A culpa é do Espírito Santo

O GOVERNO NÃO SABE mais em quem botar a culpa pelo desastre de relações públicas que foi a aprovação das mudanças na MP do Código Florestal. Senadores aliados fecharam o acordo com os ruralistas (que, aliás, também são aliados), aparentemente com supervisão e bênção do Planalto, só para Dilma negar tudo três vezes e por escrito no dia seguinte e mandar Ideli dizer que não foi ela. Ontem a bancada da motos…, digo, do campo, obstruiu a votação da MP na Câmara, reclamando, com justeza, de quebra de acordo. Quem tem filhos sabe como essa dinâmica funciona toda vez que eles aprontam alguma.

Minha sugestão à presidenta: culpe o Espírito Santo de Deus. Foi ele, afinal, quem soprou no ouvido da senadora Kátia Abreu (PSD-TO) a fórmula mágica que mudou a “escadinha” (não, o nome não foi inspirado em nenhum personagem de favela movie) de forma a beneficiar médios e grandes proprietários com redução das faixas de recomposição em matas ciliares.

Só para lembrar, a questão das chamadas APPs ripárias é a maior polêmica do Código Florestal. Os ruralistas sempre se opuseram à recuperação de APPs, alegando que isso seria o genocídio dos pequenos produtores. “O grande pode pagar, o problema é o pequeno, coitadinho”, era a cantilena. O governo resolveu a vida dos pequenos escalonando as faixas de reposição de acordo com o tamanho da propriedade. E ai, tchan, tchan!, os ruralistas disseram que não servia porque seria o genocídio dos médios produtores. No final, o conceito informal de “médio” foi ampliado de 4 a 10 para 4 a 15 módulos fiscais, a reposição mínima caiu de 20 para 15 m (de 4 a 10 MF) e de 30 para 15 (de 10 a 15 MF). Para o restante (ou seja, o latifúndio), o mínimo a repor caiu de 30 para 20. Ou seja, quanto maior sua propriedade, mais você se beneficia. É incrível que o setor ambiental não tenha notado isso e feito um escândalo.

Agora, really, focar a ira presidencial na “escadinha” tem cheiro de Samuel Beckett. Porque, das barbaridades que a comissão fez com a MP 571, reduzir as APPs foi o de menos.

Para começo de conversa, o parágrafo 13 do artigo 61A contém um inciso que torna toda essa discussão de 15 metros pra lá, 15 metros pra cá inútil: permite recuperar APP com “árvores frutíferas”. Isso mesmo: quaquer laranjal agora vale como APP. Quero crer que foi um erro de redação, como aliás acoteceu com a 571 original. O texto também obriga o governo a anistiar todas as multas por desmate sem licença fora de reserva legal e de APP, tornando o licenciamento de propriedades rurais uma peça de ficção (um cínico argumentaria que já é, agora ficou apenas coerente, OK). Isso para não falar no Artigo 1, que teve sua redação revista e piorada em relação até mesmo ao texto da Câmara e devolve o caráter de código rural ao texto.

A hora da verdade está marcada para 8 de outubro, quando ou bem o Congresso aprova as mudanças, ou bem a MP caduca. Não dá para prever o final desse filme argentino, mas arrisco aqui um palpite: passa tudo como está, Dilma veta o artigo 61A pra fazer um buniti e esquece o resto. Haverá choro e ranger de tratores, mas o pessoal no campo vai ficar feliz: terão conseguido desmoralizar o Código Florestal de tal forma que cumpri-lo ou não não importará muito. Essa é a “segurança jurídica” pela qual eles tanto lutaram.

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