Geni e a pandemia

É, EU SEI, só apareço aqui uma vez por ano e só pra falar de Chico Buarque. Não me levem a mal; é que, além de ser o maior compositor que já caminhou sobre a Terra, manter a sanidade no Brasil de hoje demanda tratamento contínuo com doses elevadas de Chico Buarque.

Eis que dia desses estava ouvindo no rádio o Toni Ramos ser vacinado e fazendo juras de amor à ciência. Nada contra o Toni Ramos, mas muita gente ultimamente tem cantado loas a essa instituição tão vilipendiada. “É a Geni de hoje em dia”, pensei. E pimba: a Geni. Aí montei essa historinha com o que eu acho que vai acontecer com a ciência no Brasil quando o atual pesadelo pandêmico passar.

Geni e a pandemia

De tudo que é nego torto
De governo peso morto
Ela já levou pedrada
Teve corte nos fomentos
Perdeu seus equipamentos
E ficou quase sem nada

Ela inventou vacina
Viagra e penicilina
Vigiou fogo no mato
Avisou do clima quente
Verdade inconveniente
Separou mito de fato

E também foi amiúde
Melhorando a saúde
E nos dando mais porvir
Ela sabe o que é verdade
Por isso a sociedade
Vive sempre a repetir

Cala a boca da Geni!
Corta a bolsa da Geni!
Ela só quer badernar
Ela não quer produzir
Ela irrita qualquer um, maldita Geni!

Um dia surgiu furtivo
De um morcego, fugitivo
Um micróbio de Pequim
Contaminou edifícios
Entrou pelos orifícios
Quando a gente fez “atchim!”

O planeta apavorado
Se quedou paralisado
Pronto pra virar geleia
Mas de um palácio brilhante
Saiu algum governante
Dizendo: “tive uma ideia!”

“Aqui na nossa cidade
Tem uma universidade
Que eu queria implodir
Mas posso evitar a engronha
Se em vez de plantar maconha
Essa inútil nos servir”

Essa inútil era Geni!
Mas não pode ser Geni!
Ela quer nos trancafiar
Não deixa a gente sair
Ela irrita qualquer um, maldita Geni!

Mas de fato, logo ela
Tão centrada, tão singela
Sequenciara o forasteiro
Cada gene lazarento
Que o tornava virulento
Ela conhecia inteiro

Acontece que a donzela
(e isso era segredo dela)
Também tinha seus caprichos
“Se a Natália é comunista
Se o Atila é alarmista
Cês se virem com os seus bichos!”

Ao ouvir tal heresia
Até o Dória, quem diria
Foi beijar a sua mão
Juraram tomar consciência
E o repórter de ciência
Virou o Rei da redação

Faz vacina, faz, Geni!
Faz vacina, faz, Geni!
Você pode nos salvar
Você vai nos redimir
Você encanta qualquer um, bendita Geni!

Foram tantos os pedidos
Tão sinceros, tão sentidos
Que ela dominou seu asco
Num ritmo alucinante
Preparou imunizante
E testou frasco por frasco

Apesar do início lento
Vimos Milton Nascimento
Felizmente vacinado
E num ansiado dia
Derrotou-se a pandemia
Num país esfacelado

Ao vencer a peste abjeta
Pegou sua bicicleta
E saiu pra trabalhar
Mas nem bem cruzou a pista
O coro negacionista
Não deixou ela avançar

Cala a boca da Geni!
Corta a bolsa da Geni!
Ela só quer badernar
Ela não quer produzir
Ela irrita qualquer um, maldita Geni!

Bye, bye, Brasil

Este não é um post de ciência. A menos que seja.

Não, coração,

Não foi só apertar um botão

Teu crime não vai ter perdão

Quando o pesadelo passar

Tu vai aprender a votar

Podia até ser o Collor

Mas merda no ventilador

Você fez questão de jogar

O desmatamento explodiu no Pará

E agora tem óleo no mar

Talvez fique ruim pra pescar, meu amor

No Tocantins

O chefe dos parintintins

Morreu por falta de UTI

Foi gripe, alega você

“Seria pior com o PT”

Tua argumentação é uó

Estou me sentindo tão só

Mas não encosta em mim!

Pedir AI5 é ilegal

Tem milícia na capital

Você acha que isso é normal,

Meu amor?

A Damares

É uma maluca infeliz

Vetou requebrar os quadris

Não quer beijo gay nos gibis

Eu já tô fichado na Abin

Melhor nem passar por Manaus

Tem corpos dentro do hospital

O SUS lá já colapsou

Você jura que é tudo conspiração

Compara o Coiso a um leão

Não faz essa arminha com a mão,

Por favor

Baby, bye bye

Isola tua mãe e teu pai

Eu acho que vou desligar

Tua ficha jamais vai tombar

Eu vou escutar um Rennó

De você eu não tenho dó

Peguei gripezinha em Ilhéus

Mas já tô quase bom

A polícia do Ceará

Achou graça em se amotinar

E o Moro ainda foi apoiar

O horror! O horror!

Bye bye, Brasil

Será que a tua ficha caiu?

Você odeia índio, que eu sei

Não venha dizer que “talkei”

Esse verme é um fora-da-lei

Eu quero emigrar, podes crer

Só ver o Brasil na tevê

Sair do Twitter também

Eu não sou um homem de bem

Mas a ligação tá no fim

Já fui rastreado na Abin

A democracia acabou

Vê só o que você provocou

O teu fanatismo é uó

Estou me sentindo um bocó

Tentando te fazer pensar

Quando a quarentena passar

Falar umas verdades pra ti

Dizer que eu sobrevivi

Com a benção de Nosso Senhor

Tá faltando respirador.

A canção original e genial de Chico Buarque e Roberto Menescal você ouve aqui.

A foto é uma reprodução de TV pescada das internetes.

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