Pornô florestal

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UMA VEZ que a Ancine não vai mais poder bancar putaria, venho preventivamente satisfazendo minha sede de pornô com uma coisa muito mais picante que Bruna Surfistinha: os dados de desmatamento do Inpe. Confesso, despudoradamente, que virei um voyeur do Terra Brasilis. Todos os dias, enquanto minha mulher não está olhando, abro o computador cheio de lascívia para ver aquele gráfico vermelho enooorme subindo sem parar. Coração palpitando, assisto via satélite e em tempo real a uma suruba de proporções épicas: um país inteiro fodendo a Amazônia. Morra de inveja, Reinaldo Moraes.

Como todo vício, a coisa começou devagar. Umas espiadinhas quinzenais em maio, quando a potente verga começou a subir depressa, embalada pelo Viagra de mil motosserras. Em junho a tara me pegou de jeito, quando descobri casualmente que o corte raso estava no rumo de ser um dos piores da série histórica; o peep-show ficou semanal. Agora, em julho, não largo o site de sacanagem nem durante as férias. Tô quase procurando tratamento.

Uma amiga jornalista, sabendo do meu fetiche, me ligou na noite da última sexta-feira (19) dizendo que estava no Terra Brasilis na página de alertas do sistema Deter-B, mas que achava estar fazendo alguma besteira na hora de filtrar o dado: afinal, na manhã de quinta o Observatório do Clima havia publicado no Twitter que o desmatamento em julho estava em 981 km2. Agora, 36 horas depois, estava em 1.209 km2. Certamente ela havia errado em algum lugar. Refiz a busca com minha experiente mão esquerda (sou canhoto) e… não, minha amiga não havia feito nada errado. Os alertas de desmatamento de fato haviam subido 228 km2 em um dia e meio – dez campos de futebol tombando por minuto. Julho de 2019 é disparado o mês com mais alertas desde que o Deter-B entrou em operação, em 2015/2016. Como sabemos, julho de 2019 ainda está a uma semana e meia do fim. No momento em que escrevo, manhã de sábado, estamos em 1.260 km2. Como reparou um gaiato no Twitter, a escala do gráfico do Inpe só vai até 1.300 km2.

O Deter-B é um sistema de alertas. Não serve para medir área desmatada, conta feita apenas uma vez por ano pelo seu irmão mais velho, o Prodes. O Deter é, como o nome indica, uma ferramenta para orientar a fiscalização do Ibama, então ele precisa ser rápido. O trade-off da velocidade é a resolução: suas imagens são um pouco míopes, então o sistema não é capaz de enxergar todo o desmatamento. No ano passado, por exemplo, o Deter-B apontou 4.572 km2 de alertas entre agosto e julho (o “ano fiscal” do desmatamento vai de agosto de um ano a julho do ano seguinte). O Prodes, divulgado em novembro, deu uma estimativa de 7.900 km2, depois corrigida para 7.500 km2. Até dia 19 de julho, o Deter estava apontando um agregado de 5.838 km2, que, no atual ritmo, passará fácil de 6.000 km2 até o fim do mês. Apenas como experimento mental, aplicando a mesma diferença de 64% vista no ano passado entre Deter e Prodes, chegaremos à beira dos 10 mil km2 de desmatamento na Amazônia no primeiro ano da Nova Era. Sério, se você está perdendo tempo no X-Videos, corra para o Terra Brasilis pra ver o que é sacanagem de verdade.

Na última vez que o desmatamento na Amazônia esteve em cinco dígitos, em 2008, ainda não existia Instagram, Obama ainda não era presidente e a Alemanha era apenas o país de quem a gente tinha vencido a Copa de 2002.

A causa da fodelança com nossas matas é autoexplicativa. Temos um Presidente da República eleito sob a promessa de detonar o meio ambiente, sob a promessa de castrar o Ibama, sob a promessa de perseguir ONGs e acabar com os direitos de povos indígenas e outras minorias. Esse presidente recebe conselhos de spin doctors ambientais e tem como ministro do Meio Ambiente um homem que pratica o duplipensamento e se orgulha de “meter a foice no Ibama”. Na real, com o panão que Brasília tem passado sucessivamente para o crime ambiental, espanto seria se o desmatamento não tivesse disparado.

Se você foi um dos 58 milhões que elegeram esse senhor achando que ele não estava falando sério, que o que importa mesmo é “tirar o PT” ou, sei lá, que usar verba de gabinete para “comer gente” é cool, sinto muito, queride: sua digital e seus fluidos corporais estão lá, no surubão do correntão, em cada pau tombado e cada hectare grilado na Amazônia. Tomara que seu conje descubra.

Em defesa do governo Bolsonaro, é preciso reconhecer que o presidente e seus ministros não esperaram o desmatamento sair de controle para alvejar o mensageiro. Desde antes de assumir o cargo, o improbo que ocupa o Ministério do Meio Ambiente já vem tentando botar no rabo do Inpe, dizendo ora que o Deter-B “não consegue distinguir desmate legal de ilegal”, ora que seus dados “não servem para orientar a fiscalização” (o que é meio como dizer que geladeiras não servem para conservar alimentos), ora que eles não servem para “prevenir” desmatamento. Ergo, é preciso comprar na iniciativa privada – claro – um sistema de alertas “diários”. (Considerando que o Ibama pouco foi a campo na Amazônia desde janeiro, e não é por falta de vontade de seus agentes, um sistema de alertas diários serviria apenas para alimentar o voyeurismo de tarados como eu.) O ministro tem dito em entrevistas que o desmatamento já vem subindo desde 2012, como se houvesse uma força alienígena misteriosa elevando a taxa e o governo não tivesse nenhuma responsabilidade sobre a tendência.

Mas o condenado do Meio Ambiente tem companhia no coro anti-Inpe. Sua supervisora de estágio, a ministra da Agricultura, disse que o dado do Deter tinha “problemas técnicos”. E o general chefe do Gabinete de Segurança Institucional grasnou que “o dado é manipulado”. Para não ficar atrás dos subaltas, visto que em tese tem o pinto maior, o Presidente da República não se limitou a criticar o dado: já partiu para o ataque pessoal, sentenciando que o diretor do Inpe está “a serviço de alguma ONG”. A leviandade, que afronta o artigo 8º da Lei 1.079/50, ganhou resposta à altura no dia seguinte.

O que me deixa particularmente chocado não são os zurros de praxe de Bolsonaro, mas o silêncio sepulcral do setor que em tese mais tem a perder caso o Brasil se consolide no papel de pária ambiental do mundo: o agronegócio. O comportamento de suas lideranças, de seus ideólogos e de seus representantes eleitos nos sete primeiros meses de governo Bolsonaro me dá a certeza de que o tal “agro moderno” que o Brasil tentou vender durante os últimos 15 anos nunca passou de um ogro arcaico esperando para tomar o poder e restaurar a ordem pré-1988. Todos os sinais dados pelo governo com seu discurso e seus atos antiambientais sugerem que a produção rural no Brasil não pode prescindir da derrubada de florestas e de um ou outro índio morto. O agropop, ao se calar, aparentemente está consentindo com isso.

Luiz Cornacchioni, da Abag (Associação Brasileira do Agronegócio), que fez uma solitária defesa pública do Código Florestal que Bolsonaro tentou destruir duas vezes, inclusive ao arrepio do Congresso, talvez seja a tal exceção que prova a regra. A Sociedade Rural Brasileira, que não muito tempo atrás se pintou de verde para se diferenciar dos radicais da bancada ruralista, tomou o lado do ministro do Meio Ambiente (egresso de seus quadros) quando oito ex-titulares da pasta contaram em público o segredo de polichinelo de que o rapaz está desmontando a governança ambiental do Brasil. A ministra da Agricultura, como vimos, vai a Bruxelas jurar que o agro brasileiro é plenamente sustentável e, ao pousar no Brasil, completa a frase com um “sustentável nos termos que eu definir”. A bancada ruralista no Congresso está possivelmente distraída demais com os orgasmos múltiplos que o Planalto lhe propicia para olhar com alguma objetividade para o noticiário.

Os produtores-executivos da pornochanchada amazônica devem estar pensando que os compradores das commodities brasileiras são idiotas que vão engolir bangue-bangue, repressão a ONGs, devastação galopante e o eventual dado manipulado ou censurado de desmatamento em plena era do Google Earth. Têm razões para pensar assim, porque o mercado mais exigente do Brasil, o europeu, está se comportando como tal ao fechar um acordo comercial que ficou empacado por 20 anos na semana em que os jornais anunciavam a escalada da destruição. A mensagem que fica para aquele agro que estava pensando em sair do armário da omissão é: “pra que se desgastar e falar alguma coisa, se a gente está ganhando tudo?”

É uma aposta alta no estado estacionário, colegas. Eu, no vosso lugar, não gostaria de estar na ponta errada de um retrocesso civilizatório, mas cada um, cada um; ainda somos livres até mesmo para nos aliarmos a liberticidas. Ocorre que o mundo gira e a Lusitana roda: Merkel e Macron podem até ter pagado de patetas diante de Bolsonaro na semana do fechamento do acordo, mas a guerra ainda não está ganha. A opinião pública no Brasil engole cada vez menos a balela do desmatamento necessário; os PVs europeus, empoderados após a eleição, e os agricultores franceses, protecionistas até a medula, estão querendo fazer com vocês, como dizíamos nos anos 80, o que o cavalo fez com a égua. Esta vai ser uma sacanagem definitivamente interessante de assistir.

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