As 7 melhores leituras de 2017
OK, CONFESSO que li pouco neste ano. Quase nada. Dividi meu tempo livre entre a cruz dos estudos de música e a espada do Netflix e, como resultado, acabei dando uma boa emburrecida em 2017 (em compensação pode me perguntar sobre empréstimo modal e dominantes secundárias).
Mas, como há boas ideias no mundo que merecem ser copiadas, espremi aqui minha rarefeita lista para roubartilhar uma ideia do Átila Iamarino, colega de ScienceBlogs e apresentador do descaralhante canal Nerdologia. No ano passado, o Átila fez uma lista sensacional de fim de ano com seus dez livros favoritos. Eu não tenho os dez mais, mas vão aí os sete mais.
Nem todos são sobre ciência, nem todos são deste ano, mas para quem estiver sem ideia do que dar (ou se dar) de Natal, aí vão, sem necessariamente uma ordem de relevância.
Os fuzis e as flechas, de Rubens Valente
O relato do jornalista Rubens Valente sobre o tratamento dado pela ditadura militar aos índios é de longe a melhor coisa que li este ano e, possivelmente, o livro mais importante publicado no Brasil em tempos recentes (sim, categórico assim).
Escrito com base em documentos sigilosos dos militares só recentemente desclassificados e uma boa centena de entrevistas com indígenas, antropólogos, sertanistas e agentes do governo, o livro traça um panorama tenebroso da política indigenista brasileira entre 1964 e 1985. É uma sucessão de massacres, quer pela mão de tropas encarregadas de abrir o caminho para obras como a BR-174, entre Amazonas e Roraima, quer por meio de doenças espalhadas pelas frentes de atração e contato dos agentes do “Brasil Grande”. Olhados pelas lentes da ditadura, os índios eram obstáculos ao desenvolvimento que precisavam ser assimilados, diluídos na sociedade nacional ou simplesmente eliminados, para que suas terras pudessem ser integradas ao “desenvolvimento” nacional – na mão de outros.
Rubens Valente acaba completando aqui o trabalho que Darcy Ribeiro realizou no clássico Os Índios e a Civilização, de 1970, que trata da relação entre a sociedade neobrasileira e os primeiros habitantes do país nos primeiros 60 anos do século passado. Ambos são livros abrangentes, extremamente humanos e completamente apavorantes. Rubens não poupa detalhes sobre mortes, torturas e vários tipos de abuso praticados pelos agentes públicos contra os índios. Alguns capítulos são leituras difíceis, que requerem estômago. Nenhum dos personagens principais do indigenismo no século 20 é poupado do escrutínio do jornalista – nem mesmo heróis como Orlando Villas Bôas e o próprio Darcy Ribeiro, que aparece mal na fita em uma passagem.
A honestidade que sempre marcou a carreira desde que é um dos maiores repórteres do Brasil transparece o tempo todo no livro. Até na narrativa, ao mesmo tempo seca e empolgante. Rubens fez uma acertada opção de linguagem de não se colocar praticamente em momento algum das 400 páginas do texto; os fatos são fortes o bastante para dispensar a intervenção do narrador.
Apesar de se reportar a um período do passado, Os fuzis e as flechas é assustadoramente atual, e daí minha convicção sobre a relevância do livro: as forças que atuam hoje contra os povos indígenas no Brasil, num esforço para tomar-lhes as terras, são essencialmente as mesmas que atuavam na ditadura, e no tempo de Darcy Ribeiro, e antes. São parte de um Brasil racista, oligárquico e atrasado, que sob o travesti do “agro pop” mantém práticas de 400 anos atrás. É infeliz que esse pedaço da sociedade esteja dando as cartas hoje no governo e no Congresso. Os fuzis e as flechas é um livro indispensável para entender este momento. Meu candidato pessoal a Jabuti de livro do ano de 2018.
O tribunal da quinta-feira, de Michel Laub
A trama deste romance curto e impossível de largar se dá em torno de dois amigos, um deles infectado com o HIV. Trocas de e-mails entre os dois acabam vazando e ambos são vítimas de um linchamento moral na internet.
Não se deixe enganar pela maestria narrativa de Michel Laub. Ao longo do livro, você vai pensar que está diante de uma engenhosa análise sociológica sobre a rebarba da epidemia de Aids (que, sem que o autor adivinhasse, parece ter voltado a níveis preocupantes no Brasil) ou sobre o fascismo on-line. É também isso. Mas O tribunal da quinta-feira é, ao fim e ao cabo, uma história de amor. Ou de muitos amores. Um libelo contra vários tipos de intolerância, necessário para o Brasil dos tempos atuais.
Meia-noite e vinte, de Daniel Galera
Neste romance sufocante e de mordacidade máxima, o autor de Barba ensopada de sangue faz um retrato pouco construtivo da sua geração, as pessoas de 30-e-tantos que viveram o início da explosão da internet (e da pornografia on-line, como o leitor entenderá) no Brasil. A história é ambientada numa Porto Alegre assolada por uma onda de calor, onde três amigos de adolescência se reencontram após a morte de um quarto, e tudo meio que desanda na vida deles a partir daí. O flerte de Galera com a ciência produz uma descrição precisa, demolidora e por vezes hilária da vida na academia. E também uma reflexão sobre o que é chegar à plenitude da idade adulta no Antropoceno. Não chega a ser um “cli-fi”, o que é uma virtude, mas é o primeiro livro brasileiro de ficção a discutir a tal “era do homem”, tendo como sujeito oculto a mudança do clima e não tão oculto assim a convulsão causada pela tecnologia nas relações humanas. Tribom.
The singularity is near, de Ray Kurzweil
Na verdade, o livro é chato. É escrito por um engenheiro que se acha só porque é bilionário e inventou o sintetizador Kurzweil (que o deixou rico a ponto de lhe permitir ficar escrevendo livros prevendo o futuro). O livro é povoado de gráficos e linguagem matemática, e tenta transformar em utopia o pesadelo sci-fi de máquinas dominando o mundo, substituindo os seres humanos de carne e osso – na verdade, fundindo-se a eles: Kurzweil argumenta que as máquinas se tornarão humanas, num mélange perfeito entre a nossa consciência orgânica e a matéria inanimada – e conquistando o Universo.
Seria fácil menosprezar The singularity is near como delírio de branco rico, não fosse pelas observações que o autor faz sobre evolução exponencial de tecnologias disruptivas. O argumento central é que, quando uma tecnologia entra em evolução exponencial, olhar para seu comportamento no passado antes do “joelho” da curva de crescimento pode dar a falsa impressão de que ela evoluirá de forma mais ou menos linear no futuro. E Kurzweil dá exemplos de várias coisas que evoluíram exponencialmente, das telecomunicações à capacidade dos computadores. O mesmo raciocínio pode ser aplicado a tecnologias de energia limpa como painéis solares e carros elétricos. Aliás, a julgar pelas revisões dos prognósticos de adoção, com o carro elétrico nós podemos estar chegando ao joelho da curva. De minha parte, acreditarei em robôs conscientes dominando as galáxias quando Kurzweil inventar um piano digital que tenha o mesmo sustain de um acústico. #prontofalei.
1499, de Reinaldo José Lopes
Tenho isenção zero para falar desse livro, por razões que quem o ler entenderá. Limito-me, portanto, a recomendá-lo. Nunca antes na pré-história deste país se fez algo assim. É a primeira aproximação séria à pré-história brasileira escrita por um não-arqueólogo, e é feita com a abrangência, a erudição e as gracinhas de que só o Reinaldo é capaz. Yuval Harari é o caralho, meu nome é Petutinho.
O vendido, de Paul Beatty
O filho de um sociólogo negro assassinado pela polícia numa perifa de Los Angeles descobre que a melhor maneira de chamar atenção para os conflitos raciais que persistem nos EUA em plena era Obama é restabelecer a segregação racial, como a que havia antes do movimento pelos direitos civis. Tudo isso com a ajuda de um escravo idoso que é levado semanalmente para ser espancado num clube de sado-maso. Esse é o enredo corajoso de um livro que não poupa ninguém, sem distinção de credo ou – sobretudo – cor. Beatty destrói com igual ironia (e autoironia) os brancos, os negros, os latinos e o politicamente correto e faz um livro altamente político e altamente divertido sobre a turma que escorregou pelas rachaduras do sonho americano. É de rolar de rir e se matar de pensar ao mesmo tempo. Vai te dar vontade de plantar maconha e mexericas, não necessariamente nesta ordem.
A queda de Dilma, de Ricardo Westin
O governo Temer é uma desgraça corrupta tão grande que a gente acaba se esquecendo da desgraça corrupta e inepta que foi o mandato e meio de Dilma Rousseff. O livro do jornalista Ricardo Westin ajuda a refrescar a memória e a lembrar não só por que Dilma caiu, mas por que ela tinha de cair. Segundo o autor, Dilma basicamente ignorou as lições multicentenárias de governo de Nicolau Maquiavel, entre elas cercar-se de bons conselheiros (Dilma não escutava ninguém), ter o povo ao seu lado (Dilma tinha horror a gente) e aparentar ter virtudes (nem João Santana com todos os milhões da Odebrecht conseguiu fazer essa mágica). Westin conta que, segundo a lógica maquiavélica, um bom governante tem doses iguais de fortuna (sorte) e virtù (competência). Dilma Rousseff não possuía nem um, nem outro, e isso a tornou presa fácil do arquivilão Eduardo Cunha.
Discussão - 2 comentários
Tinha que cair na sua visão míope! Se vc ate hj não entendeu que não houve crime que justificassem o impeachment que foi uma grande armação, é melhor não ler certos livros enviesados como esse! Desenvolva senso crítico primeiro!
Caro Wilton,
Não poderia concordar mais com você: também acho que Dilma não cometeu nenhum crime que justificasse o impeachment. Mas não é disso que se trata. O livro conta por que, mesmo sem ter cometido crime grave (já que todo mundo pedala), ela não conseguiu reunir as condições políticas de permanecer no poder.