A vida por um nariz

O olfato talvez seja o sentido mais maltratado pela modernidade, depois da audição (sobre a negligência com a audição veja esta aula do maestro Daniel Barenboim). Cheiros desagradáveis de produtos de limpeza, de aparelhos de ar condicionado sujos e de fumaça de automóveis predominam na paisagem olfativa que percebem os poucos habitantes de São Paulo com o nariz descongestionado.

Que a situação é terrível para a memória dos paulistanos, dá para concluir da reportagem “Nariz, uma Máquina do Tempo Emocional”, de Natalie Angier, do New York Times, sobre o Simpósio Internacional sobre Olfatação e Paladar , que aconteceu em julho, em San Francisco, Califórnia. Segundo Angier, pesquisadores estudam terapias que usam cheiros para tratar perda de memória, demência e depressão.

Leia este trecho em que Angier explica a conexão entre olfato e memória:

Por um lado, diz Jay A. Gottfried da Universidade Northwestern, o olfato é o nosso sentido lento, pois ele depende de messagens trazidas não à velocidade da luz ou do som, mas ao passo muito mais lento de uma brisa passageria, um punhado de ar enriquecido com o tipo de molécula pequena e volátil que os nossos receptores de odor nasais podem ler. Ainda assim, o olfato é o nosso sentido mais rápido. Enquanto novos sinais detectados por nossos olhos e nossos ouvidos têm de primeiro serem assimilados por uma estação estrutural chamada de tálamo antes de alcançar as regiões interpretativas do cérebro, mensagens odoríferas seguem ao longo de caminhos dedicados direto do nariz até o córtex olfatório do cérebro para processamento instantâneo.

Muito importante, o córtex olfatório está imerso dentro do sistema límbico e amigdala do cérebro, onde nascem as emoções e as memórias emocionais são armazenadas. É por isso que cheiros, sentimentos e memórias tornam-se tão facilmente e intimamente entrelaçados, e porque o simples ato de lavar pratos fez recentemente a prima da Dra. Herz [Rachel Herz, da Brown University] entrar em colapso e chorar. “O cheiro do sabão para os pratos fez ela lembrar de sua avó”, disse Dr. Herz, autora de “The Scent of Desire”.

(Em tempo, fiquei sabendo que o artigo da Angier fez sucesso nas redações brasileiras. A Veja, o Estadão e o G1 traduziram o texto na íntegra.)

Se você ainda duvida da importância do olfato na sua vida,precisa ler o relato comovente de Elizabeth Zierah, publicado pela Slate, sobre as misérias de ser um anosmico–termo médico para a pessoa que perdeu o senso olfativo:

(…) A medida que passavam os dias sem odores e sabores, sentia-me aprisionada dentro de minha própria cabeça, uma espécie de claustrofobia corpórea, disassociada. Era como se estivesse assistindo um filme da minha própria vida. Quando vemos os atores em uma cena de amor, aceitamos que não podemos cheira o suor; quando eles tomam um gole de vinho, não esperamos saborear as uvas. É assim que me sinto, como um observador assistindo o personagem de mim mesma.(…) Sabor e cheiro estão intimamente ligados, então quando perdi meu sentido de olfato, perdi também meu apetite. Enquanto as papilas gustativas detectam doce, salgado, azedo, amargo e umami, são as células olfatórias no nariz que nos permitem apreciar as complexidades deliciosas do sabor. Minhas papilas gustativas funcionam perfeitamente, mas sem o olfato, cada refeição é uma variação de doce, salgado, azedo, amargo, ou cartolina vagamente apimentada. Durante o primeiro ano de adaptação à anosmia, perdi oito libras de peso porque tinha de me forçar a comer.(…)não sendo capaz de cheirar a si própria torna a higiene pessoal incrivelmente estressante.(…)Mesmo depois do ritual usual de limpeza–chuveiro, desodorante, escovar os dentes–ainda tenho uma medo desconfortável de ter esquecido de algo. E se estou fedendo sem saber? E se tenho alguma porcaria na sola do meu sapato, e onde quer que vá deixo uma trilha de sujeira? Não sou apenas perseguida pelo medo de feder; eu também acho a vida mais perigosa. Queimei comida e derreti tigelas tantas vezes que deveria ser declarada um risco de incêndio ambulante.(…)

Discussão - 2 comentários

  1. Igor Santos disse:

    Eu já fiquei temporariamente anósmico por alguns dias.
    Me senti bastante desconfortável e, como o relato, dissociado do mundo, mas não cheguei a considerar o risco de saúde ou o constrangimento social.
    Assustador ter que conviver com algo assim para sempre!

  2. Joseane Lúcio Rodrigues disse:

    O depoimento de Elizabeth descreveu exatamente o que sinto a 5 anos, tenho perda total do olfato e sei bem o que é isso, não morro por isso, mas é bem chato!

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