Guia da Prática Impostora, Lição 314: Validação Seletiva

Caro Leitor,

Benvindos a mais uma lição do Guia da Prática Impostora. Na lição de hoje veremos mais um dos métodos ao qual você, pequeno impostor, deve estar antento ao desenvolver e popularizar sua impostura.

É evidente que sua Impostura não funciona de verdade, afinal não a chamaríamos de Impostura se ela funcionasse. Contudo, mais importante que ela funcionar, devemos tomar medidas para que nossos clientes tenham certeza que ela funcionou com eles. Assim, nossa impostura pode ser espalhada no “boca-a-boca” a despeito do que os céticos chatos possam falar.

É sabido que nós, humanos, tendemos a favorecer, em nossa memória, acontecimentos que validam nossa visão de mundo e que tendemos a favorecer as observações sobre um fenômeno que se adequam ao que esperávamos. Em outras palavras: nós contamos os acertos e esquecemos os erros.

Qualquer impostura que dependa da confirmação do público-alvo deve valer-se desse fato. Nossa estratégia é fazer com que o público se lembre de quando a impostura funcionou e se esqueça de quando ela falhou. Chamaremos isso de Validação Seletiva.

Aliás, é bem possível que você mesmo, pequeno impostor, tenha sido vítima de um efeito semelhante enquanto desenvolvia sua impostura.

Chamemos então de Observação Seletiva quando o impostor escolhe os “dados bons” de uma experiência de acordo com o que se esperava dele. É uma tática interessante porque no fim o impostor só mostrará os “dados bons” ao público, que não terá motivos para desconfiar. Bom, exceto por aquele punhado de céticos chatos espalhados por ai. A Observação Seletiva nem sempre é consciente, por isso que em muitos testes de medicamentos, por exemplo, usam-se grupos de controle e testes duplo-cegos para evitar esse tipo de efeito. Mas não se preocupe, querido impostor, nós não precisamos desse tipo de precaução em nossa imposturas.

Tome o seguinte exemplo:

Desde o lançamento do documentário “Quem Somos Nós?” (talvez mesmo antes) um certo cientista foi alçado à notoriedade. Masaru Emoto teria descoberto que a forma de cristais de água era afetada por palavras escritas em papéis que eram colados nos frascos onde estavam.

Então, os cristais no frasco escrito “Você me deixa doente, eu vou te matar” se formariam bastante deformados (abaixo, à esquerda), enquanto os do frasco em que estava escrito “Obrigado” se formariam perfeitamente (abaixo, à direita).

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Aprenda com o senhor Emoto, pequeno impostor. Ele, muito provavelmente, já tinha em sua mente o que queria achar. Emoto acreditava que a consciência, as intenções e os sentimentos seriam capazes de interferir com o mundo externo. Então ele estava, mesmo que inconscientemente, propenso a favorecer obervações que confirmavam aquilo que esperava.

Numa única gota de água congelada, se formam uma quantidade enorme de cristais. Ao olharmos através de um microscópio veríamos uma infinidade de cristais diferentes e de forma alguma seria difícil encontrar entre eles um que se adequasse à hipótese inicial. E tendo em vista que valorizamos aquelas observações que concordam conosco e ignoramos as que nos contradizem, a hipótese de Emoto está confirmada. Por ele mesmo é claro.

E se não era ele quem manipulava os microscópios? Pode-se perguntar. Ora, considerem que eram assistentes que observavam os cristais pelo microscópio e os fotografavam, se eles sabiam a conclusão a que o senhor Emoto queria chegar, eles, mesmo inconscientemente, favoreceriam aqueles cristais que confirmassem suas espectativas. Ou você afirmaria tão facilmente que seu empregador estaria errado.

Pois bem, com todos esses defeitos metodológicos (incluindo ainda a falta de um grupo de controle) a impostura de Masaru Emoto prosperou. O público-alvo não se importa com esse pequenos detalhes, então a Observação Seletiva de Emoto acabou se mostrando uma vantagem no concorrido mundo das imposturas (rendendo inúmeros livros, por exemplo).

Mas a Observação Seletiva não esgota o assunto desta lição. Veremos agora alguns casos em que é a Validação Seletiva do público-alvo que entra em ação. Dois exemplos são o bastante para ilustrar o quanto o cérebro humano é capaz de ajudar-lhe, caro impostor, na propagação de imposturas.

Tomemos como primeiro exemplo as descrições de personalidades que podemos encontrar em livros de astrologia. Imaginemos que uma pessoa cujo signo astrológico seja Gêmeos. Ela abre o livro no capítulo dedicado a tal signo. Lendo o texto, é certo que ela se identificará com a maioria das características ali presentes (incluindo os defeitos). Enquanto se ela ler o capítulo de outro signo, digamos Escorpião, não estará tão disposta a aceitar como verdadeiras para si as características daquele signo.

Ora, será então que as descrições feitas pelo livro são tão precisas assim? É um fato, que pode ser averiguado por qualquer um, que esse tipo de livro é escrito da forma mais genérica possível (quanto menos incisiva for uma afirmação mais difícil dela ser considerada falsa) e as características (qualidades e defeitos) se distribuem e se repetem mais ou menos uniformemente. Há igual probabilidade de uma pessoa se identificar ou não com qualquer um dos signos ao lê-lo sem saber de qual deles se trata.

Praticamente a partir do nascimento, é martelado na cabeça de cada um de nós o signo a que “pertencemos” e dessa forma somos inconsientemente levados a favorecer e considerar válidos aqueles textos que falam explicitamente de nosso signo. E mais uma impostura prospera. Já viu a quantidade de livros que existem sobre astrologia? (Aliás, livros e imposturas possuem uma ligação bastante estreita, mas isso fica para outra lição).

Outro exemplo pode ser encontrado nas chamadas “Medicinas Alternativas“. Todos já ouviram falar de dezenas de receitas “caseiras” para curar resfriados e gripes. Ora, é também sabido que resfriados e gripes comuns costumam ser curados naturalmente pelo corpo dentro de uma semana. Algumas “medicinas alternativas” se valem desse fato para sua proliferação.

O cérebro humano é ótimo para associar relação de causa entre dois eventos quaisquer que se sucedam no tempo, ou seja, se um evento B aconteceu logo depois de um evento A, é comum que nosso cérebro considere que A causou B. Então, se fizermos uso de alguma “medicina alternativa” lá pelo sexto dia do resfriado, no sétimo ou oitavo dia, quando o resfriado ceder, estaremos condicionados a aceitar que aquela medida que tomamos foi o que curou o resfriado. Mas se fizermos uso da mesma “medicina alternativa” no primeiro ou segundo dia do resfriado e ela não fizer efeito (ignorando o Efeito Placebo) não consideraremos aquilo como uma falha. Como ela já “funcionou” antes com tanta gente, nós simplesmente ignoraremos a falha.

Então, nobre aspirante a impostor, se quiser que sua impostura seja um sucesso, fique atento para que ela explore a Validação Seletiva do público-alvo, como os exemplos acima o fazem. Assim, não importa o que aqueles céticos chatos falem, se o púbico achar que “se comigo funcionou é verdade” sua impostura possui grandes chances de figurar entre as mais bem sucedidas.

Agora mãos à massa. Façam os seguintes exercícios para praticarmos os conceitos dessa lição.

Exercício 1: Pense em quantas vezes algo que você sonhou alguma noite se realizou no dia seguinte ou num dia próximo. O que você pode concluir disso?

Exercício 2: Agora pense em quantos sonhos você teve que NÃO se realizaram no dia seguinte ou num dia próximo. O que você pode concluir disso?

Exercício 3: Pense em quantas de suas “preces” foram atendidas. O que você pode concluir disso?

Exercício 4: Pense em quantas de suas “preces” NÃO foram atendidas. O que você pode concluir disso?

Coloquem suas respostas para os exercícios nos comentários abaixo.

Até a próxima lição.

Midiotices: Asteróide em rota de colisão com seu cérebro

Nota publicada pelo Diário Catarinense na seção de Ciência e Tecnologia.

Um asteróide está em rota de colisão com a Terra. Impacto previsto para 2036. Há um concurso, promovido pela Agência Espacial Norte-Americana, oferecendo US$ 50 mil para quem encontrar um meio de evitar o choque. Mais do que a questão financeira, é uma oportunidade para testar seus conhecimentos. É assim que o espanhol César Bentancurt encara o desafio. Há três anos morando em São Bento do Sul, agora está em busca de parceiros brasileiros para auxiliar suas pesquisas.
Formado em Medicina, especializou-se em Engenharia Genética. Mas sua paixão são os números e as fórmulas. Estudou, na França, matemática e física quântica e, mais tarde, se aperfeiçoou em matemática aeroespacial. É com base nesses estudos que elabora sua tese para concorrer ao prêmio e, de alguma forma, colaborar para evitar o choque do asteróide Apophis 2004. O nome dado ao astro é nada sugestivo, refere-se ao deus egípcio da destruição.
Com aproximadamente 400 metros de diâmetro, composto basicamente por ferro e pedras estelares, o Apophis viaja a uma velocidade surpreendente, capaz de percorrer mais de 1,1 milhão de quilômetros por segundo, quase quatro vezes a velocidade da luz. Como foi descoberto somente em 2004, acredita-se que tenha vindo de outra galáxia.
– O que mais impressiona é a velocidade, e, por causa disso, não há arma no mundo capaz de atingi-lo – afirma.
De acordo com o matemático, devido à grande velocidade, um míssil lançado da Terra, por exemplo, explodiria antes de chegar ao corpo do asteróide. Devido ao magnetismo da rocha, poeira cósmica e luz formam uma barreira protetora. Em caso de colisão com o planeta, explica César, a vida seria extinta.
– O impacto seria tão forte que elevaria a temperatura até 700ºC, causando erupções vulcânicas e ondas gigantes – prevê.
Parte do trabalho que desenvolve em torno de seus cálculos matemáticos é compartilhado com a Nasa, onde uma irmã e amigos trabalham. O concurso, explica, é destinado a universidades e institutos de pesquisa, mas ele resolveu participar de forma individual. Agora, César está em busca de parceiros, cientistas ou instituições, para compartilhar informações.
Sua tese para evitar a colisão do asteróide com a Terra é a de alinhar quatro grandes satélites artificiais, equipados com painéis solares, emitindo luz e energia do sol contra a rocha. Ele sugere utilizar satélites já existentes para isso. Os equipamentos estão no espaço, alguns armados.
– Energia do sol seria direcionada ao asteróide fazendo com que ele se desintegrasse – argumenta.
Esse alinhamento, explica, deveria acontecer daqui a 13 anos, quando também ocorre alinhamento total dos planetas do sistema solar. A partir daí, raios luminosos transmitidos pelos satélites seguiriam o meteoro. Antes do choque previsto com a Terra, o Apophis passará próximo ao planeta em 2029. O prazo para envio de teses à Nasa sobre como evitar a colisão se encerra em 10 anos”.

Grifos feitos pelo Mori do 100nexos, de onde tirei a notícia e que também explica muitos dos absurdos contidos aí.

Juro que quando li “quase quatro vezes a velocidade da luz” quase parto dessa para nenhuma.

ATUALIZAÇÃO (14/09):

Foto da original da matéria adicionada. Me digam uma coisa: por que todo impostor acha que “E=mc²” é o supra-sumo da física?

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