Cara de Mamífero

Texto por Pedro H. Morais e Maurício Rodrigo Schmitt

Você já se perguntou “como era a cara dos nossos ancestrais, antes deles serem o que somos”? Por exemplo, que cara teria o primeiro hominídeo? Ou o primeiro primata?

Essa pergunta habita o nosso imaginário, principalmente quando diz respeito aos nosso ancestrais e, na maioria das vezes, quem pode nos ajudar a obter essas respostas são os pesquisadores que trabalham com o passado, como os paleontólogos.

Onde sua imaginação te levaria se eu te perguntasse: que cara tinha o primeiro mamífero? Muitos talvez tenham pensado nos grandes mamíferos do passado, como os mastodontes (como Stegomastodon waringi), ou os poderosos tigres-dentes-de-sabre (como Smilodon), ou ainda nas preguiças enormes (como Eremotherium laurillardi) e tatus gigantes (como Glyptodon clavipes). Porém, sinto lhe informar, que você viajou pouco no tempo. 

Uma preguiça gigante (Scelidodon sp.) e um tatu gigante (Doedicurus sp.), ambos encontrados na América do Sul em rochas datadas do Pleistoceno, entre 2,5 milhões e 11,7 mil anos atrás. Artes de Jorge Blanco (Forasiepi, Martinelli, 2007).

Quando pensamos em um mamífero, o grande grupo de animais ao qual nós, os seres humanos, pertencemos, fica difícil escolher um modelo que represente o todo. Vemos hoje em dia, a enorme diversidade do grupo, que foi capaz de ocupar praticamente todos os ambientes do nosso planeta, das savanas quentes do Brasil e da África, às geleiras mais frias do pólo-norte, das montanhas mais altas do Himalaia, às profundezas do oceano, dos céus, ao interior de cavernas e do solo. Em todos esses ambientes você encontra um exemplo diferente de mamífero. Este grupo de animais se diversificou de tal forma e foi tão moldado pelos ambientes que colonizaram, que é difícil considerar que um elefante, um morcego e um golfinho pertençam ao mesmo grupo e sejam parentes. Talvez, isso se deva ao fato de que a diversidade de formas dos mamíferos hoje é maior em relação aos outros grupos de tetrápodes viventes. Pense nas aves ou nos lagartos ou nos crocodilos, que apresentam, na atualidade, uma variedade bem menor de formas e tamanhos do que os mamíferos (no passado não foi assim, mas esta é outra história). Pensando em tudo isso, qual animal você escolheria para representar os mamíferos? Que mamífero vivo hoje você diria que se assemelha mais ao ancestral de todos os mamíferos, ao primeiro mamífero?

Temos certeza que sua imaginação te deu várias opções, mas, sem querer te decepcionar, a cara do primeiro mamífero seria mais parecida com a de um musaranho ou de uma cuíca (não, não estamos falando do instrumento! Estamos falando do marsupial… Colocamos uma foto abaixo pra ajudar). 

Filhote de cuíca (Didelphimorphia) – Foto dos autores.

O primeiro mamífero era um bicho pequeno, mais ou menos do tamanho de um pequeno gambá, correndo por entre as folhagens de uma floresta, durante uma noite quente do Jurássico (sim, a história dos mamíferos começa no Jurássico).

Atualmente, por consenso, o táxon apontado como o ‘primeiro mamífero’ é Morganucodon, um organismo fóssil encontrado nos EUA, Europa e China. Queremos chamar a atenção aqui para a expressão “atualmente apontado”, porque estes consensos taxonômicos podem mudar a luz de novos estudos, fósseis e evidências.

Reconstrução artísitica de Morganucodon. Seus fósseis são encontrados principalmente em Wales (Reino Unido) e na China, além de outras partes da Europa e América do Norte, em afloramentos Jurássicos. Imagem de FunkMonk (Michael B. H.).

O grupo chamado de ‘Mammalia’ (ou “mamíferos”, em bom português), é definido por um conjunto de características morfológicas compartilhadas por todos os seus membros. Colocando de forma mais simples: pra você ser um mamífero, você tem que ter, ou ter tido, um conjunto de características físicas apontadas como “coisa de mamíferos”. Mas tem um problema aqui. Vários organismos fósseis, muito próximos dos mamíferos já tinham algumas dessas “características típicas de mamíferos”. Isso é um pesadelo para muitos pesquisadores, que acabam por discutir e rediscutir definições…

A definição mais atual e com maior consenso, é a definição filogenética de mamífero, que englobaria Morganucodon e todas as espécies viventes de mamíferos (placentários, marsupiais e monotremados). Nessa definição, varias espécies de mamíferos extintos, que viveram durante a era Mesozoica, estão inclusas no grupo. Basicamente, isso significa que todos os animais que são agrupados numa árvore filogenética entre Morganucodon e os mamíferos atuais, são considerados mamíferos (calma, calma, a gente coloca uma figura, só olhar aí embaixo). Mas, essa definição também é bastante discutida, principalmente porque Morganucodon foi “eleito” como o primeiro mamífero, ou seja, essa é uma escolha arbitrária. Essa problemática de “eleger um primeiro” não é exclusiva dos mamíferos, esse é um conflito constante nos estudos sistemáticos e evolutivos, já que as formas biológicas formam um contínuo, quem tenta classificá-las em grupos artificiais somos nós.

No fim, cada novo achado acrescenta uma nova peça a esse quebra cabeça da evolução e as definições se atualizam com o tempo.

Filogenia simplificada dos cinodontes. Aqui estão apenas algumas poucas espécies da grande diversidade de cinodontes. Note que o grupo que Morganucodon é considerado o início do grupo dos mamíferos, portanto, todos que vierem depois deste grupo na árvore filogenética são considerados mamíferos. E um destaque para Brasilitherium, um fóssil brasileiro que é hoje tido como o fóssil mais relacionado ao grupo dos mamíferos. Modificado de Lautenschlager et al. 2016.

Quais são características presentes hoje nos mamíferos que definem o grupo como tal? Certamente você já ouviu que são as glândulas mamárias, os três ossículos do ouvido, entre outras. Mas para saber mais sobre elas, precisamos voltar no tempo. Mais precisamente, até os períodos Permiano e Triássico (entre cerca de 298 a 201 milhões de anos atrás), quando tais “características de mamífero” começam a ser observadas, gradualmente, em formas mais basais de animais aparentados dos mamíferos.

Durante a transição entre o Permiano e o Triássico, a Terra passou pelo seu maior evento de extinção, conhecido como a Extinção Permo-Triássica. Este evento foi bem maior do que a famosa extinção que dizimou os dinossauros. Essa tal Extinção Permo-Triássica foi tão grande, que causou um “reset” na fauna e na flora do planeta. Durante o final do Permiano (cerca de 255 milhões de anos atrás), os primeiros fósseis de criaturas conhecidas como cinodontes são registrados. Porém, é durante o Triássico que esses animais começam a brilhar no cenário biológico. Infelizmente, todos os holofotes acabam por se voltar para os dinossauros no final deste período, mas, o mundo dá voltas, como vocês verão.

Os cinodontes apresentavam uma grande diversidade de formas e tamanhos durante o Triássico e alguns já apresentavam algumas das tais “características mamalianas”. O curioso é que essas características não estavam presentes somente na linhagem que deu origem aos mamíferos. Alguns grupos de cinodontes completamente extintos, de uma linhagem paralela a nossa (mammaliana), também apresentavam algumas dessas características, que hoje, são consideradas como “coisa de mamífero”. Essa é a razão pela qual o debate sobre a origem dos mamíferos está sempre se modificando atualmente… Uma vez que vários grupos paralelos apresentam características mamalianas, é difícil associar com segurança, que determinado grupo de cinodontes deu origem aos mamíferos ou não. 

Voltando para o assunto “que cara teria o primeiro mamífero?”, você deve estar se perguntando agora “que cara teriam os cinodontes?”. Se você pensou no musaranho ali em cima… você não está de todo errado, porém se você prestou atenção neste texto, você já sacou que eles têm uma grande diversidade de formas, e pasmem, em termos fósseis, o Brasil é um dos países que apresentam a maior diversidade de cinodontes do mundo! Todos eles provenientes do Rio Grande do Sul, o local que apresenta as formações de idade triássica mais fossilíferas do país. O Brasil trouxe ao mundo, por exemplo, os Brasilodontideos, o atual grupo apontado como o clado de origem dos mamíferos. 

A Diversidade de Cinodontes Brasileiros

Antes de tudo, a gente precisa entender como são separados os cinodontes. Basicamente, existem dois grandes grupos dentro do grande grupo Cynodontia, os Cynognathia e os Probainognathia. Calma, a gente vai explicar um pouquinho de cada grupo abaixo: 

Cynognathia inclui organismos completamente extintos. Eles eram em sua maioria herbívoros/onívoros, com exceção de apenas uma espécie, que era carnívora. Eram bichos relativamente grandes, variando do tamanho de um cachorro pequeno até o maior de todos, que podia ter mais de 2 metros de comprimento e pesar cerca de 200kg. Neste grupo existem organismos que já apresentavam algumas características que podem ser interpretadas como “coisa de mamífero”, por exemplo, uma das principais características do grupo (e que pode ser comparável a mamíferos), é a enorme complexidade dos dentes pós-caninos. Os mamíferos possuem um padrão dentário altamente especializado, chamado de tribosfênico. Os Cynognathia, embora não tivessem padrão tribosfênico, possuíam especializações dentária até então não encontradas em outros grupos de Synapsidas. Além da grande especialização dos dentes, recentemente foi encontrado em um cinodonte Cynognathia, chamado de Menadon, com um padrão de dente hipsodonte, de crescimento contínuo, tipo os encontrado hoje em mamíferos como o cavalo e roedores (se você não sabia disso, aqui vai mais uma curiosidade, o dente do seu ratinho cresce pra sempre…por isso ele está sempre roendo algo. Não só ele, como vários outros animais). Essa ocorrência de dente hipsodonte no Menadon é única, e este é o único gênero além dos mamíferos com esse padrão de dente. O mais interessante, é que o grupo de Menadon foi completamente extinto, então a característica que era tida como exclusiva de mamíferos, já tinha aparecido na história dos cinodontes muito tempo antes! Infelizmente, toda a linhagem de Cynognathia foi extinta, então nunca teremos a oportunidade de ver um vivo e verificar como eles realmente seriam. 

Cynognathia, os fósseis desse grupo são muito abundantes na Argentina, como o Massetognathus pascuali, e no Brasil, onde encontramos várias espécies em abundância, como Menadon e Santacruzodon. Abaixo a reconstrução de duas espécies de Cynognathia em um típico ambiente do Triássico, com destaque pra aparência que já lembraria muito a de um mamífero atual. Imagens: Massetognathus (foto do autor) Menadon (Melo et al. 2019) e a reconstrução artística por Voltaire D. P. Neto.

O segundo grupo, Probainognathia, abrange uma variedade de formas gigantesca, já que Mammalia está inclusa neste grupo. Mas, levando apenas os fósseis em consideração, o grupo apresentava mesmo assim uma diversidade de tamanho e de hábitos enorme, variando de um bicho com o tamanho de um cachorro grande (como o Aleodon, que podia ter mais de 1,5 metros), até os Brasilodontídeos (que tinham o tamanho de um pequeno gambá, com cerca de 15cm). Os animais desse grupo são, em sua maioria, classificados como insetívoros ou seja, eles comiam insetos, porém, alguns pesquisadores apontam que eles poderiam ser oportunistas (onívoros, assim como os gambás atualmente), com alguns exclusivamente carnívoros, como o Trucidocynodon. Neste grupo estão incluídos os Brasilodontidae, atualmente tido como grupo irmão de mamíferos, mas que pode ter sido o grupo de cinodontes que deu origem a nós, os mamíferos. 

Probainognathia. Artes de Jorge Blanco (Martinelli et al. 2016; Guignard et al. 2019).

A parte mais fantástica disso tudo, é que muitos desses bichos faziam parte da fauna triássica do Brasil. Eles estão entre os achados fósseis do Rio Grande do Sul, onde é encontrada a maior diversidade de Cynognathia do mundo, além de alguns dos registros mais importantes de Probainognathia, como os já mencionados Brasilodontideos. Talvez, devido ao pequeno tamanho, os cinodontes acabem por perder espaço para os grandes dinossauros na mídia e também no imaginário das pessoas… Apesar disso, imaginar um “pequeno musaranho”, correndo de um dinossauro, numa noite quente do Triássico, está carregado de informações sobre como nós, os mamíferos, conseguimos nos tornar o que somos hoje. Enfim, agora você sabe como era “a cara dos primeiros mamíferos” e também como os fósseis do Brasil são importantes para contar essa história.

Referências

Forasiepi A, Martinelli A. Bestiario fósil: mamíferos del pleistoceno de la Argentina. Albatros; 2007.

Guignard ML, Martinelli AG, Soares MB. The postcranial anatomy of Brasilodon quadrangularis and the acquisition of mammaliaform traits among non-mammaliaform cynodonts. PloS one. 2019 May 10;14(5):e0216672.

Lautenschlager S, Gill PG, Luo ZX, Fagan MJ, Rayfield EJ. The role of miniaturization in the evolution of the mammalian jaw and middle ear. Nature. 2018 Sep;561(7724):533-7.

Martinelli AG, Soares MB, Schwanke C. Two new cynodonts (Therapsida) from the Middle-Early Late Triassic of Brazil and comments on South American probainognathians. PloS one. 2016 Oct 5;11(10):e0162945.

Melo TP, Ribeiro AM, Martinelli AG, Soares MB. Early evidence of molariform hypsodonty in a Triassic stem-mammal. Nature communications. 2019 Jun 28;10(1):1-8.

Krakatoa em atividade: é o fim do mundo?

Texto de Letícia Freitas Guimarães

A erupção do Anak Krakatau na noite de 10 de abril causou alvoroço nas redes sociais. Notícias falsas, alarmistas, vídeos de erupções passadas e até apofenia astrológica inundaram as redes. Mas por que esta erupção não deveria nos espantar?

O Anak Krakatoa (Anak Krakatau, em Indonésio) localiza-se no estreito de Sunda, entre as Ilhas de Sumatra e Java, uma região com centenas de vulcões ativos relacionados à interação entre as placas tectônicas Australiana e de Sunda (Figura 1). Este sistema faz parte do chamado Círculo de Fogo do Pacífico, uma região geologicamente muito ativa, que se estende por cerca de 40.000 km e é delimitada por zonas de convergência de placas tectônicas (Figura 2). Cerca de 75% dos vulcões ativos e 90% dos terremotos do planeta estão localizados nesta área. Não é de se espantar, então, que o Anak Krakatau seja um dos vulcões mais ativos do mundo.

Figura 1 – Imagem do Google Earth mostrando a localização do vulcão Anak Krakatau (destacado no círculo rosado) e alguns outros vulcões do arco magmático de Sunda, relacionado à subducção da Placa Australiana sob a Placa de Sunda (linha dentada amarela). A velocidade do deslocamento da Placa Australiana é informada pelas setas brancas.
Figura 2 – Mapa esquemático com as principais feições geológicas relacionadas ao Círculo de Fogo do Pacífico.

As erupções mais antigas registradas em observações históricas do sistema vulcânico de Krakatau datam do ano de 250 e, desde então, este sistema apresenta-se bastante ativo, alternando fases efusivas, isto é, com derramamento de lava, e fases explosivas, com erupções freatomagmáticas, fluxos piroclásticos e queda de cinzas (veja o Glossário no final do texto para ficar por dentro dos termos da vulcanologia).

A maior erupção deste sistema ocorreu em 1883, com um índice de explosividade vulcânica (VEI) igual a 6 (de uma escala vai até 8). Para se ter uma idéia da grandiosidade deste evento de 1883 em comparação a outros importantes eventos eruptivos do mundo veja a Figura 4b. Durante o evento de 1883, o estratovulcão Krakatau chegou a ter três condutos ativos, ou seja, três aberturas na superfície durante sua fase mais violenta (chamada de fase paroxysmal) e, após três meses deste clímax, o edifício vulcânico colapsou. Este colapso gerou um enorme fluxo piroclástico que, ao atingir o oceano, gerou tsunamis nas costas de Sumatra e Java, matando mais de 36 mil pessoas. Alguns anos depois, dentro da caldeira formada pelo colapso do Krakatau, surgiu o cone vulcânico batizado de Anak Krakatau (filho de Krakatau, em indonésio), ativo desde 1927.

Figura 3 – Sequência de fotos de atividades históricas do vulcão Anak Krakatau. A) Erupção freatomagmática de 1927; B) Erupção freatomagmática de 1930; C) Atividade eruptiva de 1979,  incluiu fase explosiva (coluna eruptiva observada na foto) e fase efusiva (derrames de lava); D) Atividade fumarólica em 1979. Os derrames de lava de coloração negra no canto direito inferior na foto são de 1975. As fotos A, B e D são do Serviço Vulcanológico da Indonésia (VSI) e a foto C é de Katia e Maurice Krafft.
Figura 4 – A) Maior erupção já ocorrida no Krakatau, em 1883. Foto cortesia da família de R. Breon; B) Diagrama comparativo entre os volumes de material vulcânico ejetado pelos grandes eventos eruptivos da história da Terra. A erupção de 1883 do Krakatau corresponde ao cubo amarelo.

As imagens que circularam na internet no dia 11 de abril correspondem, em sua maioria, à erupção de dezembro de 2018. Este evento correspondeu a uma erupção do tipo Vulcaniana de VEI 3, que gerou uma coluna eruptiva de 15 km de altura e um novo colapso do edifício vulcânico que, de novo, gerou tsunamis nas ilhas de Sumatra e Java, vitimizando mais de 400 pessoas. O sistema vulcânico mantém-se ativo desde então, com intermitente atividade sísmica (terremotos), fumarólica e erupções explosivas. A figura 5 apresenta uma sequência de imagens das atividades registradas no Anak Krakatau desde o final de 2018 até o começo de 2020. Nelas é possível ver a variação no relevo causada pelo colapso do edifício vulcânico em decorrência da erupção de 22 de dezembro de 2018.

Dentre as diversas erupções do Anak Krakatau em 2020, a erupção de 10 de abril (figura 6) foi apenas mais uma dentro deste período de atividades. Ela correspondeu à uma erupção do tipo Stromboliana (tipo de erupção de explosividade moderada), com coluna eruptiva que atingiu cerca de 500 m de altura. Segundo informações de Serviço Vulcanológico da Indonésia:

“…os gases emitidos compõem-se majoritariamente de vapor d’água, os terremotos e deformação no solo são insignificantes, indicando que ainda existe suprimento de material magmático em reservatórios rasos e não há alteração (aumento) de ameaças“.

A Instituição manteve o alerta de risco no nível II de uma escala que varia de I a IV, sendo IV o nível de maior risco. O acesso em um raio de 2 km do vulcão está proibido por enquanto.

Figura 5 – A) Sequência de fotos mostrando a atividade vulcânica e a variação do relevo do Krakatau entre Dezembro de 2018 e Janeiro de 2019. B) Vista do Krakatau em Outubro de 2018. O sombreado vermelho corresponde à forma do vulcão em Novembro de 2019, após o colapso do edifício vulcânico em decorrência da erupção de 22 de dezembro de 2018. C) Imagem do GFZ Potsdam mostrando o formato do Krakatau após a erupção de 22 de dezembro de 2018. A linha tracejada preta mostra a antiga forma do edifício vulcânico enquanto a linha tracejada branca indica o plano de deslizamento do edifício durante o colapso.
Figura 6 – Imagens do Serviço Vulcanológico da Indonésia (VSI) da erupção da noite de 10 de abril de 2020.

Outros vulcões também encontram-se em atividade na região, como o Karangetang, Merapi, Kerinci, Sangeang Api, Semeru, Ibu e o Dukono. Alguns destes vulcões (como o Merapi, o Kerinci e o Sangeang Api) estão relacionados ao arco vulcânico de Sunda, o mesmo arco vulcânico onde se localiza o Anak Krakatau (representado na figura 1). Deste modo, a erupção destes vulcões está associada, uma vez que a geração do magma que os alimenta deve-se ao mesmo processo geológico ocorrendo no mesmo contexto. O magma gerado em zonas vulcânicas é armazenado em grandes reservatórios chamados de câmaras magmáticas, que podem ter tamanho e forma bastante variados. Estes grandes reservatórios são significativamente mais volumosos do que sua expressão em superfície (os vulcões). Em zonas de regime tectônico convergente (isto é, onde as placas tectônicas se chocam) com formação de arcos vulcânicos, um mesmo reservatório/uma mesma câmara magmática pode alimentar diferentes vulcões ou, ainda, diferentes reservatórios podem estar interconectados. Processos de recarga do reservatório magmático e abalos sísmicos são alguns dos fatores que atuam como gatilhos de erupções. Sendo tais processos recorrentes em regiões tectonicamente ativas, é comum que diversos sistemas vulcânicos estejam ativos simultaneamente. O vulcão Karangetang localiza-se no arco Sangihe, enquanto que os vulcões Ibu e Dukono localizam-se no arco Halmahera. Embora não estejam geneticamente vinculados aos vulcões do arco de Sunda, todos estes sistemas são gerados pelo mesmo processo geológico, apenas ocorrendo em diferentes localidades. Que tal navegar pelo Google Earth e descobrir os vários sistemas vulcânicos da região? Basta clicar AQUI.

GLOSSÁRIO GEOLÓGICO E VULCANOLÓGICO – Entenda os termos utilizados pelos vulcanólogos:

Arco vulcânico: cadeia de vulcões que pode se estender por centenas a milhares de quilômetros cuja formação está relacionada a uma zona de subducção. O arco se desenvolve acima desta zona e pode ser do tipo oceânico (onde ocorre interação entre duas placas oceânicas; ex: Ilhas Aleutas, Antilhas) ou continental (interação em margem continental onde uma placa oceânica, por ser mais densa, é empurrada por debaixo de uma placa continental menos densa; ex: Andes)

Cone vulcânico: monte cônico íngreme formado pela acumulação de material vulcânico ejetado em (sucessivas) erupções.

Depósito de queda de cinzas: depósitos formados pela queda de material vulcânico finamente particulado (cinzas vulcânicos). As cinzas são ejetadas na atmosfera e, por serem pouco densas, sobrem formando uma coluna eruptiva que se dispersa.

Erupção freatomagmática: erupção explosiva que ocorre devido a interação do magma com água.

Erupção Stromboliana: tipo eruptivo de explosividade moderada onde gases e “coágulos” de lava incandescente de baixa viscosidade são ejetados. Recebe este nome por ser a erupção típica do vulcão Stromboli, na Itália.

Erupção Vulcaniana: tipo eruptivo de explosividade moderada a alta onde gases e cinzas vulcânicas são ejetados e formam colunas eruptivas que se expandem rapidamente. Recebe este nome por ter sido primeiramente descrita na ilha de Vulcano, na Itália.

Estratovulcão: Cone vulcânico de relevo bastante íngreme formado pela alternância de, majoritariamente, depósitos piroclásticos (provenientes de erupções explosivas) e, subordinadamente, derrames de lava viscosa. A composição química destes depósitos pode variar, sendo as composições mais silícicas (mais viscosas) mais comuns. Comumente, o formato cônico torna-se mais íngreme em direção ao cume, onde encontra-se uma cratera. Correspondem ao tipo mais comum de vulcão (cerca de 60% dos vulcões terrestres) e ocorrem principalmente nos limites convergentes de placas.

Fase paroxysmal: estágio mais violento (clímax) do ciclo eruptivo, no qual toda a cavidade da cratera encontra-se aberta, proferindo uma erupção particularmente violenta.

Fluxo Piroclástico: produto mais perigoso e destrutivo do vulcanismo explosivo. Formam avalanches de gases e material vulcânico de tamanho variado (desde muito fino – cinzas – até blocos de rocha em escala métrica) que resultam em um fluxo de baixa viscosidade e altas temperaturas (podendo variar de 100°C a 700°C) que se move muito rápido

Índice de Explosividade Vulcânica (VEI): escala numérica (logarítmica) que mede a explosividade de erupções vulcânicas. Varia de 0 (eventos não explosivos, menos de 10000 m3 de material vulcânico ejetado) a 8 (eventos muito grandes ou mega-colossais, com volume de material vulcânico ejetado superior a 1000 km3 e altura da coluna eruptiva acima de 25 km.

Zona de subducção: região de tectônica convergente onde uma placa (mais densa) é empurrada por debaixo de outra.

Referências

https://volcano.si.edu/volcano.cfm?vn=262000

https://vsi.esdm.go.id/index.php/gunungapi/aktivitas-gunungapi/3038-press-release-aktivitas-gunungapi-anak-krakatau-11-april-2020

https://volcano.si.edu/gvp_currenteruptions.cfm


Letícia Freitas Guimarães é geóloga, PhD em Petrologia pela Universidade de São Paulo (USP). Desenvolveu sua pesquisa nas rochas vulcânicas silícicas da Província Magmática do Paraná, trabalhando com análises geoquímicas e texturais quantitativas. Atualmente colabora na elaboração de um ranking de risco vulcânico para os vulcões da América Latina. É co-fundadora e diretora de relações acadêmicas na Associação Brasileira de Mulheres nas Geociências (ABMGeo) e colabora na página de divulgação científica dos pós-graduandos do IGc-USP (Instagram @divulgageologia).

Gostaríamos de agradecer sinceramente a Letícia por ter disponibilizado o seu tempo e aceitado o convite de escrever para o nosso blog. Como vocês puderam ver, não é “o fim do mundo”… Pelo menos por enquanto ;).

Melanina é encontrada em fóssil de pterossauro brasileiro

Molécula biológica responsável pela pigmentação de seres vivos foi encontrada preservada em um fóssil brasileiro de cerca de 110 milhões de anos, da região do Ceará! O fóssil em questão é de um pterossauro, um tipo de réptil voador da “Era dos Dinossauros”.

Reconstituição em vida de Tupandactylus, arte de Márcio Castro.
Reconstituição em vida de Tupandactylus, arte de Márcio Castro.

O estudo foi publicado hoje em uma das revistas científicas do prestigioso grupo Nature, a Scientific Reports, e inclui pesquisadores diversos países, liderados pelos paleontólogos brasileiros Felipe Pinheiro, da Universidade Federal do Pampa (Unipampa, Rio Grande do Sul) e o doutorando Gustavo Prado, da Universidade de São Paulo (USP, São Paulo).

“Isso ainda é muito distante Jurassic Park”, lembram os pesquisadores, mas o fato de encontrar uma molécula biológica tão bem preservada já é uma grande descoberta, que nos possibilita entender melhor como eram esses organismos do passado.

O fóssil de réptil voador analisado pertence a um Tupandactylus, um pterossauro de tamanho médio, com cerca de 3 metros de envergadura e que tinha uma crista bem alta na cabeça. Ele viveu no sul do Ceará, na região do Araripe, quando toda essa área era coberta por uma extensa laguna, durante a primeira metade do Período Cretáceo, há cerca de 110 milhões de anos.

O estudo também contou com a participação de pesquisadores do Japão e dos Estados Unidos. Trata-se da mais completa caracterização química de uma biomolécula fossilizada em um réptil.

“Embora sempre soubéssemos que os fósseis encontrados na região da Chapada do Araripe eram especiais em termos de preservação, foi uma surpresa quando as análises químicas mostraram que a melanina do bicho ainda estava lá. Parece que o pterossauro morreu ontem”, relata Felipe Pinheiro, paleontólogo da Unipampa.

Vários fósseis de Tupandactylus já foram descobertos na Chapada do Araripe. Porém, este preservou muito bem a crista do animal, o que levou os pesquisadores a quererem analisá-la mais de perto. A crista enorme, em forma de vela, provavelmente era utilizada, entre outras coisas, para atrair parceiros. Foi dela que os cientistas extraíram o pigmento.

Imagem do artigo monstrando os pontos amostrados no fóssil.

“A melanina é uma das moléculas mais resistentes aos processos de fossilização. Enquanto os outros compostos são degradados com o passar do tempo, esse pigmento resiste de forma mais ou menos intacta”, explica Gustavo Prado, que é especialista em pigmentos fossilizados.

Imagem do artigo, mostrando os corpúsculos esféricos presentes no fóssil, que conteriam a melanina.
Imagem do artigo, mostrando os corpúsculos esféricos presentes no fóssil, que conteriam a melanina.

Agora, a pergunta que não quer calar: Com essa molécula preservada, foi possível identificar a cor do animal?

Os cientistas que assinam o estudo são bastante céticos: “É complicado”, diz Pinheiro. “São muitos fatores envolvidos na coloração de um animal, e a melanina é só um deles”. Estudos anteriores reconstruíram a cor de aves e dinossauros com base na forma dos melanossomos, organelas responsáveis por armazenar melanina. A ideia é que o formato dos melanossomos poderia indicar a coloração. A caracterização química da melanina do Tupandactylus mostrou que não é bem assim. “Não encontramos correlação entre o formato dos melanossomos e o tipo de melanina identificada no pterossauro”, diz Gustavo Prado.

O novo estudo, portanto, desafia as inferências de coloração realizadas para organismos fósseis até então. Será necessário rever essa possibilidade e, à luz das novas descobertas, aperfeiçoá-la.

O grupo de pesquisadores continua investigando a preservação excepcional de fósseis da Chapada do Araripe, e afirmam que várias novidades ainda estão por vir. “Aos poucos ficamos cada vez mais próximos desses animais incríveis”, diz Pinheiro.

***

O trabalho completo está disponível em www.nature.com/articles/s41598-019-52318-y

O estudo foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Vespersaurus: Um novo dino brasileiro

Estudo publicado nesta quarta-feira (26/06/19) na revista Scientific Reports, do grupo Nature, apresenta uma nova espécie de dinossauro brasileiro, que viveu no Período Cretáceo, há cerca de 90 milhões de anos.

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Reconstrução em vida de Vespersaurus paranensis. Crédito da imagem: Rodolfo Nogueira.

O fóssil foi encontrado no município de Cruzeiro do Oeste, PR, e foi estudado por paleontólogos das universidades de São Paulo (USP) e Estadual de Maringá (UEM), além de pesquisadores do Museo Argentino de Ciências Naturales e do Museu de Paleontologia de Cruzeiro do Oeste. A nova espécie foi nomeada Vespersaurus paranaensis.

Vesper (do latim) significa oeste/entardecer, em referência ao nome da cidade onde foi descoberto o fóssil, e paranaensis faz uma homenagem ao Estado do Paraná, já que este é o primeiro dinossauro paranaense descrito.

Os fósseis da nova espécie de dinossauro pertencem a um grupo de dinossauros carnívoros chamados de Noasaurinae. Os Noasaurinae são abelissauros diferentões, de pequeno porte, encontrados desde a Argentina até Madagascar (com possíveis registros na Índia). Estes terópodes viveram em uma época em que os continentes do sul ainda estavam unidos, formando o Gondwana, e transitavam de um lado para o outro, cruzando um imenso deserto que existia entre o Brasil e a África.
Restos de Noasaurinae já eram conhecidos para o Brasil (veja Lindoso et al., 2012 e Brum et al., 2016), mas este é o material mais completo encontrado até o momento. É também o material mais completo de dinossauro terópode descrito para o Brasil até agora, com quase metade do esqueleto encontrado.

Figura-3
Representação tridimensional do esqueleto de Vespersaurus paranensis indicando (em cor sólida) os ossos que foram encontrados. Crédito da imagem: Rodolfo Nogueira.

O novo dinossauro possuía vértebras pneumáticas, que conferiam leveza ao seu esqueleto, como nas aves viventes, e um braço muito reduzido (com menos da metade do comprimento da perna). Porém, a sua característica anatômica mais peculiar eram os pés. Seu peso era praticamente todo suportado por um único dedo central, sendo o animal funcionalmente monodáctilo, como os cavalos. Os dedos que flanqueavam o dígito central, por sua vez, possuíam grandes garras em forma de lâmina, que deveriam servir para cortar e raspar carne.

Figura-1
Pata direita de Vespersaurus paranensis como preservada na rocha, note a garra do quarto dedo em forma de lâmina. Foto de Paulo Manzig.

As rochas do noroeste paranaense, nas quais Vespersaurus foi preservado formaram-se em ambientes desérticos, o que sugere que o animal deveria ser adaptado a esse tipo de clima. Na década de 70, em rochas relacionadas, o paleontólogo Giuseppe Leonardi descobriu uma ampla assembleia de pegadas fósseis. Algumas, feitas por um pequeno dinossauro bípede, carnívoro, aparentemente monodáctilo. À época não se conhecia nenhum animal com tais características ao qual elas pudessem ser atribuídas. Muito tempo depois, o produtor parece ter sido encontrado.

Figura-5
Reconstrução em vida do pé de Vespersaurus paranensis. Crédito da imagem: Rodolfo Nogueira.

Vespersaurus paranaensis não é primeira espécie cretácica a ser encontrada no noroeste do Paraná. No mesmo sítio fossilífero em Cruzeiro do Oeste foram descobertos também o lagarto Gueragama sulamericana e inúmeros indivíduos do pterossauro Caiuajara dobruskii. A descoberta de mais uma espécie fóssil em Cruzeiro do Oeste deve impulsionar as pesquisas paleontológicas na região.

Veja o artigo:

Langer et al., 2019. A new desert-dwelling dinosaur (Theropoda, Noasaurinae) from the Cretaceous of south Brazil. Scientific Reports https://www.nature.com/articles/s41598-019-45306-9

Demais referências:

Brum, A.S., Machado, E.B., de Almeida Campos, D. and Kellner, A.W.A., 2016. Morphology and internal structure of two new abelisaurid remains (Theropoda, Dinosauria) from the Adamantina Formation (Turonian–Maastrichtian), Bauru Group, Paraná Basin, Brazil. Cretaceous Research60, pp.287-296.

Lindoso, R.M., Medeiros, M.A., de Souza Carvalho, I. and da Silva Marinho, T., 2012. Masiakasaurus-like theropod teeth from the Alcântara Formation, São Luís Basin (Cenomanian), northeastern Brazil. Cretaceous Research36, pp.119-124.

Paleontólogos encontram fósseis de seis filhotes de antigos répteis no Rio Grande do Sul

Por Felipe Pinheiro

Reconstituição artística de um grupo de dinodontossauros. Arte de Márcio Castro.
 

Pertencentes à grande linhagem que daria, posteriormente, origem aos mamíferos, os dicinodontes eram os principais herbívoros durante boa parte do Período Triássico, há cerca de 240 milhões de anos. No Brasil, o dicinodonte mais comum é encontrado em algumas localidades do Rio Grande do Sul e chama-se Dinodontosaurus. Ele era um animal razoavelmente grande, podendo chegar a 500 kg e medindo até 2,5 metros de comprimento. Assim como o que acontece com vários grandes herbívoros atuais, sempre se especulou que o dinodontossauro andava em grandes bandos, em um comportamento que protegeria os animais dos ferozes predadores da época, como os répteis quadrúpedes Prestosuchus e Decuriasuchus, parentes dos atuais crocodilos e jacarés.

Recentemente, pesquisadores da Universidade Federal do Pampa fizeram uma descoberta surpreendente na cidade de Dona Francisca, Rio Grande do Sul: restos de pelo menos seis filhotes de dinodontossauro foram encontrados aglomerados uns sobre os outros, em uma associação bastante rara para os paleontólogos.

“Estava tudo uma confusão. Crânios e pedaços de mandíbulas misturados a ossos de braços, vértebras e costelas. Em uma análise cuidadosa, pudemos comprovar a existência de seis animais, mas é bastante provável que existisse muito mais do que isso”, relata Gianfrancis Ugalde, autor principal do trabalho científico publicado na revista internacional Historical Biology. Além de pesquisadores da Unipampa, o estudo contou com a participação de paleontólogos da Universidade Federal de Santa Maria e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Embora tivessem grandes presas que os defendiam de predadores, os dinodontossauros eram bastante vulneráveis ao ataque de grandes répteis. “A formação de manadas é bastante comum em herbívoros atuais”, diz o professor Felipe Pinheiro (Unipampa), que também assina o trabalho. “Além de ajudar na proteção contra predadores, as manadas contribuem em uma maior taxa de sobrevivência dos filhotes a riscos como fome e doenças. Os novos fósseis comprovam que esse comportamento surgiu muito antes da origem dos próprios mamíferos”, explica Felipe.

Embora a causa da morte dos bichinhos continue incerta, é provável que as carcaças tenham ficado expostas por um tempo razoável antes de serem soterradas e, centenas de milhões de anos depois, acabarem na bancada de estudo dos paleontólogos.

Referência:

Ugalde et al. (2018). Link para acessar artigo: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/08912963.2018.1533960?fbclid=IwAR2b92qDj9OeTNgxASfEoIWg5mwDKOwCqoEAoIZuugYy8vaHwT9aGH1VJoA&journalCode=ghbi20&