A tese do ateísmo universitário

Calouros...
Calouros… ¬¬

Nunca fui grande fã do termo “neo-ateísmo”. Inicialmente usado para se referir aos ateus que resolviam emitir suas opiniões sobre religiões e dogmas, em distinção aos “antigos” ateus, calmos, pacatos e respeitosos (um mito, na minha opinião), esse termo sempre me pareceu carecer de conteúdo informativo sobre o que aqueles que eram assim classificados de fato acreditam. Sempre me pareceu ser muito mais uma designação sobre forma do que sobre conteúdo, visto que o que contava para ser classificado como “neo-ateu” era simplesmente o quão vocal, estridente ou agressivo alguém era ao colocar suas opiniões. Não ajudava em nada o fato de muitos críticos dos “neo-ateus” ora usarem o termo de forma pejorativa contra aqueles que feriam sentimentos religiosos, ora criticarem a total ausência de diferença em relação a todos os outros ateus ao longo da história da humanidade, como quem diz que os ateus atuais se julgam inovadores, enquanto na verdade não são. Por esses e outros motivos, eu sempre fico de olho quando alguém parece dar algum tipo de definição sobre os “neo-ateus”. O filosofo David V. Johnson resolveu propor uma tese que ele considerou ser o conceito unificador por trás das ideias de escritores tidos como os lideres do movimento “neo-ateísta”, especificamente Christopher Hitchens, Sam Harris e Richard Dawkins. A tese é deveras simples e pode ser resumida sucintamente da seguinte forma:

“O mundo seria melhor sem religião”

O que me parece uma descrição realmente precisa. Todos os autores acima citados, assim como muitos ateus que conheço, de fato parecem subscrever à ideia de que a crença teísta não apenas é falsa, mas também danosa. Não é de admirar que o estopim de tal movimento foram os atentados de 11 de setembro de 2001, uma das expressões mais diretas dos potenciais riscos do fundamentalismo religioso. Desde então, o movimento neo-ateu parece ter se focado não apenas na falsidade das idéias e dogmas religiosos, mas também na avaliação moral e ética de crenças religiosas. Por exemplo: Dawkins diz que associar ideologias religiosas a crianças é abuso, Harris critica religiosos moderados por acobertar fundamentalistas e Hitchens critica a moralidade do deus do antigo testamento. Um mundo sem tudo isso seria melhor. Johnson, porém, não vê essa tese como sendo válida. Ele apelida ela, jocosamente, de “A tese do ateísmo universitário” (the undergraduate atheist thesis). Segundo ele, para comprovar essa tese, seria necessário

“que nós somemos todas as boas e más consequências de os seres humanos serem religiosos do começo ao fim da história da humanidade e todas as boas e más consequências de humanos não serem religiosos.”

Ou seja, para que a tese seja em princípio corroborada, seria necessária a computação de todos os eventuais males e benefícios de ambas visões de mundo (com e sem religião) e escolher a que soma o maior bem e/ou o menor mal e voilàO ponto de Johnson com esse exercício é mostrar que tal computação seria extremamente complicada de ser realizada e que, então, a empreitada como um todo é uma farsa. Se o mundo seria melhor ou não sem religião seria, segundo a proposta de Johnson, um mistério.

Eu tenho um problema com essa argumentação. Parece que Johnson acredita que a “tese do ateísmo universitário”, como ele chama, é um exercício metafísico, em que criamos mentalmente mundos e avaliamos cenários hipotéticos, erradicando religião não apenas do presente, mas também do passado. Essa é uma idéia absurda. É como argumentar que se alguém não gosta do sabor de rabanetes, ele tem que avaliar se toda a sua vida teria sido melhor sem a fábula da Rapunzel para concluir que tirar rabanetes de sua vida é realmente algo desejável. Similarmente, Johnson parece acreditar que o objetivo dos neo-ateus é construir uma máquina do tempo, voltar ao passado e, sei lá, matar Jesus… ou impedir que ele fosse morto… algo assim.

Se essa forma de pensamento fosse válida, dificilmente teríamos abandonado escravidão ou mesmo tentaríamos abandonar formas de abuso social e econômico, como evidenciado nesse clip do comediante do Luis CK:

[youtube_sc url=”https://www.youtube.com/watch?v=UVTXFsHYLKA”]

Afinal, se a lógica é válida, então a existências das pirâmides do Egito, ou até mesmo do Judaísmo (e por consequência, o Cristianismo e Islãm) deveriam ser levados em conta quando você avalia se escravidão é bom ou não. Ou seja, se você acha que cristianismo faz mais bem do que mal, você nunca poderia ser contra escravidão.

Isso é um exagero, obviamente, para mostrar o absurdo da tese (reductio ad absurdum). No fim, Johnson está errado. A tese neo-ateísta não é que o mundo seria melhor se religião nunca tivesse existido. Talvez ela seja melhor expressada pela ideia de que o mundo está pronto para abandonar as amarras desnecessárias que tornam a religião necessária. E se alguém disser que não há nada de “neo” nesse ateísmo, estará correto:

A religião é a teoria geral deste mundo, o seu resumo enciclopédico, a sua lógica em forma popular, o seu point d’honneur espiritualista, o seu entusiasmo, a sua sanção moral, o seu complemento solene, a sua base geral de consolação e de justificação. É a realização fantástica da essência humana, porque a essência humana não possui verdadeira realidade. Por conseguinte, a luta contra a religião é, indiretamente, a luta contra aquele mundo cujo aroma espiritual é a religião.

A miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da miséria real e o protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração e a alma de situações sem alma. A religião é o ópio do povo.

A abolição da religião enquanto felicidade ilusória dos homens é a exigência da sua felicidade real. O apelo para que abandonem as ilusões a respeito da sua condição é o apelo para abandonarem uma condição que precisa de ilusões. A crítica da religião é, pois, o germe da crítica do vale de lágrimas, do qual a religião é a auréola.

A crítica arrancou as flores imaginárias dos grilhões, não para que o homem os suporte sem fantasias ou consolo, mas para que lance fora os grilhões e a flor viva brote.

 Karl Marx, 1844

E se você me perguntar, taí uma tese e tanto.

Lidando com scammers

Isso é um enorme off-topic.

Ontem recebi essa mensagem:

Saúdo-vos em nome de Jesus.

Eu quero que você leia esta carta muito bem, porque eu sei que você vai se surpreender ao receber a minha carta, mas como um servo do Deus vivo, você deve saber que os nossos caminhos não são os seus aspectos, ele trabalha de muitas maneiras e todas as coisas contribuem para o bem para aqueles que acreditam em Jesus Cristo.

Por favor, não ignore esta mensagem porque você está escolhendo para trabalhar neste projeto.

Eu sou a Sra. Ella Baker Joice de Reino Unido, eu sou casada com chefe. Steve George Baker antes de morrer de um ataque de calor que duram apenas 1 dia.

Meu falecido marido era muito rico homem de negócios e depois de sua morte, eu herdei todos os seus negócios e riqueza.

Recentemente, o meu médico deixou claro para mim que eu não posso viver por mais de um mês, então agora eu decidi compartilhar parte de nossa riqueza, contribuir para o desenvolvimento de orfanatos na África, Ásia, América, América do Sul e Europa para Deus todo-poderoso que tenha misericórdia sobre a minha alma e minha alma marido sempre que podem ocorrer.

Eu escolhi você, depois de visitar o diretório local e orei sobre isso antes de eu decidi doar parte dos recursos através de você para ajudar os menos privilegiados, eu estou disposto a doar a soma de US $ 750.000 (setecentos e cinquenta mil dólares Estado Unidos ) para a obra de Deus. Quero que este fundo para ser usado em atividades cristãs como, orfanatos, escolas cristãs e Igrejas para propagar a palavra de Deus.

Eu também quero que você saiba que o fundo está deitado em um banco aqui em Londres, Reino Unido Uma vez que eu ouvi-lo; Vou escrever um cheque em seu nome para que você sacar o fundo em qualquer banco de sua escolha no seu país.

Eu sinceramente rezo para que este fundo quando se está na sua posse que você vai usá-lo para o propósito, como eu disse, porque eu vim a descobrir que a aquisição de riqueza, sem a caridade é vaidade. Se você estiver disposto a me ajudar a lidar com este projeto em sua área por favor envie-me com as informações abaixo, conforme listado abaixo para eu escrever oficialmente um cheque em seu nome.

Seu nome completo /

Profissão / seu país

Assim que eu receber essa informação de você eu vou instruir o banco para emitir-lhe o fundo em um cheque para que você sacar o fundo em qualquer banco de sua escolha no seu país para a expansão do reino de nosso Senhor Jesus Cristo, porque ele vive.

Sempre rezo para que a graça de nosso Senhor Jesus, o amor de Deus ea comunhão de Deus esteja com você e sua família.

Que Deus abençoe você como você fazer o seu trabalho

Por favor, se você não pode ser capaz de lidar com este projeto por favor me avise com urgência para permitir-me olhar para alguma outra pessoa que pode lidar com esse projeto imediatamente, porque eu não consigo entender o que acontece comigo para os próximos minutos, e não é bom para abandonar este fundo no banco, enquanto há muitas crianças que sofrem, as crianças de rua são incontáveis.

Aguardo a sua resposta urgente em breve.

Sua irmã em Cristo.

Irmã Ella Baker Joice

Não sei se o português mal escrito era para adicionar verossimilitude à mensagem. De qualquer forma, não consegui me conter e acabei redigindo uma resposta.

Ola Irmã!

Uau, é um enorme prazer receber tal mensagem, mas fiquei com algumas dúvidas: inicialmente, porque me escreves em português, sendo que não apenas falo inglês como também moro nos Estados Unidos? Ou porque seu e-mail é do provedor “bol”, que significa Brasil On Line, e termina em “.br”? Bem, acredito que existam explicações perfeitamente adequadas para essas questões!

De qualquer forma, fico honrado e surpreso com a proposta, ainda mais visto que eu estava em alguma base de seu diretório local. Digo isso pois sou abertamente ateu e não sei como uma cristã rica inglesa com um e-mail brasileiro teria meu email em qualquer base de dados, ainda mais que acharia provável que eu fosse um candidato razoável para perpetuar a obra de Deus. Mas bom, como dizem por ai “Deus escreve certo por linhas tortas”, e não consigo encontrar maneira mais torta do que me usar para cumprir seu trabalho. Boa jogada, Jesus…. boa jogada.

Agora, me pergunto que tipo de projeto eu poderia desenvolver pela glória dele. Afinal, não apenas sou ateu como também cientista. Não me entenda errado, eu não considero que todas as religiões são anti-científicas. Apenas algumas. Cristianismo? Em grande parte. E aí vive o dilema: como conciliar isso com sua mais que generosa e claramente verídica proposta? Não é uma tarefa fácil, mas acredito que tenha uma solução: o dinheiro poderia ser usado para a criação de uma fundação para o avanço da Ciência e da Razão, voltado principalmente ao ensino de pensamento crítico em comunidades carentes, ensinado o valor de lógica em nossas vidas cotidianas.

Visto que o cristianismo tem uma longa tradição de pensadores e filósofos, acredito que até esse tipo de projeto poderia ser avançado como ponto de harmonia entre nossas visões de mundo. Apenas pense no benefício para essas pessoas, que deixariam de acreditar em coisas absurdas como astrologia, políticos, que vai ser “só a cabeçinha”, ou charlatões que tentam roubar suas informações financeiras por e-mail.

O que me diz?

Best!,

F.

É obvio que 5 minutos de busca na internet mostram que esse texto está circulando desde, no mínimo, 2012, com diferentes nomes da tal “irmã”. A inclinação religiosa da mensagem é particularmente repulsiva, pois tenta se valer de algo importante para as pessoas apenas para arrancar dinheiro delas. O que não é inesperado: religião, ainda mais cristianismo, ajuda a formar um sentimento de fraternidade que vai além dos laços familiares, tribais e nacionais, e pessoas abaixam a sua guarda quando o golpista se faz passar por alguém de dentro de seu ciclo social.

Mas eu não estou brincando quando acho que pensamento crítico deveria ser ensinado para o publico como algo útil e prático. E digo isso com conhecimento de causa: eu já fui vitima de um golpista, e perdi quantidades consideráveis de dinheiro, tempo e cabelo com isso. Em retrospecto, um pouco mais de ceticismo teria me salvado.

Algumas vezes me pego desejando a existência de um inferno para essas pessoas. Talvez por isso Dante tenha jogado fraudadores no penúltimo ciclo do inferno, perdendo apenas para o ciclo dos traidores, que comportavam figuras como Caim, Brutus e Judas.