>Monstros marinhos de sangue-quente

>





Durante a Era Mesozóica os oceanos eram habitados por uma diversa fauna de répteis marinhos. Plesiossauros, Ictiossauros e Mosassauros compunham esse elenco de famosos monstros bizarros. Mas uma questão que sempre motivou discussões foi quanto o metabolismo desses animais: seriam eles endotérmicos, ou seja, capazes de regularem a temperatura corporal?

A Paleontologia alinhada à Geoquímica trouxeram uma resposta à essa questão. Pesquisadores franceses realizaram estudos recentes com isótopos de oxigênio (O-18/O-16) contidos em fósseis dos três mais famosos grupos de répteis marinhos mesozóicos: os Plesiossauros, os Ictiossauros e Mosassauros. Eles compararam a composição dos isótopos de oxigênio no fosfato dos dentes daqueles grupos com os de peixes que coabitaram os mesmos ambientes.

O valor de O-18 contido no fosfato de vertebrados indicam ambos: a temperatura corporal e a composição da água ingerida. No caso dos répteis estudados, a valor de O-18 reflete o sangue durante o processo de formação dos dentes. Assumindo que ambos os répteis e peixes estudados viveram sob as mesmas condições de massa de água, o O-18 indicaria a temperatura corporal deles. E assim foi feito, analisando amostras do mundo todo. Veja a tabela abaixo:



Abaixo estão as tabelas com os valores específicos para todo o material encontrado em uma mesma camada de sedimento. Os erros estão elevados pois tiveram de ser considerados os processos diagenéticos (de formação do fóssil), onde pode ter ocorrido uma variação da composição original dos matérias coletados.

           
Apesar de todas as variáveis existentes, é possível observar a partir dos gráficos acima, que mesmo com a variação da temperatura da água, os répteis marinhos estudados conseguiam manter relativamente sua temperatura corporal, com exceção dos Mosassauros, que permitiriam que sua temperatura diminuísse levemente a medida que a temperatura da água também diminuísse.

A endotermia não é característica de um grupo apenas. A endotermia total ou parcial surgiu ao longo do tempo em diferentes espécies de diferentes linhagens. É sabido que alguns tipos de tubarões e atuns possuem endotermia parcial, assim como também alguns insetos e até mesmo vegetais. Acredita-se que a origem da endotermia total tenha ocorrido somente no Permiano, com os Sinápsidos. 

No grupo dos Arcossauros, propuseram a endotermia para dinossauros e pterossauros. Já quanto aos crocodilianos, ainda é tópico de debate sobre se alguns de seus ancestrais  teriam desenvolvido tal capacidade, tendo em vista que o coração de seus representantes atuais possui quatro câmaras assim como o das aves e mamíferos.

A termorregulação pode ser um indicador para o sucesso evolutivo dos répteis marinhos gigantes, afinal, eles deveriam necessitar de uma enorme quantidade de energia para suas atividades predatórias. Essa peculiaridade fisiológica lhes teria dado maior flexibilidade comportamental.

À respeito dos grupos comentados

As três linhagens de répteis marinhos gigantes enfocadas no texto representam adaptações de diferentes grupos à vida marinha. Os Ictiossauros evoluíram a partir de répteis neodiápsidos basais. Tinham o formato de corpo parecido com o dos golfinhos atuais, sem pescoço, mas uma cauda parecida com a de um peixe. Já os Plesiossauros eram diápsidos derivados — Sauropterygia, o grupo irmão dos Lepidosauria (cobras e lagartos). Tinham fortes patas em forma de pás e um longo pescoço. Os Mosassauros eram varanóides anguimorfos altamente adaptados à vida marinha. Possuiam o corpo alongado, cauda larga e chata na vertical e patas em formas de pás. 

Tanto a morfologia dentária e o conteúdo estomacal desses três grupos de répteis marinhos indicam que eram predadores. Sua fisiologia indica que eram excelentes nadadores, resistentes a diferentes temperaturas, sobretudo os Mosassauros e Plesiossauros, que poderiam realizar longas jornadas em mar aberto.





Referências Bibliográficas:

. A. Bernard, C. Lecuyer, P. Vincent, R. Amiot, N. Bardet, E. Buffetaut, G. Cuny, F. Fourel, F. Martineau, J.-M. Mazin & A. Prieur, 2010. Regulation of Body Temperature by Some Mesozoic Marine Reptiles. Science, 328 (5984): 1379 DOI: 10.1126/science.1187443

. R. Montani, 2010. Warm-blooded Sea Dragons. Science, 328 (5984).

>Morrinhosuchus luziae, mais um bizarro crocodilomorfo do Cretáceo brasileiro

>

Recentemente mais um novo crocodilomorfo notossúquio foi descrito para o Cretáceo do Brasil:  Morrinhosuchus luziae.

Morrinhosuchus foi descrito com base em um espécime encontrado no município de Monte Alto, SP, e  vem juntar-se à família das bizarrices crocodilianas da Bacia Bauru.

Notossúquios foram crocodiliformes que viveram durante o Período Cretáceo (110-65 m.a.a.). Seus fósseis são encontrados na América do Sul, África e Ásia. Eram animais essencialmente terrestres que apresentavam características peculiares adaptadas a esse estilo de vida, como um crânio alto e lateralmente achatado, narinas externas e em posição frontal, órbitas lateralmente localizadas, redução no número de dentes e membros mais desenvolvidos à locomoção cursorial. Ocuparam variados nichos ecológicos, com formas carnívoras, onívoras e possivelmente até herbívoras, tendo atingido variados tamanhos. A partir disso, não é difícil de concluir que se verifica uma considerável variação morfológica entre as espécies desse grupo, principalmente no crânio e em especial nos padrões de dentição, que incluem heterodontia e alta especialização dentária.

A Bacia Bauru, de onde proveio o espécime de Morrinhosuchus, é uma bacia sedimentar que se distribui no Brasil pelos estados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Minas Gerais e Goiás. No total ela abrange uma área de aproximadamente 370 000 Km2.  Sua sedimentação ocorreu num ambiente de clima quente, semi-árido nas bordas e desértico no interior. A principal fase de deposição se deu durante o Cretáceo Superior entre o Coniaciano e o Maastrichtiano.

Mapa geológico da Bacia Bauru

Já haviam sido descritas formalmente para essa bacia 10 espécies de crocodiliformes – Sphagesaurus huenei, Mariliasuchus amarili, Adamantinasuchus navae, Mariliasuchus robustus, Sphagesaurus montealtensis, Armadillosuchus arrudai,Baurusuchus salgadoensis, Baurusuchus pachecoi, Stratiotosuchus maxhechti, Uberabasuchus terrificus e Montealtosuchus arrudacamposi -, uma forma mais extraordiária que a outra. O último deles a ser publicado foi, Armadillosuchus arrudai, ou “crocodilo-tatu” como foi apelidado. O apelido se baseia em algumas características peculiares do animal, como a couraça de proteção em seu dorso.

Voltando a Morrinhosuchus, apesar de ter sido descrito com base em somente um espécime, constituído apenas das regiões distais do crânio e mandíbula, os autores puderam identificar uma série de características relevantes para a definição de uma nova espécie.

Ele apresenta uma morfologia dentária semelhante à encontrada no gênero Mariliasuchus, com dentes globosos, porém de arranjo distinto. A estrutura  geral do rosto, que se mostra bastante alta e estreita, também sublinha  diferenças. Esse animal vem ampliar a diversidade de formas de notossúquios gondwânicos e contribuir para o conhecimento faunístico e dos ecossistemas cretácicos da Bacia Bauru.

Reconstituição de Morrinhosuchus por Deverson da Silva


Parabéns Fabiano! Abraço dos Colecionadores!


IORI, F.V. & CARVALHO, I.S. 2009. Morrinhosuchus luziae, um novo Crocodylomorpa Notosuchia da Bacia Bauru, Brasil. Revista Brasileira de Geociências, 39(4): 717-725.

Dinossauros Emplumados: A Origem das aves

A fim de discorrer sobre esse tema, os Colecionadores de Ossos irão organizar uma série de posts sobre peculiares grupos de dinossauros terópodes proximamente relacionados às Aves. As aves são hoje, em termos numéricos e de diversidade, o grupo de vertebrados mais bem sucedido do planeta. E tudo começou nos idos do Mesozóico.

Vamos procurar abordar aqui passos da marcha evolutiva de “primitivos” dinossauros com penas, até as primeiras aves verdadeiras.

A idéia é discorrer sobre a biografia geral de alguns importantes grupos de dinossauros terópodes que ajudaram a lançar luz sobre o estudo da evolução das Aves.

Cladograma mostrando os grupos dentro de Coelurosauria, por Thomas Holz



O primeiro grupo a ser abordado será o do Tyrannosaurus rex e seus parentes:

 
O Poderoso T-rex, suas modestas origens e toda parentela

Os coelurossauros incluem uma grande quantidade de dinossauros predadores. Desde Coelurus, com 2 metros de comprimento, até o colossal Tyrannosaurus rex, de 14 metros. A divergência evolutiva dos tiranossauros a partir de pequenos e modestos coelurossauros está sendo agora melhor compreendida desde que recentes descobertas de pequenos tiranossauróides basais, como Eotyrannus e o emplumado Dilong, da China, foram feitas. 

Os membros mais primitivos do grupo, a exemplo de Coelurus fragilis, datam
do Jurássico tardio (por volta de 150 milhões de anos atrás), portanto, os primeiros tiranossauróides são contemporâneos às primeiras aves, entre elas o 
Archaeopteryx.

Coelurus fragilis foi tema de muito debate sobre em que posição ele se encaixaria na história evolutiva dos tiranossauróides, principalmente porque seu gênero somente é conhecido com base em um esqueleto parcial, ao qual lhe falta a maior parte do crânio. Não obstante, especialistas tendem a concordar que ele se encaixa em algum lugar próximo ao início da história evolutiva dos dinossauros com penas. Coelurus trata-se de um terópode generalizado, que mostra as primeiras adaptações importantes requeridas para a evolução das aves. Primeiro: ele tem ossos leves e ocos; e segundo: ele e todos os seus parentes têm cérebros relativamente grandes em relação à outros carnívoros primitivos como o Allossaurus ou os abelissauros, do Gondwanna.

A linha que leva ao Tyrannossaurus deve ter começado com formas de tamanho moderado como Tanycolagreus, um caçador de 3 ou 4 metros de comprimento, levemente construído, com braços e dedos fortes feitos para agarrar. Eram animais relativamente ligeiros, que deveriam ser predadores ágeis e letais. Tanycolagreus compartilha certas similaridades em sua estrutura pélvica e fêmur com os primeiros tiranossauróides.

Tanycolagreus

O primeiro Tyrannosauroidea, aferido com certeza, é Guanlong, de 3 metros de comprimento, do Jurássico da China. Ele possuía uma estranha crista em sua cabeça, mas está intimamente ligado à Tyrannosaurus rex e seus parentes por possuir uma sessão peculiar na sua mandíbula superior em formato de U e seus ossos nasais fusionados em uma única estrutura óssea. Era um predador claramente secundário em seu ambiente, um coadjuvante em relação a outro grande carnívoro contemporâneo da mesma região: Sinraptor, de 10 metros.

Reconstituição em vida de Guanlong, por Raul Martin e destaque do crânio do mesmo animal.

Dilong, outro tiranossauróide basal da China, demonstra indubitavelmente a presença de penas adornando sua cauda. Embora pequeno (cerca de 1,6 metros de comprimento), ele é mais avançado que Guanlong por ter um crânio mais parecido com o de tiranossauróides  derivados : Há uma série de caracteres especilizados e é notável também a presença de pneumatização em muitos de seus ossos.

Reconstituição em vida de Dilong paradoxus, por Peter Schouten


 
Durante o início do Cretáceo, um grupo diversificado de pequenos tiranossauróides primitivos (de 3 até 5 metros de comprimentos), incluindo Eotyrannus, perambulava nas florestas do Sudoeste da Ásia e Europa. Já chegou a pensar-se, que Siamotyrannus, da Tailândia, fosse um tiranossaurídeo basal, porém a falta de elementos diagnósticos no material até agora encontrado, leva esse animal a não ser mais considerado com segurança como pertencente à famosa família.

 

Reconstituição de Eotyrannus


Reconstituição de Siamotyrannus
 
A principal radiação dos tiranossauróides é exemplificada pelas muitas estranhas formas que apareceram no final do Cretáceo da América do Norte e Ásia. A maioria de grande (8 a 9 metros) ou muito grande porte (mais de 14 metros de comprimento), com membros anteriores reduzidos portando somente dois dedos em cada mão. A maioria possuía alguma forma de ornamentação rugosa no topo do crânio, desde uma série de cones afiados sobre o focinho, como em Alioramus, até superfícies irregulares e/ou pontuadas sobre os olhos, possivelmente para atrair parceiros ou engalfinharem-se disputas corporais com rivais.

Reconstituição de Alioramus por Peter Schouten

O primeiro esqueleto relativamente completo de Tyrannosaurus rex foi descoberto em 1902 no leste do estado de Montana, EUA, e somente foi descrito pelo paleontólogo americano Henry Fairfield Osborn em 1905. Depois de várias expedições, Barnum Brown, o coletor de Osborn, trouxe de volta uma série de esqueletos parciais que complementariam os seus estudos (oito espécimes foram encontrados até 1912). Em 1915, o American Museum of Natural History, montou o primeiro e mais completo esqueleto de Tyrannosaurus rex em seus salões. Stephen Jay Gould atribuiu publicamente que seu desejo por estudar paleontologia se deu devido ao T. rex em exposição no American Museum, o qual ele teria visitado com seu pai quando tinha 5 anos de idade.

Stephen Jay Gould

Tyrannosaurus e seu primo asiático Tarbosaurus atingiram tamanhos entre 12 e 14 metros de comprimento e pesos estimados em torno de 6 toneladas. Porém, a maioria dos tiranossauróides eram animais mais moderados: Daspletosaurus, Gorgosaurus e Albertosaurus atingiram cerca de 8 a 9 metros de comprimento e deveriam pesar em torno de 2 toneladas.


O grupo era considerado restrito aos continentes do norte, porém descobertas recentes sacudiram esse paradigma. Um púbis isolado de 30 cm de comprimento, portando características indubitavelmente relacionadas à tiranossaurídeos, foi descrito para os depósitos de Dinosaur Cove, na Austrália. Descrições baseadas em espécimes parciais como esse australiano sempre são problemáticas, porém na ausência de outros melhores registros, eles devem considerados como relevantes e a possibilidade aceita até que melhores materiais venham lançar maior robustez sobre a especulação. O que esse material australiano leva a concluir é que tiranossauróides de tamanho mediano (com cerca de 3 metros de comprimento) invadiram Gondwana, e habitaram a Austrália, assim como a Ásia, durante o Cretáceo Superior.

            
Pubis encontrado na Autrália e sua classificação taxonômica (NMV P186069)

Apesar de filmes populares como Jurassic Park terem nos feito acreditar que Tyrannosaurus rex era um veloz corredor e hábil caçador, estudos confiáveis considerando restrições fisiológicas em relação ao seu peso descomunal e o grau de movimentação de seus membros posteriores sugerem velocidades mais modestas em torno de 10 milhas por hora no seu máximo. Tais estudos levaram alguns paleontólogos como Dr. Jack Horner a sugerir que Tyrannosaurus e seus parentes deveriam ser mais como animais carniceiros ou predadores lentos de emboscada. Outros pesquisadores acreditam que as presas de T. rex eram provavelmente tão lentas quanto ele, portanto, eles poderiam sim ser predadores ativos.

Novos estudos sobre Tyrannosaurus mostram que seu desenvolvimento era rápido, embora sua taxa de crescimento acelerado somente se desse nos seus anos tardios. Um T. rex de 10 anos de idade deveria pesar cerca de meia tonelada. Sua maior arrancada no crescimento se daria entre os 13 (peso de uma tonelada) e os 20 anos de idade (alcançando 5 toneladas), sendo que eles devem ter vivido em torno de 30 anos (entre 5 e 6 toneladas). Apesar de tecidos moles fossilizados terem sido encontrados e extraídos de materiais fósseis desses animais, nenhum DNA foi recuperado, e com idade entre 65 e 70 milhões de anos, é altamente improvável que seja, até mesmo pequenos fragmentos de seu genoma.

Tyrannosaurus e seus parentes incendiaram a imaginação de pessoas de todas as idades, com seus esqueletos glorificados nos museus de história natural. Agora devem ser vistos sob uma nova perspectiva: como parentes próximos das aves. Todavia, para contar o resto da história evolutiva desses animais nós temos que prosseguir e narrar a biografia de outros terópodes mais derivados, aqueles que realmente começaram a assemelhar-se mais a criaturas definitivamente avianas.

No próximo capítulo dessa história: Ornithomimosauria. (Clique aqui)

>Diário da Ilha – Cajual MA

>

PRIMEIRO DIA

O dia começou ensolarado, perfeito para um período de escavação. Tomamos o catamarã, na beira do córrego Boqueirão em São Luís. O sol ardia em nossas costas, com uma leve brisa batendo em nossas faces. Tão distante já se via a ponta da ilha que nos esperava, Cajual, terra perdida e isolada, paraíso cretácico.
.
Eu estava extremamente ansiosa até o momento que aportamos na ilha, tivemos que fazer fila “indiana” para descarregar as malas até um lugar seco. A ilha, um paraíso natural. Só se via areia, mata de babaçu e algumas casinhas de barro feitas pelos nativos (descendentes de escravos) do local. Depois de descarregarmos tudo, fomos à primeira aula do professor Manoel Alfredo, paleontólogo da UFMA, que nos explicou o que havia ocorrido há alguns milhões de anos para a formação daquela maravilha rochosa cenomaniana, a qual soterrou diversas estruturas ósseas, dentárias e vegetais de animais e plantas já extintos.
.
O tempo continuava ajudando, até que bateu a hora do almoço e fomos comer um original e delicioso – sim, delicioso. Naquele momento estávamos tão famintos, que o que viesse nos pareceria ser uma apetitosa costela bovina assada – cup noodles.
.
Após o almoço fomos para mais uma aula de geologia e paleontologia, e para isso tivemos que andar em média uns 14 km (ida e volta) pelo litoral. Chegamos até a ponta leste da ilha, onde pudemos observar mais uma formação rochosa do cenomaniano, que também mostrava marcas (supostas) de Tsunami ocorrido há milhões de anos.
.
Quando voltamos para nossas instalações improvisadas (barracas), já estava escurecendo, e ainda tínhamos que tomar banho. Para isso, tínhamos que adentrar a floresta, passar pelo mangue, sermos comido por murissocas – isso ainda não era nada – até chegarmos a uma poça improvisada, onde, com um balde, tomaríamos banho com água de coloração “marrom escura” naquela escuridão selvagem. Depois de “limpas”, eu, Aline e Simone voltamos para o litoral, passando mais uma vez pela mesma odisseia. Sim, uma odisseia, parecia que milhões de murissocas estavam nos comendo vivos, nossas pernas ardiam e coçavam ao mesmo tempo. Palavrões de nossas bocas saiam constantemente. Até que UFA, chegamos às instalações e comemos, comemos como nunca pão, patê, água e PEDRA!
.
A lua estava cheia e era a única fonte de luz que iluminava aquela ilha deserta. Artificialmente, as lanternas ajudavam-nos a passar pela mata rasteira. Ficamos horas na praia, alguns bebiam, outros se divertiam com suas câmeras fotográficas e outros namoravam sob a lua cheia e apaixonante. Até que o sono foi maior que qualquer coisa e fomos dormir – digo isso por mim, pois alguns continuaram bebendo e conversando pelo resto da noite.
.
SEGUNDO DIA
.
Pude acordar com a iluminação natural do sol batendo em minha barraca. O calor não deixava-nos querer dormir nem por mais 10 minutos. Levantei, peguei meu cantil de água, utilizei seu conteúdo para escovar os dentes e lavar o rosto. O pessoal também já despertava, outros continuaram a dormir. Fui até a casa de barro tomar café, lá se encontravam alguns de nós esperando pelo horário da escavação. Outros se preparavam para partir no catamarã que estava para chegar. Eu estava sem noção de tempo, perguntei a Manoel Alfredo o horário, e ainda era 8h da manhã. Teríamos que sair somente após o almoço para escavar, pois era por esse período que a maré estaria baixa, propicia para poder escavar com segurança. Ficamos sabendo de histórias de mortes já naquela ilha, pessoas que foram imprudentes e por fatalidade tiveram um final triste.
.
Fiquei esperando o tempo passar, e acredite, aquilo não passa. Nesse tempo fiquei a pensar no povo nativo que ali vivia. O que faziam para se divertir? Não tinham livros, tv, nem luz elétrica. Também não tinham condições sanitárias ideais. Suas necessidades tinham que ser feitas no meio do mato, e banho era por água da chuva que se acumulava em poços artificiais. Fiquei pensando se fosse comigo, se eu conseguiria viver feliz em tais situações. Creio que seja uma vida muito difícil, mesmo que dentro de um paraíso natural, longe de congestionamentos, aglomerações humanas, poluição. Os homens eram fortes, tinham um corpo atlético sem nunca terem passado por uma academia. Sim, era um corpo obtido através de exercícios em atividades diárias de subsistência.
.
Chegando a hora do almoço, o tempo começou a fechar, uma parte do pessoal já tinha voltado para São Luís. Éramos agora 12 “sobreviventes”. Aquele tempo demonstrava que as condições não seriam muito boas para o trabalho árduo com martelo. O local de coleta dos fósseis seria em cima de uma formação constituída por óxido de ferro. Não poderíamos ir a lugar algum, pois os raios poderiam ser cruéis.
.
Esperamos que o tempo ruim passasse. E não passava. A chuva começou, forte e com ventania. As barracas voavam. Corri para tentar salvar a minha. Foi inútil, mesmo com a ajuda de Tito de do Jefferson, os meus pertences que estavam dentro já estavam ensopa. Nada se salvou, mochila, toalha, roupas. A barraca desarmou e tive que levar minhas coisas para lugar seguro. Minha garganta já doia, as picadas coçavam, os pés inchavam. Precisei “filar” remédio do pessoal que ali se encontava. QUE AVENTURA INCRÍVEL. Eram 14h e a chuva amenizou, tentamos então nos arriscar e ir para a formação procurar por mais alguns fósseis. Ficamos no máximo 30 minutos, pude encontrar alguns dentes de peixes, placas ósseas e uma pteridófita mineralizada. Até que começou a chover novamente. Não tínhamos onde nos proteger, e voltamos para o acampamento, ensopados. A chuva parou, e aproveitamos para tomar banho com a água que escorria do telhado da casinha de barro. Alguns ainda voltaram para a formação e Laje do Coringa, bravos e guerreiros.
.
O céu começava a escurecer novamente, e a chuva voltara mais forte do que nunca, como ninguém daquela ilha tinha visto há anos. Comemos, e o pessoal já começa a voltar, dizendo que os pingos da chuva foram crúeis, como facas cortando-lhes cada parte do corpo. Ficamos pensando que se soubéssemos que a chuva nos impediria de trabalhar, poderíamos ter voltado com os outros naquela manhã. Escurecia novamente e ninguém tinha onde dormir, então decidimos que todos deveriam dormir na casinha de barro, juntos para poderem se aquecer. Jogamos umas lonas pelo chão e ali nos agrupamos. Eu não conseguia dormir, alguns já se encontravam dormindo, até que os porcos começaram a tentar entrar em nosso cômodo. Eles “gritavam” como javalis, levantamos desesperados. Foi engraçado, ri e não parava mais. Mayra – estudante de biologia e paleontologia do Maranhão – também estava achando tudo muito engraçado, decidimos que não iríamos mais dormir naquela noite. Ficamos sentadas conversando com Igor, meus pés começavam a inchar novamente, alérgica pelas picadas dos malditos mosquitos. COMO EU OS ODIEI. Praguejei contra cada um que me picou. Mas me conformei, afinal, biólogo não pode reclamar de nada. Tomei um analgésico e bateu aquele sono. Voltamos a dormir. Dormi como um bebê.
.
TERCEIRO DIA
.
A chuva continuava pela manhã. Manoel Alfredo cogitou a hipótese de o catamarã não poder se arriscar naquelas águas agitadas e tempestivas, e termos que passar por mais uma noite na ilha. Alguns começaram a reclamar, não tinham mais roupas secas. A comida estava acabando, seria uma odisseia passar pro mais uma noite por lá. Ninguém conseguia se comunicar com o capitão do catamarã, até que no horizonte infinito daquela imensidão azul, pudemos ver uma vela se aproximar. Sim, estávamos salvos, era nosso barco que se aproximava. Arrumamos então rapidamente nossas coisas, e mesmo em baixo da chuva fomos em direção a praia para podermos deixar a ilha. Dessa vez não houve fila “indiana”, cada um salvou o que pôde. Tivemos que entrar no mar em fúria para chegar ao barco. No final, todos conseguiram chegar são e salvos. Nenhum desastre havia ocorrido desta vez, fomos embora, deixando as nossas costas aquele paraíso natural e paleontológico, aquele Mundo Perdido e mágico.

>O Maranhão no tempo dos dinossauros

>

PARTE I –A ILHA DO CAJUAL

Essas semanas sem postagens têm uma boa justificativa…

Recentemente os colecionadores de ossos estiveram reunidos no Estado do Maranhão para uma viagem no tempo. Estivemos todos mergulhados no Cretáceo maranhense em busca dos famosos fósseis da Ilha do Cajual.

A Ilha do Cajual já é lendária na paleontologia. Além de ser cenário inspirador com seu ar pré-histórico, ela guarda um dos mais importantes afloramentos fossilíferos do país, com mais fósseis de dinossauros por metro quadrado do que qualquer outro no território nacional.

Sua geologia e paleontologia são peculiares e no post de hoje vamos resumir um pouco dessa história fascinante.

Antes de iniciar essa viagem no tempo com vocês, não podemos deixar de destacar nossos agradecimentos ao Prof. Manuel Alfredo Medeiros e a toda equipe de paleontologia da UFMA, e sublinhar aqui também, com admiração, o seu fantástico empenho e trabalho na região.

A Bacia de São Luís-Grajaú

A Bacia de Grajaú se estende por grande parte do Estado do Maranhão. Ela foi atrelada à Bacia de São Luís, ao norte, por considerar-se afinidades no seu arcabouço estrutural e na natureza de seu preenchimento sedimentar. Estudos demonstram ainda, que estas bacias se comportaram como depressões individualizadas somente até o Albiano (meados do Cretáceo, entre 113 e 97 milhões de anos atrás), quando então passaram a se comportar como uma única grande bacia sedimentar.

Localização das Bacias São Luís – Grajaú

A Bacia de São Luís-Grajaú tem sua origem relacionada em parte devido ao processo de fragmentação do Gondwana e a separação da América do Sul e a África. Sua área total é de 250 000 km2, com uma parcela expressiva englobando o Estado do Maranhão. Sua seqüência sedimentar é predominantemente de idade cretácica e é bastante espessa, chegando a alcançar 4000 m em algumas localidades.

O Grupo Itapecuru

O Grupo Itapecuru, no topo da seqüência sedimentar da Bacia de São Luís-Grajaú, é composto por 3 unidades litoestratigráficas depositadas durante o Eocretáceo (início do Albiano, 113 milhões de anos atrás) até o fim do Neocretáceo e início do Paleógeno (65 milhões de anos atrás). Essa sucessão de estratos contém um importante registro fóssil de vertebrados, muito promissor para pesquisas paleontológicas.

A Formação Alcântara

A Formação Alcântara, unidade litoestratigráfica predominante em exposição no litoral maranhense, contém a mais diversificada fauna de vertebrados fósseis conhecida do grupo Itapecuru.
É de idade Albiana-Eocenomaniana (Cretáceo Médio – entre 113 e 95 milhões de anos atrás) e é composta por um conjunto de arenitos estratificados, folhelhos sílticos, com a presença de lentes de calcário e eventuais conglomerados, estes formados por processos de tempestades de grande intensidade e, subordinariamente, correntes de maré em ambientes marinhos rasos transicionais.

A Ilha do Cajual e a Laje do Coringa

A Ilha do Cajual está localizada no lado oeste da Baía de São Marcos, próximo a cidade de Alcântara, MA. Essa ilha abriga o afloramento da Laje do Coringa, o mais fossilífero dos níveis da Formação Alcântara.

 
Localização da Ilha do Cajual

A Laje do Coringa localiza-se na borda oriental da ilha. Descoberta em 1994, ela é reconhecida como um bone-bed: Uma área com elevada concentração de fósseis de por metro quadrado. Ela concentra mais fósseis dinossauros por unidade de área do que qualquer outro afloramento do país. Têm cerca de 4 hectares e contém uma grande variedade de formas dinossaurianas, além de restos de peixes, crocodilos, quelônios, pterossauros e diferentes formas vegetais. Reúne uma mistura de fauna marinha e continental, documentando um paleoambiente típico costeiro.

A fauna que habitou o norte-nordeste brasileiro durante o meso-cretáceo e que está representada no registro fossilífero da Ilha do Cajual e imediações é muito similar à fauna africana da mesma época. A composição faunística abrange dinossauros saurópodes (Grandes herbívoros com cauda e pescoço comprido – Titanosauridae, Andesauridae e Diplodocoidea) e terópodes (dinossauros bípedes predadores – Carcharodontosauridae, Spinosauridae e Dromeosauridae), além pterossauros, crocodilomorfos, plesiossauros (répteis marinhos de pescoço comprido), quelônios e numerosas ocorrências de peixes, tanto ósseos quanto cartilaginosos (Lepidotes, Mawsonia, tubarões hybodontiformes, peixes pulmonados e raias Sclerorhynchidae). Quanto a paleoflora são comuns troncos de coníferas, que deviam atingir mais de 20 m de altura, associados a samambaias arborescentes com 3 m de altura e equisetos (tipo de planta primitiva a grosso modo parecida com o Bambu), que se alastravam pelas margens dos rios e lagos compondo uma espécie de mata ciliar. 


O clima da região era de árido à semi-árido, com uma temperatura média de 45 graus Celsius, mas ainda assim comportava bolsões de vegetação luxuriosa confinados às proximidades dos cursos d’água.


Os fósseis da Laje do Coringa, via de regra são encontrados desarticulados e por terem sofrido processo de retrabalhamento, apresentam diferentes graus de desgaste. Quanto a materiais de dinossauros, por exemplo, são comuns centros vertebrais isolados de seus respectivos complexos neurais, fragmentos de ossos longos em geral não identificáveis e dentes. A gênese da Laje do Coringa é interpretada como tendo se dado em um contexto marinho raso, que reuniu elementos retrabalhados de diferentes fontes, com pelo menos algumas delas de origem fluvial. Os elementos isolados e desgastados tem utilidade limitada nas diagnoses, entretanto quando se dispões somente destes elementos para identificação, um esforço extra tem que ser feito para se realizar um diagnóstico efetivo.


Icnofósseis de vertebrados e invertebrados também são comuns. A grande quantidade de coprólitos encontrada poderia, segundo Prof. Manuel Alfredo, ser relacionada principalmente a pterossauros. Ele argumenta que é possível que o local abrigasse um grande ninhal, dado a grande quantidade de dentes e coprólitos desses animais encontrados ali.


Dos peixes são comuns escamas e dentes, mas também fragmentos ósseos do crânio, em especial de Mawsonia. Os exemplares de Mawsonia da região, devido a proporção dos ossos encontrados, deveriam apresentar tamanhos descomunais, maiores de 3 metros de comprimento. As tartarugas são representadas por placas ósseas da carapaça e plastrão, os crocodiliformes por dentes e placas ósseas e os plesiossauros (répteis marinhos) por raros dentes isolados. 


As coníferas, pteridóftas e equisetaceas são representadas pela preservação de suas porções mais lignificadas, como troncos e frondes.

Reconstrução do cenário cretácico maranhense por Felipe Elias. Representados: Dinossauro terópode Spinosauridae, Peixe (Mawsonia), dinossauro saurópode Titanosauridae e crocodilomorfo (Candidodon).

A Laje do Coringa fica imersa 2 metros embaixo d’água durante a maré cheia. Ela fica exposta somente algumas horas durante o dia. Nesse período é possível percorrer a pé o tapete de fósseis e se surpreender com a quantidade de material coletado em poucas horas.

Infelizmente, com a ação do maré, bancos de areia estão cobrindo a laje e a cada subida da mesma, várias partes da rocha se soltam. É um processo natural, mas que infelizmente destrói muitos fósseis e vem tornando inacessível algumas partes do afloramento.

Uma grande coleção de fósseis da Laje do Coringa e outros afloramentos da Formação Itapecuru da Ilha do Cajual estão depositados no museu da UFMA, em São Luís, outros, abrigados no Centro de Pesquisa de História Natural e Arqueologia do Maranhão. É típica a sua coloração escura, de castanho a negro e seu aspecto desgastado, de quem sobreviveu a mais de 95 milhões de anos de história….

Os fósseis maranhenses ajudam a reforçar uma importante interpretação da história dos continentes. A similaridade faunística entre o norte maranhense e o norte africano em meados do Cretáceo, nos ajuda a entender que um dia estes continentes já estiveram unidos em um único bloco de terra emersa: o Gondwana. “Seria impossível explicar esta similaridade entre as faunas se considerássemos que a posição dos continentes sempre foi a mesma que hoje. Temos que admitir que a África e a América do Sul já estiveram unidas num passado remoto”,  destaca o paleontólogo Manuel Alfredo Medeiros (UFMA).

Referências Bibliográficas

Medeiros M.A. & Schultz C.L. 2002. A fauna dinossauriana  da “Laje do Coringa”, Cretáceo Médio do Nordeste do Brasil. Arquivos do Museu Nacional, 60:155-162.

Medeiros M.A. & Schultz C.L. 2001. Uma paleocomunidade  de vertebrados do Cretáceo médio, Bacia de São Luís. In: Rossetti D.F., Góes A.M., Truckenbrodt W. (eds.) Cretáceo na Bacia de São Luís-Grajaú. Coleção Friedrich Katzer, Ed. Museu Paraense Emílio Goeldi, p. 209- 221.

Medeiros, M.A. 2003. Terra de Gigantes. Produção independente, 69 p.

Rossetti D.F. 2001. Arquitetura deposicional da Bacia de São Luís-Grajaú. In: Rossetti D.F., Góes A.M., Truckenbrodt W. (eds.) O Cretáceo na Bacia de São Luís-Grajaú. Coleção Friedrich Katzer, Ed. Museu Paraense Emílio Goeldi, p. 31-46.