Descobertas da Semana, 17/01/2009
Resumo e análise de cinco assuntos importantes de ciências físicas que foram destaque na imprensa na semana de 12 a 16 de janeiro.
Ano da Astronomia começa com apagão de megaestrela
+ Poluicão luminosa
O Ano Internacional da Astronomia começou oficialmente em cerimônia em Paris, França, nesta quinta-feira. Aqui no Brasil, porém, houve motivo para comemorar mais cedo.
Na madrugada de segunda-feira, por um telescópio em La Serena, no Chile, o astrônomo brasileiro Augusto Damineli e seus colegas observaram a estrela Eta Carina–a mais massiva já descoberta, com 100 a 150 massas solares–diminuir seu brilho em certos comprimentos de onda (via Folha de S. Paulo). O “apagão” aconteceu na data prevista por Damineli com precisão de dias e reforça a sua teoria de que Eta Carina é na verdade um par de estrelas extremamente gordas. A cada 5 anos e meio, o par se aproxima tanto que suas camadas externas colidem, causando o apagão.
Um dos nossos astrônomos mais importantes, Damineli coordena as atividades no Brasil do Ano Internacional da Astronomia, uma celebração dos 400 anos do nascimento da astronomia e da ciência modernas, organizada pela União Astronômica Internacional, com apoio da Unesco. Uma série de programas em mais de 135 países vai mostrar a importância da astronomia na nossa cultura e sociedade, além de incentivar as pessoas a apreciar o céu noturno.
Um programa importante será o de combate à poluição luminosa. Um quinto da população mundial não enxerga a Via Láctea de noite, por causa da iluminação mal feita que emite mais luz para o céu do que ilumina o chão (via Wired). Além de encobrir o espetáculo do Universo, esse desperdício de energia elétrica confunde aves e outros animais migratórios, os levando à morte, além de prejudicar a saúde humana (leia este artigo na Nat Geo). O Ano da Astronomia tem de resultar em novas leis que regulem a iluminação pública e privada nas cidades. Fiquemos de olho nos astros e nos políticos…
(P.S. p/ físicos: Uma simulação computacional publicada na Science de hoje mostra o papel de instabilidades do tipo Rayleigh-Taylor na formação de grupos de estrelas maiores que 20 massas solares, como a Eta Carina.)
Energia dos ventos é a melhor + mudanças climáticas vão resolver crise financeira global? + geoengenharia vale a pena?
Evitar catástrofes climáticas exige que o despejo de dióxido de carbono na atmosfera atinga seu máximo antes de 2020 e começe a cair até que, em 2050, as atividades humanas absorvam mais carbono do que emitem, concluiu um relatório do Instituto Worldwatch.
A meta não será atigida, porém, se governantes patrocinarem as fontes de energia erradas, alerta Mark Jacobson, especialista em energia eólica da Universidade de Stanford (EUA). Ele calculou o que aconteceria se toda rede elétrica e frota de veículos dos EUA fosse movida por um único tipo de combustível alternativo ao petróleo e, a partir dai, criou um ranking das energias alternativas com menor impacto no meio mabiente e na saúde (via New Scientist).
As opções que atraem mais fundos e atenção do governo, como biocombustíveis, energia nuclear e “carvão limpo” (captura dos resíduos da queima de carvão, injetando o carbono de volta ao subterrâneo) são de 25 a 1.000 vezes mais poluentes do que as do ranking de Jacobson, cujo campeão é a energia dos ventos capturada por turbinas.
A afirmação soa suspeita na boca de um especialista em energia eólica, mas o estudo parece sério e, de acordo com o press release da Univ. de Stanford, “Jacobson não recebeu nenhum financiamento de qualquer grupo interessado, companhia ou agência governamental”.
Aqui no Brasil, Fernando Barros Martins e seus colegas também defendem mais investimento em energia eólica, neste artigo publicado no começo de 2008 na Revista Brasileira de Ensino de Física (via Agência Brasil. Humm… estaria a Ag. Brasil divulgando esse artigo só agora para desviar a atenção do plano vergonhoso do governo federal de construir 68 usinas termoelétricas movidas a combustíveis fósseis até 2017?).
Jacobson defende outra idéia que parece cada vez mais popular: investir em energias renováveis vai gerar os empregos necessários para sair da crise econômica mundial.
Também nos EUA, o ativista político Van Jones faz pressão em Washington para que pobres e desempregados sejam a força motriz da reforma que a infraestrutura americana precisa para se tornar sustentável (via The New Yorker). No Reino Unido, a organização Green New Deal tem um plano de salvar a economia com “empregos verdes” (via BBC).
Uma reforma radical na economia é mamão com açucar, perto de projetos que pretendem mitigar o aquecimento global na marra. Uma das idéias da chamada geoengenharia global é despejar toneladas de nutrientes nos oceanos para forçar uma explosão de crescimento de algas microscópicas (fitoplâncton) que absorveriam carbono durante a fotossíntese e por fim morreriam, seus microcorpos afundando no leito oceânico. Assim, bilhões de toneladas de CO2 seriam retirados da atmosfera a cada ano, dizem as empresas que pretendem ganhar dinheiro com a venda
de créditos de carbono de projetos de fertilização oceânica.
Em 2007, uma convenção das Nações Unidas proibiu experimentos de fertilização oceânica que não sejam em pequena escala e em regiões costeiras, até que se esclareça quais as suas consequências nos ecossistemas marinhos.
Esta semana, porém, foi por pouco que um navio não despejou 20 toneladas de sulfato de ferro em uma área de mar de 300 km2 entre a Argentina e a Península Antártica, próxima à bela Ilha Georgia do Sul (via Nature News). A expedição hindo-alemã LOHAFEX seria o sexto experimento de fertilização oceânica desde 1993. Foi aprovada pelo ministro do meio ambeinte da Alemanha, que voltou atrás após críticas e suspendeu o experimento até que nos próximos 10 dias uma comissão independente analise os riscos ao meio ambiente.
Menos megalomaníaca que a feritilização oceânica, uma nova proposta de geoengenharia se aproveita da mais velha das geoengenharias–a agricultura. Em um artigo no periódico Current Biology, Andy Ridgwell e colegas da Universidade de Bristol (Reino Unido) propoem selecionar variedades de plantações com folhas mais brilhantes, capazes de refletir mais luz solar do que absorvem para resfriar no verão as zonas temperadas da América do Norte e da Eurásia e assim impedir o surgimento de ondas de calor mortais. No blog do jornalista Oliver Morton há uma discussão interessante dessa proposta e outras semelhantes.
Para concluir o assunto da geoengenharia, fico com o pensamento de Gavin Schimdt, do blog Real Climate: “Então, a solução para a conhecida influência humana cada vez maior no clima é um sistema mais elaborado de controle do clima? Ou a pessoa balançando a canoa devia simplismente se sentar?” (link)
Lua primitiva era magnética como a Terra

A rocha na foto acima veio da Lua. Foi trazida pelo único geólogo a passear por lá, o astronauta Harrison Schmitt, da última missão tripulada ao satélite, a Apollo 17, em 1972. Batizada de troctólito 76535, a rocha é a única amostra trazida da superfície da Lua que não mostra nenhum sinal de ter sofrido o impacto de meteoritos. É um relíquia quase intacta do tempo em que a Lua se formou da fusão dos destroços da colisão da Terra com um meteoro do tamanho de Marte, bilhões de anos atrás.
Pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA) examinaram as propriedades magnéticas do troctólito com uma precisão 10 vezes melhor que estudos anteriores. Em seguida, compararam seus dados com o de uma análise da proporção de dois isótopos de argônio que reconstituiu o perfil de temperatura da rocha ao longo de bilhões de anos. Concluiram que há 4,2 bilhões de anos, havia na Lua um campo magnético constante, 50 vezes menor que o terrestre.
Segundo o estudo, esse campo era provavelmente gerado pelas correntezas de ferro líquido no núcleo ainda quente da jovem Lua, exatamente como a Terra até hoje produz o seu campo magnético.
(Será que havia auroras polares na Lua como as terrestres? Há bilhões de anos a Lua estava bem mais próxima da Terra. Só posso imaginar o espetáculo da Lua, enorme no céu, com auroras, vapores, vulcões, rios de lava …)
A pesquisa publicada na Science de hoje é mais uma evidência contra a crença de que corpos menores que Marte não poderiam ter campos magnéticos constantes, apenas campos passageiros produzidos durante impactos com meteoros. Agora, parece que não só a Lua, mas outros corpos pequenos como Mercúrio e luas de Júpiter e Saturno possuem traços de campos magnéticos ancestrais. (Fontes: MIT, ScienceNOW, Nat. Geo. News)
Ressonância magnética enxerga vírus em 3D


A série de imagens em preto-e-branco acima pode não ser bonita mas vai deixar bioquímicos felizes. Cada quadro é o perfil da estrutura interior de um vírus da espécie “mosaico do tabaco” com uma resolução menor que 10 nanômetros. Elas foram obtidas com uma nova técnica que produz “o raio X” do interior de um vírus, sem de fato usar raios X.
A técnica desenvolvida por pesquisadores do Centro de Pesquisa Almaden da IBM (EUA) e descrita em um artigo na PNAS é uma versão 100 milhões de vezes mais sensível da ressonância magnética usada em hospitais. Um campo magnético oscilante faz os núcleos dos átomos de hidrogênio das moléculas orgânicas produzir seu próprio campo magnético em resposta que é registrado em imagens.
Na versão nanométrica, a amostra de vírus é cuidadosamente posta sobre a superfície de um peça móvel de silício (em foto de microscopia por varredura de elétrons, na imagem mais acima). Os núcleos de hidrogênio do vírus vibram em resposta ao campo magnético da ponta de uma agulha magnetizada próxima da amostra. A vibração dos hidrogênios faz a peça de silício se mexer. O movimento da peça é registrado por um feixe laser. Um software processa os sinais do laser e da agulha para criar as imagens. Tudo precisa ser feito em temperaturas abaixo de zero, para que as vibrações térmicas não atrapalhem nas medidas.
A resolução das imagens é similar a de outras técnicas em uso. Entretanto, ao contrário da cristalografia por raios X, a nova técnica permite enxergar a estrutu
ra de proteínas que não podem ser cristalizadas. E, ao contrário da microscopia por força atômica e da microscopia de varredura por tunelamento, será possível com o aprimoramento da técnica enxergar a estrutura atômica interna de amostras biológicas (Fontes: NYT, RSC e Nature News).
Marte emite metano que pode ser sinal de vida, ou não…
+ Cristais inorgânicos imitam formas orgânicas

Astrônomos norte-americanos descobriram que a superfície de Marte emite gás metano em uma quantidade que sugere a possibilidade de microorganismos vivendo no subsolo.
Em 2003, ao longo do verão do hemisfério norte marciano, astrônomos observaram Marte por dois telescópios no Havaí (EUA) e detectaram um gás na atmosfera do planeta absorvendo três faixas estreitas de comprimentos de onda de luz infravermelha características do metano (CH4).
Em 2006, a quantidade de metano em Marte era metade da observada em 2003, o gás destruído por uma série de reações químicas (vejam estes slides da Nasa), entre elas a quebra das moléculas de metano pela radiação solar.
Analisando as observações, os pesquisadores criaram um mapa que revela três regiões do planeta de onde o metano parece ter sido emitido. As três regiões mostram sinais de gelo de água no solo.
Os pesquisadores têm duas hipóteses preferidas para explicar as emissões. A mais prosaica seria a de que algum processo geológico do passado, como vulcões, ou um processo ainda ocorrendo, como a oxidação de ferro das rochas, produziu depósitos subterrâneos de metano debaixo da camada de solo congelado (permafrost). Durante o verão, o metano vazaria por rachaduras no premafrost.
A hipótese mais ousada é a de que os depósitos de metano seriam produzidos pelo metabolismo de microorganismos semelhantes a bactérias terrestres capazes de viver no subterrâneo, usando hidrogênio da quebra de moléculas de água por radiatividade como fonte de energia.
Não há evidências suficientes para descartar uma ou outra hipótese. Os pesquisadores consideram ainda que a origem do metano possa ser a colisão de cometas ou asteróides. A pesquisa foi publicada online pela Science. (Fontes: Nasa e New Scientist).
Essa ambiguidade entre biológico e mineral também aparece em outro estudo publicado nesta edição da Science. Juan Manuel Garcia-Ruiz e colegas filmaram passo a passo como oscilações no pH de uma solução química produzem cristais de carbonato de bário e silica, com lindas formas microscópicas arredondadas.
Vejam as imagens, cortesia do Laboratório de Estudos Cristalográficos da Universidade de Granada:





São chamadas de biomorfos, por serem parecidas com formas cristalinas produzidas com a ajuda de moléculas sintetizadas por organismos vivos. Garcia-Ruiz demonstrou a exsistência de biomorfos pela primeira vez em 2003. Antes disso, acreditava-se que cristais inorgânicos só podiam ter formas retas e que cristais curvos encontrados em rochas terrestres ou no famoso meteorito ALH 84001 vindo de Marte eram sinais inequívocos de atividade biológica fóssil. (Fontes: Eurekalert! e Nat.Geo. News)
Colecionador tem areia de quase 1000 praias do mundo inteiro

O encarte de ciência do NYT desta semana traz o perfil de um geofísico que coleciona areia de praias de todo o mundo.
Robert Holman, da Universidade Estadual do Oregon (um estado dos EUA com praias lindas, aliás) possui uma coleção de mais de 860 amostras de todos os continentes, coletadas por ele ou doadas por conhecidos. A variedade dos grãos depende dos minerais nas rochas da região e das ondas.
Os grãos não ficam parados na praia; são transportados pelas ondas e polidos durante o processo. A diferença entre os tamanhos dos grãos das praias, por exemplo, informa o movimento das ondas ao longo da costa.
Vários entusiastas como Holman formam uma sociedade internacional de colecionadores de areia.
A coleção ajuda no trabalho de pesquisa de Holman, de monitorar a erosão costeira. Ele criou um sistema computadorizado de monitoramento por câmeras de vídeo, chamado de Argus, usado inclusive no Brasil. LINK
Crédito da foto: Sean O’Flaherty, Wikimedia Commons
Faça sua taça de vinho cantar
Ah, eu já fiz esse truque! Em um jantar com amigos, foi muito engraçado, todos queriam também fazer sua taça de vinho cantar. Só tome cuidado para não quebrar o vidro…
Basta esfregar de leve e em círculos o dedo molhado na borda da taça com a velocidade certa que a taça começa a vibrar, produzindo um zumbido de tonalidade definida. A freqüência do som depende de quanto líquido há na taça. Quanto mais cheia a taça, mais difícil ela vibra e menor a freqüência do som.
Lembrei disso por causa de um artigo publicado no arXiv por pesquisadores israelenses que fizeram duas taças próximas uma da outra cantarem juntas, esfregando apenas uma delas. A taça parada ao lado da taça cantante recebe as vibrações da vizinha e começa a cantar também, no mesmo tom. Os autores do experimento mediram as vibrações com uma aparelhagem simples, que dá para montar em qualquer laboratório didático de física. (via the physics arXiv blog)
Matemática aplicada vai salvar a África
Semanas atrás, perdi a oportunidade de participar da blogagem coletiva sobre a África, promovida pelo Lablogatórios. Vale a pena conferir os posts sobre esse continente ao mesmo tempo tão vital e esquecido. Os links você encontra no blog Raio-X, aqui, aqui e aqui.
Para me redimir, chamo atenção a um projeto que pode muito bem fazer com que “o próximo Einstein” seja um africano. Esse, aliás, é o slogan do projeto, encabeçado pelo físico sul-africano Neil Turok, um dos três ganhadores do prêmio TED de 2008, que reconhece pioneiros das artes e ciências.
Turok conta em seu discurso de premiação do TED que, aos 17 anos, quando era professor voluntário em Lesoto, percebeu pela primeira vez como muitas crianças inteligentes, com talento para matemática e ciências, acabariam na melhor das chances trabalhando como operários nas minas de diamante do país.
Utilizando seus contatos de físico teórico conceituado e professor na Universidade de Cambridge–que incluem o famoso Stephen Hawking–, Turok arrecadou dinheiro e voluntários para criar o Instituto Africano de Ciências Matemáticas (AIMS, em inglês).

Todo ano desde 2003, uma turma de estudantes de graduação e pós-graduação africanos é selecionada para um curso intensivo de 9 meses no prédio do instituto–um antigo hotel de luxo de 18 quartos, em Muizenberg, próximo a Cidade do Cabo, África do Sul. Os estudantes moram ali, junto com os professores visitantes de universidades sul africanas, norte-americanas e européias. As aulas e a convivência com os professores fora delas preparam os estudantes para serem aceitos nas melhores universidades do mundo. Vejam os depoimentos de alunos e ex-alunos na página do projeto no YouTube.
Nos próximos 5 anos, Turok espera criar 15 institutos como esse espalhados pelo continente (um deles já foi inaugurado, em Abuja, Nigéria) formando uma rede colaborativa, a AMI-Net. Dá para acompanhar o progresso do projeto neste blog e na página NextEinstein.
Conferindo as fotos dos estudantes do AIMS, o que me espanta é a diversidade de etnias convivendo em uma turma. Me faz lembrar que em colaborações científicas internacionais como o LHC, físicos indianos e pasquitaneses, árabes e israelenses trabalham lado a lado. A colaboração científica internacional vai trazer paz ao mundo. Nada me convence do contrário.
Físicos enxergam “universo” em gota d’água

Gotas d’água que levitam e giram pela força de campos eletromagnéticos podem ajudar a entender planetas, núcleos atômicos e até buracos negros. Até parece que, como canta o Chico, qualquer interação pode ser a gota d´água…
Quando giram rapidamente, as gotas criadas pelos físicos Richard Hill e Laurence Eaves, da Universidade de Nottingham (Reino Unido) se transformam em “amendoins” e triângulos.
A tecnologia que faz as gotas pararem no meio do ar é a mesma que fez um sapo levitar, em uma pesquisa ganhadora do infame Prêmio IgNobel, em 1997. Um campo magnético 10 vezes mais intenso que o de um imã de autofalante faz com que a água das gotas produza seu próprio campo magnético em reposta. “A força magnética [da água] contrabalança a força da gravidade em nível molecular, por todo o objeto”, explicou Hill. “Podemos investigar como as coisas se comportam no espaço, aqui no solo.”
Em “gravidade zero”, a gota que teria normalmente a forma de uma lágrima vira uma esfera perfeita. Se a gota começar a girar em torno de si mesma, porém, o equilíbrio entre a coesão das moléculas e a tendência da água de “escapar pela tangente”, faz a gota assumir o formato de um bola de futebol americano ou de uma melancia.
Cálculos teóricos feitos em 1980 sugeriam que à medida que girasse cada vez mais depressa, a gota-melancia assumiria a forma de um amendoim, depois a de um triângulo arredondado, podendo chegar até ao extremo da forma de uma rosquinha. Segundo os cálculos a forma triangular seria muito instável. Experimentos em órbita chegaram a ver de relance gotas triangulares, mas que logo se desmanchavam.
Agora, no conforto de seu laboratório bem aqui na Terra, Eaves e Hill fizeram gotas flutuantes girarem graças à força de correntes elétricas passando por um par de pequenos eletrodos nelas. Os pesquisadores gravaram vídeos das gotas com mais ou menos 1,5 cm de diâmetro, girando em várias velocidades, chegando até seis rotações por segundo. As gotas assumiram todas as formas previstas pela teoria, exceto a forma de rosquinha.
Eles ficaram surpresos ao verem que, diferente do previsto, suas gotas triangulares eram estáveis. Hill explica que, de alguma forma ainda desconhecida, pequenas ondas na superfície da gota provocadas por variações na corrente elétrica passando pelos eletrodos mantêm intacta a forma de triângulo. “Gostariámos de fazer mais estudos para investigar esse efeito”, disse.
Controlando essas ondas de superfície, os pesquisadores conseguiram também moldar as gotas girando, de modo a assumir as formas estáticas de um quadrado e um pentágono.
Veja as gotas girando neste vídeo, junto com outras experiências de levitação magnética do mesmo laboratório:
A dupla de físicos afirma, em seu artigo científico no periódico Physical Review Letters de 5 de dezembro, que estudar o comportamento dessas gotas pode ajudar a entender objetos criados por outros tipos de forças coesivas, como a força nuclear e a gravitacional, sugerindo que certos núcleos atômicos ou planetas girando tenham formas semelhantes as das gotas.
Vitor Cardoso, do Instituto Superior Técnico de Lisboa (Portugal), é um entusiasta dessa analogia. Ele explica que, se o universo tiver mais dimensões espaciais do que três, como sugere a cosmologia da teoria das supercordas, então as mesmas equações que descrevem as gotas líquidas servem para descrever buracos negros–regiões no espaço normalmente esféricas, onde a gravidade é tão forte que nada escapa de dentro. “Estamos a tentar compreender agora se buracos negros com forma de amendoim ou outras formas podem existir”, disse Cardoso.
Mais cauteloso é o astrônomo também português Pedro Lacerda, da Universidade do Havaí (EUA). Lacerda observa o brilho fraquíssimo de planetas anãos orbitando o Sol em uma região além de Plutão, chamada de cinturão de Kuiper. Lacerda explica que ali devem existem objetos em forma de amendoim. “Eles nem precisam de rodar muito depressa”, ele disse. “Têm é que termassa suficiente para que a sua forma seja moldada pela auto-gravidade e não pela força do material de que são feitos (gelo e poeira). Um bom exemplo é o objeto Haumea“.

Se a analogia com as gotas for válida, então talvez existam planetas anãos triangulares. “Seria muito interessante se os encontrasse”, disse Lacerda.
Quanto a comparar núcleos atômicos com gotas líquidas, a física Alinka Lépine, da Universidade de São Paulo, explica que certas propriedades do núcleo há muito tempo são explicadas dessa maneira. Se sabe, por exemplo, que núcleos que giram depressa têm forma de melancia. “Há evidências recentes que apontam para a existência de núcleos ainda mais deformados”, ela disse. Hill e Eaves sugerem que suas gotas possam ajudar a entender esses núcleos hiperdeformados.

Por enquanto, Hill conta que planeja continuar o experimento para ver se consegue produzir as outras formas, como a de rosquinha. “Se ela é alcançável, não sabemos, porém”, ele disse.
Figura 1: gota triangular girando três vezes por segundo.
Figura 2: Planeta anão Haumea, crédito: Wikimedia Commons
Figura 3: Gráfico das formas teoricamente possíveis de uma gota girando, em função de sua velocidade e momento angular. Extraído daqui.
Brinquedos científicos divertem crianças e adultos
Tim Rowett coleciona artefatos que fazem você dizer “uau!” e depois se perguntar “como é possível?”. Em sua coluna na edição de janeiro da Physics World, Robert Crease descreve os brinquedos da coleção de Rowett:
Cada um deles tem uma ordem oculta que, embora familiar, se revela de maneira inesperada e aparentemente mágica. Seu brinquedos nos permitem apreciar a ordem bem como a mágica. LINK
Rowett vende esses brinquedos em sua loja online Grand Illusions. A maioria garante no mínimo uma diversão momentânea. Um deles, porém, chega a ser assustador, porque demonstra como nosso cérebro constrói a realidade a partir de nossos sentidos. Trata-se da “face vazia”, nada mais do que o lado interior de uma máscara em revelo. Veja Rowett demonstrando a ilusão neste vídeo:
Rowett explica a Crease que as crianças não precisam de alta tecnologia, elas querem coisas que possam tocar. Os adultos também.
Tenho em casa um brinquedo científico, “um pião magnético”, um simples tetraedro formado por quatro bolinhas de metal, ligadas entre si por seis pequenos cilindros imantados, que ganhei de brinde em uma visita à tenda do Nanoaventura, no Museu Exploratório de Ciências da Unicamp. Se estou aborrecido, sou capaz de passar meia hora brincando com ele, girando o pião e experimentando montar as bolinhas e os imãs de maneiras diferentes.
Está ai uma vantagem dos brinquedos científicos sobre os demais: eles fascinam tanto as crianças quanto os adultos. Pais e filhos podem brincar juntos sem aborrecer um ao outro.
Sem explorar, experimentar, desmontar e montar, o cérebro das crianças não se desenvolve e o dos adultos atrofia. Contra isso, esqueça a televisão e o computador. Passar o dia inteiro assistindo os DVDs do Baby Einstein não funciona, nem os videogames para exercitar a mente na terceira idade.
Ironicamente, parece que o vício de lamber tela pode ser combatido por ele próprio, garante o guru geek Mark Frauenfelder em um ensaio recente. Ele afirma que, graças à internet e a um punhado de entusiastas, estamos vivendo uma renascença do fascínio por experimentos científicos caseiros.
Um exagero, claro, mas que dá o que pensar.
Quando a diversão das demonstrações científicas escapará do círculo das peregrinações escolares ao Show da Física da USP ou ao Show de Física da Unesp? Voltarão essas demonstrações a serem ocasiões de prestígio social como eram as concorridíssimas aulas de ciência de Natal de Michael Faraday na Londres vitoriana? Ou, sendo ainda mais radical, será que participar com um projeto em uma “feira de ciências” vai deixar de ser um rito de passagem para se tornar um hábito para o resto da vida?
Estudo esclarece “constantes fundamentais” da física
Atenção: os primeiros sete parágrafos deste post são pura ladainha. Se quiser, pule direto para o filé, logo em seguida.
O historiador e filósofo da ciência Robert Crease citou meu nome em sua coluna na edição de dezembro da revista PhysicsWorld. O motivo foi um email que enviei ao editor da Physics World em fevereiro do ano passado, chamando a atenção da revista para uma pesquisa brasileira que lidava com o assunto da coluna do Crease daquele mês: as constantes fundamentais na matemática e na física são expressas da maneira mais eficiente possível?
A citação:
Meanwhile, Igor Zolnerkevic, a former physics graduate student and now a science writer in Brazil, observed that a maximally efficient theory only requires two dimensional constants. He cited a paper by George Matsas from the Universidade Estadual Paulista in Brazil and colleagues, entitled “The number of dimensional fundamental constants” (arXiv:0711.4276), which has implications for what a brutally efficient approach to constants would look like, and suggests that certain constants are more fundamental than others. LINK
Traduzindo: Enquanto isso, Igor Zolnerkevic, um ex-estudante de pós-graduação em física e agora escritor de ciência no Brasil, notou que uma teoria de eficiência máxima requer apenas duas constantes dimensionais. Ele citou um artigo de Geoge Matsas da Universidade Estadual Paulista, no Brasil, e colegas, com o título “O número de constantes fundamentais dimensionais” (arXiv:0711.4276), que tem implicações sobre como seria uma abordagem brutalmente eficiente às constantes, e sugere que certas constantes são mais fundamentais que outras.
O Crease está certo sobre a “abordagem brutalmente eficiente”. O estudo dos brasileros, porém, não sugere que certas constantes sejam mais fundamentais que outras. De fato, a conclusão deles foi a de que existe um número mínimo de constantes (duas) e que alguém pode reescrever as leis da física usando duas constantes independentes quaisquer.
Essa importante sutileza também confundiu o jornalista Philip Ball, quando escreveu sobre essa pesquisa para o site da Nature, em dezembro de 2007:
How many physical constants does it take to describe the Universe? The answer, according to a team of physicists in Brazil, is just two.
The two can be chosen, according to taste, from a list of three: the speed of light, the strength of gravity, and Planck’s constant, which relates the energy to the frequency of a particle of light, say George Matsas of the São Paulo State University and his colleagues.LINK(só para assinantes)
Traduzindo: Quantas constantes físicas é preciso para descrever o universo? A resposta, de acordo com uma equipe de físicos no Brasil, é apenas duas. As duas podem ser escolhidas, de acordo com o gosto, de uma lista de três: a velocidade da luz, a intensidade da força da gravidade e a cosntante de Planck, que relaciona a energia com a freqüência de uma partícula de luz, dizem George Matsas da Univerisade Estadual Paulista e colegas.
Na verdade, as duas constantes não precisam ser somente as três citadas pelo Ball. Podem ser duas constantes quaisquer, desde que sejam independentes, isto é, desde que a medida de uma não dependa da outra.
Nessa altura do texto, imagino que a maioria dos leitores esteja confusa e se perguntando sobre que raios estou falando. Espero que o artigo abaixo que escrevi originalmente para a revista Pesquisa Fapesp no começo de 2008, mas que nunca foi publicado, esclareça o assunto aos que tiveram paciência de chegar até este parágrafo…
* * *
A medida de todas as coisas
Estudo esclarece o papel das constantes fundamentais da física
Dê-me uma régua e um relógio, e eu descreverei a realidade. Esse poderia ser o lema da física moderna, concluiu uma equipe de teóricos brasileiros ao tentar passar a limpo uma questão fundamental: quantos e quais são os números mais importantes das leis da física? Embora cada físico pareça ter uma resposta diferente a essa questão, e a controvérsia esteja longe de ser resolvida, a equipe brasileira conseguiu colocar um pouco de ordem na casa, provando de maneira simples e direta que o número mínimo de constantes fundamentais é dois.
“Nossa contribuição não foi trazer uma física nova, mas escrever a física padrão da forma mais econômica possível, eliminando o desnecessário para enxergar mais longe”, diz George Matsas, do Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp, um dos quatro autores do estudo. “Um pouco dessa controvérsia vem da falta de consenso do que é uma constante fundamental”, explica Matsas.
Os físicos usam números para descrever e tentar explicar o mundo. A maioria dos números que os físicos usam, aparecem quando eles comparam alguma coisa com outra. É como quando queremos mudar de casa e comparamos o tamanho das salas de estar e dos dormitórios de vários imóveis anunciados no jornal; usamos um padrão (metros quadrados) para comparar, ou melhor, para medir os imóveis. Assim, padrões são necessários para medir quantidades; o atual padrão de medida de tempo, por exemplo, é quanto demora para um elétron em um átomo de Césio transitar entre certos dois movimentos básicos; todas as unidades de tempo, como o segundo e o minuto, são definidas como múltiplos ou frações deste padrão. Os físicos, porém, não medem somente as coisas; eles constroem relações matemáticas entre quantidades de natureza diferente, como a equação E = mc2, que relaciona a energia E, a massa m de um objeto e a velocidade da luz no vácuo c. Certos números, como o valor de c que é sempre o mesmo, aparecem freqüentemente multiplicando quantidades diferentes nas equações da física. São esses números que, em geral, são chamados de constantes fundamentais.
A opinião mais comum atualmente é a de que as constantes fundamentais são três–a velocidade da luz c, que é o limite absoluto de velocidade para todos os corpos; a constante G, que expressa na lei da gravidade de Newton a intensidade da atração entre duas massas; e a constante de Planck h, que relaciona a energia de uma partícula da luz com o seu comprimento de onda.
Ainda assim, perguntar em uma roda de físicos se as constantes fundamentais são mesmo c, G, e h, pode gerar debates intermináveis. Um famoso debate desses começou em 1992, na cafeteria do Cern (Organização Européia para Pesquisa Nuclear), entre os físicos Gabriele Veneziano, Lev Okun e Michael Duff, resultando em um artigo publicado em 2002, em que Veneziano defendia que existem apenas duas, Okun acreditava nas três tradicionais e Duff dizia que não existem constantes fundamentais.
O artigo foi mencionado em 2004, em um dos seminários do grupo de pesquisa de Matsas, no IFT. “Achamos escandaloso que nessa altura do campeonato da ciência ainda haja controvérsia sobre quantas são as constantes fundamentais”, lembra Matsas. A partir daí, por três anos, os autores do estudo–Matsas e Vicente Pleitez, do IFT, Alberto Saa, do Instituto de Física de Unicamp, e Daniel Vanzella, do Instituto de Física de São Carlos da USP–, junto com seus alunos e colaboradores, passaram de vez em quando a dedicar o seminário para discutir o assunto.
Em um seminário em maio de 2005, Matsas estava convencido de que a resposta definitiva seria dada somente por uma futura “teoria final”, que teria uma explicação para os valores de todas as propriedades do universo. A idéia de que quanto mais sofisticada a teoria, menos constantes fundamentais ela tem, e que portanto a “teoria final” teria o número mínimo possível de constantes, é defendida atualmente pelo prêmio Nobel de física de 2004, Frank Wilczek. “Quanto mais leis você assume, menos constantes independentes você precisa”, explica Wilczek.
Todavia, Matsas e seus colegas logo perceberam que não precisavam esperar pela teoria final para obter uma resposta. Eles começaram a imaginar um laboratório ideal com todos os instrumentos necessários para verificar todas as leis físicas que conheçemos. Eles perceberam que os cientistas desse laboratório imaginário precisariam definir apenas dois padrões de medida, usando duas propriedades constantes e independentes, para realizarem as medidas de todas as demais propriedades, tais como massa, corrente elétrica e temperatura. Isso porque, em última instância, tudo o que se mede são comprimentos e intervalos de tempo.
“Mas, e a massa?”, alguém que se lembre de aprender na escola sobre o sistema MKS (metro, kilograma, segundo) pode perguntar. “A maneira mais direta de medir massa é pelo experimento de Cavendish”, exemplifica Matsas. Esse experimento, desenvolvido por Henry Cavendish, em 1798, mede a massa de um corpo registrando apenas distâncias e aceleração de movimentos. Poderíamos, portanto, expressar massas por uma combinação de unidades de tempo e espaço, em vez de usar kilogramas. O mesmo vale para todas as demais propriedades.
Os pesquisadores deduziram que a partir de dois padrões fundamentais surgem necessariamente duas constantes fundamentais nas equações. Todas as constantes além das duas são opcionais, definidas por mera conveniência.
Um ponto importante é que a conclusão deles pode ser refutada por um experimento científico. Se a medida de uma quantidade física não puder ser expressa em termos de dois padrõesindependentes, então o mínimo de constantes fundamentais não poderá ser duas.
“Note também que não estamos dizendo quais constantes são mais fundamentais que as outras; não há um par preferencial”, ressalta Matsas. O estudo afirma apenas que, em princípio, basta escolher quaisquer duas constantes independentes dentre todas a possíveis–c, G, h, carga do elétron, etc.– para expressar todas as demais propriedades do universo em termos de combinações delas. Expressar, é claro, não é o mesmo que deduzir tudo o que existe; isso seria trabalho para uma teoria final.
Os pesquisadores observam no estudo, entretanto, as vantagens conceituais de se eliminar G, ao redefinir a massa em termos de unidades de espaço e tempo, ficando apenas com duas constantes fundamentais, c e h(G), esta última nada mais sendo que h multiplicado por G. Essa escolha de constantes parece a mais natural para estudar como as partículas elementares são afetadas pela gravidade e vice-versa.
Foi com prazer que a equipe de teóricos verificou mais tarde que pesquisadores de outras disciplinas chegaram a conclusões semelhantes.
A filha de Saa, Olívia, estudante de engenharia, escutando as conversas do pai com Matsas ao telefone, chamou a atenção dos dois para um resultado de 1914, do físico Edgar Buckingham, muito usado por engenheiros ao estudarem a estabilidade de suas máquinas por meio de maquetes. Buckingham já pregava naquela época a necessidade de no mínimo dois padrões fundamentais de medida.
Mais recentemente, metrólogos–físicos que estudam a definição de padrões de medida–estão concluíndo o mesmo. Entre outros, John Wignall, da Universidade de Melbourne, Austrália, defende que o padrão de massa do Sistema Internacional de unidades seja substituído por uma definição de massa em termos de unidades de tempo e comprimento. “Há possibilidade de que a massa venha a ser determinada através de oscilações de íons aprisionados em armadilhas; determinada a massa atômica, o kilograma seria apenas um múltiplo dela”, explica Vanderlei Bagnato, do Instituto de Física de São Carlos, da USP.