroba]
gmail [ponto] com

O matador de passarinhos

separando o joio do alpiste
por Ricardo Braga Neto (Saci)
O conhecimento humano é mesmo muito vasto. Sabemos como ir à Lua, como escrever uma peça de teatro, a usar veneno de sapo para caçar. Sabemos! No plural: os seres humanos sabem. Eu sou um desses, logo eu sei? Não sou nenhum Neil Armstrong, nem William Shakespeare, quem dera um Yanomami. Bem que eu gostaria. Mas eu sei que eles sabem algo que eu não sei. Se um alienígena chegasse ao planeta agora, eu teria orgulho em contar para ele que o rádio foi uma grande invenção que revolucionou a comunicação entre as pessoas. Mas se foi Guglielmo Marconi que aprimorou idéias malucas de James Maxwell sobre ondas eletromagnéticas que se propagavam no espaço, idéias que foram testadas por outra pessoa, Heinrich Hertz em 1888, seria justo citar apenas um inventor para o rádio? Sabemos, no plural, pois individualmente sabe-se muito pouco, quase nada sobre a maioria das coisas. E a essência da ciência é essa. Nada mais que um acúmulo coletivo de experiências, buscando um meio objetivo de tentar entender o mundo em que evoluímos.
Pouco mais de um século depois, outro grande invento da humanidade deu à comunicação asas velozes do tamanho do mundo. E a produção de ciência acompanhou a ascensão da internet e dos gigabytes. Não existem apenas mais pessoas fazendo pesquisa, cada pessoa faz mais. A comunicação online foi a alavanca dessa conquista, mas em geral os pesquisadores brasileiros exploram pouco os recursos da web. Se por um lado cada pesquisador cumpre sua função publicando suas idéias e resultados relevantes em revistas de alto fator de impacto, ‘peer reviewed’ com um corpo editorial rigoroso, isso está perfeitamente correto. Isso é lastro científico. Porém, por outro lado, a comunicação científica complementar desses mesmos resultados para o restante da sociedade em veículos especializados fica relegada ao terceiro plano, à penúltima página da agenda, a uma idéia lembrada em um momento inoportuno. Infelizmente, muitas vezes os responsáveis pelas pautas jornalísticas cometem gafes com imprecisão, são apressados e não permitem a revisão de conteúdo antes de apertar a tecla PRESS. Contudo, algumas vezes, alguns jornalistas cometem delitos dignos de mea culpa.
Um exemplo fresquinho vem de uma entrevista na revista Época sobre o pesquisador Alexandre Aleixo, do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Ainda que o conteúdo das respostas de Aleixo reflita a experiência e profissionalismo de alguém que é “apenas” o curador da coleção de aves do MPEG, a abordagem da entrevistadora induz o leitor de forma subliminar a se armar contra um absurdo óbvio: estão matando passarinhos indefesos e chamando isso de ciência. A repercussão não foi das menores: a entrevista, publicada em 31/10/08, foi a mais comentada na última semana no site da Época. A Assessoria de Comunicação do MPEG escreveu uma resposta ao editor da revista protestando com toda a razão. Aparentemente, tomando alguns comentários a esse artigo e o posicionamento incisivo da entrevistadora, o público não tem uma idéia clara da realidade de pesquisa básica sobre biodiversidade, seja na Amazônia ou em qualquer outro lugar do mundo.
Esse tipo de desserviço jornalístico à imagem de cientistas brasileiros idôneos e produtivos não deve ficar impune, mas sim gerar uma revolta inteligente por parte dos pesquisadores, uma revolta tranquila, que os leve a tomar as rédeas da comunicação dos resultados de suas pesquisas à sociedade. A ignorância leva ao medo. E o medo ao erro. Pois bem, um bom modo de vencer o medo é dialogar com as pessoas sobre nosso trabalho, usando canais de divulgação rápidos, precisos e eficientes. Este blog [ULE, União Local de Ecólogos (Inpa)] é um exemplo metafísico (e gratuito) que isso não é tão inacessível assim. Acreditamos que isso aumentará muito a visibilidade do nosso trabalho. Um jornalista especializado em meio ambiente me escreveu recentemente: “O blog é bem interessante. Primeiro, porque é um canal de divulgação rápido e preciso; segundo, porque facilita a vida dos repórteres, dado que a maioria dos pesquisadores tem pouquíssimo tempo para atender a jornalistas e com o blog a informação é mais rapidamente divulgada. Boa iniciativa. Espero que prospere. Qualquer novidade é só entrar em contato.”
Parcerias entre jornalistas e pesquisadores devem ser estimuladas, sempre buscando devolver ao público um pouco do investimento; afinal muito dos recursos que bancam as pesquisas são públicos. Críticas saudáveis sempre serão bem-vindas, mas abordagens infantis dentro de um periódico do escopo da revista Época devem ser rechaçadas com veemência.
Publicado originalmente no blog da ULE (União Local de Ecólogos, Inpa) :: http://uleinpa.blogspot.com/
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Saci é biólogo e trabalha com ecologia de fungos na Amazônia. Dentre outras safadezas, escreve para o blog da ULE, União Local de Ecólogos (Inpa) [http://www.uleinpa.blogspot.com/].

África: Memórias, Presente e Futuro

Selo da Blogagem Científica da África
por Maira Begalli.
Lembro das primeiras impressões que tive sobre ‘África’, na minha infância. As imagens fortes ecoam na minha mente até hoje: crianças mutiladas por minas, a AIDS, a miséria, a violência, o Apartheid. Também tenho lembranças dos documentários sobre os parques nacionais como o Serengueti, por exemplo.
Apesar de ter estudado um pouco sobre as características da biodiversidade do imenso continente, considerava a realidade africana algo distante da minha, ocidental. Porém, em 2000, durante o meu segundo curso graduação, em Jornalismo, isso mudou.
Na época elaborei um seminário sobre “O Processo de Descolonização dos Países em Desenvolvimento”. Durante um semestre, tive o privilégio de entender como as relações internacionais e as manobras políticas
pré-Desmoronamento (de Berlim, em 1989) estavam diretamente relacionadas aos impactos sociais e ambientais que ocorrem lá atualmente – mas refletem no mundo todo.
Entre 1880 e 1914, o continente africano foi palco de disputas de nações européias que visualizavam a exploração do território e dos recursos naturais. Tal advento foi batizado como “neo-imperialismo”, um período em que a África sofreu domínio territorial, econômico e cultural, principalmente, por parte do Reino Unido e da França.
Além das práticas realizadas pelos imperialistas europeus, no final da Idade Média (apropriação territorial, militar e econômica), os “neo-imperialistas” ignoraram as tradições, as disputas e as tradições dos africanos, suprimindo inteiramente os direitos de quem lá vivia. Literalmente “retalharam” o mapa do continente segundo interesses comerciais. Forjaram nações, unindo povos inimigos, separando
famílias, reorganizando funções de trabalho (tanto é que muitos senhores se tornaram servientes de seus antigos servos).
Porém, com o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, os países neo-colonos iniciam um processo de “descolonização”, graças ao estado caótico que o mundo se encontrava (tanto físico, como financeiro). Assim, os antes interessados nas maravilhas do grande continente, deixaram as pseudo-nações, sem parâmetros e sem diretrizes sócio-culturais em comum.
Foi nesse período que despontou um dos regimes oficiais mais violentos da história, o Apartheid.  A política de segregação racial, que começou em 1948 e terminou em 1990, criou premissas de exclusão e medo: apenas os brancos eram considerados cidadãos e tinham seus direitos civis assegurados. E, por mais de 40 anos, milhares de africanos foram reféns dessa situação que ilustra a frase, de Indira Gandhi: ” O pior tipo de poluição é a miséria”.
África. Ontem, continente super populoso, sem acesso a educação, saneamento básico, saúde, sem políticas democráticas. Hoje, o continente que nos relatórios do clima aparece com uma das áreas que será mais afetadas pelos efeito do aquecimento global – acelerado principalmente pelas ações predatórias dos seus ex-neo-colonizadores. Segundo dados fornecidos pelo Green Peace, cerca de 180 milhões de habitantes da região subsaariana poderão morrer até o final deste século, por causa das chuva imprevisíveis, da redução de terras agrícolas, e dos recursos naturais.
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Maira Begalli mandou sua contribuição para a Blogagem Coletiva da África diretamente pro Tubo de Ensaios! Mande o seu também!

S. de Down: uma possibilidade de um futuro melhor?

Por Sandra Goraieb
Talvez em futuro breve, uma gestante que se descubra esperando um bebê portador da Síndrome de Down vai poder minimizar os efeitos da Síndrome através de terapia intrauterina. Isto porque um estudo conduzido pela Dr.a Catherine Spong da National Institutes of Health – Bethesda, e publicado na Obstetrics and Gynecology, conseguiu reduzir os sinais e sintomas da síndrome em ratos, que atingiram as metas de desenvolvimento da mesma forma que ratos normais.
Para entender melhor, a Síndrome de Down ocorre quando o feto humano possui um cromossomo 21 a mais, ou seja, onde deveria existir um par, existem 3 cromossomos 21. Em ratos, uma síndrome similar ocorre na trissomia do gene 16. Em ambos os casos acontecem retardos no desenvolvimento motor e sensorial e poderão ter dificuldade no aprendizado e sofrer de sintomas de Alzheimer na vida adulta.
Em ratos trissomicos, a inibição de um neurotransmissor chamado GABA (ácido gamaaminobenzóico), pode melhorar as capacidade cognitivas. Isto levou a se pensar que este tratamento pudesse ser aplicado também às crianças portadoras da Síndrome. Porém, este tratamento só seria possível após o nascimento. O ideal seria poder iniciar a correção das alterações ainda na fase intrauterina.
Outras alterações acontecem nas células da Glia. Estas são células que fazem parte do sistema nervoso que sustentam e regulam o desenvolvimento dos neurônios através da liberação de algumas proteínas, como a ADNP. No caso da Síndrome de Down ocorre uma diminuição da disponibilidade destas proteínas. Além disso, alguns segmentos destas proteínas chamados NAP e SAL, quando agregados a culturas de neurônios de pessoas portadoras da síndrome e que degenerariam, parecem exercer um efeito protetor sobre estes neurônios.
Então o grupo da Dr.a Spong, injetou NAP e SAL em ratas grávidas (modelo Ts65Dn para S. de Down) com fetos trissômicos obtendo resultados bastante interessantes, pois ao nascerem, os ratos tratados demonstraram-se similares aos ratos sadios em 4 de 5 parâmetros motores e um de quatro parâmetros sensitivos. Considerando que ratos trissômicos apresentam-se em deficit em todos os parâmetros, o resultado foi bastante significativo (p<0,01). Os ratos tratados também mostraram níveis normais de ADNP nas células da glia. Os pesquisadores agora observam como os ratos tratados se comportarão em relação ao aprendizado.
Apesar destes resultados, não é certo que este procedimento poderá ser efetivo também em humanos, mas existe um certo otimismo entre os especialistas.
Tomara que aconteça de verdade. Muitas crianças poderiam ter garantidos um desenvolvimento motor e cognitivo melhor e consequentemente um futuro mais tranquilo para eles e seus pais.
Para saber mais:
Toso L, Cameroni I, Roberson R, Abebe D, Bissell S, Spong CY.
Prevention of Developmental Delays in a Down Syndrome Mouse Model.
Obstet Gynecol. 2008 Dec;112(6):1242-1251.
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Sandra Goraieb é médica, especialista em Anestesiologia e em Medicina Intensiva, e diretora científica do Projeto Millebolleblu. Escreve o blog Mamãe passou açúcar em mim.

A Ciência e sua sombra.

Por Daniel Christino.
Dentre todos os objetos disponíveis ao escrutínio da razão nenhum é mais interessante do que o próprio homem. Há muito o intelecto humano se diverte com esse movimento de virar-se sobre si mesmo. Somos, neste aspecto, bastante únicos na natureza. Segundo Rilke, ao contrário de nós, os animais conseguem “vislumbrar o aberto”. Não estão obrigados a olhar sempre sobre o próprio ombro.
Não têm história ou mundo. Não são capazes de perceber sua sombra como um índice de si mesmos.
Dentre os possíveis discursos que escolhemos para falar de nós mesmos dois se destacam. O primeiro encontra-se no domínio do mito e das religiões e podemos defini-lo, grosso modo, como moralidade. O Bem e o Mal. Via de regra tal discurso aponta para uma dimensão transcendental da qual é possível colocar a natureza humana sob perspectiva. Seu pressuposto é o de que precisamos ir além do homem para poder pensá-lo. O contrário seria equivalente a tentar “saltar a própria sombra”.
O segundo pertence ao âmbito da ciência, e afirma ser possível compreender o homem a partir da própria condição humana, isto é, como ele se dá enquanto fenômeno material e finito, sem o auxílio de uma perspectiva transcendental de tipo religioso. Segundo esta vertente supor que esteja aberto ao homem uma perspectiva não humana é simplesmente absurdo. Ao homem só é possível o que está dentro dos limites de sua humanidade. Ambos são, como dizia Cassirer, “construções simbólicas”, derivadas da capacidade de enunciação da nossa linguagem e, neste aspecto, limitados por ela.
A ferramenta teórico-epistemológica que o discurso cientí fico desenvolveu para pensar o problema do homem e sua sombra foi a dúvida. Obviamente não meramente a dúvida hiberbólica e argumentativa de Descartes, embora esta esteja, de fato, no centro da questão, mas a dúvida metodológica, integrada às próprias condições do exercício da atividade científica. Isto se dá porque ciência é método e não a confiança cega no método. Este é um erro que se comete amiúde, pensar a ciência como se fosse uma crença na verdade ou na capacidade do homem de encontrar uma verdade universal racionalmente justificável. Este valor ideológico do Iluminismo não sobreviveu ao próprio desenvolvimento científico, em última análise. A razão tornou-se muito mais humilde em sua busca pela verdade e abraçou, em seu método, a incompletude e o raciocínio aproximativo. Quem melhor exemplificou este frescor intelectual e esta dinâmica epistemológica foi Richard Feynman. Numa conferência em 1966 ele elabora esta posição metodológica numa fórmula genial: “Science is the belief in the ignorance of the experts”.
Obviamente cada ramo científico determina suas condições de verdade, mas elas não são mais universais e absolutas e têm validade provisória. O que, entretanto, dispara o processo de superação ou substituição destas condições de verdade é a dúvida, ou melhor, as consequências rigorosas do fato de que se pode duvidar, desde que metodologicamente embasado, das próprias condições de verdade de um determinado campo ou subcampo científico. O importante é perceber que a historicidade da ciência não significa uma relativização de seus princípios fundamentais, mas um aprofundamento. Longe de ser uma prática engessada e imóvel, a atividade científica é sempre aberta e fluida . Discutir esta condição em relação a si mesma e seu objeto é o que mantém a ciência perpetuamente diante de si mesma. Dito de outro modo, em cada experimento, em cada projeto de pesquisa, está não apenas uma questão problema relacionada a um tópico específico, mas toda a ciência. É como ela joga luz sobre a própria sombra.
PS. O link para a conferência do Feynman é este http://www.fotuva.org/online/frameload.htm?/online/science.htm
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Daniel Christino escreve no Pasmo Essencial. É graduado em jornalismo e filosofia, mestre em filosofia e doutorando em comunicação. Atualmente é professor da Universidade Federal de Goiás.

Muito além do River Raid

Por Daniel Christino.
Eu adoro jogar videogame. Essa confissão já me rendeu alguns olhares estranhos na Universidade. “Mas você não tem algo mais importante para fazer?”, diziam. “Não!”, respondia meio injuriado. Embora seja uma chatice jogar “a sério” qualquer jogo de videogame, pensar sobre o impacto das novas mídias sobre os modelos de produção cultural já canonizados é um campo de estudos acadêmicos cada vez mais promissor.
Sem querer entrar numa de “peer-reviewing”, pelo menos não agora, indico dois artigos muito legais sobre como os estudos sobre games atravessam diversas áreas de pesquisa: Dynamic Lighting for Tension in Games e Tragedies of the ludic commons – understanding cooperation in multiplayer games.
O primeiro deles possui uma ligação bastante clara com o cinema e com a narratologia (ou teoria da narrativa). O modo como um jogo explora os efeitos de luz para compor um determinado clima supõe uma noção de narratividade visual muitas vezes importada do cinema. Por outro lado, os games, por trabalharem com um ambiente completamente virtual e manipulável (dentro de certos limites tecnológico de velocidade de processamento e memória), potencializam os usos possíveis da iluminação para criação destes efeitos. Ao contrário do cinema, os games têm controle completo sobre o ambienta no qual a ação ocorre. No cinema, isso só acontece nas CGI (imagens geradas por computador).

There are many lighting design techniques exhibited in theatre, film, architecture and dance that address the role of lighting on emotions and arousal. Currently, game developers and designers adopt cinematic and animation lighting techniques to enrich the aesthetic sense of the virtual space and the gaming experience. For example, game lighting designers manually manipulate material properties and scene lighting to set a mood and style for each level in the game.

O segundo entende o videogame como um modelo de interação social, ou seja, discute o modo como um contexto de simulação pode iluminar aspectos comportamentais dos indivíduos. O estudo retira sua força da metáfora do jogo e enfatiza uma das suas principais características: a relação entre os jogadores. Mesmo as brincadeiras de amarelinha ou pique-pega podem ser entendidas como simulações. Há um conjunto de regras não-naturais em funcionamento normatizando o modo como a ação pode ou não acontecer. O legal dos videogames é sua capacidade modelar, ou seja, nele possuímos algum controle sobre o ambiente no qual a ação se desenvolve e, por conta disso, podemos isolar ou testar variáveis de modo muito mais preciso. Neste caso os pesquisadores optaram por estudar o modo com o jogo apresenta alguns conflitos e a relação entre a solução destes conflitos e a vida social “real” do indivíduos. Em outras palavras, o artigo pressupõe que a simulação dos games pode nos ajudar a entender melhor a dinâmica social de pequenos grupos. É o caso quando eles estudam a trapaça (cheating) como um dilema social. O game dado como exemplo é o Diablo.

Accounts of cheating in games almost always invoke the eloquent example of Blizzard’s Diablo (Blizzard Entertainment, 1996), among the first truly successful commercial online games. It is generally acknowledged that the gaming experience was seriously affected by the amount of cheating apparent among many participants. In a somewhat informal survey conducted by the gamer magazine Games Domain (Greenhill 1997), 35% of the Diablo-playing respondents confessed to having cheated in the game (n=594). More interesting, however, were the answers to the question of whether a hypothetical cheat and hack free gaming environment would have increased or decreased the game’s longevity and playability. Here, 89% of the professed cheaters stated that they would have preferred not being able to cheat. This response distribution clearly tells of a social dilemma. Arguably, the players queried are tempted to cheat but understanding that this temptation applies to other players as well, would prefer that no-one (including themselves) have full autonomy.

Certo. Os artigos foram linkados a partir do site da Game Studies cuja base de dados encontra-se, hoje, aberta ao público. Há outros tantos em bases de dados restritas. Os games não são apenas diversão interessante, são também objetos acadêmicos relevantes tanto por sua popularidade quando pelas questões que levantam. Estamos muito além do River Raid. Divirtam-se.
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Daniel Christino escreve no Pasmo Essencial. É graduado em jornalismo e filosofia, mestre em filosofia e doutorando em comunicação. Atualmente é professor da Universidade Federal de Goiás.