Aids 3.0

Matéria publicada na Unesp Ciência de outubro de 2011.

Depois de três décadas de luta contra o HIV,o tratamento garantiu vida longa aos pacientes; mas agora a medicina se depara com outro problema: envelhecer com a doença é envelhecer mais cedo

Nos 30 anos que se passaram desde que os primeiros casos de Aids foram confirmados nos Estados Unidos, o papel da medicina em relação à doença evoluiu de “expectadora da catástrofe” a controladora muito eficiente da replicação viral, permitindo aos soropositivos viverem livres das infecções oportunistas e por muito mais tempo. Mas se a conquista da longevidade foi umas das principais vitórias na luta contra a Aids, hoje a ciência se vê mais uma vez diante de um desafio. Justamente por causa dessa convivência prolongada com o vírus da imunodeficiência humana, o HIV, a doença está revelando uma nova face.

O avanço promovido, a partir de 1996, pelo uso combinado de drogas potentes, o chamado coquetel, possibilitou que muitos já convivam com o HIV há mais de dez anos, passando a sensação de que os pacientes regularmente medicados teriam toda a vida pela frente como qualquer pessoa. Tal percepção mudou, porém – pelo menos entre os especialistas.

Um número crescente de estudos mostra que “a terapia anti-HIV previne as complicações associadas à Aids e prolonga a vida, mas não restabelece completamente a saúde”, como frisaram os editores da revista Annals of Internal Medicine em outubro do ano passado, numa edição dedicada ao tema do envelhecimento precoce ou acelerado – o mais novo verbete no léxico de pesquisas em torno da Aids.

O acompanhamento dessas pessoas ao longo dos últimos anos vem demonstrando que envelhecer na companhia do HIV é, infelizmente, envelhecer mais rápido. Uma série de problemas típicos da senescência, como infarto, derrame, osteoporose, demência e câncer, não são apenas mais comuns numa parcela significativa desta população, como tendem a aparecer mais cedo. Também é fato que, embora alguns destes males sejam causados pelo uso continuado da medicação, vários outros estão relacionados à persistência prolongada do vírus no organismo.

“Com o tratamento, nós resolvemos o pior dos problemas, que eram as infecções oportunistas”, diz o infectologista Alexandre Naime Barbosa, pesquisador da Faculdade de Medicina da Unesp em Botucatu. O paciente que faz o uso correto da medicação, explica ele, consegue manter a carga viral no sangue em níveis baixos ou até mesmo indetectáveis por muitos anos. Assim, os linfócitos CD4, que são o alvo do HIV, são poupados, e as defesas imunológicas do organismo seguem funcionando.

“O problema é que existem outros sítios de replicação do vírus, onde a maioria dos medicamentos não consegue chegar”, diz o médico. São eles o sistema linfático e o sistema nervoso central.

O sistema linfático é uma rede complexa de ductos e gânglios distribuídos pelo corpo todo, cujas principais funções são remover o excesso de líquido dos tecidos e produzir as células imunológicas. O sistema nervoso central envolve o cérebro e a medula espinhal. Refugiado nesses dois compartimentos, fora do alcance dos medicamentos, o HIV continua se replicando.

A reação, ainda que sem sucesso, do sistema imunológico a essas infecções localizadas gera um estado inflamatório que se prolonga enquanto o vírus se replica. A inflamação permanente se dissemina pelo corpo e acaba trazendo prejuízos a vários órgãos e tecidos, com efeitos que só são sentidos em longo prazo.

Inflamação permanente
“É esse estado inflamatório crônico que vai desencadear ou acelerar várias doenças associadas ao envelhecimento”, explica Barbosa. Pesquisas indicam que, de forma geral e com muita variação individual, o processo de envelhecimento nos soropositivos tratados está adiantado em cerca de 15 anos em comparação à população geral.

Um dos trabalhos pioneiros nessa área realizados no Brasil foi feito por Barbosa no Hospital Dia Domingos Alves Meira, um centro multidisciplinar especializado no tratamento de HIV e hepatites virais, ligado à Faculdade de Medicina da Unesp em Botucatu (FMB). Lá são acompanhados cerca de 600 portadores de HIV. Cerca de 20% deles têm também VHC, o vírus da hepatite C, doença que ataca o fígado e leva à cirrose.

Em seu doutorado, defendido em 2010, o infectologista demonstrou pela primeira vez que os pacientes coinfectados evoluem para cirrose mais rápido que aqueles que têm apenas hepatite C. Estudos feitos em outros países têm mostrado que a convivência com o HIV pode levar a uma maior vulnerabilidade do fígado, predispondo–o a doenças degenerativas, entre elas o câncer. Problemas renais também vêm sendo relatados de forma mais frequente nos soropositivos.

Outra área que chama a atenção dos infectologistas é a das doenças cardiovasculares, principal causa de morte na população geral no mundo todo. Nos portadores do HIV, elas tendem a se manifestar antes do esperado, como tem observado o cardiologista João Carlos Hueb, também pesquisador da FMB, num projeto de pesquisa em andamento em Botucatu e financiado pela Fapesp. “Não é raro termos pacientes de 40 anos com um nível de aterosclerose que estamos acostumados a ver em pessoas de 60 anos”, conta.

A pesquisa prevê a avaliação cardiovascular de todos os pacientes com HIV atendidos no Hospital Dia. O objetivo é conseguir isolar qual é a contribuição da convivência com o vírus no risco de infarto, acidente vascular cerebral e outros eventos desta natureza.

Não é uma tarefa simples, porque há diversos outros fatores envolvidos comuns a qualquer pessoa, como alimentação, tabagismo, hereditariedade e o envelhecimento em si; e outros ainda decorrentes dos medicamentos anti-HIV, que sabidamente tendem a reduzir o colesterol bom (HDL) e a aumentar os triglicérides, contribuindo também para a aterosclerose.

O estudo, que deve gerar resultados no ano que vem, vai analisar ainda a contagem de linfócitos CD4 dos pacientes e a variabilidade genética do vírus que cada um deles carrega. “A ideia é tentar descobrir por que esses problemas afetam boa parte deles, mas não todos”, explica Hueb.

Embora a experiência clínica não deixe dúvida de que os soropositivos adoecem mais de doenças cardiovasculares, os especialistas não falam em números, seja do percentual de pacientes afetados, seja do quão maior é esse risco. Ainda não há estudos suficientes, e a maioria dos trabalhos já feitos envolve um número limitado de pacientes. “Isso vai ficar mais claro quando pudermos reunir mais evidências e fazer metanálises”, justifica o cardiologista.

Envelhecimento cerebral
Em relação às doenças degenerativas que afetam o cérebro dos portadores de HIV, o panorama já é bem mais claro. De 30% a 60% deles têm alguma queixa cognitiva leve e outros 15% apresentam demência em grau moderado ou grave. Nesses casos é muito mais fácil isolar a causa: a inflamação gerada pela própria presença do HIV, que encontra no sistema nervoso central um território livre da ação da maioria dos medicamentos.

A inflamação crônica e as toxinas liberadas pelo vírus levam a danos progressivos no tecido cerebral, explica a psicóloga Flávia Heloísa dos Santos, da Unesp em Assis, que pesquisa distúrbios neurocognitivos nesses pacientes.

“Há perda de sinapses (as conexões entre neurônios) e de substância branca (responsável pela transmissão rápida do impulso nervoso)”, explica. As células gliais, que auxiliam o funcionamento dos neurônios, também são prejudicadas. Nos casos mais avançados, a tomografia mostra que as lesões se concentram em regiões específicas do cérebro, levando a lentidão mental e motora, dificuldade para tomar decisões e aumento da impulsividade.

Ao contrário das outras doenças do envelhecimento associadas ao HIV, das quais os cientistas só começaram a se dar conta nos últimos anos, os distúrbios neurocognitivos e a demência não são novidade para os profissionais da área, mas ainda não recebem a devida atenção, segundo Flávia. “A meta principal do tratamento sempre foi manter o paciente vivo. Esse é o olhar do médico, da família e do próprio paciente”, diz. “Não se costuma achar muito relevante quando ocorrem os primeiros esquecimentos, quando a fala dá sinais de lentidão.”

A evolução do quadro é bastante variável entre os pacientes, explica a psicóloga. Como para qualquer pessoa que envelhece, independentemente de ter ou não HIV, o exercício mental, o grau de escolaridade, a atividade física e uma boa alimentação são fatores que exercem certa proteção contra o problema. Também é possível mudar a composição do coquetel, incluindo drogas capazes de atingir o sistema nervoso central, embora haja dois inconvenientes: estes medicamentos causam mais efeitos colaterais e o número total de comprimidos diários aumenta, o que pode comprometer a adesão ao tratamento.

Para propor essa mudança na medicação, porém, o médico depende de uma avaliação neuropsicológica do paciente – prática que não é rotina no tratamento dos portadores de HIV no Brasil. E até há pouco tempo não havia ferramentas apropriadas para isso. Recentemente, a psicóloga de Assis concluiu um projeto no qual uma série de escalas e questionários, já usados para esse fim nos Estados Unidos, foi traduzida para o português e adaptada à realidade brasileira. Esses instrumentos estão sendo aplicados, em caráter experimental, nos pacientes atendidos no Hospital Dia de Botucatu.

Reformulação de diretrizes
Com todos esses distúrbios associados ao envelhecimento incidindo mais rápida e frequentemente nos portadores de HIV, o tratamento da infecção tende a passar por mudanças nos próximos anos. “É o começo de uma nova fase”, afirma Barbosa. O tema foi um dos principais destaques da conferência anual da Sociedade Internacional de Aids, da qual o pesquisador participou em julho passado em Roma. Segundo ele, alguns estudos já avaliam a possibilidade de lançar mão de medicamentos que possam prevenir ou retardar o estado inflamatório crônico causado pela persistência do HIV.

Uma noção das mudanças que estão por vir foi apresentada pelo infectologista Steven G. Deeks, da Universidade da Califórnia em São Francisco, numa extensa revisão sobre o assunto na edição de fevereiro passado da revista Annual Review of Medicine:

“Qualquer droga destinada a idosos que avance nos estudos clínicos deve ser considerada para possível uso em portadores de HIV jovens tratados […] Drogas aprovadas que tenham efeito anti-inflamatório e sejam usadas em idosos devem ser estudadas em indivíduos com HIV. Espera-se que modificações no estilo de vida, incluindo exercício e mudanças na dieta, possam provar-se benéficas como complemento aos regimes antivirais convencionais.”

O novo cenário levanta também outro debate: quando a terapia anti-HIV deve ser iniciada? Atualmente, no Brasil, alguém diagnosticado com o vírus só começa a usar os medicamentos quando a contagem de linfócitos CD4 cai abaixo de 350 células por milímetro cúbico.

Especialistas questionam se a administração mais precoce das drogas anti-HIV não ajudaria a combater os processos inflamatórios decorrentes da replicação viral sem controle na corrente sanguínea, o que poderia retardar o avanço de doenças do envelhecimento que tendem a aparecer mais à frente. Por enquanto, o início imediato da medicação, independentemente dos níveis de células CD4, é feito apenas em pessoas acima dos 55 anos, justamente porque, para um portador de HIV nesta idade, considera-se que seu organismo já é frágil, como o dos idosos.

O tema começa a repercutir no Brasil. Uma das principais novidades do próximo consenso sobre o tratamento do HIV, documento orientador do Programa DST/Aids do Ministério da Saúde, a ser publicado até o fim do ano (o último é de 2008), terá pela primeira vez um capítulo específico sobre inflamação e envelhecimento precoce.

A ideia é que médicos e profissionais de saúde comecem a se acercar da problemática, explica o infectologista Ronaldo Hallal, assessor técnico do programa. “O carro-chefe das recomendações são mudanças no estilo de vida que dizem respeito à prevenção de doenças crônicas”, afirma Hallal. “Combater o tabagismo, incentivar a atividade física e a boa alimentação.”

É um começo. No futuro, entretanto, medidas mais complexas talvez tenham de ser incorporadas ao tratamento da Aids. Um exemplo é a iniciativa pioneira que está tomando o Hospital Dia de Botucatu, onde um ambulatório da cardiologia começa a ser planejado para acompanhar o risco cardiovascular dos pacientes e tratá–los sempre que for o caso. “Uma vez que identificamos o problema nessas pessoas,
temos o dever ético de intervir”, diz o cardiologista João Carlos Hueb.

Outra área que merece atenção e investimento é a ortopédica, ressalta a infectologista Lenice Souza, também da Unesp em Botucatu e do Hospital Dia. “Nós falhamos ao não fazer avaliações contínuas
visando a prevenção de osteopenia e osteoporose”, admite a médica. A fragilidade dos ossos, que aumenta o risco de fraturas, atinge os portadores de HIV com frequência até três vezes maior que a população idosa não infectada, além de se manifestar mais precocemente.

Para prevenir o avanço dos distúrbios neurocognitivos e da demência, que tanto podem prejudicar a qualidade de vida dos pacientes, também seria ideal que eles passassem por avaliações neuropsicológicas periódicas para detectar o problema logo no início, bem como por terapia de reabilitação, defende a psicóloga Flávia Heloísa de Souza. Segundo ela, essa já é uma prática padrão nos Estados Unidos.

“A reabilitação visa criar estratégias para melhorar a atenção e a memória, tentar adaptar os pacientes ao estudo ou ao trabalho, porque geralmente ocorre uma lentidão física e mental, que muda a dinâmica do cotidiano”, explica.

Prevenir lapsos de memória é extremamente importante para o próprio sucesso do tratamento, prossegue a pesquisadora. “O paciente que hoje se esquece de uma chave, por exemplo, amanhã pode não se lembrar de tomar o remédio, ou se confunde e não sabe se já tomou ou não. Isso é comum e muito sério”, enfatiza.

Tomar os medicamentos da forma correta – religiosamente nos mesmos horários – é a recomendação que os portadores mais ouvem dos infectologistas, porque disso depende o sucesso do tratamento. “Costumo brincar com meus pacientes dizendo que o ideal era que eles desenvolvessem TOC (transtorno obsessivo-
-compulsivo) em relação ao horário dos remédios”, diz Barbosa.

Mesmo pequenos atrasos na ingestão dos comprimidos podem levar a uma queda na concentração das drogas no sangue. E, se isso ocorre, o HIV encontra caminho livre para se replicar, algo que é capaz de fazer com extrema velocidade. Quanto mais se replicar, maior a probabilidade de ocorrerem mutações em seu código genético. E quanto mais mutações, maior a chance de alguma delas tornar o vírus resistente aos remédios em uso, o que requer a substituição deles por outros, geralmente de maior custo (veja quadros na pág. 22 e ao lado).

A resistência viral é um problema ainda mais sério nos pacientes antigos, aqueles que passaram pelas primeiras drogas anti–HIV, no fim dos anos 1980, entre elas o AZT. A mudança da medicação ao longo dos anos acabou selecionando vírus que, hoje, só se conseguem combater com os medicamentos de última geração, a chamada terapia de terceira linha.

Dos 210 mil pacientes em tratamento no Brasil hoje, cerca de 5 mil se encontram nessa situação. Enquanto cada paciente em terapia de primeira linha (o coquetel com o qual todo paciente inicia o tratamento e, se não houver falha da adesão, dificilmente vai precisar mudá-lo) custa ao governo em torno de US$ 900 por ano, na terceira linha esse custo sobe para US$ 4 mil por ano por paciente.

De trás para a frente
Trinta anos após o início da epidemia de Aids, especialistas se dão conta de que a descoberta da doença está ocorrendo “de trás para a frente”, como observa o infectologista Ricardo Sobhie Diaz, pesquisador da Unifesp, especialista em resistência do HIV. No começo, explica ele, o que se via era fim da doença, ou seja, a morte rápida pela imunodeficiência (é dele a expressão que abre a reportagem, de que o mundo era mero “expectador da catástrofe”). Hoje, com a infecção controlada, diz, “nós vemos o começo, ou seja, o processo inflamatório que culmina como o envelhecimento prematuro do indivíduo”.

Esta nova face do HIV ainda é pouco conhecida da população. E, segundo os especialistas ouvidos pela reportagem, a longevidade conquistada por meio dos remédios nos últimos 15 anos parece haver criado em muitos a sensação de que a doença está controlada. “Essa é uma falsa ideia”, alerta Lenice Souza.
Segundo a médica, as pessoas estão “baixando a guarda”, deixando de se proteger, sobretudo os mais jovens, que não têm na memória os horrores do início da epidemia. “Desde o ano passado temos recebido (no Hospital Dia em Botucatu) um maior número de homossexuais, na faixa dos 20 anos, que se infectaram recentemente”, diz. O mesmo fenômeno é notado por Ricardo Diaz na Unifesp.

Dados do Ministério da Saúde, referentes a 2009, mostram que o maior avanço da epidemia vem ocorrendo entre jovens de 25 a 29 anos e idosos acima dos 60. Considerando todas as faixas etárias, em 2009 foram registrados mais de 38 mil novos casos. Tanto a cura quanto a vacina ainda parecem distantes. “O HIV é um patógeno de sucesso”, define Diaz. Prevenir-se ainda é a melhor opção.

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QUADRO: Vigilância contra a resistência

Cada vez que o HIV faz uma cópia de si mesmo, há uma pequena chance de esta cópia sair com algum defeito. Isso tende a ocorrer com qualquer célula, inclusive as humanas, mas nosso organismo tem meios para consertar essas mutações. “Os vírus não têm esse sistema de reparo”, explica a bióloga Maria Inês Pardini, pesquisadora do Hemocentro da Faculdade de Medicina da Unesp em Botucatu, especialista em resistência do HIV. Como ele se replica com alta velocidade, maior que a da maioria dos vírus, as mutações são mais frequentes. Elas podem ser aleatoriamente boas, ruins ou indiferentes para a sobrevivência e o desempenho virais. Entre as “boas” para o HIV estão aquelas que lhe conferem resistência à ação das drogas.

A resistência viral pode ser adquirida em consequência de falha na adesão aos medicamentos, que devem ser ingeridos diariamente e rigorosamente nos mesmos horários. Se as drogas já não fazem mais efeito, o médico logo suspeita que o paciente não as vem tomando corretamente. Antes de trocar os medicamentos, entretanto, o infectologista pede um exame de genotipagem do vírus, que vai identificar a mutação de resistência. “Assim ele vai saber por qual droga trocar, evitando usar alguma para a qual o vírus seja resistente”, explica Maria Inês. Há 23 laboratórios no país mantidos pelo Ministério da Saúde para a realização da genotipagem do HIV. Um deles é o do Hemocentro de Botucatu, onde Maria Inês investiga também outro tipo de resistência do vírus.

A resistência primária é aquela que os médicos constatam logo no início do tratamento. “A mutação de resistência pode ocorrer em qualquer tempo”, diz a bióloga. Para isso, basta que o vírus esteja se replicando. “Como o paciente pode passar um bom tempo assintomático e sem ter o diagnóstico, nós nunca sabemos desde quando ele está infectado”, explica.

Com financiamento do Ministério da Saúde, a pesquisadora estuda as mutações de resistência existentes nos vírus dos pacientes de uma região a oeste do Estado de São Paulo, a área de abrangência do laboratório que ela coordena. “Estamos vendo como está o perfil de resistência dos vírus circulantes”, diz. A ideia é auxiliar o programa brasileiro de Aids em futuras decisões sobre aquisição de medicamentos de novíssima geração, ainda não disponíveis no Brasil. ”Assim eles não vão investir numa certa droga se for constatado que a maioria dos pacientes aqui já tem vírus resistentes a ela”, acrescenta Maria Inês. Segundo ela, não há outra doença no Brasil com grau tão sofisticado de monitoramento.

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QUADRO: Custos do tratamento no Brasil
Até o fim do ano, o governo brasileiro gastará quase R$ 850 milhões no fornecimento gratuito dos medicamentos anti-HIV, o que representa perto de 70% do orçamento do Programa DST/Aids e Hepatites Virais só para o tratamento do HIV (hepatites virais consomem outros R$ 540 milhões). Cerca de 210 mil portadores serão beneficiados.

Outras 50 mil pessoas estão infectadas e fazem acompanhamento pelo SUS, mas ainda não atingiram o critério para iniciar o tratamento (em geral, contagem de linfócitos CD4 abaixo de 350 células por milímetro cúbico de sangue).

Acredita-se que mais 50 mil soropositivos nessa mesma condição fazem acompanhamento por planos de saúde. E que entre 20 mil e 30 mil pessoas iniciem a terapia anti-HIV em 2012, segundo estimativas do Ministério da Saúde.

A distribuição gratuita de medicamento é a face mais visível do programa brasileiro de Aids, reconhecido como referência mundial, mas seu sucesso depende também de uma sofisticada retaguarda laboratorial.
Há três redes de laboratórios: uma para os exames de carga viral, outra para a contagem de linfócitos CD4 e a terceira para genotipagem viral.

Essa última é essencial para os casos de resistência do vírus. Manter essa estrutura custa cerca de R$ 38 milhões por ano, de acordo com o Ministério da Saúde.

Discussão - 1 comentário

  1. Sibele disse:

    Muito bom artigo! Esclarecedor, pois imaginamos mesmo que com o coquetel, a AIDS está praticamente controlada. O texto mostra que não é bem assim - essa doença ainda está mostrando surpresas.

    Vale reforçar: o caminho é, sempre, a prevenção.

    Parabéns pelo texto - suas postagens sempre são ótimas, Luciana.

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