~6,02 x 10²³ motivos para rejeitar a Homeopatia

Será que há qualquer argumento em defesa dessa prática que é simplesmente absurda dos pontos de vista físico, químico e biológico? Veremos que não.

Mas, para começarmos, o que é a Homeopatia, afinal? Segundo o site da Associação Médica Homeopática Brasileira (AMHB), a Homeopatia:

É um método de tratamento criado pelo médico alemão Samuel Hahnemann, em 1796, que se fundamenta na Lei dos Semelhantes, citada pelo Pai da Medicina Hipócrates no ano 450 a.C. Segundo esta lei, os semelhantes se curam pelos semelhantes, isto é, para tratar um indivíduo que está doente é necessário aplicar um medicamento que apresente (quando experimentado no homem sadio) os mesmos sintomas que o doente apresenta.

Exemplificando: Se uma pessoa sã ingerir doses tóxicas de certa substância, irá apresentar sintomas como dores gástricas, vômitos e diarréia; se, por outro lado, for administrada essa mesma substância, preparada homeopaticamente, ao enfermo que apresenta dores gástricas, vômitos e diarréia, com características semelhantes àquelas causadas pela substância em questão, obtêm-se, como resultado, a cura desses sintomas.

Hummm… então a Homeopatia é um tratamento criado há mais de 200 anos baseado numa “Lei” de Hipócrates de 2450 anos atrás, quando a medicina apenas engatinhava? Putz…

Um dos preceitos mais fundamentais, depois da “cura pelos semelhantes” (que faz tão pouco sentido que não vou nem me dignar a comentar), é a Diluição da substância do futuro medicamento

Mas como funciona essa Diluição? É um princípio da Homeopatia (para não dizer Dogma) que quanto mais diluida uma substância maior é o efeito posterior.

Tomemos uma substância W. Há dois métodos de Diluição: num deles faz-se diluições sucessivas em 1 parte de W para 10 partes de água, noutro método as diluições são de 1 parte de W para cada 100 partes de água. Como para fins de argumentação será irrelevante qual o método escolhido, vou utilizar o primeiro.

Suponhamos que eu tenho certa quantidade de W. A primeira coisa a fazer é diluí-la em 10 partes de água. Essa é a primeira diluição ou 1X (o “X” nos diz que a diluição é de 1 para 10, a diluição de 1 para 100 é denotada “C”).

Agita-se a solução. Retira-se a décima parte da solução e dilui-se em outras 10 partes de água. Temos 2X. É fácil notar que temos em cada parte dessa segunda solução aproximadamente 100 vezes menos substância que originalmente, ou seja, continuamos com 1 centésimo das moléculas que tínhamos anteriormente.

Retiramos uma décima parte da nova solução e repetimos o processo sucessivamente até a diluição desejada. Então, teremos:

  • 3X : Um milésimo dos átomos originais ou 1/1000.

  • 4X : 1/10000

  • 5X : 1/100000

E assim em diante diminuindo em dez vezes a concentração da substância W original.

Agora vem o pulo: uma concentração comum para medicamentos homeopáticos é 30X, ou 30 diluições sucessivas. O que isso significa? Que esperamos ter:

1/1000000000000000000000000000000

da substância original.

Mas e se tivermos um mol da subtância original, ou seja, cerca de 6,02 x 10²³ átomos da substância W? Na 24° diluição possivelmente já teríamos  cerca de um átomo do soluto na solução inteira. E na 30° solução teríamos UMA chance em UM Milhão de existir UMA molécula da substância W na solução.

Mas isso é bobagem perto de outras soluções homeopáticas. Algumas diluições alcançam a incrível marca de 200C, ou seja, a substância W seria sucessivamente diluída em 100 partes de água por 200 vezes. No final teríamos 1 parte de substância para 100200 ou 10400 de água (1 seguido de 400 zeros). Segundo nossa conta anterior, teríamos então UMA chance em 10376 de encontrarmos UMA molécula da substância W na solução!!!

Ora, como a Homeopatia pode ter qualquer efeito se não sobra nem sombra da substância original? Como pode haver efeito molecular na ausência de moléculas? Ora, NÃO HÁ EFEITO ALGUM ou será que toda a Física e Química estarão erradas?

Pense no seguinte caso: pegamos um mol de HCl e fazemos uma solução 200C. Em seguida, misturamos a solução à um mol de NaOH. Algum de vocês acha que se formaria alguma molécula de NaCl?

Entretanto, segundo esse princípio da homeopatia deveriam ser formados até mais moléculas de NaCl que o normal, afinal a diluição torna a substância mais potente, ou não? Será que essa “potência” não tem a ver com a capacidade de reagir com outras substância? Não é nisso que está baseado todo conhecimento médico atual?

Mas um bom impostor nunca desiste, não é? Os Homeopatas, para escaparem desse beco sem saída, postulam uma misteriosa “Memória da Água”, que é tão misteriosa quanto risível.

Guia da Prática Impostora, Lição 231: Quote Mining

Caro Leitor,

Apresento agora um passo importante para ingressar no maravilhoso mundo da impostura. Não se preocupe caso não possua experiência anterior, prometo ser o mais didático possível. Posso até desenhar. O importante é que essa lição seja aprendida devidamente.

Considerarei que você já possui uma Impostura pronta, e que seguiu todas as lições anteriores. Mas para o caso de ter começado a leitura deste guia por esta lição, procurarei apresentar diversos exemplos ilustrativos de como aplicá-la para que não se perca no processo.

Muito bem. Você acabou de criar sua impostura novinha em folha — que não seja muito original, afinal, um impostor que se preze apenas recicla idéias antigas. Não estamos aqui para criar nada novo ou explicar nenhum fenômemo novo, os cientistas já fazem isso — e precisa agora de alguns elementos para autentificá-la e dar-lhe credibilidade?

Ora, até que seria possível fazer com que cientistas famosos escrevessem algumas palavras gentis sobre sua impostura, mas sabemos que dificilmente fariam isso já que são muito chatos, sempre preocupados com “a avaliação dos resultados experimentais”, “a concordância com a realidade observável” e outros mitos.

Mas que tal fingirmos que eles falaram bem de sua impostura? Ou pelo menos que falaram algo que serve de apoio para ela? Como se faz isso? Pelo processo de Quote Mining.

O Quote Mining é uma expressão inglesa que pode ser traduzida como Mineração de Citações e que consiste em selecionar, dentre um grande número, uma citação de determinado autor que, ao ser analisada fora de contexto, pareça dizer algo totalmente diferente do que o autor dizia originalmente. Também pode ser chamado de Cherry Picking ou Contextomy. Essa prática pode estar misturada às falácias do Espantalho e Argumento à Autoridade.

Difícil? Vamos para um exemplo:

Todos devem conhecer a frase de Einstein:

A Religião sem a Ciência é cega, a Ciência sem a Religião é aleijada,

usada frequentemente para afirmar que Einstein de alguma forma apoiava a Religião Institucionalizada. Mas o trecho completo é este:

Even though the realms of religion and science in themselves are clearly marked off from each other, nevertheless there exist between the two strong reciprocal relationships and dependencies. Though religion may be that which determines the goal, it has, nevertheless, learned from science, in the broadest sense, what means will contribute to the attainment of the goals it has set up. But science can only be created by those who are thoroughly imbued with the aspiration toward truth and understanding. This source of feeling, however, springs from the sphere of religion. To this there also belongs the faith in the possibility that the regulations valid for the world of existence are rational, that is, comprehensible to reason. I cannot conceive of a genuine scientist without that profound faith. The situation may be expressed by an image: science without religion is lame, religion without science is blind.

Though I have asserted above that in truth a legitimate conflict between religion and science cannot exist, I must nevertheless qualify this assertion once again on an essential point, with reference to the actual content of historical religions. This qualification has to do with the concept of God. During the youthful period of mankind’s spiritual evolution human fantasy created gods in man’s own image, who, by the operations of their will were supposed to determine, or at any rate to influence, the phenomenal world. Man sought to alter the disposition of these gods in his own favor by means of magic and prayer. The idea of God in the religions taught at present is a sublimation of that old concept of the gods. Its anthropomorphic character is shown, for instance, by the fact that men appeal to the Divine Being in prayers and plead for the fulfillment of their wishes.

Publicado em “Out of My Later Years” (1950)

Ou, para os leitores pouco familiarizados com o inglês:

Apesar dos reinos da religião e da ciência serem claramente demarcados separados um do outro, ainda assim existe entre eles fortes dependências e relacionamentos recíprocos. Apesar de ser a religião que determina seus objetivos, ela aprendeu com a ciência, no mais amplo senso, quais meios contribuirão para alcançar esses objetivos. Mas a ciência só pode ser criada por aqueles que estão profundamente carregados com a aspiração pela verdade e pela compreensão. A fonte desse sentimento, entretanto, vem da esfera da religião. A ela também pertence a fé na possibilidade que as regras válidas para o mundo da existência são racionais, isto é, compreensíveis pela razão. Eu não posso conceber um cientista sem esta profunda fé. A situação pode ser ilustrada por uma imagem: ciência sem religião é aleijada, religião sem ciência é cega.

Apesar de ter afirmado acima que, na verdade, um conflito legítimo entre religião e ciência não pode existir, eu devo, entretanto, qualificar essa afirmação mais uma vez num ponto essencial, com referência ao conteúdo real das religiões históricas. Essa qualificação tem a ver com o conceito de Deus. Durante o período juvenil da evolução espiritual da humanidade, a fantasia humana criou deuses à sua própria imagem, que, pela operação de suas vontades, deveriam determinar, ou de alguma forma influenciar, o mundo dos fenômenos. O Homem procurava alterar a disposição desses deuses em seu favor por meio de magias e preces. A idéia de Deus nas religiões ensinadas atualmente é uma sublimação daquele velho conceito de deuses. Sua personalidade antropomórfica é revelado, por exemplo, pelo fato de que a humanidade apela ao Ser Divino em preces e imploram pela realização de seus desejos.

O trecho completo mostra que Einstein queria dizer, basicamente, o contrário do que a citação isolada parecia afirmar, já que mesmo a definição de religião do texto parece ser diferente daquela comumente utilizada. Entretanto, nada impede que tomemos certa liberdade criativa de separar a frase de seu contexto e usá-la para os propósitos que quizermos, certo?

Àqueles que ainda não conseguiram compreender o processo de Quote Mining, mostrarei um outro exemplo. Não se preocupem. Não os censuro. Eu sei que o processo de criação da Impostura é intelectualmente exaustivo.

Muitos são os Criacionistas que utilizam, em seus argumentos contra a Teoria da Evolução, a seguinte frase escrita por Charles Darwin em A Origem das Espécies:

To suppose that the eye, with all its inimitable contrivances for adjusting the focus to different distances, for admitting different amounts of light, and for the correction of spherical and chromatic aberration, could have been formed by natural selection, seems, I freely confess, absurd in the highest possible degree.

The Origin of Species, 1st Edition, Chapter 6, pp. 186-7

Ou:

Supor que o olho, com seus inimitáveis mecanismos para ajustar o foco para diferentes distâncias, para controlar a entrada de diferentes quantidades de luz, e para correção de aberrações esféricas e cromáticas, possam ter sido formadas pela seleção natural parece, eu confesso, absurdo no mais alto grau possível.

Tal citação pode ser usada, mais específicamente, para apoiar a hipótese de Michael Behe da “Complexidade Irredutível” do olho humano. Hipótese que não encontra qualquer apoio na Biologia moderna, e por isso mesmo precisamos fazer parecer que até mesmo Darwin apoiaria tal idéia.

O trecho não para ali, mas continua:

Yet reason tells me, that if numerous gradations from a perfect and complex eye to one very imperfect and simple, each grade being useful to its possessor, can be shown to exist; if further, the eye does vary ever so slightly, and the variations be inherited, which is certainly the case; and if any variation or modification in the organ be ever useful to an animal under changing conditions of life, then the difficulty of believing that a perfect and complex eye could be formed by natural selection, though insuperable by our imagination, can hardly be considered real.

Ou:

Ainda assim a Razão me diz que se numerosas graduações, de um olho perfeito e complexo a um muito imperfeito e simples, mas com cada grau sendo útil ao seu possuidor, puderem ter sua existência mostrada; se além disso, o olho variar apenas levemente, e as varições forem herdadas, o que é certamente o caso; e se cada variação ou modificação no orgão for útil ao animal sob mudanças em suas condições de vida, então a dificuldade de acreditar que um olho complexo e perfeito pode ser formado por seleção natural, apesar de insuperável por nossa imaginação, pode dificilmente ser considerada real.

E continua por outras trê páginas a tratar desse assunto. Podemos ver que Darwin não considerava o olho “irredutivelemente complexo” como a citação parecia afirmar. O que realmente não importa para quem esta usando a citação, não é mesmo?

Até aqui espero ter deixado claro como o Quote Mining funciona. Mas como fazer na prática? Como fazer parecer que algum cientista aprova nossa Impostura? Não se inquiete pequeno Impostor. Observe o esquema abaixo (Clique para ampliar):

quote-mining.gif

Não existe possibilidade de erro se seguirmos as instruções acima. Mas se mesmo assim você não conseguir executar o Quote Mining corretamente não se preocupe. Existem outras formas de fazer sua impostura parecer cientificamente legítima, que abordaremos em lições futuras.

Agora mãos à massa. Façam os seguintes exercícios para praticarmos os conceitos dessa lição.

Exercício 1: Imagine que sua impostura diga que todas as doenças são causadas pelo baixo consumo de água, e que todas elas podem ser curadas apenas aumentado a quantidade de água ingerida diariamente. Use o mecanismo aprendido nessa lição para encontrar uma citação que apóie sua afirmação.

Exercício 2: Encontre citações, através do mecanismo aprendido nessa lição, de Biólogos especializados na Teoria da Evolução que apóiem a impostura criacionista.

Exercício 3: Encontra citações, através do mecanismo aprendido nessa lição, que apóiem uma impostura de sua própria criação.

Coloquem suas respostas para os exercícios nos comentários abaixo.

Até a próxima lição.

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