Pelas águas da ‘Amazônia paulista’
Matéria publicada na Unesp Ciência de julho de 2011.
Na bacia hidrográfica do rio Itanhaém, na Baixada Santista, biólogo de Rio Claro estuda o papel das plantas aquáticas na preservação dos mananciais; seus resultados estão sendo aplicados na aquicultura sustentável
Pouca gente sabe, mas existe um lugar no litoral sul de São Paulo conhecido como “Amazônia paulista”. Fica a apenas 115 km da capital, no município de Itanhaém, o segundo mais antigo do Brasil. A comparação com o famoso bioma do Norte costuma ser feita por quem divulga o discreto turismo ecológico neste bem preservado fragmento de Mata Atlântica, regado por sinuosos cursos d’água que deságuam no rio Itanhaém.
Evidentemente, não é uma comparação feita com base em escala. Enquanto a bacia hidrográfica do rio Amazonas ocupa 3,8 milhões de km2 só no lado brasileiro, a do rio Itanhaém tem míseros 930 km2. Em compensação, o paralelo faz sentido depois que se constata o que há em comum entre os dois lugares: o fato de seus rios principais serem formados pelo encontro de um afluente de água escura com outro, de água branca.
No caso amazônico, são os rios Negro e Solimões que formam o Amazonas. Em território bandeirante, são os rios Preto e Branco que originam o Itanhaém, no sopé da Serra do Mar (saiba mais aqui: http://bit.ly/kABj7V).
É por essa paisagem quase desconhecida dos paulistas que navega com familiaridade o biólogo Antonio Fernando Monteiro Camargo, pesquisador do departamento de Ecologia do Instituto de Biociências da Unesp em Rio Claro.
Antonio Camargo é especialista em Limnologia, a ciência que estuda as águas interiores, isto é, os sistemas aquáticos continentais, como rios, lagos, estuários etc. Parente da Hidrologia, mais interessada nas origens geológicas das águas do planeta, a Limnologia é um ramo da Ecologia. Logo, está preocupada com as interações dos seres vivos com seu ambiente e a relação deles com as características físicas e químicas da água.
“Isso diz muito sobre a qualidade e a preservação de uma bacia hidrográfica”, justifica o pesquisador. Em Itanhaém, esses dados também revelam a qualidade da água oferecida aos habitantes da cidade e de parte de Praia Grande e Peruíbe.
Mão
Que privilégio é o seu? Por que o órgão mudo e cego nos fala com tanta força persuasiva? Porque é um dos mais originais, um dos mais diferenciados, à maneira das formas superiores de vida. Articulado por meio de gonzos delicados, o punho arma-se sobre um sem-número de ossículos. Cinco ramos ósseos, com um sistema de nervos e ligamentos, projetam-se por baixo da pele, para depois se separar de chofre e dar origem a cinco dedos separados, cada um dos quais, articulado sobre três juntas, com atitude e espírito peculiares. Uma planície abaulada, percorrida por veias e artérias, arredondada nas bordas, une o punho aos dedos, ao mesmo tempo que lhes encobre a estrutura oculta. O verso é um receptáculo. Na vida ativa da mão, ela é suscetível de se distender e de se endurecer, assim como é capaz de se moldar ao objeto. Esse trabalho deixou marcas no oco da mão, e podem-se ler aí, se não os símbolos lineares das coisas passadas e futuras, ao menos o traço e como que as memórias de nossa vida de resto já apagada – e quem sabe, até, alguma herança mais antiga. De perto, trata-se de uma paisagem singular, com seus montes, sua grande depressão central, seus estreitos vales fluviais, ora fissurados por acidentes, cadeias e tramas, ora puros e finos como uma escritura. Toda figura permite o devaneio. Não sei se o homem que interroga esta chegará a decifrar algum enigma, mas me parece bom que contemple com respeito essa sua serva orgulhosa.
Henri Focillon (1881-1943), em Elogio da mão, tradução de Samuel Titan Jr., publicado na revista Serrote, número 6, novembro de 2010.
Foto: JonGenius
Quem vai querer plantar banana?
Matéria publicada na Unesp Ciência de maio de 2011.
Fungos agressivos colocam o cultivo da fruta mais popular do país em alto risco; novas técnicas de manejo e de melhoramento são promissoras, mas ameaças podem levar a uma reinvenção da cultura no futuro
Yes, nós temos… problemas. É o que provavelmente diriam muitos produtores de banana do Vale do Ribeira, no sul do Estado de São Paulo, se parafraseassem o imortal verso da marchinha de Braguinha e Alberto Ribeiro, lançada no carnaval de 1938.
A região, uma das maiores concentrações de plantio da fruta do país, já há algum tempo sofre com a Sigatoka negra – doença que atinge as folhas da bananeira, tingindo-as de manchas escuras. Sem poder capturar energia solar, esse arbusto gigante (não é uma árvore) fica incapaz de fazer corretamente a fotossíntese e, portanto, não consegue nutrir seu cacho.
Quem passa por uma estrada de terra que corta vários bananais comerciais nos arredores de Registro, a maior cidade do Vale do Ribeira (70 mil habitantes), vê de vez em quando bananeiras com cachos atrofiados que, se não forem cortados, vão cair e apodrecer antes de amadurecer. A imagem mais frequente, porém, são folhas estragadas, que um leigo pode pensar serem apenas velhas, mas nas quais qualquer agrônomo do lugar bate o olho e diagnostica facilmente a doença.
“Os bananicultores que me perdoem, mas a doença aqui está um espetáculo. Para mostrar para os alunos”, ironiza o engenheiro agrônomo amapaense Wilson da Silva Moraes, enquanto dirige seu carro e mostra à reportagem de Unesp Ciência algumas áreas afetadas.
Pesquisador da Agência Paulista de Tecnologia de Agronegócios (Apta), no polo do Vale do Ribeira, Moraes faz suas pesquisas em conjunto com a Unesp em Registro, onde é professor em tempo parcial no curso de Agronomia. Ele chegou à cidade em 2004, praticamente junto com a praga.
A Sigatoka negra é uma doença incurável causada pelo fungo Mycosphaerella fijiensis, cujos esporos podem viajar no vento por distâncias de até 50 km. Surgida no Caribe no fim dos anos 1970, ela desceu o continente por Colômbia e Equador, grandes centros exportadores de banana. Em 1998, o fungo foi encontrado em Manaus. De lá se alastrou pela Região Norte, atravessou Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, e conquistou finalmente o Sudeste e o Sul. Por enquanto, apenas o Nordeste está livre do problema, exceto o Maranhão.
Células imortais
Matéria publicada na Unesp Ciência de abril de 2011.
Laboratório em Botucatu cria seres híbridos que não morrem nunca e são capazes de fabricar os anticorpos monoclonais, moléculas indispensáveis nos bancos de sangue e na medicina diagnóstica
Estranhas formas de vida são cultivadas no subsolo da Faculdade de Medicina de Botucatu. Numa área de acesso restrito do hemocentro, uma equipe de pesquisadores cria os chamados hibridomas, células híbridas que não existem espontaneamente. Ao contrário das células naturais, elas não morrem nunca, desde que bem cuidadas e alimentadas.
Mas não é por serem imortais que essas quimeras biotecnológicas são manipuladas com tanto zelo. É porque elas são verdadeiras fábricas microscópicas, capazes de gerar ad eternum um produto sofisticado e valioso – os anticorpos monoclonais. Usadas como ferramenta de identificação em análises laboratoriais, essas complexas proteínas, altamente específicas, revolucionaram o modo de fazer transfusão de sangue e a medicina diagnóstica nos últimos 30 anos.
A médica hemoterapeuta Elenice Deffune, chefe do Laboratório de Engenharia de Tecidos da Unesp em Botucatu, aprendeu a construir hibridomas em Paris, durante o mestrado e o doutorado feitos entre a Universidade Pierre e Marie Curie e o Instituto Pasteur, de 1986 a 1992. Ela foi estudar o assunto após se inquietar com reações do organismo à transfusão de sangue, que ocorrem em uma minoria dos pacientes, mas costumam ser fatais. Com os anticorpos monoclonais, diz ela, a hemoterapia (o emprego terapêutico de sangue e seus derivados) evoluiu muito nas últimas décadas.
Cartas de um herói ressentido
Resenha publicada na Unesp Ciência de abril de 2011.
Análise das missivas de Simón Bolívar, um dos maiores ícones da independência da América Latina, revela o esforço de um homem frustrado para salvar sua honra e ser idolatrado pelas gerações futuras
Alheia à história da independência da América hispânica, a maioria dos brasileiros talvez deva a Hugo Chávez o pouco que sabe sobre o general Simón Bolívar (1783-1830).
O presidente da República Bolivariana da Venezuela (assim renomeada por Chávez) comporta-se como a reencarnação do herói que derrotou o domínio europeu no século 19 e até hoje é cultuado com tintas vibrantes também na Colômbia, no Peru e na Bolívia.
Em julho passado, Chávez ordenou a exumação dos restos de Bolívar, para investigar a “verdadeira” causa mortis. Os registros oficiais dão conta de que a tuberculose matou lentamente o general, mas o líder venezuelano desconfia que ele foi envenenado – afinal, herói que se preze morre assassinado, não de infecção.
É possível que a historiadora Fabiana de Souza Fredrigo tivesse problemas se quisesse publicar seu Guerras e escritas (Editora Unesp) no país de Hugo Chávez, pois o Simón Bolívar que ela revela, por meio da análise de suas cartas, é um ser humano vaidoso, ambicioso e, mais tarde, frustrado e amargurado. E, acima de tudo, um homem preocupado com a forma como seria lembrado na posteridade.
Por meio das 2.815 missivas que escreveu ao longo da vida, analisadas em seu doutorado na Unesp em Franca, a autora descortina um projeto de memória que Bolívar assumia como parte importante de sua vida.
“Ao oferecer aos seus interlocutores, cuidadosamente escolhidos, suas missivas, o general construía um código de valor entre seus homens (…). Bolívar pretendia que sua memória atingisse e mobilizasse gerações futuras. Pleitear a possibilidade de a posteridade anuir a seu projeto era uma aposta audaciosa, reveladora do fato de que, embora Bolívar não pudesse ter o domínio do futuro, o projetava. As cartas e os documentos que deixara para comprovar sua história eram a armadura protetora de sua honra”, escreve a autora.
Em nome dessa honra, o general costumava exagerar nos relatos de sucesso de suas estratégias militares e no número de soldados de que dispunha. Numa carta de 1822, Bolívar pede a outro militar: “[escreva] mil exageros de paz, guerra e coisas de Europa para que eu possa mostrar estas cartas a todos, principalmente aos inimigos, mas [escreva] exageros que sejam críveis”. Em 1825, quando começa sua decadência física, ele dissimuladamente registra: “Não mande publicar minhas cartas, nem vivo nem morto, porque elas estão escritas com muita liberdade e desordem”.
Libertar as colônias sul-americanas do domínio espanhol até que foi fácil se comparado ao trabalho que foi lidar com as guerras internas que se sucederam à independência e fragmentaram parte do continente, para profundo desgosto do general. “A vida de glórias terminaria com a incompreensão do povo que ele havia lutado para libertar”, afirma Fabiana. “Se, ao final da vida, algo paralisava Bolívar, não era exatamente a doença, mas o ressentimento.”
E se hoje nada disso transparece no culto ao mito é porque seu projeto de memória foi de fato bem-sucedido. Influenciou gerações de historiadores latino-americanos, principalmente venezuelanos, que abriram mão do olhar crítico e ignoraram as contradições do personagem – um cenário que felizmente começa a mudar, como mostra este livro.
Guerras e escritas – A correspondência de Simón Bolívar (1799-1830)
Fabiana de Souza Fredrigo; Editora Unesp; 290 págs. R$ 59
Danúbio vermelho
(publicado na UC dezembro/2010)
Mais acostumados a divulgar vazamentos de petróleo que acidentes da indústria de alumínio, jornais de todo mundo espantaram seus leitores ao divulgarem no começo de outubro imagens da pequena cidade húngara de Ajka (a 160 km de Budapeste), inundada por um líquido espesso, vermelho e altamente cáustico. A destruição, causada pelo rompimento de um reservatório de “lama tóxica” – como ficou conhecido o material, que chegou a alcançar o rio Danúbio -, trouxe à tona as sérias questões ambientais que envolvem a fabricação do metal.
Para alguns pesquisadores, a catástrofe reforça a necessidade urgente de encontrar uma utilidade para esse resíduo corrosivo, que se acumula em gigantescas lagoas artificiais construídas em diversos países onde há exploração de bauxita – entre eles, o Brasil. Da bauxita se extrai a alumina (óxido de alumínio), que depois é convertida em alumínio, o metal leve e maleável com o qual são feitas latas de bebidas, embalagens de alimentos e esquadrias de portas e janelas, para citar apenas alguns exemplos domésticos.
Para produzir uma tonelada de alumínio são necessárias quatro toneladas de bauxita e, no processo de beneficiamento, são geradas duas toneladas de lama vermelha, explica Maria Lúcia Pereira Antunes, pesquisadora do Núcleo de Automação e Tecnologias Limpas da Unesp em Sorocaba. “Ninguém sabe o que fazer com esse resíduo. É um enorme passivo ambiental.”
Pesquisas no anel de luz
(publicado na UC dezembro/2010)
Alguns pesquisadores precisam de muita luz para trabalhar. E luz, nesse caso, na sua definição mais básica: a de um amplo espectro de radiação eletromagnética. Para analisar as entranhas microscópicas, moleculares ou atômicas de suas amostras, esses cientistas precisam ora de raios X, ora de luz ultravioleta ou infravermelha, de ondas de rádio ou até mesmo de luz visível. Tudo depende do material que querem conhecer melhor, da propriedade que pretendem medir e do fenômeno que precisam esmiuçar, seja ele físico, químico ou biológico. É a fase embrionária do que pode vir a ser o desenvolvimento de uma nova tecnologia.
Em 2009, essa necessidade de luz levou 2.320 cientistas de todo o país (e alguns de países vizinhos) a passar alguns dias, praticamente em regime de internato, no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), que fica no distrito de Barão Geraldo, em Campinas (SP). Lá funciona, desde 1997, o único anel de luz síncrotron da América Latina. Um síncrotron (para os íntimos) é um acelerador de elétrons que emite simultaneamente – e com muita intensidade – um amplo espectro de radiação, sob a forma de feixes muito finos.
O equipamento é grande e sofisticado demais para caber no laboratório ou no orçamento individual de qualquer projeto de pesquisa. É por isso que a maioria dos 30 anéis de luz deste tipo em funcionamento no mundo são instalações multiusuário, que atendem à comunidade científica de uma determinada região e funcionam 24 horas por dia, sete dias por semana, praticamente o ano inteiro.
Um dos usuários do LNLS é o engenheiro de materiais Celso Valentim Santilli, do Departamento de Físico-química do Instituto de Química da Unesp em Araraquara, distante 190 km de Campinas. A partir das 8 h do último dia 13 de outubro, logo após o feriado prolongado, Santilli e três de seus orientandos passaram 48 horas numa das 14 linhas de luz do anel, a chamada SAX-2, uma das duas linhas por onde passam apenas raios X de baixo ângulo, na sigla em inglês.
Considerando a quantidade de amostras que eles levaram na bagagem e todas as medidas a serem feitas, além dos naturais imprevistos que sempre surgem ao longo de um experimento, 48 horas não é muito. Como a próxima visita pode demorar vários meses para ser agendada, é preciso aproveitar cada minuto e se revezar na tarefa dia e noite. “É puxado”, resigna-se Eduardo Molina, aluno de pós-doc de Santilli.
O orientador acompanharia o trabalho do grupo até o fim daquela tarde, mas, por causa de compromissos no dia seguinte, voltaria para dormir em Araraquara, deixando a responsabilidade nas mãos dos três pupilos. “Quando é um experimento novo, ele (Santilli) fica, mas esse nós já fizemos outras vezes”, diz Molina. “Só não vai dar para dormir muito. (Na madrugada) vamos ter que trocar (de turno) a cada 3 ou 4 horas. O ideal era ter mais uma pessoa.”
Sede de sal
(publicado na UC de março/2011)
Pode acontecer com qualquer um. Já aconteceu com cerca de 30% dos brasileiros adultos. Um belo dia, provavelmente depois dos 50 anos, com azar antes disso, o sujeito deixa o consultório médico com a receita de um anti-hipertensivo e a recomendação expressa de fazer exercícios e diminuir muito o sal de sua comida. Ele é o mais novo membro do clube dos portadores de pressão alta, candidatos preferenciais ao infarto e ao derrame cerebral.
Tomar o remédio será a parte mais fácil. E se conseguir vencer a preguiça e a falta de tempo, o sujeito se dará conta de que a atividade física, nem que seja uma simples caminhada, pode ser prazerosa. A pior parte vai ser se acostumar à ‘vida sem sal’. E ter de lutar contra instintos primitivos que provavelmente o paciente nunca imaginou que tivesse.
O cloreto de sódio é tão importante para a biologia e a cultura da humanidade que nossos ancestrais percorreram distâncias absurdas e até travaram guerras por um bom punhado do mineral. “Substância divina”, para o poeta Homero, e um mineral “particularmente caro aos deuses”, segundo o filósofo Platão, seu simbolismo fica evidente no nosso vocabulário. Do latim sale derivaram palavras como salário, saúde e saudável (veja quadro abaixo).
A evolução talhou nosso cérebro para gostar de sal, precisamente do sódio. Fomos programados para buscá-lo. Em especial porque – e essa talvez seja a parte mais surpreendente dessa necessidade fisiológica – o apetite para este nutriente e a sede são irmãos gêmeos siameses.
Uma ciência em transformação
(publicado na UC fevereiro/2011)
Em uma de suas canções menos lembradas hoje em dia, Renato Russo dizia que não sabia nada de Física, Literatura ou Gramática. “Só gosto de Educação Sexual”, afirmava ele no refrão, para em seguida frisar: “E eu odeio Química, Química, Química!”.
Os químicos que me perdoem, assim como eles devem ter perdoado o líder da Legião Urbana por seus versos juvenis e insensatos. Mas o que nem eles ignoram é que as pessoas em geral têm um pé atrás em relação a tudo o que é químico.
“Não há jeito de uma ciência que trata fundamentalmente de mudança ser encarada de modo inteiramente positivo por seres humanos, que são, no fundo, ambivalentes em relação às mudanças”, escreveu Roald Hoffmann, Nobel de Química em 1981, em O mesmo e o não-mesmo (Editora Unesp, 2000), um elogio crítico à ciência das moléculas.
Poluidora e tóxica são alguns dos rótulos negativos que nas últimas décadas se colaram à atividade industrial amparada no conhecimento desta ciência dura, cheia de fórmulas e nomes antipáticos, mas que seus defensores definem como central, como a ciência da transformação.
No Ano Internacional da Química, as Nações Unidas e químicos do mundo todo unem esforços para limpar sua reputação. “A ideia é mudar sua imagem na sociedade, porque ela está associada apenas a coisas ruins”, afirma Vanderlan Bolzani, do Instituto de Química da Unesp em Araraquara e membro do conselho consultivo da Sociedade Brasileira de Química.
Papai Noel na berlinda
(publicado na UC dezembro/2010)
Papai Noel é coisa séria. E não apenas para as criancinhas que o aguardam no Natal. Também na ciência há quem acredite nele, pelo menos o suficiente para investigá-lo. Esses pesquisadores tentam entender o segredo de tão duradouro sucesso, assim como os efeitos (nem sempre admiráveis) que essa presença vermelha e rotunda exerce na psicologia de crianças e adultos, nas relações sociais, na religião e até na saúde pública. Afinal, o “bom” velhinho tem lá suas idiossincrasias. Ao longo das últimas décadas, uma série de estudos tem revelado resultados surpreendentes e até perturbadores, que tendem a ser ofuscados por interesses comerciais.
Um dos primeiros a dedicar uma análise aprofundada sobre o protagonista do Natal foi ninguém menos que o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (1908-2009). Sua motivação teve origem numa notícia publicada no jornal France Soir, em 24 de dezembro de 1951, com o título: “Papai Noel é queimado no átrio da Catedral de Dijon diante de crianças de orfanatos”. Coordenada pelo clero católico (com apoio de protestantes), a manifestação do dia anterior apregoava o caráter pagão daquela figura, que estaria arruinando a tradição cristã.
A opinião pública francesa se dividiu diante da inusitada situação: de um lado, a Igreja demonstrando espírito crítico e, de outro, os racionalistas defendendo a superstição. A contradição chamou a atenção de Lévi-Strauss e resultou no livro O suplício do Papai Noel (Cosac Naify, 2009, tradução de Denise Bottmann). Nele, o antropólogo classifica o Papai Noel do ponto de vista da tipologia religiosa:
“Não é um ser mítico, pois não há um mito que dê conta de sua origem e de suas funções; tampouco é um personagem lendário, visto que não há nenhuma narrativa semi-histórica ligada a ele. Na verdade, esse ser sobrenatural e imutável, fixado eternamente em sua forma e definido por uma função exclusiva e um retorno periódico, pertence mais à família das divindades; as crianças prestam-lhe culto em certas épocas do ano, sob a forma de cartas e pedidos; ele recompensa os bons e priva os maus. É a divindade de uma categoria etária de nossa sociedade (…) e a única diferença entre Papai Noel e a verdadeira divindade é que os adultos não creem nele, embora incentivem as crianças a acreditar e mantenham essa crença com inúmeras mistificações”