Desmatamento em alta

CERTOS HÁBITOS são difíceis de largar. Um deles é o hábito que o tal “setor produtivo” do Nortão do Brasil tem de meter a buldôzer na floresta sempre que a economia dá uma esquentadinha e que o governo cochila na vigilância. Aparentemente foi isso o que aconteceu na Amazônia em agosto, quando o desmatamento explodiu 220%, segundo dados do sistema Deter, do Inpe.

A disparada da devastação foi solenemente ignorada pela imprensa brasileira. Talvez porque desta vez a divulgação do dado do Deter não tenha sido acompanhada do tradicional bumbo-entrevista-coletiva da ministra Izabella Teixeira, o que diz muita coisa sobre a nossa imprensa e sobre a estratégia tradicional do governo de faturar o que é bom e esconder o que é ruim (mais sobre ela neste artigo primoroso de Leão Serva). O Inpe postou o dado no site e ficou bem quietinho. Coube ao abelhudo Gustavo Faleiros, do site O Eco, fazer a lição de casa e ir fuçar a página do Deter para trazer os dados a público. Este escriba replicou a história no blog de notícias da Nature. E ficou nisso. Registre-se que os dados do Deter foram represados durante três meses, um silêncio sem precedentes atribuído por uma fonte próxima à “desorganização” do Ministério do Meio Ambiente, e não a algum tipo de censura. Eu até acredito, porque os dados eram bons. Mas qualquer tipo de represamento contraria o espírito de transparência total com o qual o Deter foi criado. Sinal dos tempos.

Os dados de agosto iniciam a série de cifras mensais do desmatamento de 2013. A de 2012 ainda ruma para mais uma baixa recorde, o que fará o governo comemorar na COP de Doha, no fim do ano, e silenciará todas as críticas externas sobre a frouxidão com que Dilma Rousseff conduziu a débâcle do Código Florestal no Congresso. Os próximos dois meses serão decisivos para sinalizar a tendência, já que as chuvas pesadas começam em novembro/dezembro e desmatar fica mais complicado. Mas os dados de agosto sinalizam fatores preocupantes:

Primeiro, que a economia está bombando. A soja passou o minério de ferro como item principal da pauta de exportações do Brasil, as terras agrícolas estão inflacionadas (só em Sinop, MT, o preço do hectare subiu 150% em 36 meses) e o preço da comida, como sabe qualquer pessoa que frequente o supermercado, não para de subir. Se a queda no desmatamento entre 2004 e agora se deveu 50% à ação do governo e 50% à queda dos preços das commodities, como indica um estudo recente da PUC (via @Imavieira), há um risco de reversão da tendência, embora o mesmo estudo afirme que a pecuária não tem um comportamento linear. Além disso, o ouro também subiu, o que tem provocado uma corrida de garimpeiros aos rios do sul do Pará.

Depois, que existe um sentimento crescente no setor produtivo e em seus representantes no Congresso de que o governo está abandonando a mão pesada contra o crime ambiental. O Código Florestal é o sintoma mais agudo, mas lembrem-se da Lei Complementar 140, antes dele, que desautorizou o Ibama. Certeza de lucro no curto prazo e confiança na impunidade é o binômio tradicional que levou 18% da Amazônia a virar fumaça.

Para piorar, o governo tem atuado ativamente para dar conforto psicológico aos desmatadores ao detonar, numa canetada da presidenta Dilma, seis unidades de conservação no eixo da BR-163 para acomodar, sim, claro, hidrelétricas. Ora, quem já era homem barbado ou moça feita quando irmã Dorothy morreu, em 2005, há de se lembrar que as áreas protegidas da 163 foram criadas justamente para barrar o desmatamento desenfreado. Seria leviano dizer que há uma correlação entre o pico de desmatamento em agosto (concentrado justamente ao redor da estrada) e a MP que reduziu os parques; não é de hoje que a motosserra vem subindo a 163. Mas parece óbvio que flexibilizar áreas protegidas é a maneira errada de dizer que o poder público não quer o correntão passando por ali.

Por fim, um alerta: o SAD, sistema do Imazon que monitora o desmatamento mês a mês e garante a transparência da informação mesmo quando o governo não colabora, deu um sinal oposto ao Deter em agosto: mostrou uma queda de 3%. O Imazon ficou de soltar nesta semana uma análise para explicar a divergência, mas segundo me informou Carlos Souza Júnior, pai do sistema, é possível que parte dos desmates vistos pelo Deter agora tenham sido computados pelo SAD em julho, quando este mostrou 50% de crescimento na devastação.

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