Escreva mal, destrua a Terra
Este é o ganhador do 3º Concurso de Cartoons Editoriais de Intergridade Científica, promovido pela UCS (União dos Cientistas Responsáveis), nos EUA:
- Cientista: “Pesquisa Conclui: ESTAMOS DESTRUÍNDO A TERRA”
Governo: “Você poderia, por gentileza, parafrasear isso em termos equívocos, inacurados, vagos, interesseiros e indiretos de maneira que possamos entender?” Crédito: Justin Bilicki
O concurso, de acordo com a UCS, é um protesto contra a interferência do governo no trabalho dos cientistas norte-americanos. Um relatório da UCS lista uma série de casos em que cientistas trabalhando para o governo foram censurados por razões políticas. O relatório é curiosamente organizado na forma de uma tabela periódica dos elementos químicos, onde cada elemento representa um dos casos. No elemento Carbono, por exemplo, está o link para o caso do pesquisador Pieter Tans, do Noaa (agência de pesquisas oceânicas e atmosféricas dos EUA), que foi obrigado pelo diretor de seu laboratório a não usar as palavras “mudanças climáticas” nos títulos das apresentações de uma conferência sobre gás carbônico na atmosfera que estava organizando, em 2005.
Veja você, o poder da palavra.”O mal uso da língua induz o mal na alma”, dizia Sócrates. “Ele não estava falando de gramática”, explica a escritora Ursula Le Guin, em suas palavras a um jovem escritor. “Usar mal a língua é usá-la da maneira que políticos e publicitários a usam, por lucro, sem assumir responsabilidade pelo o que as palavras dizem.”
E repare na fala do governo, no cartoon: “Você poderia, por gentileza, parafrasear isso em termos equívocos, inacurados, vagos, interesseiros e indiretos de maneira que possamos entender?” Enquanto a fala do cientista é uma frase completa e curta com sujeito, verbo e predicado, o pedido do governo inclui uma lista de palavras abstratas que em si já é equívoca, inacurada, vaga, interesseira e indireta. Um livro muito interessante que sempre começo a estudar e nunca termino fala exatamente sobre o fenômeno da “nominalização” e como evitá-lo. “A medida que as sociedades vão se tornando intelectualmente maduras, têm se afirmado, seus escritores tendem crescentemente a substituir verbos específicos por nomes abstratos. Isso aconteceu com a prosa em sânscrito, em muitas línguas da Europa ocidental, e parece estar acontecendo com o inglês moderno”, diz Joseph Williams em seu livro Style.
Veja este exemplo de frase obscura por causa do excesso de substantivos abstratos, extraído do “Style”:
“A estimativa corrente é de uma redução de 50% na introdução de novos produtos químicos no momento em que a concordância com a Notificação de Manufatura Preliminar torne-se um requerimento de acordo com a legislação federal.”
Agora, veja a frase reescrita, com os substantivos abstratos substituídos por frases com verbos específicos:
“Se o Congresso requiser que a indústria química concorde com a Notificação de Manufatura Preliminar, estimamos que a indústria introduza 50% menos novos produtos.”
Sei que estou redescobrindo a América aqui, com meu comentário de que políticos falam difícil de propósito para nos enganar. Agora, para não dizerem que estou fazendo apologia aos cientistas, como todo estudante de graduação pode confirmar, dá para contar nos dedos os cientistas capazes de se expressarem claramente.
O uso exagerado do jargão e da voz passiva sustenta verdadeiros monstros parasitas no meio acadêmico, que enganam seus pares e seus alunos.O epidemiólogo Bill Hanage discute o problema do jargão neste ensaio publicado no Lab Lit. Hanage conclui com uma receita para desmascarar os monstros: “(…) não devemos ter medo de perguntar quando não entendemos uma palavra ou termo que alguém usou. Nenhuma pergunta é estúpida; é muito mais estúpido permanecer ignorante, e mais estúpido ainda se deixar enganar por um idiota impostor que nem mesmo entende o que ele mesmo pensa.”
Discussão - 4 comentários
Genial o texto, existe um texto que acompanha bem o seu:
http://michaelnielsen.org/blog/?p=456
Talvez escreva sobre isso depois.
\Testes científicos comprovam\ que 99% dos publicitários nunca usaram os produtos que anunciam... Nesse ponto, eu sigo Isaac Asimov: \Quando eu não entendo o que um escritor disse, eu parto do pressuposto de que ele escreve mal\.
Falando em Asimov: no "Fim da Eternidade", um personagem vindo do futuro vê um anúncio e, quando lhe explicam o que é, ele diz, incrédulo, algo como, "pô, os caras pagavam outros pra falar bem do produto deles e a população em geral levava isso a sério?"
Salve,
Parabéns Igor, assunto interessante e texto brilhante!
Abraço.