Todos os gringos do relator
OS RURALISTAS estão dodóis. Depois que o projeto de lei patrocinado por eles para miar o licenciamento ambiental no Brasil afundou por W.O. na Câmara dos Deputados na semana passada, eles buscaram reagir como puderam. Primeiro, tentaram emplacar a versão de que o ministro do Meio Ambiente estaria negociando com eles a retomada do polêmico texto do deputado Mauro Pereira (PMDB-RS) no ano que vem. O governo desmentiu. Agora, partem para o capítulo seguinte do seu manual de guerrilha ideológica, cujas instruções parecem ser: “Quando tudo mais der errado, culpe as ONGs estrangeiras”.
Foi o que fez a FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) ontem num comunicado distribuído à imprensa. O título é bom: “Ambientalistas, deem licença!” (até o imperativo eles usaram direitinho). Trata-se de uma espécie de repúdio à nota de repúdio ao substitutivo de Pereira assinada por mais de 250 organizações, redes e especialistas e divulgada na semana passada.
O comunicado parece um pot-pourri de clichês antiambientalistas e teorias conspiratórias xenófobas. E é. Seria fácil ignorá-lo como mimimi de derrotados, mas convém prestar atenção a ele por dois motivos: primeiro, porque as palavras “ruralistas” e “derrotados” não costumam andar juntas na mesma frase. Segundo, porque o discurso (ou a “narrativa”, para usar o termo da moda) subjacente à mensagem é um “copia-e-cola” do que foi usado na discussão do Código Florestal, entre 2010 e 2012 – e todo mundo sabe no que deu.
Ele integra uma ofensiva da bancada do boi e de seus acólitos por uma desregulamentação ampla, geral e irrestrita para o agronegócio, um setor que parece achar que governo bom é governo morto – exceto para lhes dar 200 bilhões por ano em crédito subsidiado e de rolar 30 bilhões por ano em dívidas. Tal ofensiva vem recrudescendo nos últimos meses, na mesma medida em que cresce a dependência do Palácio do Planalto dos votos ruralistas na Câmara e que o Ministério do Meio Ambiente retoma sua função primária de proteger o meio ambiente. Em 2010, o alvo dos ruralistas era a lei de florestas; em 2017, anotem, será o licenciamento (e novamente a lei de florestas).
O arrazoado de argumentos do comunicado da FPA é facilmente desmontável por qualquer pessoa que tenha à mão o Kit de Detecção de Mentiras de Carl Sagan. Várias passagens chamam a atenção, entre elas o non sequitur de dizer que o agronegócio “precisa de licença ambiental para crescer” precedido da informação de que é “o setor mais exitoso da nossa economia” (insira mentalmente aqui o GIF do John Travolta confuso). Mas vou me ater aqui ao espantalho favorito dos ruralistas: a noção de que “ONGs estrangeiras” estariam agindo em nome de interesses inconfessáveis para minar a competitividade do agro brasileiro com essa bobagem de manter árvores em pé.
Esse conto do estrangeiro malvado foi usado e abusado pelo agrocomunista Aldo Rebelo durante o debate do Código Florestal. Ele cola com setores pouco esclarecidos do eleitorado à direita e à esquerda. Só que tem vários problemas.
O primeiro deles é ser um ataque ad hominem: busca-se desqualificar um oponente não pelas ideias que apresenta, mas por um traço pessoal, no caso, a nacionalidade (não é difícil ver quão facilmente isso descamba para outras características, como cor de pele, orientação sexual ou partido político; quem duvida assista a este vídeo). O segundo, que deriva diretamente do primeiro, é a quantidade de evidências a apoiar a tese da conspiração: zero.
Mas fica pior do que isso. Diz a FPA sobre o projeto de Mauro Pereira:
“o substitutivo foi objeto de transparentes debates e acolhimento de sugestões de dezenas de instituições, ressalte-se, genuinamente brasileiras” (Grifo meu.)
Hm, será mesmo?
Como ambientalista não tem mais o que fazer (segundo alguns representantes do agronegócio), resolvi checar os sites de algumas das organizações que teriam supostamente contribuído com o relatório de Pereira. Descobri em poucos minutos que várias das associações empresariais que a FPA chama de “genuinamente brasileiras” são, assim, meio Mangabeira Unger: a fachada é brazuca, mas o sotaque, na real, é gringo. Segue aqui uma lista nada exaustiva de corporações estrangeiras ou multinacionais que integram algumas dessas instituições:
ABRACE (Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia):
- Anglo American
- Bayer
- Arcelor Mittal
- Cargill
- Dow Corning
- Akzo Nobel
- Air Liquide
- Dow
- Clariant
- Alcoa
SINDAN (Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal)
- Bayer
- Boeringer Ingerheim
- Cargill
- Eli Lilly
- Idexx
- Ilender
- Konig do Brasil
- Merck
ANDEF (Associação Nacional de Defesa Vegetal)
- Dupont
- Syngenta
- Monsanto
- Basf
- Bayer
- Sumitomo Chemical
- Arysta Lifescience
- Dow
- Nichino do Brasil
ABRACEEL (Associação Brasileira dos Comerciadores de Energia Elétrica)
- Duke Energy
- Engie (ex-GDF Suez)
ABIAPE (Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia)
- Samarco
- Arcelor Mittal
- Monsanto
- Tyssenkrupp
- Alcoa
Todas essas empresas atuam na defesa de interesses comerciais legítimos. E ninguém tem nenhuma evidência de que elas estejam atuando em concerto para transformar o Brasil numa grande plantação de soja visando abastecer seus países-sede e condenar os brasileiros à fome. Ou, no caso das empresas de energia, que queiram barrar até o último igarapé da Amazônia para exportar eletricidade para os Estados Unidos – vai saber. A menos que os gringos dos ambientalistas sejam todos “do mal” e os gringos de Mauro Pereira sejam todos “do bem”, o foco na nacionalidade é só espuma.
Há, inclusive, evidências na direção oposta em ambos os lados. O Fundo Amazônia, abastecido com dinheiro de doações internacionais (às vezes o mesmo que financia as ONGs), hoje banca a ação de um órgão federal, o Ibama, sem que ninguém veja nisso uma intrusão na soberania nacional. E, graças à Operação Lava Jato, a sociedade vem descobrindo que empresas – essas sim – genuinamente brasileiras têm conduzido seus negócios de forma pouco republicana. Enfraquecer o licenciamento ambiental atende diretamente aos interesses dessa patota.
Se a bancada ruralista estivesse de fato interessada em debater o desenvolvimento do Brasil, trocaria o disco dessa mistificação xenófoba boboca e questionaria sua santa aliança com a tchurma da carceragem de Curitiba. Mas, como sabemos, a única coisa que eles querem é fazer cortina de fumaça. Para poder passar o trator por trás.