Para uma ideia diluída, o remédio é conhecimento concentrado.

homeopatia.jpgTudo que você sempre quis saber sobre homeopatia mas tinha vergonha de perguntar

A homeopatia se tornou uma grande indústria e é propagandeada como um tratamento seguro, natural e holístico para várias doenças como artrite, asma, depressão, diarréia, dores de cabeça, insônia etc.

Apesar disso, a evidência científica mostra que a homeopatia atua somente como um placebo (fármaco ou procedimento inerte que apresenta efeitos terapêuticos devido aos efeitos fisiológicos da crença do paciente que está a ser tratado) e não há explicação dentro da ciência de como isso poderia ser diferente.

Princípios homeopáticos
A homeopatia é baseada em duas suposições: “semelhante cura semelhante” e “quanto menor a dose, mais potente é a cura”. Resumidamente, os homeopatas escolhem uma substância que causa os mesmos sintomas que a doença a ser tratada. Essa substância é então diluída e agitada repetidamente, o que supostamente reduz seu potencial prejudicial e a torna mais potente.

Os princípios analisados pela ciência

Cura pelo semelhante
Alguns homeopatas afirmam que é um processo semelhante à vacinação. Isso é errado pelo fato de as vacinas fazerem com que o sistema imune reconheça uma doença específica, enquanto na “cura por semelhante” só os sintomas da doença e do tratamento precisam ser correspondentes, uma hipótese não cabível com o funcionamento do nosso corpo. Uma dor de cabeça pode ser causada por estresse ou por um tumor no cérebro, mas o tratamento em cada caso é completamente diferente, não é? Se você buscar a homeopatia, não…

Dose mínima
Preparações homeopáticas são tão diluídas que muitas não contêm mais o princípio ativo. Uma diluição comum, a 30C, tem uma gota de princípio ativo diluída em 100 gotas de água, e assim por diante, até que tenham sido feitas 30 dessas diluições. A probabilidade de haver uma única molécula do princípio ativo na solução final é menor do que a chance de se ganhar na loteria britânica por cinco semanas seguidas. Os homeopatas acreditam que a água desenvolve uma “memória” do ingrediente ativo, mas pensem: se isso fosse possível, todo preparo homeopático teria várias memórias, pois qualquer grão de poeira que entrasse em contato com a água traria milhares de microrganismos e partículas diferentes.

As evidências científicas
Mais de 150 estudos falharam em demonstrar o funcionamento da homeopatia. Alguns estudos menores apresentaram resultados positivos devido a metodologias fracas ou efeitos aleatórios.

efetividade.jpg

Conheçam a mais poderosa ferramenta estatística que existe: o gráfico de porcentagem em pizza gerado com dados qualitativos. (nota do tradutor: hihihi)

Quando os dados são analisados em conjunto, a homeopatia não é superior a nenhum placebo. Uma publicação de 2005 no periódico Lancet comparou 110 ensaios homeopáticos a 110 ensaios clínicos alopáticos. Os autores observaram que estudos mais rigorosos demonstraram fortes evidências de que, ao contrário dos resultados positivos nos estudos alopáticos, a homeopatia não teve eficácia. Em outras palavras: quanto melhor a pesquisa feita, menos a homeopatia funciona. De acordo com esse estudo estão mais de doze análises similares que chegaram à mesma conclusão: homeopatia não produz resultados melhores do que os placebos.

Então por que a homeopatia “funciona”?
As pessoas fazem uso da homeopatia por acreditarem em sua eficácia, o que faz com que a mesma, mesmo inerte em termos clínicos, possa induzir a mudanças psicológicas. O tratamento também pode coincidir com uma melhora da própria resposta imune do paciente.

O efeito placebo
A crença de estar recebendo tratamento frequentemente traz alívio a um paciente. Sabe-se que a redução do estresse fisiológico pode acelerar a recuperação de ferimentos e infecções virais por um aumento da função imune, ou seja, mesmo um “tratamento” inerte pode afetar o organismo. Respostas condicionadas também acontecem: experiências de tratamentos passados podem estimular o sistema imune a agir mais rapidamente quando outro tratamento (mesmo um placebo) é recebido.

Desconsiderando o alívio de estresse e o condicionamento, o efeito placebo é pequeno em relação à replicabilidade e à potência. Pacientes que fazem uso regular de morfina podem substituir uma dose por um placebo com sucesso, mas à medida que o uso do placebo se torna mais freqüente, o resultado piora (o organismo reconhece a diferença entre o tratamento real e a substituição). Esse mesmo efeito pode funcionar em doenças menos graves e ser eficiente para dor, fadiga, náusea e similares, mas não será eficaz contra fraturas, infecções ou tumores. Novamente, sua aplicação combate sintomas de determinada doença e não a doença em si.

Um placebo poderoso?
Quando a homeopatia cura condições médicas sérias fala-se de um “poderoso efeito placebo”, mas existem muitas outras explicações diferentes que devem ser descartadas. A administração de um comprimido pode coincidir com a recuperação do paciente sem estar relacionada a esse fato, como em recuperações espontâneas ou sintomas flutuantes. Por exemplo, como a dor da artrite é intermitente (ela “vem e vai”) e as pessoas tendem a buscar tratamento quando os sintomas estão em seu pior efeito, qualquer medicamento administrado pode dar a impressão de melhora.

E a homeopatia veterinária?
Os homeopatas argumentam que a homeopatia funciona em animais, o que descartaria o efeito placebo inclusive em bebês. No entanto, esses testes dependem de observações humanas que, sem normatização ou veterinários independentes, pode sofrer um grande viés (muitas vezes não intencional). Os estudos que corrigem esse tipo de viés demonstram que a homeopatia não funciona.

O fato de um placebo fazer a pessoa se sentir melhor não justifica sua prescrição por um médico?
A ética obriga que a relação médico-paciente seja baseada em honestidade, respeito, sinceridade e confiança. A prescrição de um placebo exige que o médico minta ao paciente (do contrário o placebo não surtirá seu efeito), o que fere esses princípios. Ainda, como placebos combatem os sintomas de uma doença, e não a doença propriamente dita, deixar a condição médica real sem tratamento pode ter implicações severas para o paciente.

Um caso de fadiga pode ser remediado por um placebo, mas e se essa fadiga for um sintoma de depressão, de uma infecção viral, ou de algo pior?

Referências bibliográficas

Shang, A. et al. 2005 ‘Are the clinical effects of homeopathy placebo effects? Comparative study of placebo-controlled trials of homeopathy and allopathy’ Lancet, 366: 726-732.

Glaser, R. 2005 ‘Stress-associated immune dysregulation and its importance for human health: a personal history of psychoneuroimmunology’ Brain, Behavior and Immunity, 19: 3-11.

Lovallo, W.R. & W. Gerin 2003 ‘Psychophysiological reactivity: mechanisms and pathways to cardiovascular disease’ Psychosomatic Medicine, 65: 36-45.

Kienle, G.S. & H. Kiene 1997 ‘The powerful placebo effect: fact or fiction?’ Journal of Clinical Epidemiology, 50: 1311-1318.


Não sei de vocês, mas eu prefiro apostar as minhas fichas na Medicina Baseada em Evidências…

O texto acima é uma adaptação de um informe sobre homeopatia elaborado em 2006 pela organização Sense About Science, criada em 2002 com o objetivo de promover respeito por evidências científicas e boas práticas de ciência, aumentando a compreensão da população sobre o tema.

A tradução adaptada do informe Sense About Homeopathy (o original pode ser acessado pelo link) é parte do material de apoio e divulgação da campanha:

1023-Brazil-300x205.png

Mais informações sobre a ação em http://1023.haaan.com/

A ingenuidade de Bill Gates sobre a Biologia

Caro Bill Gates,

Sinto informar que células não são tão rápidas quanto elétrons. Mais que isso: burocracia para mexer com gente e com o ambiente não é tão simples quanto programar um software.

Digo isto em vista da reportagem do New York Times, repassado pela Época, sobre o balanço dos investimentos em pesquisa em saúde feitos pela fundação Gates.

 

“Cerca de 1.600 propostas chegaram, e as 43 principais eram tão promissoras que a Fundação Bill & Melinda Gates liberaram US$ 450 milhões em bolsas de cinco anos _ mais de duas vezes a estimativa inicial.
Recentemente, a fundação chamou todos os cientistas a Seattle para avaliar os resultados e decidir quem seguirá recebendo os financiamentos. Numa entrevista, Gates soou de certa forma moderado, dizendo diversas vezes: “Nós fomos ingênuos”.”

[Leia a história e os projetos selecionados aqui]

 

Mas na verdade não dá pra saber se ele foi ingênuo ou enganado pelo hype alardeado pelos projetos. Afinal o objetivo de escrever um projeto é justamente convencer a todo custo quem o lê. O famoso “puxar a sardinha pro seu lado”, coisa que as vezes (muitas vezes) os cientistas fazem exagerando nas expectativas e enviesando as perspectivas. Outra coisa é que tem vários ganhadores do Nobel participando, e convenhamos que receber um projeto de um cara desses e dizer “não” não deve ser fácil.

Fato é que ele parece não ter gostado do resultado. E muita gente, incluindo um comentarista da reportagem acima, os cientistas e o próprio Bill Gates acham que o dinheiro investido nessas pesquisas foi algo bem significativo! Quando na verdade o gasto é irrisório comparando com gastos militares por exemplo. Para entender meu ponto de vista você precisa ler este texto espetacular do 100 Nexos, onde se lê que antes do telescópio Hubble, o instrumento mais fantástico da astronomia por muito tempo, que ajudou a desvendar milhares de mistérios do espaço, do tempo passado e do futuro, é uma aplicação tardia de um projeto de satélites-espiões que somaram 9 em nossa órbita!

Ou seja, enquanto mendigamos por recursos para a astronomia e também para outras áreas como a saúde e o bem-estar humano, uma quantia gigantesca é gasta sem que nós sequer saibamos onde.

Obrigado Bill Gates, continue assim gastando parte da sua fortuna pelo bem do próximo (e olhem que eu não estou nem questionando o como essa fortuna foi adquirida), mas acho que mesmo este esforço é uma gota num oceano de descaso pela vida humana.

Podcast Dispersando 5: Nobel, Ig Nobel e tudo que há no meio

Saiu mais um episódio do Dispersando, o podcast do Scienceblogs Brasil, com Fernanda Poletto (Bala Mágica), Igor Santos (42.) Karl (Ecce Medicus) e Rafael Soares (este que vos escreve).
Aprenda sobre sapos flutuantes, coletores de espirro de baleia, e um excitante acoplamento cruzado.
Dispersando 5

Como melhorar, na prática, a qualidade da pesquisa no Brasil

Como melhorar o nível da pesquisa brasileira?
Primeiro vamos comparar a nossa pesquisa com a de outros países para ver se realmente estamos tão mal assim. E estamos.
Usando o exemplo dos laboratórios de pesquisa da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) que trabalham com câncer, apesar dos trabalhos publicados terem subido de 4 para 100 por ano nos últimos 20 anos, a qualidade ainda deixa a desejar. Qualidade para o pesquisador básico é a qualidade da revista onde foi publicado o trabalho, onde Nature e Science são os sonhos de consumo, mas há diversas outras com diferentes impactos.
Comparando com a Espanha, que investe o mesmo montante em pesquisa básica, estamos 20% abaixo em qualidade e 40% abaixo da média mundial. Como melhorar?
Uma idéia apresentada em uma palestra na FMUSP sobre o Instituto do Câncer de São Paulo (ICESP) vem justamente tentar melhorar a qualidade da pesquisa em câncer, pelo menos na FMUSP.
Existem entre 30 e 35 grupos nos laboratórios de investigação médica (LIM), com linhas de pesquisas e objetivos diferentes dentro da FMUSP. Aumentar a interação destes labs para alguns objetivos comuns ou mesmo orientá-los para focos que a sociedade tenha urgência, pode gerar trabalhos mais amplos, completos e de maior qualidade (= maior impacto). Este é o objetivo do setor de pesquisa básica do ICESP, que ainda levará um tempo para estar funcionando, mas terá técnicos e aparelhos para servir à demanda destes labs, oferecendo serviços e colocando os diferentes grupos em maior contato.
icesp cancer.jpg
No esquema acima, a base da pirâmide mostra os diferentes grupos com suas diferentes orientações e objetivos.
Ao utilizarem o ICESP, podem reconhecer as características e se agruparem por semelhança de estilo. Facilitando assim o pedido de financiamento para projetos maiores e amplos, ou mesmo se tornando um foco para secretarias estaduais e ministérios (como os de Saúde ou Ciência e Tecnologia) poderem propor problemas de saúde pública e inovação de interesse do estado.
Parece legal, mas aumentar interação entre grupos é complicado. Cientista é um bicho tinhoso, cheio de manias, e só ter um setor multi-usuário não resolve tudo. O importante é que tenha simpósios, palestras e, minha teoria, FESTAS!!! Só assim pras pessoas interagirem e se conhecerem.
Esperemos que dê certo.

Dioxina: alguns esclarecimentos.

ResearchBlogging.orgPara não ter dúvida: dioxinas são tóxicas? Sim.

Afetam o desenvolvimento embrionário? Sim.

São produzidas quando aquecemos plásticos em microondas ou quando congelamos água em garrafas plásticas? Depende.

A utilização de plásticos próprios para aquecimento em microondas evita a formação desses compostos químicos, enquanto o congelamento de água nada tem a ver com a liberação de quaisquer substâncias tóxicas de recipientes plásticos.

Do começo: o que são as dioxinas?

1,4-dioxin-2D-skeletal.pngA dioxina na verdade é um composto orgânico de fórmula C4H4O2 que possui dois isômeros: 1,2-dioxina (ou o-dioxina) e a 1,4-dioxina
(ou p-dioxina, na imagem à direita). No entanto, a literatura científica utiliza o termo “dioxina” para se referir de
forma simplificada às dibenzodioxinas policloradas (PCDDs, imagem abaixo) como a
2,3,7,8-tetraclorodibenzodioxina (TCDD), a substância mais estudada por
seus efeitos tóxicos.PCDD_general_structure.pngParte dos problemas causados pela TCDD vem da sua interação com um receptor chamado AhR. O receptor afetado é translocado para o núcleo, onde é reconhecido por elementos chamados AhREs (por serem responsivos ao AhR) em vários genes diferentes. Essa atividade inicia diversas alterações transcricionais, de modo que os resultados das pesquisas envolvendo o AhR expandiram sua importância em múltiplos aspectos como o desenvolvimento embrionário, reprodução, imunidade inata e supressão tumoral.

Quem sentir falta de informações sobre os mecanismos, as duas referências que citei no final deste texto trazem revisões excelentes e atualíssimas sobre o tema, apesar de a química ser um pouco pesada.

Um caso famoso e recente.
Victor Yushchenko, candidato a
presidência da Ucrânia em 2004 ficou seriamente doente durante a corrida
presidencial no começo de Setembro. No diagnóstico, pancreatite aguda e
edemas relacionados a uma infecção viral e compostos químicos que não
são normalmente encontrados nos alimentos levaram o presidenciável a
afirmar que havia sido envenedado.

yushchenko.jpg

Yushchenko então reapareceu com o rosto
completamente desfigurado (foto abaixo) devido a cloracne ocasionada por
envenenamento por dioxina. A concentração de dioxina no sangue do
candidato encontrava-se 6000 vezes acima do normal. Apesar de polêmico, esse diagnóstico foi o mais aceito até então, e a premissa de envenenamento foi mantida.

E o microondas?

Existem várias mensagens na internet contra congelar água em garrafas de plástico ou cozinhar com plásticos no microondas. O caso da famosa mensagem que usa o Johns Hopkins como fonte de credulidade já foi desmentido pela instituição mais de uma vez.

As pesquisas atuais apontam que o congelamento de água não ocasiona a liberação de compostos químicos tóxicos de garrafas de plástico. No entanto, ao utilizar plásticos para cozimento no microondas é melhor seguir as recomendações do fabricante e certificar-se de que o recipiente plástico é próprio para este uso.

De qualquer modo, abaixo estão os símbolos que designam recipientes próprios para microondas e congelamento.

symbolfortableware.jpg

O departamento americano responsável pela segurança alimentar (FSIS) possui diretrizes eficazes para o cozimento de alimentos em microondas, mas como não encontrei nada parecido no Brasil, volto a recomendar: ao aquecer alimentos no microondas, utilize recipientes de vidro ou cerâmica apropriados.

Wells PG, Lee CJ, McCallum GP, Perstin J, & Harper PA (2010). Receptor- and reactive intermediate-mediated mechanisms of teratogenesis. Handbook of experimental pharmacology (196), 131-62 PMID: 20020262

FUJII-KURIYAMA, Y., & KAWAJIRI, K. (2010). Molecular mechanisms of the physiological functions of the aryl hydrocarbon (dioxin) receptor, a multifunctional regulator that senses and responds to environmental stimuli Proceedings of the Japan Academy, Series B, 86 (1), 40-53 DOI: 10.2183/pjab.86.40

Diagnóstico laboratorial offprice (e offroad).

Um grupo de estudantes da Universidade Rice (EUA) transformou uma centrífuga de saladas adaptada com pentes e outras partes em algo que pode trazer o diferencial para o diagnóstico de anemia em países subdesenvolvidos.

O resultado foi fruto de um projeto desenvolvido numa aula voltada à saúde global e foi batizado de Centrífuga Sally. Os alunos receberam a tarefa de criar uma ferramenta barata, portátil e que pudesse ser utilizada independentemente da disponibilidade de uma rede elétrica para ajudar no diagnóstico de um quadro anêmico.

jeff_fitlow.jpgCentrífuga Sally em detalhe (Foto: Jeff Fitlow).

O equipamento é capaz de fornecer o hematócrito dos pacientes, um dos fatores analisados quando há suspeita de anemia pois fornece a quantidade relativa de glóbulos vermelhos no sangue do paciente por meio de porcentagem do volume total. Hematócritos abaixo de 40-45% em homens e 35% em mulheres são forte indicativo de anemia, o que facilita o diagnóstico.

Tube.jpgQuando centrífugas giram os tubos de coleta numa velocidade apropriada as principais frações do sangue são separadas – glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plasma – fornecendo a relação entre glóbulos vermelhos e volume total de sangue coletado.

O equipamento tem custo de fabricação em torno de 30 dólares (quase 60 reais) e está sendo integrado a uma mochila preparada para médicos atuarem em locais isolados ou carentes de recursos. Como requisitado, funciona independentemente de eletricidade, pois o próprio usuário gira o “rotor”, de modo que pequenos capilares contendo 15 microlitros de sangue de cada paciente tenham suas frações separadas.

Os alunos que desenvolveram o equipamento numa aula voltada a saúde global vão levá-lo a campo para seus primeiros testes in loco no Equador, Malaui e Suazilândia, onde espera-se que sejam úteis para ajudar a anemia que em países subdesenvolvidos está comumente associada a quadros de má-nutrição, tuberculose, AIDS e malária.

Outro ponto interessante: esse modelo concebido pelos alunos da Universidade Rice teve desempenho satisfatório quando comparado à centrífuga de campo ZIPocrit utilizada em alguns lugares. Apesar de o modelo citado conseguir 10000 rpm contra os 950 rpm da Sally, a mesma tem como vantagens não precisar de nenhuma fonte de energia (enquanto a “concorrente” atual utiliza baterias) e permite processar até 30 capilares de uma única vez, contra apenas 4 do modelo comercializado atualmente.

( #sarcasmo_ligado ) Parece que as indústrias que produzem equipamentos laboratoriais não são tão maléficas ou poderosas quanto as indústrias farmacêuticas que planejam dominar a humanidade escondendo curas e impedindo tratamentos baratos para doenças comuns como o câncer e a AIDS. ( #sarcasmo_desligado )

Quer saber mais sobre o projeto da Centrífuga Sally (tem até um video mostrando o funcionamento) e outros programas de saúde global da Universidade Rice? Acesse o site!

Vi no Futurity.

ps: sim, estou vivo e ainda faço parte do RNAm, parem com os boatos sobre morte e clínica de reabilitação.

Genoma do câncer é a melhor abordagem?

mapa cancer.jpg

Mapa da Nature com os programas integrados de genoma do câncer

O câncer é uma doença causada por mutações no DNA, certo? Só que as mutações podem ser várias e em diversos genes diferentes em cada caso. Como saber quais genes que geraram um tipo de câncer?
Simples, é só pegar uma amostra do tumor e outra de tecido normal do mesmo paciente, e seqüenciar os dois. Comparando tumor e tecido normal você vai saber quais genes sofreram mutação nesta pessoa. Teríamos assim o genoma de um tumor.
E se juntássemos vários casos do mesmo tipo de tumor e seqüenciássemos, poderíamos achar as mutações mais comuns para aquele tipo de tumor e descobrir novos tratamentos específicos pra cada.
Simples mas não fácil. E nada barato. Seqüenciamento é uma coisa bem cara, e leva certo tempo.
Por isso até hoje temos apenas 75 genomas de câncer publicados, e nem todos completos.
Outro problema é que esses genomas todos q vêm sendo feitos, desde o humano até as bactérias, passando até pelo ornitorrinco, não têm gerado impactos diretos na qualidade de vida humana. Quem trabalha com evolução molecular adora genomas, mas em medicina, para encontrar um tratamento diretamente e totalmente derivado desses seqüenciamentos está meio difícil.
E com tumores vai ser mais difícil, pois alguns genes mutados iniciam o processo, deixando a célula mais vulnerável a erros e novas mutações. Como saber se essas últimas mutações são tão importantes quanto as primeiras? E existe mesmo um padrão nelas se comparadas com outros tumores?
Resumindo, ter o genoma é simples, mas analisá-lo e tirar um tratamento disso é que complica. Afinal, a quantidade de genomas seqüenciados para dar mais confiança, em alguns casos, deve ser de mil ou mais! Isso é muito esforço e muito dinheiro. Além disso, estes resultados são apenas números num computador. Testes funcionais, em células e animais, devem ser conduzidos para confirmar o papel das dicas dadas pelos seqüenciamentos.
Pior é que agora muita pesquisa boa está se voltando ao metabolismo do tumor, não só ao seu DNA. Se esta proposta começar a gerar mais resultados aí que eu quero ver.
Fato é que esta abordagem de seqüenciamento em larga escala não é um consenso. Sim, por mais incrível que pareça existem cientistas bons que não gostam de sequenciamento de genoma. Eles acham que outras abordagens têm melhor custo-benefício.
Enquanto isto eu só espero que o Brasil tenha dinheiro suficiente para pelo menos usar a tecnologia e os tratamentos que JÁ existem e não chegam a todos.

Falta de noção sem limites: Vacinação

vacina cão.jpgTemos um novo recorde: é a terceira vez esta semana que escrevemos um post motivado pela vontade de morder o cotovelo. Primeiro foi Jesus chorando, depois a “verdade” sobre a astrologia, e agora é indisposição das pessoas em tomar a vacina da gripe H1N1.
Qual o problema em não tomar a tal vacina? Ora, nenhum tirando o fato de que no caso dela funcionar e você entrar em contato com o vírus, ele rapidamente será combatido, não transformará suas células em fábricas que produzirão milhares de milhões de outros vírus, e assim você não ficará doente e não será um maldito transmissor de vírus para outras pessoas.
Sei que por enquanto não é todo mundo que tem acesso à vacina, mas o que me deixa fulo da vida é que tem gente que tem acesso e NÃO QUER TOMAR!
Motivo? Nenhum. Pelo menos não quiseram dizer. Vai ver que o medo de injeção é maior que a vontade de salvar a vida de colegas da comunidade.
E quem são estes pobres diabos? Mendigos, ambulantes, coletores de latinhas? Não, são pós-graduandos da USP, que trabalham num laboratório de biologia molecular! Incrível como a falta de noção não conhece barreiras nem preconceitos, nem raça nem nível social e “intelectual” (uma grávida inclusa, que é grupo de risco). É a nossa elite “pensante” brasileira!
Queria saber porque desde sempre existe tanta desconfiança das vacinas. Até hoje tem gente, e até organizações, que afirmam que ao invés de fazer bem as vacinas fazem mal. Uma história velha de que uma vacina nos EUA causava autismo fica ecoando até hoje, sendo que foi provado que o estudo foi mal conduzido.
Tem maluco que fala que as vacinas não foram provadas cientificamente! Que Pasteur estava mentindo (mas aposto que esses malucos tomam leite pasteurizado) falando que germes e coisas do tipo não causam doenças, mas sim as variações de seus campos energéticos ou comer comida impura. O homem das cavernas, o mais puro de todos (com toda carga esteriotipada do “bom selvagem”), e que comia a comida mais pura de todas, vivia só até os 18 anos. E aí, como fica a pureza nessa história?
Acredite, isso é coisa de gente que não sabe o que diz.
Uma vacinação em escala mundial como a que vem sendo feita, se tivesse alguma reação ou efeito colateral, ele já teria aparecido e seria quase impossível acobertar.
Resumindo: os médicos recomendam que se tome a vacina caso tenha acesso a ela.
Agora, se você ainda assim está se lixando pra si mesmo e pra humanidade, tenha pelo menos a dignidade de sair da vida em sociedade. E o último apaga a luz do BBB10.
– Updêite via @rmtakata: Veja aqui o cronograma de vacinação dos grupos prioritários

DMRI: vilão da Terceira Idade.

O progresso do Brasil pode ser percebido no aumento da expectativa de vida da população. Mas como problema nunca é demais, junto com o progresso vem as doenças características de países desenvolvidos ou em desenvolvimento.

Uma delas é a Degeneração Macular Relacionada à Idade, o assunto de hoje nesse texto escrito a quatro mãos com o Dr. Caio Regatieri, que é oftalmologista, PhD em Ciências e meu colega de laboratório (onde faz pós-doutorado).

O que é a DMRI e como afeta a visão?

olho esquema

Essa doença causa importantes alterações na mácula (região da retina que deixa você ver nitidamente o centro do seu campo visual), fazendo com que as linhas fiquem tortas e a parte central da visão fique escura. Ela se apresenta em duas formas clínicas:

  • DMRI úmida (neovascular ou exudativa): ocorre pelo crescimento de novos vasos sanguíneos atrás da retina a partir
    da coróide (responsável pelo suprimento de sangue da mácula); pode ocasionar o descolamento da retina.
  • DMRI
    seca (atrófica): ocorre por acúmulos de material extracelular chamados drusa (comuns acima dos 40 anos) e também pode levar ao descolamento da retina.
dmri3.jpgVisão de um paciente com DMRI (à direita).

A forma atrófica é mais comum e leva a perda lenta da visão, enquanto pacientes com DMRI neovascular perdem a visão de modo súbito e grave. Uma das “boas notícias” é que a DMRI não leva a perda total da visão por preservar a visão lateral, ou seja, ela não causa cegueira.

Pedi para o Dr. Caio deixar algumas dicas para passarmos para nossos conhecidos mais velhos (pais, tios, avós, etc.):

Como identificar?
1. Linhas retas, como o batente da porta e prédios, começam a aparecer distorcidas;
2. As letras aparecem borradas na leitura;
3. Aparecimento de uma mancha negra no centro da visão.

O que devo fazer se tiver DMRI?
Você deve checar a visão central de cada olho separadamente pelo menos uma vez por semana. Se ao fazer isso perceber alguma diferença procure seu oftalmologista rapidamente.

Existe tratamento?
Não para a DMRI seca. O estudo AREDS (Age-Related Eye Disease Study, ou doenças oftalmológicas
relacionadas à idade), realizado pelo “braço oftalmológico” do NIH, acompanhou 3640 pacientes por uma década para avaliar os efeitos de antioxidantes e zinco na prevenção da DMRI e da catarata. Nos resultados pacientes com DMRI intermediária ou avançada que usaram vitaminas antioxidantes apresentaram progressão mais lenta da doença.

Já a DMRI úmida tem dois tipos de tratamento: o primeiro utiliza laser para cauterizar os vasos anormais que surgiram na retina, apesar de também prejudicar a retina saudável próxima à área afetada pela doença. O segundo tipo e mais novo é o uso de medicações que bloqueiam algumas moléculas responsáveis pela formação deses vasos como o VEGF (sigla em inglês para fator de crescimento de vasos endotelial). Os medicamentos utilizados atualmente são Bevacizumabe (AVASTIN) e Ranibizumabe (LUCENTIS).

Perspectivas de tratamento
Apesar dos resultados favoráveis no tratamento com os anti-VEGF novas moléculas que bloqueiam a formação de vasos têm sido estudadas para tratar a DMRI na forma úmida.

O grupo de pesquisa fResearchBlogging.orgormado pelo Depto. de Oftalmologia e pela Disciplina de Biologia Molecular da UNIFESP estuda a ação de novas drogas com esse potencial, sendo que um desses projetos investiga a ação de um medicamento chamado infliximabe. Normalmente utilizado para tratar doenças reumatológicas, a injeção de pequenas quantidades dentro do olho de ratos causou uma redução de 50% no tamanho da lesão neovascular. Outros experimentos mostraram que a droga não é tóxica para retina e em breve será iniciado o protocolo clínico para avaliação de sua eficácia no tratamento de DMRI úmida e também de retinopatia diabética.

inflixi.jpg

Microscopia confocal da lesão neovascular (em vermelho). Da esquerda para a direita vemos :1 – controle; 2 e 3 – controles não tratados; 4 – administração de 10ug de infliximabe

Outro projeto utilizou um composto isolado da cabeça do camarão marinho L. vannamei, que possui potente ação antiinflamatória e pouca ação anticoagulante. Pequenas doses foram capazes de reduzir a área de lesão em 63%, e esta molécula também será testada em pacientes.

Como temos estudado muitas moléculas semelhantes em nosso laboratório, esperamos desenvolver de novos tratamentos para várias doenças relacionadas ao crescimento desordenado de vasos sanguíneos.

Melhor que falar de novos tratamentos só quando esses tratamentos são produto da ciência nacional, não acham?!

Para mais informações sobre DMRI e outras doenças acessem o site
da Unidade Paulista de Oftalmologia
.

Regatieri,
C., Dreyfuss, J., Melo, G., Lavinsky, D., Farah, M., & Nader, H.
(2009). Dual Role of Intravitreous Infliximab in Experimental Choroidal
Neovascularization: Effect on the Expression of Sulfated
Glycosaminoglycans Investigative
Ophthalmology & Visual Science, 50
(11), 5487-5494 DOI: 10.1167/iovs.08-3171

 

Cuidado com a prática ortomolecular e biomolecular

ORTOMOLecular.jpgO Conselho Federal de Medicina falou, tá falado. Algumas práticas ortomoleculares e biomoleculares não podem ser realizadas por não terem comprovações científicas. – Aliás, quem inventou esses nomes? Parece até essas coisas pseudocientíficas bioquânticas

Agora reposição de nutrientes que estejam faltando, como vitaminas, ou tirar outras substâncias nocivas, como metais pesados e pesticidas, só podem ser feitas nos parâmetros internacionais e se forem medidas e comprovadas a falta ou excesso de substância.

E para essa medição não vale o famoso teste do cabelo, que todo ortomolecular pede. Este só funciona em caso de intoxicação ou contaminação por metais tóxicos. Fora isso não funciona e está proibido de ser usado.

Alguns trechos interessantes da resolução (leia aqui na íntegra):

  • Art. 8º A remoção de minerais, quando em excesso, ou de minerais tóxicos, agrotóxicos, pesticidas ou aditivos alimentares se fará de acordo com os seguintes princípios:
  • I) O excesso de cada substância tóxica deverá ser considerado isoladamente;
  • II) Existência, na literatura médica, de fundamentação bioquímica e fisiológica sobre o efeito deletério do excesso da substância tóxica considerada, bem como de dados que comprovem a possibilidade de correção efetiva por meio da remoção proposta;
  • III) Além da melhoria dos parâmetros laboratoriais, deverá haver comprovação científica de utilidade clínica;
  • IV) O valor terapêutico da remoção de determinada substância tóxica deverá ser avaliado para cada tipo de distúrbio.
  • Art. 9º São destituídos de comprovação científica suficiente quanto ao benefício para o ser humano sadio ou doente, e por essa razão têm vedados o uso e divulgação no exercício da Medicina, os seguintes procedimentos da prática ortomolecular e biomolecular, diagnósticos ou terapêuticos, que empregam:
  • I) Para a prevenção primária e secundária, doses de vitaminas, proteínas, sais minerais e lipídios que não respeitem os limites de segurança (megadoses), de acordo com as normas nacionais e internacionais e os critérios adotados no art. 5º;
  • II) EDTA (ácido etilenodiaminotetracético) para remoção de metais tóxicos fora do contexto das intoxicações agudas e crônicas;
  • III) O EDTA e a procaína como terapia antienvelhecimento, anticâncer, antiarteriosclerose ou voltadas para patologias crônicas degenerativas;
  • IV) Análise do tecido capilar fora do contexto do diagnóstico de contaminação e/ou intoxicação por metais tóxicos;
  • V) Antioxidantes para melhorar o prognóstico de pacientes com doenças agudas, observadas as situações expressas no art. 5º;
  • VI) Antioxidantes que interfiram no mecanismo de ação da quimioterapia e da radioterapia no tratamento de pacientes com câncer;
  • VII) Quaisquer terapias antienvelhecimento, anticâncer, antiarteriosclerose ou voltadas para doenças crônicas degenerativas, exceto nas situações de deficiências diagnosticadas cuja reposição mostra evidências de benefícios cientificamente comprovados.

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Chiques, famosas e “ortomoleculadas”

Várias destas práticas, agora proibidas, vem sendo feitas e divulgadas a muito tempo. Como acontece com Giovanna Antonelli, uma das estrelas da Novela das Oito “Viver a Vida” (por ser uma entidade, “Novela das Oito” deve ser escrita em maiúsculas, por respeito a sua divindade) . É o que diz sua terapeuta numa reportagem de dietas dos Famosos (também com F maiúsculo por se tratar de divindade): “Giovanna Antonelli chegou ao consultório querendo emagrecer. Uma das providências foi prescrever doses extras de minerais que baixassem sua vontade louca de comer doce na fase pré-menstrual”. Hum… mas sem medir nada pra ver se tava faltando mesmo? 

samara_felippo.jpgO fato é que resolve mesmo. Pelo menos pra emagrecer. Afinal a Global (G maiúsculo) chega no consultório querendo perder 8kg pra ser a próxima capa da Playboy e a terapia molecular, com todo seu conhecimento, receita o que? Ouça nas palavras de Samara Fellipo: “Não precisei passar fome e sequei 8 quilos em dois meses, reduzindo carboidrato e cortando doce e fritura”. Isso não é terapia ortomolecular Samara, é COMER DIREITO, DIETA, e todo mundo sabe como funciona!

Quem tiver dados REAIS de reposição de nutrientes usadas nessas terapias, pode me mandar.

Não apela, Folha

Agora, esta notícia da Folha resumindo a resolução está muito ruim e errada.

Diz que a resolução confirma a ausência de comprovação científica da prática, o que não é verdade. Ela regulamenta, ou seja, algumas práticas estão autorizadas e outras não. E afirmar “Entre os prejuízos estão o aumento do risco de câncer”, é senssacionalismo, já que não é exatamente isto que a resolução fala, como você pôde ler acima.

E outra, a Folha definiu as práticas ortomoleculares e biomoleculares com o que estava escrito na resolução. Custava dar um “google” pra aprofundar pelo menos um palmo?