Vazamento de relatório do IPCC confirma fraude do aquecimento global. Só que não
EXISTEM DUAS CERTEZAS INESCAPÁVEIS sobre a mudança climática: uma é que as decisões políticas sempre estarão em descompasso com a gravidade do problema apontada pela ciência. A outra é que os relatórios periódicos do IPCC, que apontam o estado do conhecimento científico sobre o assunto, serão vazados antes de sua publicação.
O AR5, Quinto Relatório de Avaliação do painel do clima da ONU, que só será lançado em setembro de 2013, teve seu rascunho foi vazado na íntegra hoje por um cético do clima americano chamado Alec Rawls. Aparentemente, segundo conta o jornalista americano Andrew Revkin no blog Dot Earth, Rawls entrou de penetra no time de 800 revisores (“expert reviewers”) que o IPCC recruta para bater o olho no trabalho dos cientistas e procurar bobagens. A seleção não é lá muito rigorosa: para ser um revisor especialista, basta escrever para o painel e providenciar uma *autodeclaração* de que você é especialista(vou deixar você ler de novo). Conhecendo a Suíça, sede do IPCC, um país onde o transporte público não tem catracas porque afinal ninguém espera que alguém vá dar calote no bilhete, fica difícil entender como é os céticos não pensaram nisso antes.
Rawls disse que vazou o documento (disponível aqui), no site www.stopgreensuicide.com, porque o trabalho do IPCC é pago com dinheiro público e o público tem o direito de saber. E é preciso que o público saiba antes, porque, raciocina, as verdades inconvenientes da ciência que minam o a hipótese do aquecimento global são eliminadas pelo processo político na edição do sumário executivo do IPCC, para dar a impressão de que existe uma crise climática descontrolada e manter o público com medo.
E qual é o segredo que o IPCC esconde? Segundo o vazador confesso, uma frase no sumário executivo que supostamente põe por água abaixo a hipótese do aquecimento global antropogênico:
Many empirical relationships have been reported between GCR or cosmogenic isotope archives and some aspects of the climate system (e.g., Bond et al., 2001; Dengel et al., 2009; Ram and Stolz, 1999). The forcing from changes in total solar irradiance alone does not seem to account for these observations, implying the existence of an amplifying mechanism such as the hypothesized GCR-cloud link. We focus here on observed relationships between GCR and aerosol and cloud properties.
Traduzindo, aparentemente o IPCC está reconhecendo que uma relação entre raios cósmicos (GCR) e nuvens amplificaria a irradiação solar, cuja variação observada não explicaria sozinha a fatia natural do aquecimmento observado. Ou seja, há um fator natural de aquecimento que não estava bem contabilizado – ergo, o aquecimento global é natural e não antropogênico.
Há dois problemas com a teoria de Ralws. O primeiro é ela é mentira: como declarou o climatologista Steve Sherwood em reportagem no Guardian sobre o caso, o IPCC faz essa admissão só para dizer na sequência o que qualquer cientista sério sabe: mesmo que o elo entre nuvens e raios cósmicos seja verdade, as forçantes climáticas naturais ainda assim são uma fatia pequena do aquecimento observado. Pior ainda para os céticos, o AR5 declara que há 99% de certeza de que o desequilíbrio entre o calor absorvido e irradiado pelo planeta (ou seja, o efeito estufa) é causado por atividades humanas.
O segundo problema é que a teoria conspiratória de que o sumário executivo do IPCC é distorcido PELOS POLÍTICOS para assustar o povão ofende a inteligência de qualquer pessoa que já votou na vida. Está na cara que Rawls nunca foi a uma reunião de fechamento de um sumário do IPCC; bem, eu já. De fato os governos se metem na edição do sumário. Só que pada deixá-lo mais SUAVE, não mais alarmista. Não se esqueça de que o IPCC é um órgão da ONU, onde Arábia Saudita, Qatar, Venezuela, Canadá e EUA, os tradicionais empatas do clima, têm voz e vez.
O próprio IPCC soltou hoje uma nota oficial sobre o episódio, na qual se recusa a comentar conteúedo e mantém que o segredo decorre do fato de o AR5 ser uma obra ainda em progresso.
Fato é que o IPCC,como bem apontou Revkin, parece não estar adaptado aos tempos de Wikileaks, mesmo depois do Climagate e dos sucessivos vazamentos do Terceiro Relatório de Avaliação (para o próprio Revkin, em 2000, antes da COP de Haia) e do Quarto (para um monte de gente, em 2007). Alegando sofrer bullying dos céticos, o painel insiste em barroquices como segredo e contratos de confidencialidade com autores e revisores, apostando, com um grau de malícia verdadeiramente suíço, que é possível guardar segredo entre 2.000 pessoas e que um papel assinado é a garantia disso (eles não conhecem o Zé Serra).
A antropóloga dinamarquesa Myanna Lahsen, uma das maiores autoridades do mundo em céticos do clima, disse que a infiltração de um negacionista no IPCC emula a mesma estratégia que os cientistas usaram em 1998 para desacreditar a chamada Petição do Oregon, um abaixo-assinado de céticos contra a ciência do clima. “Personagens de Star Wars foram acrescentados à lista de supostos ‘cientistas legítimos’ que assinaram a petição”, contou a pesquisadora radicada no Brasil, que escreveu um artigo científico comentando o episódio.
Revkin sugere que o IPCC mude urgentemente seu processo de revisãopara uma fórmula parecida com a adorada pela revista PLoS. Não sei direito como é o processo da PLoS, mas acho que, uma vez que o IPCC não faz pesquisa, só revisa literatura, não faria mal se eles adotassem uma estratégia parecida com a dos físicos e matemáticos, que postam pré-publicações em sites como o Arxiv à espera de comentários. Não sei quão prático isso seria, dado o volume de informações, mas talvez ajudasse a tirar essa aura de segredo de polichinelo que cerca os relatórios do painel.