A espiral da morte, agora em 3D

 

Gelo marinho de primeiro ano derrete no verão entre Svalbard e a Groenlândia em 2011

Gelo marinho de primeiro ano derrete no verão entre Svalbard e a Groenlândia em 2011

ACABA DE SER PUBLICADO on-line o artigo científico mais importante do ano sobre mudança climática. Um grupo de cientistas europeus e americanos conseguiu estimar diretamente a redução do volume do gelo marinho no oceano Ártico usando dados de satélite. Para variar, o quadro mostrado pelas medições é mais feio do que o pintado pelos modelos computacionais: o gelo do polo Norte, além de cada vez mais curto em área, está também mais fino.

O estudo, aceito para publicação no periódico Geophysical Research Letters, mostra que entre 2003 e 2012 o volume do gelo marinho caiu 36% no outono (época do ano em que ele atinge sua extensão mínima), de 11,9 milhõers para 7,6 milhões de quilômetros cúbicos,  e 9% no inverno (estação em que atinge a extensão máxima), de 16,3 milhões para 14,8 milhões de quilômetros cúbicos, e sugere que esse afinamento pode estar por trás da redução recorde na extensão mínima do mar congelado no Ártico observada no ano passado. O declínio observado no outono é 60% maior do que o previsto pelo principal modelo usado para estimar o volume do gelo no Ártico, mas cerca de 25% menos do que o modelo calculara para o inverno.

A extensão do gelo no polo Norte é monitorada praticamente em tempo real com a ajuda de satélites. Todo ano os cientistas que estudam o tema começam a ficar nervosos a partir de agosto para saber se o degelo máximo será ou não maior que o de 2007. Desde aquele ano, quando a área sofreu uma redução brutal em relação à média histórica, eles previam que o Ártico havia entrado numa “espiral da morte”, na qual o degelo quebraria recorde após recorde até o oceano glacial estar completamente oceano e nada glacial nos verões, o que deve acontecer antes do fim deste século. A falta de gelo significa mais calor absorvido pela Terra, o que significa ainda menos gelo, e assim por diante. O recorde de 2007 foi quase quebrado em 2011 e quebrado de longe em 2012.

O diabo é que a área de gelo marinho conta só metade da história. Como estamos falando de um objeto tridimensional, a estimativa do volume total de gelo é um dado tão importante quanto ou mais importante que sua extensão. Não refresca em nada o gelo se recuperar no inverno se ele for fino e derreter todo no verão seguinte. O que importa para a saúde do polo é o gelo permanente, aquele que se acumula durante vários anos e atinge espessuras de 6 metros ou mais. E esse está cada vez mais raro.

Quão raro, porém, é uma medição tinhosa. Satélites que estão voando a centenas de quilômetros da superfície têm dificuldade em diferenciar a camada de neve superficial do gelo duro debaixo dela e outras sutilezas, como a porção, às vezes de alguns centímetros apenas, de gelo da banquisa que fica acima da superfície do mar (o chamado “freeboard”). Para piorar, o primeiro satélite especializado em medir gelo, o americano ICESat, morreu em 2008 e precisou ser trocado por uma série de campanhas aéreas da Nasa, incapazes de cobrir a mesma área monitorada pela espaçonave. Nos últimos anos, os cientistas precisaram lançar mão de medições pontuais feitas in situ e com o auxílio de aviões, extrapolar esses dados para todos os 7 milhões de quilômetros quadrados do oceano Ártico e mandar um computador calcular o volume. O período de coleta do ICESat foi curto demais para validar o principal modelo de volume de gelo usado hoje, o Piomas, da Universidade de Washington.

Entram em cena outro satélite glaciológico, o europeu CryoSat-2, e uma série de algoritmos sofiscicados desenvolvidos pelo grupo de Katharine Giles, do University College London. O grupo coletou dados do CryoSat em 2010/2011 e em 2011/2012 e a série de dados do ICESat de 2003 a 2008 e bolou uma série de jeitos espertos de interpretá-los que meu conhecimento de matemática e a paciência do leitor me impedem de explicar aqui. Para calibrar os dados, Giles e colegas valeram-se de missões aéreas europeias e americanas, além de dados coletados de baixo para cima por submarinos nucleares que atravessam o polo Norte. Isso possibilitou, nas palavras dos cientistas, “estender o registro do IceSat” até 2012, o que forneceu a primeira observação das mudanças de volume da banquisa ao longo de uma década.

“Os dados revelam que o gelo marinho espesso desapareceu de uma região ao norte da Groenlândia, do Arquipélago Canadense e do nordeste de Svalbard”, disse Gilles em comunicado à imprensa.

A boa notícia nesse front foi dada longe do polo, em Washington, na noite de anteontem: em seu primeiro discurso ao Congresso como presidente reeleito, Barack Obama deu um ultimato aos parlamentares e disse que, se eles não fizerem alguma coisa a respeito da mudança climática via um projeto de lei, o Executivo o fará via regulações da EPA (Agência de Proteção Ambiental). Obama também prometeu usar dinheiro do petróleo para montar um fundo que financie tecnologias energéticas limpas. Se você acha que já ouviu falar nisso, é porque ouviu mesmo: o Brasil tem um fundo desses criado desde 2009, o Fundo Clima, que nosso Congresso matou no debate tosco dos royalties diante dos olhos impassíveis do Palácio do Planalto.

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