Homem-legenda lê o artigo de Temer

temeroso

A ÁGUA, PELO VISTO, BATEU NA BUNDA. Depois de ser amplamente e justamente fustigado pelo seu pacto de sangue com a bancada ruralista, o presidente Michel 3% Temer resolveu pagar de verde. Publicou hoje na Folha de S.Paulo um artigo enaltecendo as supostas conquistas de seu governo na área ambiental. O timing é bom para a propaganda: em duas semanas começa a conferência do clima de Fiji e em dois dias a Câmara deve salvar o presidente de uma suspensão por corrupção, graças aos votos dos inimigos do meio ambiente, dos direitos humanos e do desenvolvimento.

Para lembrar que Temer ainda é o presidente que patrocina o maior ataque ao meio ambiente da história da redemocratização (e isso concorrendo com um páreo duríssimo, Dilma Rousseff), anotei aqui o que o homem dos 3% não disse em seu texto.

Assinei no último fim de semana, durante visita ao nosso belíssimo Pantanal, patrimônio nacional e da humanidade, a maior e mais inovadora iniciativa ambiental do governo -a conversão de multas na preservação da natureza.

No curto prazo, cerca de R$ 4,5 bilhões devidos aos cofres públicos poderão ser diretamente aplicados em ações efetivas de recuperação ambiental.

Tal volume de recursos, que não dependerá do Tesouro Nacional, é uma verdadeira revolução para o setor. Hoje, a maior parte das multas não é paga, sendo alvo de litígio durante anos nos tribunais.

Agora, mediante desconto e sob critérios do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), as multas se transformarão em investimentos ecológicos em todo o país.

A conversão de multas de fato é uma boa ideia e tem potencial de carrear recursos para a recuperação, que é o que interessa. É um pleito antigo da presidente do Ibama, Suely Araújo, que no entanto vinha sendo barrado pela Casa Civil, liderada por um homem acusado de grilagem e desmatamento ilegal. Nada como uma mudança de contexto político.

A proposta, porém, não está livre de polêmicas. O economista Cadu Young, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, se opõe a ela com argumentos muito razoáveis, que merecem discussão. Disse Young no Facebook (a palavra-chave é “anistia”): “O que sucede aqui é o fechamento do “crime perfeito”: as verbas e pessoal para fiscalização ambiental são cortadas, mas ainda sim algumas multas são aplicadas. O agente infrator usa todo subterfúgio para não pagar essas que são aplicadas. Não há pressão por parte do Executivo (em todos os níveis, não é apenas Federal) para que essas multas sejam, de fato, cobradas. Como as multas nunca são cobradas, viram “multas podres” e qualquer trocado que entrar, sob forma monetária ou, melhor ainda, em forma de serviços (já que o orçamento ambiental foi estrangulado) acaba sendo “celebrado”. Por outro lado, como o infrator sabe que não será punido, persiste cometendo o crime, aguardando a próxima anistia. Na prática, isso equivale a dizer que é uma política “de papel’, “sem dentes”, “para inglês ver”, ou qualquer outra expressão que signifique que o Poder Executivo Federal reconhece que as multas aplicadas pelos seus agentes na área ambiental não devem ser levadas a sério, e por isso mesmo ninguém paga. (Apenas para efeito de ilustração, isso é conhecido na literatura como “incentivo perverso’).”

Já temos parceiros —a começar por órgãos públicos e estatais— interessados em aplicar cerca de R$ 1 bilhão em projetos nas bacias do São Francisco, Iguaçu e Alto Paraguai.

Além de proteger as nascentes e os cursos d’ água, essa primeira iniciativa vai garantir ocupação e renda para as populações ribeirinhas -engajadas em programas de reflorestamento de matas ciliares com o sugestivo nome de “Plantadores de Rios”.

Se Temer estivesse assim tão preocupado em gerar ocupação e renda para as “populações ribeirinhas”, não teria acabado com o Programa Bolsa Verde, criado por sua antecessora, que fazia exatamente isso. O programa caiu de R$ 14 milhões em 2016 para R$ 400 mil em 2017 e teve sua extinção decretada para 2018 na Proposta de Lei Orçamentária. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, 74 mil famílias foram atendidas em 2016.

Como nos demais setores, também no meio ambiente adotamos ao longo desses 16 meses de governo um conjunto de medidas modernizantes, sempre em diálogo com a sociedade, governos locais e organismos internacionais.

Está mentindo, tindo, tindo. Temer regrediu em proteção às unidades de conservação, propondo a maior desafetação de uma UC federal da história (350 mil hectares da Flona Jamanxim entregues a grileiros); regrediu na proteção a direitos indígenas, adotando a tese esdrúxula do “marco temporal”; regrediu na contenção do principal fator de desmatamento, a grilagem de terras, anistiando-a por MP; e tentou entregar 46 mil quilômetros de Amazônia aos mineradores (teve de recuar depois da grita global). Não consultou ninguém além de seus parças na bancada vigarista ruralista para fazer tudo isso.

Também acabei de editar uma medida provisória que cria um fundo com recursos de compensação ambiental (devidos pelas obras de infraestrutura que impactam a natureza), a ser administrado pelo Instituto Chico Mendes.

O Instituto Chico Mendes teve o maior corte orçamentário de sua história em abril deste ano, quando Temer reduziu em 43% a verba discricionária do Ministério do Meio Ambiente. Os recursos da compensação ambiental sempre existiram, o que precisa é fazê-los rodar, o que o ICMBio não consegue porque não tem estrutura e não tem estrutura porque não tem orçamento.

A nossa lista de realizações é extensa. Ampliamos áreas de reservas e parques nacionais,

Temer foi o presidente que menos criou unidades de conservação desde a ditadura. Neste ano foram apenas duas. É preciso, porém, reconhecer o esforço do ministro Sarney Filho para ampliar o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, e para converter Alcatrazes em área protegida.

fechamos Candiota (RS), a maior termelétrica a carvão do país,

A Justiça Federal derrubou o embargo à usina poucos dias depois do fechamento, em setembro de 2016. Em março deste ano, uma das unidades da usina foi desativada. Mas não dá para dizer que Candiota foi “fechada”. Além disso, o governo licenciou neste ano outra térmica a carvão na região, a de Ouro Negro.

ao mesmo tempo em que incentivamos a produção de energia limpa;

O Plano Decenal de Energia 2026, colocado em consulta pelo governo Temer, prevê que 70,5% dos investimentos em energia na próxima década serão em combustíveis fósseis. O PDE ignora solenemente os carros elétricos. O plano de eficiência veicular em discussão no governo livra veículos a diesel de metas de economia de combustível até 2032. Nesta sexta-feira, serão leiloados novos blocos do pré-sal. Cadê essa energia limpa, tiozão?

exigimos a reparação dos danos do desastre de 2015 em Mariana (MG)

O Ministério Público exigiu.

e investimos mais de R$ 50 milhões em ações de controle na Amazônia.

“Investimos” é muita gente. Na verdade, quem “investiu” foi a Noruega, já que o dinheiro é doação do Fundo Amazônia, que em tese jamais deveria ser usado para uma função precípua do Estado. Temer, ao contrário, CORTOU VERBA da área ambiental em 43%, só para lembrar (Donald Trump cortou a dele em 31%). Troca-se dinheiro do Tesouro (que vai, por exemplo, para perdoar a dívida do Funrural) por grana internacional de doação. Que, a propósito, foi cortada em 50% porque o desmatamento cresceu em 2015 e 2016.

Como reflexo disso, também na semana passada, anunciamos, com base no monitoramento oficial por satélites, a redução de 16%, em relação a 2016, do desmatamento da floresta amazônica. Foi a primeira vez em cinco anos que revertemos essa curva.

É muito cedo para falar em “reversão da curva”. Entenda aqui.

As ações de conservação da Amazônia e a participação da população local no processo de valorizar a “floresta em pé”, como costuma dizer o ministro Sarney Filho, serão apresentadas pelo Brasil na próxima Conferência das Partes (COP 23) sobre mudança do clima, marcada para novembro, em Bonn, na Alemanha.

Boa sorte para ele.Vai precisar.

Estamos honrando os compromissos firmados no Acordo de Paris, cujas metas são observadas em nossas políticas públicas.

O desmatamento está 70% acima da meta estabelecida para 2020 na lei brasileira de mudança do clima. Ainda está em tempo de cumprir as metas de Paris, que receberam um generoso empurrão da recessão deixada pelos governos Dilma. Mas Temer vai na direção oposta.

É isso que nos garantirá, como destacado neste encontro de autoridades e ambientalistas do qual participei em Miranda (MS), investimentos bilionários do Fundo Global para o Meio Ambiente não só no bioma do Pantanal, mas também da Caatinga e do Pampa.

O Brasil é obrigatoriamente um recipiente de boa parte do GEF, mas por motivos alheios à vontade de Temer: é o maior país tropical do mundo e tem mais capacidade de execução do que outros países em desenvolvimento. Nada de novo aqui.

O potencial ambiental do Brasil é inegável e precisa ser sustentavelmente manejado. Conscientes disso, acabamos também de sancionar um projeto de lei, originário do Legislativo, que criou o Produto Interno Verde (PIV). Agora, nós poderemos calcular e dimensionar, frente aos demais países, o nosso patrimônio ecológico. Uma riqueza que certamente nos destacará —e que é vital não só para nós, mas também para o futuro do planeta.

Vou esperar sentado o IBGE divulgar o PIV todos os anos na mesma coletiva do PIB. Mas vou esperar mesmo é o governo inserir na agenda da equipe econômica medidas para aumentar o PIV. Até onde dá para ver, o que Michel 3% Temer tem feito nos últimos 16 meses é aprofundar nossa recessão ecológica.

E 2017, é culpa de quem?

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QUANDO CHOVEU EM BRASÍLIA na semana de 20 de setembro, eu comemorei em vez de xingar o engarrafamento. Até que enfim um ano em que as chuvas começaram quase na época de costume, após mais de 110 dias de seca. Juntando isso com um inverno em que fez frio também como antigamente, parecia que o ano seria enfim normal – após os malabarismos climáticos de 2015, quando em vez de estação chuvosa tivemos uma onda de calor de 45 dias que quebrou todos os recordes, e de 2016, quando o inverno durou uma semana.

Pelo visto, comemorei cedo demais. Entre 22 de setembro e 16 de outubro não caiu uma gota d’água no DF. Em vez disso, tivemos um repeteco em miniatura da onda de calor de 2015, com temperaturas da casa dos 35 graus de dia e 26 à noite (a máxima recorde da cidade foi 36,5oC, batida em 2015). Depois de eu escrever a primeira versão deste texto, a imprensa confirmou que o domingo (15) superou os dois recordes de 2015, com 37,3oC medidos pelo Instituto Nacional de Meteorologia em Águas Emendadas, a cerca de 25 km da minha casa. A média histórica para o mês de outubro, o mais quente do ano na cidade, é e 27,5oC. A timeline do meu Facebook foi invadida por memes de calor no fim de semana (como o que ilustra este post). A quentura e a secura põem pressão adicional nos reservatórios de uma cidade que está há dez meses racionando água. Se não chover copiosamente a partir da segunda quinzena de outubro, as represas não vão se recuperar e 2018 será ano de mais racionamento.

Não há nada de normal nisso tudo.

Olhando para fora da minha aldeia, 2017 definitivamente não teve nada de normal. No hemisfério Norte, o abre-alas do verão foram os incêndios florestais que deixaram mais de 60 mortos em Portugal. Em julho e agosto, foi a vez da onda de calor apelidada Lúcifer, que deixou o sul da Europa com temperaturas manauaras. Ao mesmo tempo, 158 incêndios florestais atingiram a Colúmbia Britânica, no Canadá. Agosto viu ainda incêndios de grandes proporções no sul da Groenlândia – a pior temporada desde o início dos registros.

Em setembro quem brilhou foi o Oceano Atlântico, com a temporada de furacões mais danosa já registrada na história. Até agora foram dez, começando com Franklin e chegando a Ohpelia (que atravessa o oceano neste momento numa estranha trajetória rumo à Europa), incluindo três simultâneos (Katia, Irma e José), dois de categoria 5, a máxima na escala (Irma e Maria), o mais forte já registrado no Atlântico (Irma) e três supertempestades tocando terra nos EUA e no Caribe (Harvey, Irma e Maria, que devastou a ilha de Porto Rico). Até agora foram mais de 300 mortos e prejuízos ainda por contabilizar, mas estimados em mais de US$ 200 bilhões.

De volta a Pindorama, no mesmo mês de setembro o Brasil bateu seu recorde mensal de queimadas (106 mil registradas pelo Inpe), tornando 2017 o sétimo ano com maior número de incêndios desde o início dos registros, em 1998 – e isso a dois meses do fim do ano. E, já que estamos falando de fogo, outubro seguiu com uma temporada de incêndios sem precedentes na Califórnia, com mais de 30 mortos e prejuízos sérios para a indústria vinícola americana. Água, por outro lado, sobrou no Rio Grande do Sul, atingido por tornados, microexplosões e tempestades.

Em 2015 e 2016, dois dos três anos mais quentes da história, nós tínhamos um bode expiatório para os extremos climáticos. O biênio foi do El Niño “Godzilla”, que ajudou a elevar o aquecimento da Terra de 0,85oC para 1oC acima dos níveis pré-industriais no ano passado, secando porções do globo como o Nordeste brasileiro e o oeste americano. Só que o El Niño submergiu em meados de 2016, e a fase inversa da oscilação, o La Niña, que ajuda a resfriar o mundo, não veio nem de longe com a mesma intensidade. Em 2017 não temos o “ruído” das oscilações climáticas naturais de curto prazo. A música que toca ao fundo, numa sucessão decidida de compassos que deve nos levar ao segundo ou terceiro ano mais quente nos registros, parece ser mesmo a do aquecimento global.

De fato, o planeta em 2017 se assemelha uma encenação daquilo que os modelos climatológicos previam para este século num cenário de crise climática. Condições oceânicas semelhantes ao El Niño: check. Furacões mais intensos, mais incêndios florestais e ondas de calor mais frequentes: idem. Invernos anormalmente frios e com muita neve, como o deste ano no hemisfério Norte: também. Para ficar apenas no Brasil, a seca no Nordeste (que vai entrar no sétimo ano), o calor extremo no Norte, no Sudeste e no Centro-Oeste, os baixos níveis dos reservatórios e as chuvas mais intensas no Sul são exatamente o que os modelos climáticos globais regionalizados pelo Inpe prognosticavam para o meio do século.

Obviamente, atribuir cada um desses extremos de forma unívoca aos efeitos dos gases-estufa acumulados na atmosfera é temerário. Por outro lado, cada vez mais cientistas vêm apontando para um fato óbvio: nada do que acontece hoje na atmosfera da Terra pode ser dissociado do fato de essa atmosfera estar em média 1oC mais quente do que em 1850. Portanto, de certa forma, mesmo que nem tudo seja culpa do aquecimento global, tudo é culpa do aquecimento global.

Enquanto mais um ano de extremos fode com a gente se abate sobre a Terra, uma quantidade enorme de energia é desperdiçada na ágora por um monte de gente boa tentando persuadir a Dona Maria com dados e fatos de que o problema é real e causado por nós. É precisamente como a indústria fóssil quer que a gente aja: perdidos na cortina de fumaça argumentativa enquanto eles tentam espremer até o último centavo de lucro vendendo óleo e carvão e ao mesmo tempo buscam formas de competir com a Tesla e os painéis solares chineses.

O real debate que deveria estar sendo travado agora diz respeito a proteger pessoas e ecossistemas. Como Brasília e São Paulo vão evitar a próxima crise hídrica? Como os moradores de São Francisco de Paula poderão se proteger de tornados a tempo? Que decisões prefeituras, fazendeiros, seguradoras e o mercado imobiliário precisarão tomar para lidar com um presente que não é mais como o passado e com um futuro que será uma versão piorada do presente, qualquer que seja a causa das mudanças? E o que fazer com pessoas menos afortunadas do que eu, que não têm dinheiro para comprar um aparelho de ar-condicionado – e que mal têm acesso a energia?

Perdemos muito tempo aprisionados na armadilha da atribuição. É um espaço confortável, no qual homens brancos com instrução superior e salas refrigeradas podem se digladiar em teoria e sonhar em resolver o problema no atacado, com acordos internacionais, NDCs e grandes esquemas de precificação de carbono. É óbvio que não há saída de longo prazo para a crise sem atacar suas causas e zerar emissões antes de 2050.

Mas no mundo real o disco virou para a ação local de construção de resiliência. É uma conversa muito mais complicada, já que envolve necessariamente o pequeno poder, a esfera municipal, o código de obras e outras coisas sem o menor glamour – além de interlocutores com os quais boa parte das pessoas com instrução superior prefeririam não precisar lidar, como aquele prefeito do Pros ou aquele vereador do PP. Essas pessoas e, a bem da verdade, todas as outras, precisam entender que as referências e a experiência não são mais guia para o futuro. E que rezar pela chuva ou contratar o Cacique Cobra Coral não são a resposta.

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