>As pegadas fósseis do interior paulista – O Grande deserto Botucatu, Parte I

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Texto original por Marcelo Adorna Fernandes – adaptações por Aline Ghilardi

Há aproximadamente 140 milhões de anos, durante o final do Período Jurássico e início do Período Cretáceo, a região onde hoje se localizam as cidades de Araraquara e São Carlos, no interior de São Paulo, era coberta por um imenso deserto que se extendia por uma superfície de cerca 1.600.000 km2 (do sul de Minas Gerais até o Uruguai).

Imagem ilustrativa de como se pareceria o antigo deserto de Botucatu.

Este antigo deserto, chamado de Botucatu, foi um dos maiores que já existiu na história do Planeta Terra, e nele, dinossauros e pequenos mamíferos caminharam em busca de água, que brotava em pontuadas lagoas – oásis – formadas entre as gigantescas dunas de areia. Estes animais pré-históricos deixaram suas pegadas enquanto prosseguiam em suas jornadas diárias, e fortuitamente, estes registros fossilizaram, deixando pistas valiosas sobre a vida misteriosa do passado.
As pegadas fossilizadas são encontradas hoje em lajes de arenito retiradas de algumas pedreiras de Araraquara e São Carlos. Estas lajes foram vastamente utilizadas durante os séculos passados para o calçamento público de diversas cidades do interior paulista. Hoje, as calçadas dessas cidades guardam um tesouro precioso de dezenas de milhões de anos….

Reconstituição da fauna extinta do antigo deserto Botucatu. Por Ariel Milani e Aline Ghilardi.

Como as pegadas fossilizaram?

Pegada de dinossauro carnívoro.

As pegadas deixadas pelos animais que habitavam o paleodeserto de Botucatu eram delicadamente recobertas pela areia trazida pelo vento, que formava camadas sobrepostas protegendo a pista do animal. Depois de milhões de anos, a areia das dunas compactou-se de tal maneira – por cimentação natural dos grãos devida aos sais minerais de sua composição – que transformou-se em rocha (arenito), preservando o registro da vida extinta.
As dunas do antigo deserto continham um certo teor de umidade que também ajudava na preservação das pegadas. Porém, a umidade não era suficiente para favorecer a fossilização dos restos ósseos de animais que ali caminhavam. O clima rigoroso, associado ao desgaste pela ação erosiva dos grãos de areia e o vento, destruía completamente os corpos dos animais. Por isso não encontramos fósseis corporais de dinossauros – ou outros bichos -, mas somente suas pegadas.

Pista de pequeno mamífero.

A raridade de fósseis nesse tipo de ambiente faz com que todas as informações a respeito da vida nos paleodesertos restrinja-se sempre à impressões – vestígios indiretos – como pegadas e escavações para fuga ou habitação, por exemplo.

Pista de pequeno dinossauro carnívoro e detralhe de uma pegada.

Os arenitos da Formação Botucatu

Com o passar do tempo, a areia deste imenso deserto foi sofrendo um processo de compactação. As camadas inferiores de areia foram sendo gradativamente cobertas por novas camadas que o vento trazia, e as pegadas foram “guardadas” num “arquivo sedimentar”. Camada após camada, a areia endureceu formando as rochas conhecidas como arenito, da Formação Botucatu, pertencente à Bacia do Paraná, a mesma rocha que compõe o Aqüífero Guarani.

Diagrama litoestratigráfico indicando o posicionamento da F,. Botucatu dentro da Bacia do Paraná.

Pedreira na cidade de Araraquara, SP, onde afloram os arenitos da Formação Botucatu. Ainda pode-se observar a inclinação da antiga paleoduna.

Calcamento de arenito em Araraquara, SP.

Pegadas no calçamento. Algumas são cobertas com cimento: Alguns moradores as tinham como ‘defeitos’ na calçada.
O arenito foi muito utilizado para calçamentos de vias públicas em Araraquara e região, conseqüentemente muitas pegadas são encontradas ainda hoje nas próprias calçadas de diversas cidades do interior paulista e inclusive na Capital.

O estudo do registro icnofossilífero

O estudo de um icnofóssil (vestígio preservado da atividade de um organismo) é de grande importância, pois pode auxiliar nas interpretações paleoambientais e paleoecológicas de um determinado período de tempo geológico, assim como evidenciar o comportamento dos diversos organismos fósseis.

As pegadas fósseis podem estar preservadas basicamente como impressões (epirrelevo côncavo), correspondendo a moldes das plantas dos pés do animal, e como contra-moldes (hiporrelevo convexo) produzidos pelos sedimentos sobrejacentes nas impressões originais. Devido ao peso, alguns animais poderiam ainda provocar deformações nas camadas inferiores do sedimento, formando as undertracks ou subpegadas.
A partir das pegadas fossilizadas é possível reconstruir o esqueleto do pé do animal, saber como era a pele e musculatura do pé. Também é possível conhecer relações ecológicas destes seres primitivos e sua influência nos ecossistemas. O estudo destes vestígios torna-se algo fascinante e que nos permite reconstruir, passo a passo, a trajetória da vida no Planeta.
O final da existência dos dinossauros do deserto no interior paulista foi selado por um grande evento magmático (registrado como a Fm. Serra Geral), no qual grandes fissuras na crosta terrestre derramaram magma sobre o paleodeserto, mudando o clima e a paisagem e determinando o fim do antigo ambiente do Botucatu. Isso se deu há pelo menos 135 milhões de anos.

Pegadas de pequeno mamífero.

Ilustração representando a antiga fauna do deserto Botucatu. Por Ariel Milani.

Maiores informações sobre o sítio paleontológico de Araraquara no site:
— Em próximos posts: “A fauna do Paleo-Deserto Botucatu”, “Xixi de dinossauro” e “Um estranho gigante nas dunas”

>Click Ciência: Paleontologia !

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A última edição da revista digital de divulgação científica “Click Ciência” veio com um tema especial este mês: A PALEONTOLOGIA.


A equipe editorial – composta por vários alunos e profissionais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) – reuniu uma série de reportagens e entrevistas sobre variados temas dentro da paleontologia. Profissionais competentes de diversas instituições brasileiras foram entrevistados e a edição está cheia de informações fabulosas para todo tipo de público. Confira abaixo alguns dos temas abordados:

Reportagens: 

Entrevistas:

Resenhas:

Artigos:



Click aqui e confira: Click Ciência, edição 23, Fevereiro de 2011: Paleontologia


Boa leitura!!!

A Click Ciência é um trabalho do Laboratorio Aberto de Interatividade, o LAbI, especializado em todo tipo de divulgação científica. Para saber mais visite: http://programapaideia.wordpress.com/  ou 

>"O que todo mundo deveria saber sobre paleontologia??"

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Uma boa pergunta! Dr. Thomas Holtz aceita o desafio responde com uma lista de conceitos chave baseado na sua experiência como professor de paleontologia e geologia histórica.

Dr. Thomas Holtz discorre sobre a visão binocular de Tyrannosaurus. Fonte: http://forgottenarchosaurs.blogspot.com/

O texto original está em inglês e é retransmitido a partir do link abaixo:

“What Should Everyone Know About Paleontology?” – …: “The title question was recently asked by Roberto Takata on the Dinosaur Mailing List and Dr. Tom Holtz took up the challenge. I have re-post…” Fonte: Crurotarsi: The forgotten Archosaurs

Dr. Thomas Holtz é Ph.D. pela Yale University e Senior Lecturer pela University of Maryland, onde também é diretor do programa Earth, Life and Time. Trabalha com evolução, morfologia funcional, biomecânica e tendências adaptativas dos grandes grupos de vertebrados extintos, especialmente dinossauros terópodes. Seu web site AQUI.


Para facilitar o acesso dos falantes da língua portuguesa, no entanto, demos uma mãozinha e traduzimos …

“O que todos devem saber sobre Paleontologia?”
Por Thomas R. Holtz Jr.

Acredito que esta é uma boa pergunta. Quais são os elementos mais importantes da paleontologia que o público geral deve compreender? Figurei uma lista de conceitos-chave, baseados em experiências com o ensino da paleontologia e da geologia histórica, e também experiências menos formais de divulgação. Ofereci essa lista como uma maneira de alcançar um público amplo, e, aproveitando que esta é a “Semana de Darwin”, isto se tornou ainda mais apropriado: acredito que devemos utilizar esta ocasião para encorajar uma melhor compreensão das mudanças da Terra e da vida através do tempo geológico.


Por mais que eu gostasse de pensar de outra forma, os detalhes específicos da função dos membros de Tyrannosaurus rex ou as características das vértebras pneumáticas dos saurópodes realmente não são os elementos mais importantes do campo da paleontologia. Compreender e apreciar os pequenos pormenores da filogenia ou anatomia de cada ramo específico da Árvore da Vida não são conhecimentos realmente necessários para todos. Não são mais significantes do que o conhecimento detalhado da bioquímica bacteriana ou da divisão de minerais em uma câmara de magma (Na verdade, estes dois últimos itens afetariam muito mais a sociedade humana do que qualquer aspecto específico da paleontologia. Sob este ponto de vista, portanto, ser
iam muito mais importantes para a ciência da sociedade do que a própria história da vida.)



Dito isto, todas as sociedades humanas e muitos indivíduos se perguntam de onde viemos e como o mundo veio a ser do jeito que está. Esta é, na minha opinião, a maior contribuição da paleontologia: ela nos dá um vislumbre da história da Terra e da Vida, e especialmente nos ajuda a contar a nossa própria história.



Dividi a lista em duas seções. A primeira parte reúne temas gerais da paleontologia, abrangendo os principais elementos da geologia que alguém precisa saber para que o registro fóssil faça algum sentido; e a segunda parte, mais específica, reúne pontos-chave sobre a história da vida na Terra.

(NOTA: como a idéia desta lista é destiná-la ao público em geral, eu tentei evitar a terminologia técnica sempre que possível).

GERAL:

— Que as rochas são produzidas por vários fatores (da erosão à sedimentação; pelo metamorfismo, por atividade vulcânica, etc);
— Que as rochas não se formam em um único momento no tempo, mas em vez disso têm sido e continuam a ser geradas ao longo da história do planeta;
— Que os fósseis são restos ou vestígios de organismos e/ou de seu comportamento registrado nas rochas;
— Que as rochas (e os organismos que produziram os fósseis) podem ter milhares, milhões ou até bilhões de anos;
— Que espécies fósseis e as comunidades de organismos extintos encontrados em diferentes espaços geográficos e período de tempo diferem daquelas atuais e também entre si;
— Que, apesar dessas diferenças existe continuida
de entre a vida no passado e a vida no presente, e essa continuidade é um registro da evolução da vida;
— Que podemos usar os fósseis, em conjunto com os dados anatômicos, moleculares e do desenvolvimento de formas de vida, para reconstruir o padrão evolutivo da vida através do tempo;
— Que os fósseis são restos incompletos de coisas outrora vivas e que para reconstruir a maneira como os organismos que os produziram viveram, podemos:
— Documentar sua anatomia (tanto externa como interna – esta última com a utilização de CT Scan), e compará-la com a dos seres vivos atuais, a fim de estimar a sua função;
— Examinar a sua composição química para revelar aspectos de sua bioquímica;
— Examinar sua microestrutura para estimar padrões de crescimento;
— Modelar de suas funções biomecânicas utilizando técnicas de engenharia e outros;
— Investigar as suas pegadas, tocas e outros vestígios, a fim de revelar aspectos de sua locomoção e outros comportamentos enquanto estavam vivos;
— E coletar informações sobre as várias espécies que viveram juntos, a fim de reconstruir as comunidades passado.
— No entanto, mesmo com tudo isso, os fósseis ainda são necessariamente registros incompletos, e sempre haverão informações sobre a vida do passado que estarão perdidas para sempre. Aceitar isso é muito importante quando se trabalha com a paleontologia.
— Que os ambientes do passado eram diferentes dos atuais.
— Que têm havido episódios catastróficos em que frações importantes do mundo dos seres vivos foram extintas em um período muito curto de tempo: esses dados não poderiam ser conhecidos sem o registro fóssil;
Que ramos inteiros da árvore da vida morreram (por vezes em eventos de extinção em massa, mas também às vezes de forma gradual).
— Que certos nichos (de formadores de recifes, de predadores marinhos velozes, de herbívoros terrestres de grande porte, etc) foram ocupadas por grupos diferentes de organismos em diferentes períodos da História da Terra;
Que toda espécie vivente, cada organismo, tem um ancestral comum com todas os outros seres vivos em pelo menos algum momento na História de Vida.

ESPECÍFICOS:


Apesar do fato de questões específicas dentro da paleontologia serem as que mais atraem os paleontólogos, a mídia, e o cidadão médio, etc, elas são muito pouco significativas para o público geral. Os pontos acima são muito mais importantes. Infelizmente, as empresas de documentário e similares esquecem disso e uma grande parte do público permanece ignorante.

Realmente, no panorama geral, a distinção entre os dinossauros, pterossauros e crurotarsos são trivialidades em comparação com a compreensão básica de que o registro fóssil é o nosso documento da história da vida e as mudanças da Terra.



Resumir os pontos-chave da história da vida sobre a quase 4 bilhões de anos de história evolutiva é uma grande tarefa. Afinal, há uma tendência a concentrar-se naquilo que é espectacular e sensacionalista, em detrimento do que é o comum e no rotineiro. Como Stephen Jay Gould
e outros pesquisadores muitas vezes observaram, de um ponto de vista externo e puramente objetivo, nós sempre vivemos na Era das Bactérias e as mudanças
no último meio bilhão de anos quanto a animais e plantas, foram apenas superficiais


Mas a questão não era “o que deve um estrangeiro sem paixão ter como o aspecto modal da História da Vida? “, mas: “O que todos devem saber sobre paleontologia?”. Desde que somos mamíferos terrestres do final do Cenozóico, temos um interesse natural por eventos continentais e que ocorreram na parte mais recente da História da Terra. Isso é um viés justo: ele se concentra em quem somos nós e de onde nós viemos.



Dito isto, aqui está uma lista de conceitos-chave na história de vida. Outros pesquisadores poderão escolher outros momentos, ou não concordar com alguns que considero importantes. Ainda assim, acredito que a maioria dos itens dessa lista coincidem com os de colegas:

— A vida desenvolveu-se pela primeira vez no mar, e por quase toda a sua história foi confinada ali;

— Durante a maior parte da história da vida os organismos foram unicelulares (E hoje, a maior parte da diversidade continua a ser unicelular);

— A evolução da fotossíntese foi um evento crítico na história da Terra e da Vida: as coisas vivas foram capazes de afetar o planeta e sua química em uma escala global;

— A vida multicelular evoluiu repetidas vezes independentemente;

— As primeiras formas animais foram todas marinhas;

— Os principais grupos de animais divergiram entre si antes mesmo de terem a capacidade de produzir partes duras complexas;

— Há cerca de 540 milhões de anos, a capacidade de produzir partes duras tornou-se possível para uma ampla faixa de grupos animais: a partir disso, o registro fóssil tornou-se muito mais bem marcado;

— As plantas colonizaram a terra em uma série de estágios adaptativos. Isso transformou profundamente a superfície terrestre, e permitiu que os animais as seguissem;

— Para os primeiros 100 milhões de anos de existência dos animais com alguma forma de esqueleto, o nosso próprio grupo (os vertebrados) foi relativamente raro e consistia puramente de formas que se alimantavam de matéria suspensão. A evolução das mandíbulas, no entanto, permitiu ao nosso grupo diversificar-se em profusão, e a partir desse ponto em diante, os vertebrados – de uma forma ou outra – têm permanecido predadores na maioria dos ambientes marinhos;

— Florestas de plantas mais complexas – mais relacionadas à vegetação de pequeno porte de pântanos da atualidade – cobriram vastas regiões das planícies do Carbonífero.

— O soterramento desta vegetação antes que ela entrasse em decaimento levou à formação de grande parte do carvão que impulsionou a Revolução Industrial e continua a alimentar o mundo moderno;

— Enquanto que a maioria destas plantas carboníferas necessitava de uma superfície úmida para se propagar, um ramo desenvolveu um método de reprodução utilizando sementes. Esta adaptação lhes permitiu colonizar o interior dos continentes, e desde então, as plantas com sementes tornaram-se a forma dominante de plantas terrestres;
— Nos pântanos carboníferos, um grupo de artrópodes (os insetos) adquiriu a capacidade de voar. Desde ponto em diante, os insetos tornaram-se um dos grupos mais comuns e diversos de animais terrestres;
— Os primeiros vertebrados terrestres comumente eram muito competentes em locomover-se em terra quando adultos, mas tipicamente deveriam voltar para a água para reproduzir-se. Nos pântanos carboníferos um ramo destes animais evoluiu um tipo de ovo especializado que permitiu a reprodução independente da água;
Estas novas formas de vertebrados terrestres – os amniotas – diversificaram-se amplamente. Algumas formas seriam os ancestrais dos mamíferos modernos, enquanto que outros, os ancestrais dos répteis (incluindo as aves);
— Um evento de extinção enorme, o maior da história da vida na terra, devastou o mundo há cerca de 252 milhões de anos atrás. Ele foi causado pelos efeitos colaterais da erupção catastrófica de vulcões gigantes, e alterou radicalmente a composição das comunidades marinhas e terrestres;
— No período após a extinção Permo-Triássica, os répteis (e, especialmente, um ramo que inclui os ancestrais dos crocodilos e dinossauros) tornaram-se um grupo diversificado e ecologicamente dominante em meio a nichos de grande porte;

— Durante o Triássico, muitas das linhagens distintas de animais terrestres modernos (incluindo tartarugas, mamíferos, crocodilomorfos, lagartos, etc) apareceram. Outros grupos que seriam muito importantes no Mesozóico, mas viriam a desaparecer ainda no final deste período (como os pterossauros e os ictiossauros e plesiossauros), evoluíram também neste momento.

— Os dinossauros eram inicialmente um componente raro das comunidades terrestres no Triássico. Somente os sauropodomorfos foram ecologicamente diversos durante este período. No entanto, um evento de extinção em massa no final do Triássico (essencialmente a extinção Permo-Triássico em miniatura) permitiu aos dinossauros diversificarem-se;

— Durante o Jurássico os dinossauros diversificaram-se estrondosamente. Alguns adquiriram o gigantismo e outros evoluíram armaduras espetaculares. Alguns tornaram-se os maiores predadores que já caminharam sobre a superfície terrestre. Entre os pequenos dinossauros carnívoros, um revestimento isolante de penas evoluiu para cobrir o corpo (possivelmente de origem bastante antiga e compartilhada por todos os dinossauros). Entre os dinossauros com penas, evoluíram as aves;

— Outros grupos terrestres, como os pterossauros, crocodilos terrestres, mamíferos e insetos continuaram a diversificar-se em forma e hábitos;

— Durante o Jurássico e (sobretudo) o Cretáceo, uma grande transformação na vida marinha ocorreu. Algas verdes fitoplanctônicas foram deslocadas pelas algas vermelhas (que continuam a dominar os ecossistemas marinhos modernos); e uma grande variedade de novos predadores – como tubarões e arraias mais avançados, peixe teleósteos, moluscos, crustáceos e equinóides especializados – apareceram. Os animais sésseis de ambientes marinhos rasos, que dominavam as comunidades marinhas desde o Ordoviciano, tornaram-se raros eormas móveis, com natação ativa, ou ainda animais escavadores de substrato tornaram-se mais comuns;

— Durante o Cretáceo um grupo de plantas terrestres evoluiu as estruturas hoje chamadas de flores e frutos. Sua reprodução estava estreitamente ligada a colaboração com animais. Embora não tenha se tornado imediatamente o grupo ecologicamente dominante, este tipo de planta viria a ser o principal componente vegetal dos ecossistemas terrestres;

— O impacto de um asteróide gigante, juntamente com outras grandes mudanças ambientais que estavam em curso, trouxeram um fim para o Mesozóico. A maioria dos grupos de animais de grande porte em terra e mar, além de muitas formas pequenas, desapareceram. Os únicos dinossauros sobreviventes foram as aves;

— Durante o início do Cenozóico os mamíferos se estabeleceram como o grupo dominante de vertebrados terrestres de grande porte. Logo colonizaram também o ar e os oceanos;

— Durante o início da Era Cenozóica, o mundo era quente e úmido, parecido com o Cretáceo. No entanto, uma série de alterações na posição dos continentes, e o surgimento de cadeias montanhosas, causaram um resfriamento global e o início de um período mais seco;

— Enquanto o mundo resfriava-se, enormes áreas de pastagens desenvolveram-se (primeiro na América do Sul, e mais tarde em quase todos os continentes);

— Vários grupos de animais adaptados às novas condições desenvolveram-se. Os mamíferos herbívoros tornaram-se corredores rápidos, com dentições modificadas e organizados em bandos para proteção. Mamíferos predad
ores também tornaram-se mais rápidos e alguns evoluíram para formas grupos de caçadores sociais.

— Outras novas comunidades vegetais evoluíram, assim como suas comunidades animais associadas. A ascensão das pradarias modernas (formações vegetacionais dominadas por gramíneas) deu suporte a diversificação de roedores, sapos, rãs, cobras, aves canoras, entre outros;
— Um grupo de mamíferos arborícolas com cérebros muito grandes, complexas comunidades sociais, e polegares opositores – os primatas – evoluiu para diversas formas. Na África, um ramo destes animais adaptou-se para viver às margens de florestas, em áreas mistas com pastagem e, a partir deste ramo, evoluíram alguns que se tornaram bípedes;
— Este grupo de primatas reteve e desenvolveu ainda mais a capacidade de usar ferramentas de pedra, que seus antepassados florestais já produziam. Muitas linhagens de primatas bípedes evoluíram e algumas desenvolveram cérebros ainda maiores, associados a capacidade de produzir ferramentas mais complexas. É entre estes animais que os ancestrais dos humanos modernos e de outros parentes próximos evoluiram, e eventualmente se espalharam para fora da África, por todas as regiões do planeta.

— Cerca de 2,6 milhões de anos atrás uma série de fatores levou à condições glaciais. Vários grupos de animais desenvolveram adaptações para climas frios;

— Os primeiros seres humanos conseguiram colonizar grande parte do planeta e logo após sua chegada aos novos mundos, quase todas as espécies da fauna de grande porte nativa desapareceram;

— Em algum momento antes do ancestral comum de todos os seres humanos modernos se espalharem pelo planeta, a capacidade de ter uma linguagem complexa e simbólica evoluiu. Isto levou a muitas, muitas diversificações tecnológicas e culturais que mudaram muito mais rápido do que a biologia do próprio homem;

— Na Ásia ocidental e norte da África (e eventualmente em outras regiões), os seres humanos modernos desenvolveram técnicas para cultivar alimentos em condições controladas, levando à verdadeira agricultura (Em outras culturas são conhecidos por terem evoluído de forma independente técnicas proto-agrícolas);

— Esta revolução neolítica permitiu o desenvolvimento de comunidades sedentárias e a especialização das competências individuais dentro de uma comunidade (incluindo soldados, os metalúrgicos, os oleiros, os sacerdotes, governantes e com o surgimento da escrita, os escribas);

— A partir deste ponto, começamos a obter um registro escrito, e assim os historiadores podem tomar conta da história …

Esta lista não é abrangente, obviamente, e existem muitos elementos que eu tive que ignorar para mantê-la relativamente curta. Ainda assim, espero que este vislumbre ajude a nos colocar onde nos encaixamos como espécie numa perspectiva mais ampla da longa jornada da Vida. Uma jornada que só poderia ter sido traçada pelo estudo dos fósseis.

>Um Ovo e um Pterossauro

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Um novo fóssil de pterossauro do gênero conhecido como Darwinopterus foi encontrado na China. Com 160 milhões de anos, ele se encontra completo, mas não foi bem isso que chamou a atenção dos pesquisadores… Na base do quadril do animal pode-se observar um ovo inteiramente preservado! O pterossauro adulto teria morrido num trágico acidente antes de depositá-lo. Este seria o primeiro registro irrefutável de um pterossauro fêmea.
Figura 1. A fêmea de Darwinopterus com o ovo associado.
A nova descoberta foi a anunciada na Science por Lu e colaboradores. O ovo, inteiramente formado e com sua casca bem desenvolvida, demonstra que ele estava prestes a ser depositado. Já a asa esquerda quebrada do pequeno pterossauro-mãe indica que possivelmente ela pode ter se acidentado durante uma tempestade ou talvez uma erupção vulcânica, eventos comuns nesta parte da China por volta de 160 milhões de anos atrás (Período Jurássico).
Figura 2 e 3. Fóssil, detalhe da pelvis e detalhe do ovo.
Além da presença do ovo, o fóssil demonstra duas características esqueletais típicas já indicadas como pertencentes a pterossauros fêmeas: o quadril maior, para acomodar e permitir a passagem do ovo e a ausência de uma crista craniana. O fato de outros indivíduos de Darwinopterus já terem sido encontrados indica que a espécie é sexualmente dimórfica – os machos possuindo cristas bem desenvolvidas e as fêmeas não. É uma observação interessante que os autores assinalam poder ser extrapolada para outros pterossauros. Este critério, no entanto, deve ser aplicado com cautela. Há grupos de animais modernos que abrangem espécies proximamente relacionadas com e sem dimorfismo sexual evidente (i.e. bovídeos: em algumas espécies machos e fêmeas têm chifres). Não é todo pterossauro com crista a partir de agora que deve ser considerado macho….
Figura 4. Darwinopterus fêmea e macho – representação artística de Mark Witton
O ovo é relativamente pequeno e possui a casca coriácea, típica dos répteis. Ele é completamente diferente daquele das aves, que depositam ovos grandes e com casca endurecida. A descoberta não é surpreendente, já que ovos pequenos requerem menos investimentos em termos de material e energia – uma vantagem evolucionária interessante para voadores ativos e energéticos como os pterossauros, e talvez um importante fator na evolução daquelas espécies gigantes como Quetzacoatlus, de 10 metros de envergadura.
Referências a espécimes de pterossauros machos e fêmeas já haviam sido feitas na literatura (principalmente para Pteranodon), porém este é muito mais convincente, pela simples razão de ter sido fortuitamente fossilizado com o ovo.
O ovo infelizmente não apresenta nenhum traço do embrião porque não foi depositado em vida. Isso provavelmente só seria verificado se ele estivesse próximo ao momento do nascimento do animal.
O ovo está localizado logo atrás da pelvis do pequeno pterossauro. O fato dele não estar exatamente dentro do corpo do animal, no entanto, não é um problema, já que situações similares são comumente observadas também em ictiossauros fossilizados (e.g. répteis marinhos extintos, vejam aqui). Quando o corpo entra num estado inicial de decomposição e há produção de gases, a pressão destes cria uma força que pode empurrar os embriões formados e prontos para o nascimento – neste caso o ovo – para fora do corpo do animal.
Evidências de ovos de pterossauros já haviam sido encontradas também na China – dois deles, um de 121 milhões de anos com um embrião perfeitamente preservado; veja as referências – e Argentina, descoberto por Luis Chiappe e colegas em depósitos de 105 milhões de anos.
A discussão sobre a natureza dos ovos de pterossauros – de casca mole ou dura – ganhou mais um ponto a favor da primeira hipótese: a casca mole. Aqueles da China se mostraram de casca coriácea, enquanto que apenas o da Argentina demonstou possuir uma casca endurecida formada por cristais de calcita, como o das aves. O ovo da Argentina pode ter problemas relacionados com a preservação, mas a discussão irá continuar por muito tempo. Se existirem realmente diferenças na natureza dos ovos dos pterossauros, isso ainda haverá de ser elucidado com a descoberta de outros fascinantes fósseis em outras regiões do mundo.
Referências:

Lu, J., Unwin, D., Deeming, D., Jin, X., Liu, Y., & Ji, Q., 2011. An Egg-Adult Association, Gender, and Reproduction in Pterosaurs Science, 331 (6015), 321-324 DOI: 10.1126/science.1197323


Wang, X.L. & Zhou, Z.H., 2004. Pterossaur embryo from the Early Cretaceous. Nature, 429: 621.

Chiappe, L.M., Codorniu, L., Grellet-Tinner, G. & Rivarola, D., 2004. Argentinian unhatched pterosaur fossil. Nature, 432: 571-572.

Ji, Q., Ji, S.A., Cheng, Y.N., You, H.L., Lü, H.C., Liu, Y.Q. & Yuan, C.X., 2004. Pterosaur egg with a leathery shell. Nature, 432: 572.

>Eodromaeus, um novo dino basal da Argentina e Eoraptor, um Sauropodomorpha

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Reconstituição de Eodromaeus por Todd Marshall.
A última década tem experimentado uma renascença no estudo dos dinossauros basais e, recentemente, vários deles têm sido descritos, tanto para América do Norte, como América do Sul (Veja síntese de Langer et al., 2010 e Brusatte et al., 2010): o brasileiro Saturnalia, o Saurischia sauropodomorfo Panphagia, ChromogosaurusSanjuansaurus e o recém-descoberto terópode basal, Tawa. A parte disso, uma série de redescrições, reanalíses e trabalhos de filogenia também têm sido feitos, como aqueles de Chindesaurus, Staurikosaurus e Pisanosaurus. Parece ser um momento promissor para os estudiosos da origem e evolução dos dinossauros…

Esta semana na Science, Martinez e colaboradores vieram descrever mais uma figurinha para este álbum: Eodromaeus murphi, da Formação Ischigualasto, Triássico da Argentina. 


Com boa parte de seu esqueleto preservado, sendo que pelo menos 6 espécimes foram encontrados – todos incompletos – , o animal era pequeno e não devia passar dos dois metros de comprimento. Seu crânio era leve e tinha o número de dentes reduzido em comparação com outros dinossauros primitivos, mas curvados e serrilhados, bem característicos daqueles dos dinos carnívoros.

As análises filogenéticas realizadas por Martinez e colaboradores colocaram este novo dinossauro num posicionamento basal dentro do agrupamento dos chamados dinossauros terópodes (que incluem todos os dinos carnívoros). Eodromaeus representaria um  grupo irmão de Neotheropoda e os primitivos herrerassaurídeos. Este status era ocupado antes por Tawa, que com a nova descoberta, foi realocado para dentro dos Neotheropoda.


O que mais chamou atenção nesse trabalho, no entanto, é a recuperação que os autores fizeram de Eoraptor lunensis Rogers & Monetta 1993 em suas análises filogenéticas. Este dinossauro posicionou-se como um Eusaurischia, stem-sauropodomorpha, em politomia com Panphagia e Saturnalia (Saturnaliine, de acordo com Ezcurra, 2010). Sim, o grupo que eventualmente daria origem aos imensos herbívoros saurópodes! Este posicionamento já fora apontado antes por Martinez e Alcobar (2009), mas é a primeira vez que ganha suporte de uma análise filogenética.

Crânio de Eoraptor sendo preparado, Foto de Louie Psihoyos.

Crânio de Eoraptor lunensis, por Digimorph.

Este novo trabalho sem dúvida irá causar um bom debate entre os estudiosos de dinos basais, especialmente considerando-se questões como amostragem de taxa e inclusão de caracteres. Martinez e colaboradores não consideraram vários taxa que entenderam como incompletos ou muito pouco conhecidos.  Esta se trata de uma matrix atualizada do trabalho de Sereno (1999) e não utiliza muitos caracteres observados em outros estudos como os de Langer e Benton (2006), Ezcurra (2006) e Nebsitt e colaboradores (2009). É difícil querer comparar trabalhos que apresentam tantas diferenças no conjunto de dados utilizados.

De qualquer forma, se Eoraptor for de fato um Sauropodomorpha basal, isto é de grande interesse, pois nos aproxima de vislumbrar como teria sido o ancestral comum entre terópodes (grupo que inclui todos os dinos carnívoros) e sauropodomorfos (grupo que daria origem aos gigantes herbívoros de pescoço longo). É importante lembrar, que esta nova interpretação de Eoraptor é somente uma hipótese. Há a demanda de novas investigações, análises e descobertas para determinar realmente qual era a natureza desse animal.

Comparativamente, os dentes de Eoraptor teriam um formato diferenciado e seriam mais bem adaptados
para uma dieta variada, provavelmente onívora e talvez com consumo regular de plantas. Diferente da dentição encontrada em Eodromaeus, apropriada para uma alimentação estritamente carnívora.

Os pesquisadores por trás deste estudo fazem ainda outras observações interessantes em seu artigo, como sobre o padrão evolutivo dos dinossauros basais ao longo do Triássico. Para ler mais sobre isso visitem o site da Science… que infelizmente não disponibiliza seus artigos livremente… :

Martinez, R., Sereno, P., Alcober, O., Colombi, C., Renne, P., Montanez, I., & Currie, B. (2011). A Basal Dinosaur from the Dawn of the Dinosaur Era in Southwestern Pangaea Science, 331 (6014), 206-210 DOI: 10.1126/science.1198467


Outras referências fundamentais:


Brusatte et al., 2010. The origin and early radiation of dinosaurs. Earth-Science Reviews, 101 (1-2): 68-100.
Langer et al., 2010. The origin and early evolution of dinosaurs. Biological Reviews, 85: 55-110.