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Paleocurtas! Duas novidades do mundo da Paleontologia!

Uma nova espécie de mamífero fóssil foi encontrada e para surpresa: ela parece o Scrat da série de filmes ‘Era do Gelo’! Cara de um, focinho do outro. Além disso, temos uma novidade brasileira: mais um dinossauro tupiniquim. Confira: Aelosaurus maximus, mais um titã do Brasil.


Encontraram o fóssil do Scrat !?



Acima: Foto do personagem Scracth, dos filmes “Era do Gelo”. Direitos autorais da 20th Century Fox.

É fato que foi publicado ainda esta semana na revista Nature, um trabalho descrevendo um pequeno mamífero muito semelhante ao bichinho engraçado dos filmes da série “Era do Gelo”. O crânio do pequeno animal foi encontrado em afloramentos do início do Cretáceo Superior, em camadas de aproximadamente 93 milhões de anos, em uma região conhecida como “La Buitrera”, localizada na belíssima província de Río Negro, sul da Argentina. 

O que assemelha o novo mamífero cretácico ao carismático esquilo da “Era do Gelo”, são os formidáveis “dentes de sabre” e o longo focinho. Todavia, o novo animalzinho tem muito pouco a ver com o personagem do desenho animado. Ele pertence a um grupo de mamíferos extintos não aparentado com nenhuma espécie vivente e nem de longe enfrentou a temida Era do Gelo de Scrat: Dezenas de milhões de anos separam as glaciações pleistocênicas do pequeno mamífero cretácico argentino. Ah! E naquela época não existiam bolotas de carvalho…


Imagens originais do artigo ilustrando o crânio do novo mamífero do Cretáceo argentino
A respeito da idade do animalzinho, ele traz um panorâma novo para a idade cretácica sulamericana. Antes da presente descoberta, conheciam-se apenas mamíferos do início desse período geoglógico na América do Sul. Com a descoberta de Cronopios dentiacutus, como foi batizado o novo animal, temos uma idéia de como teria sido um momento diferente dentro do Cretáceo sulamericano para os mamíferos.

Reconstituição artística de como seria em vida Cronopio dentiacutus, por Jorge Gonzalez
Sobrevivendo entre os gigantes dinossauros patagônicos, especialmente os colossais saurópodes, o animal seria diminuto. Teria uma dieta insetívora, a julgar pelos seus dentes peculiares, e muito provavelmente apresentaria hábitos noturnos.

Os paleontólogos Guillermo Rougier, Sebastián Apesteguía e Leandro Gaetano descreveram o novo material com base apenas em evidências craniais e o batizaram como Cronopio em homenagem ao escritor Belgo-Argentino, Cortázar – Cronópio é um personagem conhecido dos livros desse autor.

Cronopio dentiacutus pertenceu a um grupo de mamíferos extintos chamados de ‘Dryolestóides’ e é peculiar por apresentar uma dentição muito especializada. Está proximamente relacionado com formas do Jurássico da Laurásia, porém denota um possível endemismo de formas gondwanicas que deve ser melhor revelado com a continuidade das prospecções fossilíferas mundo a fora.


Novo dinossauro brasileiro!! Aelosaurus maximus

Materiais de titanossauros são elementos muito comuns na Bacia Bauru. Essa unidade geológica de idade cretácica cobre uma extensa área do país, incluindo os estados de São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O novo dinossauro é paulista. Foi encontrado no interior do estado, em uma cidade já famosa pelos fósseis de dinossauro: Monte Alto.

A história desse bicho é antiga. Ele foi encontrado há muitos anos pelo Prof. Antônio Celso de Arruda Campos e sua equipe do Museu de Paleontologia de Monte Alto, que tiveram um árduo trabalho para recuperar o material. Os fósseis estão em exposição no museu da pequena cidade há anos, porém só agora, o paleontólogo Rodrigo Santucci o descreveu formalmente como um novo animal.


Finalmente com identidade, pela primeira vez formaliza-se, com vasta descrição, a presença de titanossauros do grupo Aelosaurini no Brasil. O novo animal foi batizado de Aelosaurus maximus. Maximus‘ devido ao seu tamanho.

Muitos trabalhos já haviam citado informalmente a presença de ‘aelossauros’ em território brasileiro, porém este é o primeiro que discute a questão de forma ampla e fornece inclusive um novo panorâma filogenético para esse grupo de dinossauros saurópodes como um todo.  Esses animais foram primeiramente encontrados na região patagônica da Argentina e o gênero Aelosaurus já é até mesmo conhecido. A. maximus seria apenas uma nova espécie dentro desse gênero, que inclui outras duas de nacionalidade ‘hermana’.


Parabéns ao colega Rodrigo e a toda equipe do Museu de Paleontologia de Monte Alto!!!

Acima: Reconstrução de Aeolosaurus. Direitos autorais do Museu de História Natural de Londres.
Acima: Localização dos achados e fósseis de Aeolosaurus maximus, a disposição dos fósseis como foram encontrados no afloramento e a reconstituição do animal evidenciando os elementos ósseos encontrados. Santucci & Arruda-Campos, 2011.


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Bibligrafia:

Rougier, G.W.; Apesteguía, S. & Gaetano, L. C. 2011. Higly specialized mammalian skulls from the Late Cretaceous of South America. Nature, 479, 98-102.

Santucci, R.M. & Arruda-Campos,A.C. 2011. “A new sauropod (Macronaria, Titanosauria) from the Adamantina Formation, Bauru Group, Upper Cretaceous of Brazil and the phylogenetic relationships of Aeolosaurini”. Zootaxa 3085.

A fauna do Paleo-deserto Botucatu – O Paleo-deserto Botucatu, Parte II

“O paleodeserto Botucatu foi um gigantesco deserto de dunas, que existiu durante o final do Período Jurássico (145 milhões de anos atrás) e começo do Período Cretáceo (há 130 Milhões de anos), quando os atuais continentes do hemisfério sul ainda estavam reunidos formando o chamado mega-continente austral Gondwana. Este antigo deserto abrangia algo como 1.500.000 Km² e se estendia desde o Estado de Minas Gerais até o Uruguai – em latitude – e da Bolívia até onde antes estava acomodada a África, na costa leste brasileira… Tratava-se de uma verdadeira imensidão de areia, com um clima seco rigoroso e condições aparentemente pouco propícias à vida…. mas apenas aparentemente… — Veja a primeira parte desta reportagem AQUI.

Em um lugar perdido em um pretérito tão remoto, numa era de animais tão diferentes, a curiosidade nos leva a perguntar: que tipo de criaturas viveram em condições tão adversas? É sobre isso que vamos tratar neste post do Colecionadores de Ossos.
Em um ambiente extremamente árido como foi o deserto do Botucatu, dificilmente são preservados fósseis de restos corporais de animais, tais como, ossos ou conchas…… Quanto a partes moles, então, nem pensar. Desta forma, a única maneira de saber quais animais viviam nesse deserto é por meio dos icnofósseis.
Icnofósseis, de forma geral, são registros de um comportamento de um determinado organismo que acabaram por ser preservados em um substrato que, depois de passar por processos químicos e físicos (Litificação), veio a tornar-se rocha.
Os tipos de icnofósseis mais comuns na Formação Botucatu (conjunto de rochas que representam hoje o antigo deserto Botucatu) são pegadas de vertebrados e invertebrados e evidências de alimentação de invertebrados endoestratais (“de dentro do substrato” ou “escavadores”).

Exemplos de comportamento que produzem icnofósseis: locomoção, alimentação, descanso, reprodução, etc. Exemplos de tipos de icnofósseis deixados por estes comportamentos: pegadas, perfurações, ovos, coprólitos (fezes fósseis), etc.

Os icnofósseis na Formação Botucatu são raros em alguns níveis. No entanto, existem estratos onde eles são extremamente abundantes, como por exemplo, aqueles que afloram nas cidades de São Carlos e Araraquara, no interior do Estado de São Paulo. Acredita-se que esta abundância relativa de rastros nas imediações destas cidades seja porque na época em que o antigo Deserto Botucatu existiu, haviam diversos oásis espalhados pela imensidão de areia. Estes abrigavam uma diversificada fauna e atraíam animais a procura de água. A existência destes oásis é corroborada com a própria preservação das pegadas, favorecida somente por causa da umidade.
Mas agora a pergunta que não quer calar: quem eram esses animais?

PERIGO !!!!. Apesar de ser irresistível e tentador atribuir um organismo produtor a icnofósseis… temos que tomar muito cuidado ! Não foram raras as vezes em que a atribuição de produtores a um determinado icnofóssil se mostrou totalmente equivocada, principalmente em se tratando de rastros de invertebrados. Pode-se dizer que, na icnologia de vertebrados isso é mais aceitável, afinal existe uma diferença mais conspícua entre os rastros de um dinossauro e de um mamífero , e dificilmente, eles produziriam um rastro semelhante – ainda assim isso poder acontecer… Entretanto, entre os invertebrados isto é comum, ou seja, grupos de invertebrados pouco aparentados – muito diferentes – podem produzir marcas muito semelhantes e, um mesmo grupo de animais – até mesmo da mesma espécie! – podem produzir rastros muito diferentes. Pense nisto!

Quando não existem fósseis de restos corporais, como é o caso do deserto do Botucatu, os cientistas recorrem, com muita parcimônia e cuidado, aos icnofósseis para saber que animais viviam naquele lugar.
Talvez o mais interessante sobre o Deserto Botucatu seja que, apesar de ser um deserto de mais de 130 milhões de anos, ele se parecia muito com um deserto atual, exceto pelas espécies hoje extintas, claro. Ele abrigava uma fauna adaptada ao ambiente desértico com uma composição semelhante ecológica a que vemos em desertos contemporâneos… vamos ver por quê.
Começando do alto da cadeia alimentar:
Hoje, esta posição é ocupada por mamíferos carnívoros de maior porte, répteis diversos e dinossauros terópodes do grupo dos coelurossauros com penas – as aves! Outrora, no antigo deserto, era ocupada também por dinossauros terópodes, como as aves atuais, mas por representantes de ramos ancestrais hoje extintos. A figura 1 mostra uma pegada de terópode coelurossaurídeo encontrado na Fm. Botucatu. Esta pegada apresenta um comprimento maior do que a sua largura, três dígitos com evidência de garras, sendo o dígito do meio o maior de todos.
Figura 1 – Pegadas de dinossauros atribuídas a Theropoda Coelurosauria encontradas na Formação Botucatu (Fotografias por Marcelo Adorna Fernandes).
Habitando o antigo deserto, ainda, poderia ser encontrado outro grupo de terópode, e sabemos disso por causa da presença de outro tipo de pegada. Estas também com os três dígitos, também com marcas de garras, porém os dedos mais espaçados: características típicas do grupo dos carnossauros (Figura 2). Veja a diferença.
Figura 2 – Pegadas de dinossauros atribuídas a Theropoda Carnossauria encontradas na Formação Botucatu (Fotografia por Marcelo A. Fernandes).
Os carnossauros, e também os coelurossaros, de fato estariam no topo da cadeia alimentar, já que são os maiores organismos carnívoros identificados no registro icnológico.
Existem evidências também de dinossauros herbívoros do grupo dos ornitópodes. Animais bípedes, reconhecidos por pegadas tão compridas quanto largas, com três dedos de extremidades arredondadas (sem marcas de garras), como mostrado na figura 3.
Figura 3 – Pegadas atribuídas a dinossauros ornitópodes encontradas na Formação Botucatu (Fotografia por Marcelo Adorna Fernandes).
E como não poderia deixar de ser dito, destoando da maioria das pegadas de dinossauros geralmente encontradas – todas de porte pouco avantajado – foi encontrada ainda uma trilha muito curiosa pelo tamanho do seu produtor. As pegadas gigantes seriam atribuídas a um grande dinossauro ornitópode, e foram encontradas pelo Prof. Dr. Marcelo Adorna (Figura 4). É muito estranho encontrar pegadas de um animal herbívoro tão grande em um lugar com tão poucos recursos vegetais para sustentá-lo.
Figura 4 – Pegadas atribuídas a um grande dinossauro ornitópode encontradas na Formação Botucatu. Ao fundo o Professor Marcelo Adorna, um grande estudioso dos icnofósseis desta Formação.
Nos desertos atuais existem ainda pequenos mamíferos muito bem adaptados às árduas condições dos ambientes desérticos. No deserto do Botucatu não faltavam estes animais. Eles ocupavam uma posição intermediária na cadeia alimentar, como as várias espécies de roedores atuais. A figura 5 mostra os característicos rastros deixados por eles. A figura 6 mostra uma cena que seria comum quando o deserto do Botucatu existia: uma interação entre dinossauro e um mamífero da época.
Figura 5 – Rastros identificados como Brasilichnium elusivum – atribuídos a mamíferos de pequeno porte – encontrados na Formação Botucatu (Marcelo Adorna Fernandes). Escala = 10cm.
Figura 6 – Uma interação comum entre um representante do grupo dos Dinossauros Theropoda e um mamífero durante o final do Jurássico, começo do Cretáceo, na região que compreendia o deserto do Botucatu.
Figura 7 – Reconstrução do paleoambiente durante o final do Jurássico, começo do Cretáceo, no deserto do Botucatu, com integrantes comuns da sua fauna: escorpiões, insetos e pequenos mamíferos.
Atualmente é muito comum encontrar em desertos diversos grupos de artrópodes adaptados a ambientes áridos, tais como, aranhas, escorpiões e variados insetos….. no Deserto Botucatu não era diferente. Existem icnofósseis atribuídos a esses animais que atestam a existência pretérita de animais muito semelhantes aos atuais no paleo-deserto (Figura 7).

Entre os invertebrados, além dos que deixam marcas na superfície (epiestratais), existem também registros de Taenidium isp, que consistem em escavações sinuosas e meniscadas (em forma de menisco) atribuídas a anelídeos ou insetos coleópteros (Figura 8).

Figura 8 – Rastros identificados como Taenidium isp. Atribuídos a invertebrados (anelídeos ou insetos). Esta laje em especial antes de ser tombada no Museu de Hist;oria Natural Prof. Dr. Mário Tolentino, na UFSCar, era usada como pavimentação de uma calçada na cidade de Araraquara, SP.
Esses invertebrados poderiam ter servido de alimento para os mamíferos, já que estes animais conviveram juntos.
Os rastros fósseis do Botucatu são um testemunho muito interessante sobre um ambiente bastante particular do passado: um colossal deserto com dunas esparsamente pontuadas de oásis. Conhecer a diversidade biológica deste lugar é um desafio por causa da escassez de restos corporais preservados de animais e plantas. Até agora, apenas troncos fóssilizados foram encontrados, todos retirados da região de Minas Gerais.
Estes indicam a presença de gimnospermas, plantas do grupo dos pinheiros e araucárias. Já quanto a fauna, representativos e bem preservados icnofósseis nos permitem obter uma sólida idéia de como seria o cenário Juro-cretácico. Eles fornecem uma verdadeira e fantástica janela para que possamos vislumbrar a vida e as interações dos habitantes daquele ambiente passado.
Referências Bibliográficas
FERNANDES, M. A. Paleoicnologia em ambientes desérticos: análise da icnocenose de vertebrados da pedreira São Bento (Formação Botucatu, Jurássico Superior – Cretáceo Inferior, Bacia do Paraná), Araraquara, SP. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza. Instituto de Geociências. Rio de Janeiro, 2005.


FERNANDES, M. A.; CARVALHO, I. DE S. Revisão diagnóstica para a icnoespécie de tetrápode Mesozóico Brasilichnium elusivum ( Leonardi , 1981 ) ( Mammalia ) da Formação Botucatu , Bacia do Paraná , Brasil. Ameghiniana, v. 45, n. 1, p. 167-173, 2008.


FERNANDES, A. C. S.; CARVALHO I DE S.; NETTO, R. G. Ichnofósseis de invertebrados da Formação Botucatu, São Paulo (Brasil). Anais da Academia Brasileira de Ciências, v 62, n. 1, p. 45 – 49, 1990

A seguir, continuando a série de artigos sobre a Icnologia da Formação Botucatu: Um estranho gigante nas dunas e Xixi de dinossauro.

>Novos vertebrados do Mesozóico brasileiro – Começamos bem 2011!

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Depois do anúncio de Tapuiasaurus em fevereiro, somam-se à lista de vertebrados mesozóicos do Brasil o gigante dino carnívoro Oxalaia, mais um bizarro crocodilomorfo terrestre – Pepesuchus – e Brasiliguana, um pequeno lagarto da região de Presidente Prudente, SP… 
Mas isso não é só, ainda há muito mais por vir!!

Tapuiasaurus foi descrito ainda em fevereiro na revista científica de divulgação livre, PLoS ONE (acesse o artigo aqui). O anúncio do bicho foi um sucesso: Dinossauro na cabeça! Um crânio completo foi apresentado por Zaher e colaboradores e o estado de conservação do material deixou pesquisadores do mundo inteiro boquiabertos. Tapuiasaurus pertence a um grupo de dinossauros chamado de saurópodes (dinos gigantes de pescoço e cauda longos) e mais especificamente a um ramo chamado de ‘titanossaurídeos’. Crânios de dinossauros saurópodes são relativamente raros, já que tendem a logo se desarticular do corpo depois da morte do animal. Por isso Tapuiasaurus foi recebido com tanta festa.!
A idade do fóssil está entre 125 e 112 milhões de anos. Ele foi encontrado nos estratos cretácicos da Bacia Sanfranciscana, nas imediações do município de Coração de Jesus, Minas Gerais, próximo a divisa com a Bahia.
Não só o crânio, mas vértebras, partes da escápula, um rádio e um fêmur também foram descritos.
O crânio é impressionante. Com o focinho alongado e a abertura nasal na altura dos olhos, ele lembra aquele de outros titanossauros como Rapetosaurus e Nemegtosaurus. Porém, Tapuiasaurus viveu bem antes destes animais – pelo menos 30 milhões de anos antes. Em termos evolutivos, essa é uma informação muito importante. Tudo indica que este formato craniano, comumente encontrado em dinossauros saurópodes titanossaurídeos do final do Período Cretáceo, já havia evoluído bem antes do que se pensava.
Uma exposição temática com os fósseis do animal está sendo apresentada no Museu de Zoologia da USP em São Paulo. Vale a pena visitar!! Exposição “Cabeça Dinossauro”.

O crânio de Tapuiasaurus macedoi.

Reconstituição do animal pelo paleoartista Leandro Sanchez.

Quanto a Oxalaia, anunciado à imprenssa brasileira no dia 16 de março, temos um registro bem menos impressionante, mas tão importante quanto o de Tapuiasaurus. Oxalaia tratava-se de um imenso dinossauro carnívoro espinossaurídeo (da família do Espinossauro e do Suchomimus, dinos com o focinho alongado e achatado como o dos crocodilos), que devia medir entre 12 e 14 metros. Seria o segundo maior dinossauro dessa família de terópodes. Os restos do animal foram encontrados ainda em 1999 durante uma expedição da equipe de paleontólogos do Museu Nacional à Ilha do Cajual, no Estado do Maranhão (Leia aqui!). Encontrado na famosa ‘Laje do Coringa’, o nível mais fossilífero da Formação Alcântara, o bicho parece ter sido um elemento comum no ambiente pretérito daquela região, onde são encontrados abundantes dentes do animal. Foram descritos por Kellner e colaboradores dois fragmentos de crânio, considerados suficientes para definir a nova espécie. O trabalho foi apresentado numa edição especial dos Anais da Academia Brasileira de Ciências e pode ser acessado aqui. Oxalaia pode ser considerado hoje o maior dinossauro carnívoro brasileiro. Três espécies de espinossaurídeos já foram descritas para o Brasil: Irritator challengeri, Angaturama limai e Oxalaia quilombensis. O nome Oxalaia faz referência a divindade africana Oxalá e quilombensis à um antigo Quilombo da região da Ilha do Cajual.

Fragmentos do crânio de Oxalaia, descritos por Kellner e colaboradores.

Reconstituição artística do animal por Maurílio de Oliveira.

Pepesuchus pode parecer um nome estranho, mas foi uma homenagem ao Prof. José Martin Suaréz (conhecido por seus colegas como Pepe) para nomear o mais novo crocodilomorfo terrestre barsileiro. Descrito por Diógenes de Almeida Campos e colaboradores, a nova espécie conta com dois crânios quase completos e mandíbulas. O material é proveniente do famoso sítio “Tartaruguito” (Fm. Presidente Prudente, Grupo Bauru, Bacia Bauru), próximo às cidades de Pirapozinho e Presidente Prudente, no Estado de São Paulo. A nova espécie foi classificada como um peirossaurídeo e acrescenta ainda mais ao conhecimento desses animais na Bacia Bauru, Cretáceo Superior brasileiro. Os peirossaurídeos parecem ter sido um dos clados de Mesoeucrocodylia mais bem representados no paleocontinente austral, Gondwana. O material pós-craniano da nova espécie será descrito separadamente.

Reconstituição do crânio de Pepesuchus.
Reconstituição artística de Pepesuchus.

Por fim, não poderíamos deixar de falar de Brasiliguana, também publicado na edição especial dos Anais da Academia Brasileira de Ciências (acesse aqui). Brasiliguana trata-se de um pequeno lagarto dos estratos do Cretáceo Superior da Formação Adamantina, Bacia Bauru, da região do município de Presidente Prudente, SP. O registro de squamatas no Brasil é raro e inclui somente 6 apontamentos: Tijubina, Olindalacerta e squamata indeterminado, da Bacia do Araripe, e Pristiguana e 2 registros também não específicos da Bacia Bauru. Brasiliguana viria a acrescentar este conhecimento.
O animal foi descrito por William Nava e Agustín Martinelli com base em um fragmento cranial, cujos formato e implantação dos dentes, de acordo com os autores, são semelhantes a dos lagartos iguanídeos.

Material descrito de Brasiliguana prudentensis.


Já que falamos tanto da edição especial dos Anais da Academia Brasileira de Ciências, vale a pena checar os outros artigos. Você os encontra disponíveis aqui.

Não deixe de dar uma olhada naquele de Bittencourt & Langer (aqui). O amigo Johnny fez uma fantástica revisão sobre as ocorrências de dinossauros no Brasil e as suas relações biogeográficas. Referência!
As novidades por enquanto são estas, mas fiquem de olho porque tem muito mais por vir!


>As pegadas fósseis do interior paulista – O Grande deserto Botucatu, Parte I

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Texto original por Marcelo Adorna Fernandes – adaptações por Aline Ghilardi

Há aproximadamente 140 milhões de anos, durante o final do Período Jurássico e início do Período Cretáceo, a região onde hoje se localizam as cidades de Araraquara e São Carlos, no interior de São Paulo, era coberta por um imenso deserto que se extendia por uma superfície de cerca 1.600.000 km2 (do sul de Minas Gerais até o Uruguai).

Imagem ilustrativa de como se pareceria o antigo deserto de Botucatu.

Este antigo deserto, chamado de Botucatu, foi um dos maiores que já existiu na história do Planeta Terra, e nele, dinossauros e pequenos mamíferos caminharam em busca de água, que brotava em pontuadas lagoas – oásis – formadas entre as gigantescas dunas de areia. Estes animais pré-históricos deixaram suas pegadas enquanto prosseguiam em suas jornadas diárias, e fortuitamente, estes registros fossilizaram, deixando pistas valiosas sobre a vida misteriosa do passado.
As pegadas fossilizadas são encontradas hoje em lajes de arenito retiradas de algumas pedreiras de Araraquara e São Carlos. Estas lajes foram vastamente utilizadas durante os séculos passados para o calçamento público de diversas cidades do interior paulista. Hoje, as calçadas dessas cidades guardam um tesouro precioso de dezenas de milhões de anos….

Reconstituição da fauna extinta do antigo deserto Botucatu. Por Ariel Milani e Aline Ghilardi.

Como as pegadas fossilizaram?

Pegada de dinossauro carnívoro.

As pegadas deixadas pelos animais que habitavam o paleodeserto de Botucatu eram delicadamente recobertas pela areia trazida pelo vento, que formava camadas sobrepostas protegendo a pista do animal. Depois de milhões de anos, a areia das dunas compactou-se de tal maneira – por cimentação natural dos grãos devida aos sais minerais de sua composição – que transformou-se em rocha (arenito), preservando o registro da vida extinta.
As dunas do antigo deserto continham um certo teor de umidade que também ajudava na preservação das pegadas. Porém, a umidade não era suficiente para favorecer a fossilização dos restos ósseos de animais que ali caminhavam. O clima rigoroso, associado ao desgaste pela ação erosiva dos grãos de areia e o vento, destruía completamente os corpos dos animais. Por isso não encontramos fósseis corporais de dinossauros – ou outros bichos -, mas somente suas pegadas.

Pista de pequeno mamífero.

A raridade de fósseis nesse tipo de ambiente faz com que todas as informações a respeito da vida nos paleodesertos restrinja-se sempre à impressões – vestígios indiretos – como pegadas e escavações para fuga ou habitação, por exemplo.

Pista de pequeno dinossauro carnívoro e detralhe de uma pegada.

Os arenitos da Formação Botucatu

Com o passar do tempo, a areia deste imenso deserto foi sofrendo um processo de compactação. As camadas inferiores de areia foram sendo gradativamente cobertas por novas camadas que o vento trazia, e as pegadas foram “guardadas” num “arquivo sedimentar”. Camada após camada, a areia endureceu formando as rochas conhecidas como arenito, da Formação Botucatu, pertencente à Bacia do Paraná, a mesma rocha que compõe o Aqüífero Guarani.

Diagrama litoestratigráfico indicando o posicionamento da F,. Botucatu dentro da Bacia do Paraná.

Pedreira na cidade de Araraquara, SP, onde afloram os arenitos da Formação Botucatu. Ainda pode-se observar a inclinação da antiga paleoduna.

Calcamento de arenito em Araraquara, SP.

Pegadas no calçamento. Algumas são cobertas com cimento: Alguns moradores as tinham como ‘defeitos’ na calçada.
O arenito foi muito utilizado para calçamentos de vias públicas em Araraquara e região, conseqüentemente muitas pegadas são encontradas ainda hoje nas próprias calçadas de diversas cidades do interior paulista e inclusive na Capital.

O estudo do registro icnofossilífero

O estudo de um icnofóssil (vestígio preservado da atividade de um organismo) é de grande importância, pois pode auxiliar nas interpretações paleoambientais e paleoecológicas de um determinado período de tempo geológico, assim como evidenciar o comportamento dos diversos organismos fósseis.

As pegadas fósseis podem estar preservadas basicamente como impressões (epirrelevo côncavo), correspondendo a moldes das plantas dos pés do animal, e como contra-moldes (hiporrelevo convexo) produzidos pelos sedimentos sobrejacentes nas impressões originais. Devido ao peso, alguns animais poderiam ainda provocar deformações nas camadas inferiores do sedimento, formando as undertracks ou subpegadas.
A partir das pegadas fossilizadas é possível reconstruir o esqueleto do pé do animal, saber como era a pele e musculatura do pé. Também é possível conhecer relações ecológicas destes seres primitivos e sua influência nos ecossistemas. O estudo destes vestígios torna-se algo fascinante e que nos permite reconstruir, passo a passo, a trajetória da vida no Planeta.
O final da existência dos dinossauros do deserto no interior paulista foi selado por um grande evento magmático (registrado como a Fm. Serra Geral), no qual grandes fissuras na crosta terrestre derramaram magma sobre o paleodeserto, mudando o clima e a paisagem e determinando o fim do antigo ambiente do Botucatu. Isso se deu há pelo menos 135 milhões de anos.

Pegadas de pequeno mamífero.

Ilustração representando a antiga fauna do deserto Botucatu. Por Ariel Milani.

Maiores informações sobre o sítio paleontológico de Araraquara no site:
— Em próximos posts: “A fauna do Paleo-Deserto Botucatu”, “Xixi de dinossauro” e “Um estranho gigante nas dunas”

>Eodromaeus, um novo dino basal da Argentina e Eoraptor, um Sauropodomorpha

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Reconstituição de Eodromaeus por Todd Marshall.
A última década tem experimentado uma renascença no estudo dos dinossauros basais e, recentemente, vários deles têm sido descritos, tanto para América do Norte, como América do Sul (Veja síntese de Langer et al., 2010 e Brusatte et al., 2010): o brasileiro Saturnalia, o Saurischia sauropodomorfo Panphagia, ChromogosaurusSanjuansaurus e o recém-descoberto terópode basal, Tawa. A parte disso, uma série de redescrições, reanalíses e trabalhos de filogenia também têm sido feitos, como aqueles de Chindesaurus, Staurikosaurus e Pisanosaurus. Parece ser um momento promissor para os estudiosos da origem e evolução dos dinossauros…

Esta semana na Science, Martinez e colaboradores vieram descrever mais uma figurinha para este álbum: Eodromaeus murphi, da Formação Ischigualasto, Triássico da Argentina. 


Com boa parte de seu esqueleto preservado, sendo que pelo menos 6 espécimes foram encontrados – todos incompletos – , o animal era pequeno e não devia passar dos dois metros de comprimento. Seu crânio era leve e tinha o número de dentes reduzido em comparação com outros dinossauros primitivos, mas curvados e serrilhados, bem característicos daqueles dos dinos carnívoros.

As análises filogenéticas realizadas por Martinez e colaboradores colocaram este novo dinossauro num posicionamento basal dentro do agrupamento dos chamados dinossauros terópodes (que incluem todos os dinos carnívoros). Eodromaeus representaria um  grupo irmão de Neotheropoda e os primitivos herrerassaurídeos. Este status era ocupado antes por Tawa, que com a nova descoberta, foi realocado para dentro dos Neotheropoda.


O que mais chamou atenção nesse trabalho, no entanto, é a recuperação que os autores fizeram de Eoraptor lunensis Rogers & Monetta 1993 em suas análises filogenéticas. Este dinossauro posicionou-se como um Eusaurischia, stem-sauropodomorpha, em politomia com Panphagia e Saturnalia (Saturnaliine, de acordo com Ezcurra, 2010). Sim, o grupo que eventualmente daria origem aos imensos herbívoros saurópodes! Este posicionamento já fora apontado antes por Martinez e Alcobar (2009), mas é a primeira vez que ganha suporte de uma análise filogenética.

Crânio de Eoraptor sendo preparado, Foto de Louie Psihoyos.

Crânio de Eoraptor lunensis, por Digimorph.

Este novo trabalho sem dúvida irá causar um bom debate entre os estudiosos de dinos basais, especialmente considerando-se questões como amostragem de taxa e inclusão de caracteres. Martinez e colaboradores não consideraram vários taxa que entenderam como incompletos ou muito pouco conhecidos.  Esta se trata de uma matrix atualizada do trabalho de Sereno (1999) e não utiliza muitos caracteres observados em outros estudos como os de Langer e Benton (2006), Ezcurra (2006) e Nebsitt e colaboradores (2009). É difícil querer comparar trabalhos que apresentam tantas diferenças no conjunto de dados utilizados.

De qualquer forma, se Eoraptor for de fato um Sauropodomorpha basal, isto é de grande interesse, pois nos aproxima de vislumbrar como teria sido o ancestral comum entre terópodes (grupo que inclui todos os dinos carnívoros) e sauropodomorfos (grupo que daria origem aos gigantes herbívoros de pescoço longo). É importante lembrar, que esta nova interpretação de Eoraptor é somente uma hipótese. Há a demanda de novas investigações, análises e descobertas para determinar realmente qual era a natureza desse animal.

Comparativamente, os dentes de Eoraptor teriam um formato diferenciado e seriam mais bem adaptados
para uma dieta variada, provavelmente onívora e talvez com consumo regular de plantas. Diferente da dentição encontrada em Eodromaeus, apropriada para uma alimentação estritamente carnívora.

Os pesquisadores por trás deste estudo fazem ainda outras observações interessantes em seu artigo, como sobre o padrão evolutivo dos dinossauros basais ao longo do Triássico. Para ler mais sobre isso visitem o site da Science… que infelizmente não disponibiliza seus artigos livremente… :

Martinez, R., Sereno, P., Alcober, O., Colombi, C., Renne, P., Montanez, I., & Currie, B. (2011). A Basal Dinosaur from the Dawn of the Dinosaur Era in Southwestern Pangaea Science, 331 (6014), 206-210 DOI: 10.1126/science.1198467


Outras referências fundamentais:


Brusatte et al., 2010. The origin and early radiation of dinosaurs. Earth-Science Reviews, 101 (1-2): 68-100.
Langer et al., 2010. The origin and early evolution of dinosaurs. Biological Reviews, 85: 55-110.