Cobras e lagartos
TIVE APENAS duas conversas brevíssimas com Paulo Emílio Vanzolini, e saí de ambas amaldiçoando o velho zoólogo. A primeira foi no começo da década passada, quando tive a imperícia de perguntar a Vanzo se ele já havia batizado alguma espécie que descobrira com um nome engraçado. “Quem é sério tem perfil baixo”, disparou o cientista. A entrevista durou dois minutos e meio. A segunda vez foi há alguns meses, durante um show de sua mulher, a cantora Ana Bernardo, no Bar do Alemão, na Pompeia. Fui cumprimentá-lo. Ele me estendeu a mão e virou a cara, como se dissesse “OK, agora desinfeta daqui e deixa eu terminar meu chope”, sob olhar constrangido da mulher (Ana seria vitimada pela indiferença do marido várias vezes durante o show).
Fato é que Vanzolini nunca gostou de perder tempo com bobagens. Essa intolerância se acentuou na velhice, fase da vida em que a gente mais pode se dar o luxo da sinceridade e que o herpetólogo paulista, morto ontem aos 89 anos, soube aproveitar muito bem (para azar de quem, como eu, estava na extremidade errada de sua metralhadora). A quem lhe perguntasse sobre sua carreira de compositor, um hobby que rendeu clássicos da MPB como Volta por Cima, Praça Clóvis e Ronda, Vanzo rosnava logo que nunca foi músico, mas sim especialista “em cobras e lagartos”.
Um amigo que estudou com uma das filhas do herpetólogo/sambista costumava contar, às risadas, que cada entrevista de Vanzo criava uma crise na família. Falava mal de todo mundo, e com gosto especial dos baianos Gilberto Gil (“insignificante”), Caetano Veloso e Maria Bethânia, sua mais famosa intérprete (“não é uma cantora, é uma declamadora”). Parecia, porém, reservar elogios à improvável Ivete Sangalo. Numa de suas últimas entrevistas longas, a Eduardo Geraque na Folha de S.Paulo, em 2008, disparou contra Marina Silva (“muito ruim”), João Paulo Capobianco (“o pior que tem”) e o então diretor do Museu de Zoologia da USP, Carlos Brandão (“é até meu sobrinho, mas é um imbecil completo”). Sobre Ronda, seu mais popular clássico, disse certa vez estar perplexo com o fato de o samba ter ficado entre os três finalistas num concurso para escolher a canção-símbolo de São Paulo. “Não entendo como uma música sobre uma prostituta que mata seu cafetão pode ser hino de São Paulo”, disparou. Não poupava nem Ernst Mayr, seu professor em Harvard e um dos biólogos mais influentes da história: costumava contar como Mayr havia vetado sua participação num congresso científico por Vanzolini ter deixado de citar os trabalhos do alemão num paper.
Filho de um professor da Escola Politécnica da USP, Paulo Emílio Vanzolini nasceu em São Paulo em 25 de abril de 1924. Aos dez anos ganhou uma bicicleta e fez sua primeira visita ao Instituto Butantã. Apaixonou-se por répteis. Quis seguir carreira em zoologia. Porém, aconselhado pelo biólogo André Dreyfuss, fundador do Instituto de Biologia da USP e amigo de seu pai, acabou se matriculando na Faculdade de Medicina da USP. “Se você quiser fazer zoologia de vertebrados, vá para a Faculdade de Medicina onde vai estudar anatomia, histologia, embriologia e fisiologia num curso básico de primeiro nível. O resto você rola com a barriga”, disse-lhe Dreyfuss, conforme o próprio Vanzolini relatou a Dráuzio Varella numa de suas entrevistas mais completas, republicada pela Folha em 2000. “Foi o que eu fiz e foi um conselho tão bom que, quando cheguei para fazer pós-graduação nos Estados Unidos, fui dispensado de vários créditos.” De fato, admitiu, empurrou o curso com a barriga. Nunca apareceu nas aulas de clínica médica nem no hospital.
Aos 24 anos, contra a vontade do pai, foi para os EUA, fazer pós-graduação em herpetologia no Museu de Zoologia de Harvard, então dirigido por Mayr, o “Darwin do Século XX”. “Fui para Harvard me achando o fino”, contou. “Tive um choque cultural tão violento ao descobrir o que era a zoologia moderna que quase desisti do projeto.”
Foi também na juventude que ele começou a compor. Nunca soube tocar nenhum instrumento e não tinha vergonha de admitir-se um desafinado total. Imaginava os sambas na cabeça e cantarolava-os a amigos músicos, como Luís Carlos Paraná. A paixão pelo boteco, da qual os sambas eram não mais do que um complemento, acabou tomando dimensões inesperadas e Vanzolini terminaria mais conhecido do público por seu hobby do que pela sua carreira real (evidência disso foi que sua morte hoje foi noticiada pelos cadernos de cultura, não de ciência). Em algumas ocasiões, unia os dois mundos, como quando recolheu a linda moda “Cuitelinho” numa expedição pelo interior paulista.
Sua maior contribuição à ciência seria dada nos anos 1960, num trabalho em colaboração com o geomorfólogo Aziz Ab’Sáber, o “Turco”, morto em 2011, e com o americano Ernest Williams. Encafifado com o processo de especiação de um lagarto do gênero Anolis, Vanzolini intuiu, com a ajuda de Ab’ Sáber, que as mudanças climáticas no Pleistoceno, que alternaram períodos de seca e de umidade na Amazônia, provocaram ora a expansão do cerrado para áreas que hoje são floresta, ora o contrário. Em ambas as situações, ilhas da vegetação retraída se mantinham no novo ambiente, deixando espécies isoladas. A barreira geográfica criada por esses refúgios, como ficaram conhecidos, facilitava a diferenciação das espécies. Isso explicaria o alto grau de endemismo, ou seja, de espécies só encontradas numa determinada região e em nenhum outro lugar, verificado hoje na Amazônia e no cerrado.
Em 1969, antes de publicar seu trabalho, o paulista recebeu da revista Science um trabalho para revisar. Era do alemão Jürgen Haffer, que estudara o processo de especiação de várias aves na Amazônia — e chegara exatamente à mesma conclusão de Vanzo e Williams. “Passaram a perna na gente”, disse Vanzolini a seu coautor americano. Haffer tinha a documentação mais completa. Mas ambos acabaram entrando em acordo (Haffer veio ao Brasil discutir os dados com Vanzolini) e publicando simultaneamente, no ano seguinte, a Teoria dos Refúgios.
Nos anos 1980, a teoria começou a cair em descrédito. Um dos tiros veio do pesquisador Paul Colinvaux, do Laboratório de Biologia Marinha dos EUA. Estudando amostras da paleoflora amazônica em sedimentos, ele e seus colegas concluíram que a Amazônia sempre esteve coberta por florestas — o avanço do cerrado na Era do Gelo não teria existido, pelo menos não na escala necessária aos refúgios. Outro ponto contrário à teoria veio do avanço da biologia molecular: as sequências genéticas de várias espécies da Amazônia faziam supor uma especiação muito anterior ao Pleistoceno. Haffer e Vanzolini nunca deixaram de defender a teoria, o primeiro admitindo, porém, que as mudanças climáticas responsáveis pela especiação podem ter ocorrido antes, no final do Terciário. Em 2008, um grupo da Unesp publicou no periódico PLoS One um estudo sobre especiação de saúvas que confirmava, em essência, a ideia dos refúgios, embora de forma um tanto diferente da teoria original.
Vanzolini andava desgostoso com o samba, devido à morte de vários de seus parceiros ao longo dos anos e às úlceras que lhe mandaram por quase dois mese à UTI em uma ocasião e lhe roubaram o prazer da cachaça. Mas também perdera nos últimos tempos colaboradores importantes na ciência, como Ab’Sáber. De certa forma, Vanzo sobreviveu também à morte de sua disciplina, a biologia evolutiva de organismos, sepultada pela biologia molecular. Era o maior representante no Brasil de uma geração de zoólogos de “unhas sujas”, como costumava dizer, de gente que andava no mato caçando, abrindo e empalhando bichos para descrevê-los (numa ocasião, quando o Greenpeace buscava uma foto de um macaco descrito por ele para uma campanha sobre a Amazônia, Vanzo apresentou imagens do bicho taxidermizado e xingou os ambientalistas quando declinaram sua oferta). Pouca gente quer seguir carreira em zoologia no país que detém a maior biodiversidade do mundo e que carece de sistematas para dar conta de conhecer essas espécies antes que o agronegócio, as hidrelétricas e a mineração levem-nas embora. A profissão de zoólogo foi, além de tudo, instrumentalizada pela indústria do EIA-Rima, frequentemente para dizer aos empreendedores o que eles querem ouvir — que não, não há espécies raras, endêmicas ou ameaçadas no caminho da estrada ou da barragem. Vanzo era símbolo de uma geração de cientistas que olhava a floresta para tentar entendê-la como fim, não como meio. Em meio à maior crise da biodiversidade desde o Pleistoceno, profissionais como ele farão falta.
Brasil, potência antártica em 2018?
TRINTA ANOS DEPOIS da viagem inaugural do Barão de Teffé, o Brasil começa a falar sério sobre a Antártida. Pela primeira vez, um plano de ação para a pesquisa científica no continente é elaborado por cientistas e recebe a bênção da burocracia estatal. Ele está desde quarta-feira em consulta pública no site do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, que o encomendara a um grupo de líderes da pesquisa polar como revisão do Proantar, o Programa Antártico Brasileiro. O plano traça um conjunto de objetivos a serem atingidos nos próximos dez anos em cinco áreas do conhecimento, aponta novos campos de investigação para os quais o Brasil deveria olhar e traz uma visão ambiciosa: tornar o Proantar um programa de excelência internacional até 2018, garantindo ao Brasil o reconhecimento como “um dos líderes nas investigações sobre o papel dos processos polares no hemisfério Sul”.
A relevância de um programa antártico robusto para o Brasil deveria dispensar comentários. Como gosta de dizer o glaciologista Jefferson Simões, da UFRGS, relator do plano de ação, a Antártida controla 50% do clima do país. Tem papel direto, para falar a língua que nossos governantes entendem, no PIB do agronegócio. É chave para a compreensão do efeito das mudanças climáticas no resto do planeta e na América do Sul em particular. Nações emergentes, como a Coreia do Sul e a China, têm também usado seus programas antárticos ao mesmo tempo como indutores e “showcases” de seu desenvolvimento tecnológico. O Brasil, para variar, está atrasado em se lançar candidato a potência científica polar (como em tudo o mais que se refere ao papel estratégico da ciência nas decisões de governo), mas antes tarde do que nunca.
A revisão da parte científica do Proantar havia sido pedida já em 2011 pelo secretário de Políticas de Pesquisa do MCTI, Carlos Nobre, mas o processo foi atropelado, ironicamente, pela tragédia do incêndio na Estação Antártica Comandante Ferraz, em fevereiro de 2012, que matou duas pessoas.
O novo plano incorpora basicamente toda a ciência feita hoje sob o guarda-chuva dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia que investigam a Antártida, um liderado por Simões no Rio Grande do Sul e outro por Yocie Valentim no Rio de Janeiro. Porém, traz uma clivagem fundamental em relação à tônica do Proantar: os projetos de balcão desaparecem. Toda a pesquisa passa a ser organizada em torno de cinco eixos ou programas:
1 – Interações gelo-atmosfera: o papel da criosfera no sistema terrestre e o registro de mudanças ambientais (um jeito elegante de dizer “glaciologia);
2 – Efeitos das Mudanças Climáticas na Biocomplexidade dos Ecossistemas Antárticos e suas Conexões com a América do Sul (um jeito elegante de dizer “biologia”);
3 – Mudanças e Vulnerabilidade Climática no Oceano Austral (um jeito elegante de dizer “oceanografia física”);
4 – O papel da Antártica na evolução e ruptura do Gondwana e na evolução do Atlântico Sul (um jeito elegante de dizer “geologia”);
5 – Dinâmica da alta atmosfera na Antártica, interações com o geoespaço e conexões com a América do Sul (um jeito elegante de dizer “meteorologia”).
Pesquisa induzida por eixos não é exatamente novidade no Proantar: aconteceu em 2002, quando o dinheiro do CNPq desapareceu e o programa foi salvo pelo Ministério do Meio Ambiente, que formou duas redes temáticas; e durante o Ano Polar Internacional, em 2007/2009, no qual 11 linhas de pesquisa foram contempladas com verba. Se o novo plano colar e decolar (e é um grande “se”), essa democracia excessiva que pulverizava verbas escassas em projetos muitas vezes inúteis (ou de qualidade questionável) vai acabar. Demorô.
O plano de ação aponta, ainda, novas áreas de investigação, como lagos subglaciais (tema quentíssimo que o Brasil não tem sequer ferramentas para investigar), micróbios patogênicos (o papel de aves migratórias e pinguins na gestação, por exemplo, de cepas novas de gripe) e psicologia de grupos humanos sob pressão extrema estão entre as indicações. Conexões com o Ártico e formação de professores em ciências antárticas completam a lista de desejos.
A visão delineada no plano, porém, precisa de dois recheios importantes. Primeiro, de “benchmark”: como saberemos se chegamos a potência antártica em 2018? Como medir essa excelência? Depois, falta aquilo que os diplomatas chamam de “meios de implementação”: bufunfa. Quanto será necessário? Em quanto tempo? De onde o dinheiro virá? Essa informação precisa surgir no fim da consulta pública, sob pena de o plano não ser nem ao menos apreciado no Palácio do Planalto.
Por fim, é preciso lembrar que o Proantar não é feito só por cientistas. Metade do programa, e a metade onde está o dinheiro grosso, é de logística, a cargo da Marinha. E a Marinha do Brasil tem um problema fundamental com a Antártida, que é a falta de quadros específicos para o Proantar. Meios operativos são muitas vezes subutilizados por conta da falta de experiência dos militares, que fazem rodízio a cada três anos na região. Operações polares dependem de conhecimento acumulado, algo que não existe na estrutura logística brasileira. Um comandante que não quer arriscar navegar num campo de gelo fino mesmo sabendo que seu navio foi projetado para isso pode pôr uma pesquisa a perder. A Marinha sempre se achou dona do programa, não sem razão: são os militares que garantem o funcionamento das coisas mesmo em tempo de vacas magras para a ciência. A tomada das rédeas pelo MCTI, que ora se ensaia, pode criar conflitos sérios com a Defesa, mas esta é uma briga que precisa acontecer há muito tempo para que as coisas possam avançar num patamar diferente.
Outra oportunidade está nas operações aéreas. Hoje o Brasil usa dois aviões Hércules C-130 para levar passageiros e carga até a ilha Rei George, onde o Chile tem uma base aérea. Se quisesse, a FAB poderia treinar seus pilotos com os chilenos e os argentinos para pousar no gelo, o que daria ao Brasil mobilidade para operar no interior do continente (os cientistas que fazem isso hoje contratam empresas de transporte polar). Isso nunca foi feito, entre outras razões porque a frota é limitada e não pode ficar dedicada ao polo Sul. Mas essa situação pode mudar: os Hércules estão se aposentando, e o avião que os substituirá, o KC-390, está sendo feito pela Embraer. “É nosso sonho”, diz Simões sobre a nova aeronave e a perspectiva de seu uso na Antártida (que de resto seria um belo marketing para a empresa). Só falta combinar com a Defesa.
#400ppmday
O AQUECIMENTO GLOBAL, esse fenômeno que só existe na cabeça de fanáticos de esquerda como eu e a Angela Merkel, continua a brindar-nos com novas bizarrices para assistir em tempo real. Nos últimos dez anos, nós já vimos o esfacelamento das plataformas de gelo Larsen-B e Wilkins, o encolhimento do mar congelado no Ártico, o degelo superficial de toda a Groenlândia, a temporada de furacões de 2005, duas secas recorde na Amazônia e a volta do Renan Calheiros várias epidemias de dengue. A nova tragédia nos chega com antecipação: em algum momento do mês que vem, poderemos ver a concentração de gás carbônico na atmosfera bater as 400 partes por milhão (ppm) pela primeira vez em pelo menos 850 mil anos. Para comemorar esse dia especial, proponho uma grande celebração na sede da Convenção do Clima da ONU: o 400 ppm Day. Com webcast para a Casa Branca, o Itamaraty e a sede do PC Chinês.
Saberemos que o CO2 chegou lá quase em tempo real, graças à internet e aos esforços incansáveis de Charles David Keeling, um cientista da Universidade da Califórnia em San Diego, EUA, que dedicou sua vida a medir as concentrações do gás num observatório construído no alto do vulcão Mauna Loa, no Havaí. Keeling começou a fazer suas medições em 1958, em dois momentos: na primavera e no outono do hemisfério Norte. A plotagem dos dados produziu um dos gráficos mais famosos da ciência, a curva de Keeling, reproduzida acima. Ela dá a medida da aceleração sem precedentes na história humana das concentrações de gases-estufa produzidas pela queima de combustíveis fósseis e pelo desmatamento nas últimas décadas. Quando Keeling montou seu observatório, o CO2 estava em 318 ppm. Durante toda a era pré-industrial, até onde os registros confiáveis de química atmosférica vão (ou seja, 850 mil anos atrás), ela jamais ultrapassou 280 ppm. Quando eu comecei a cobrir esse assunto, em 2000, ela estava em 360 ppm. Pouco mais de uma década depois, baterá os 400. O Instituto de Oceanografia Scripps, ao qual pertence o observatório de Mauna Loa, inaugurou até um serviço de atualização da curva em tempo real. Com a morte de Keeling, em 2005, o bastão passou para seu filho, Ralph.
A marca, porém, será temporária: a concentração de CO2 chega ao pico sempre na primavera setentrional por causa da decomposição das folhas que caem no hemisfério Norte (onde está a maior parte das terras emersas) no outono e no inverno, e cai à medida que novas folhas sequestram carbono na atmosfera. Isso dá à curva seu padrão característico em serrote, mas basta olhar para ela para perceber qual é a tendência.
E a tendência, como diria Marco Aurélio Garcia, é top-top. Vamos cair um pouquinho na nossa primavera, para ultrapassar a barreira dos 400 ppm para valer no ano seguinte. E 400 ppm, só para registrar, era o limite inferior de estabilização do CO2 na atmosfera para que o mundo tivesse uma chance de 50% de manter o aquecimento global em “apenas” 2 graus Celsius em relação à era pré-industrial neste século. Como nossos diplomatas resolveram deixar esse assunto para 2020, a chance de estabilizarmos o carbono no limite de 450 ppm (ponto médio entre 400 e 500) é, para dizer de um jeito educado, muito pequena.
O legal do 400 ppm Day é que, para comemorá-lo, você não precisará sair da rotina nem fazer esses sacrifícios bobinhos que o Grinpís e os pandas exigem de você uma vez por ano. As sugestões deste blog para marcar a data:
– Tome um banho bem demorado logo de manhã (se o chuveiro for a gás, tanto melhort) e deixe as luzes acesas.
– Saia com seu carro. Se for flex, abasteça com gasolina. Ah, esqueci: você já faz isso (quem é que guenta pagar esse álcool, né?).
– Coma um bifão no almoço e agradeça a São Aldo e a Santa Kátia de Palmas pelo novo Código Florestal, que nos deu comida barata e, er…, sustentável.
Como você viu, são coisas que a gente faz todos os dias que garantem o sucesso do 400 ppm Day. Eu, por boa medida, vou aproveitar e abrir um belo Pinot Noir da Borgonha: a cepa tem tido quebras de safra com o aumento da temperatura, mas justamente por isso o vinho tem ficado cada vez melhor.
O desmatamento subiu e ninguém viu
QUINTA-FEIRA SANTA, véspera de feriado. Ministra do Meio Ambiente na Indonésia. Presidente do Ibama convoca entrevista coletiva para dar os dados do desmatamento na Amazônia. Entre agosto de 2012 e fevereiro de 2013, o ronco da motosserra disparou: 26,6% de crescimento em relação ao mesmo período do ano anterior. Dois jornais noticiaram, discretamente. Ficou nisso.
O Ministério do Meio Ambiente escolheu o dia, a hora e o porta-voz a dedo para abafar a disparada, num momento em que o desempenho ambiental (logo ele) aparece como uma das razões da popularidade descaralhante-que-nem-o-cogumelo-gigante de Dilma Rousseff, a presidenta-TPM. Soltou um press release dando um belo spin na má notícia, desmentido já previamente pelo contraspin do Greenpeace. Aparentemente o ministério comemora que a devastação tenha caído entre agosto e fevereiro, mas deixa eu contar um segredo: cai todo ano entre esses meses, porque chove na Amazônia. Se o índice acumulado subiu quase 27% no final do ano é porque a coisa pode ficar bem feia de maio em diante, quando começa a estação seca e o pau canta (ou melhor, chora) na floresta. Por menos do que isso Marina Silva baixou a lista dos municípios campeões de desmatamento, que deu no que deu nos anos seguintes.
É direito do ministério apresentar sua versão dourada dos fatos. Afinal, qualquer cidadão com acesso à internet pode ir até a página do Inpe na internet checar a real dos dados do Deter. Ou pelo menos podia.
Desde a disparada de 220% em agosto os dados do sistema não são postados na internet com a frequência prometida. Depois que o site O Eco flagrou o pulo da devastação, o Inpe prometeu que colocaria os dados do Deter no ar de 15 em 15 dias. Mas nem mesmo a frequência mensal foi mantida, já que o sistema ficou meses sem atualização. Em 2008, quando o desmatamento disparou (também no segundo semestre) e o governo de Mato Grosso jurava que não, o Inpe moveu céus e terra para provar que seus dados estavam certos. “A transparência dos dados do Deter é uma conquista da sociedade brasileira”, repetia na época o diretor do instituto, Gilberto Câmara. É preciso que a sociedade cobre o Inpe pela manutenção dessa conquista.
O governo tenta reagir ao crescimento do desmate como sabe: na porrada. A esperança é que o dado do Prodes, o sistema que dá a taxa oficial, fique estável ou mesmo caia em 2012/2013, mas, assim como a política econômica lulodilmista, o efeito da pancada tem uma eficiência cada vez mais baixa com taxas mais baixas de desmate. E a flexibilização da legislação ambiental, no governo Dilma, juntamente com o avanço do PAC sobre a Amazônia, não ajudam muito na contenção.