Ascensão e queda da ciência brasileira
Esse post é parte da Blogagem Coletiva de comemoração aos 10 anos do ScienceBlogs Brasil. O tema dessa semana é Ciência e Política. Hoje quem escreve é Luciano Queiroz, cientista, biólogo, divulgar de ciência no Dragões de Garagem e pré-candidato a deputado estadual pelo PT/SP.
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“O número de mestres e doutores formados no Brasil aumentou mais de cinco vezes (401%) desde 1996”, é assim que começa a matéria do jornalista Herton Escobar do dia 05 de julho de 2016. Esse número nos diz muito e devemos analisar com calma.
Quero demonstrar que o aumento no número de cientistas indica a ascensão da ciência brasileira em um primeiro momento e, como isso está se tornando um fardo, contribuindo para queda.
A maior parte da ciência brasileira é feita dentro das universidades públicas. Bolsas de mestrado e doutorado, projetos de pesquisa e investimento em infraestrutura são responsabilidades de dois ministérios Educação (MEC) e Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Os orçamentos de ambos os ministérios cresceram nesse mesmo período e podemos dizer que o aumento no número de mestres e doutores formados é um reflexo desse aumento. Outro indicativo da ascensão da ciência brasileira foi o aumento no número de publicações em revistas científicas. Aumento esse muito discutido nos últimos anos por ser apenas em quantidade e não em qualidade (dados mais detalhados aqui e aqui).
Esse crescimento foi contínuo até 2013 quando começou a diminuir, vieram eleições, crise econômica e golpe parlamentar. Desde então, a maioria das notícias que lemos sobre ciência e tecnologia contêm palavras como “cortes”, “contingenciamento”, “perda de recursos”, “desmonte”, etc. E, acompanhando os gráficos do orçamento, inicia-se a queda da ciência brasileira.
Pretendo não me aprofundar muito nos sucessivos cortes – iniciados ainda no governo Dilma, aproveitando para fazer aqui minha autocrítica como petista – porque já dedicamos muito esforço para apontá-los à sociedade. Algo que já está ficando cansativo até para mim. Temos que avançar na discussão, temos que pensar soluções práticas e agir.
A primeira coisa que devemos fazer é entender as consequências da nossa queda. E vale uma observação, na ciência, assim como em outras áreas, os efeitos são sentidos à médio e longo prazo.
Mesmo com os cortes, grupos de pesquisa ainda tinham projetos aprovados, recursos disponíveis e a maioria dos alunos possuíam suas bolsas de pesquisa. Vamos dizer que essa era a gordura que tínhamos para queimar, só que ela está acabando.
As universidades públicas brasileiras estão em uma situação gravíssima, depois de termos experimentado a maior expansão do ensino superior público com o REUNI, construção de centenas de universidade e institutos federais em todo o Brasil e aumento no número de vagas de professores (entende-se: cientista, pesquisador, docente, administrador, adicione mais uma função a sua escolha) e alunos. O efeito dos cortes, somado a emenda constitucional do teto de gastos (PEC do Fim do Mundo), está começando a ser sentido com maior intensidade.
Diversas universidades estão tendo que cortar despesas com serviços de manutenção. A Universidade Federal do ABC (UFABC), como aponta matéria do G1, reduziu os contratos realizados com empresas terceirizadas para segurança e zeladoria, além de desligar os elevadores. Mas não só as universidades federais estão passando por isso, a UERJ está em situação muito mais complicada há mais tempo. Só para ficarmos em alguns exemplos.
Talvez você não saiba, mas os alunos de pós-graduação são a principal mão de obra da ciência no mundo. Estamos passando pelo processo de formação científica, realizamos nossos estudos que normalmente compõem um projeto maior do orientador. As publicações com pequenas ou grandes descobertas, patentes e ideias são frutos dos trabalhos realizados pelos alunos sob supervisão do orientador (mentor científico).
Com os cortes, o interesse dos alunos pela carreira científica tende a diminuir, mesmo porque os incentivos (bolsa de estudos, colocação no mercado) também diminuíram. Resumindo, o número de alunos saindo da pós-graduação está maior do que os que entram. E para onde eles estão indo? Alguns conseguem ocupando vagas em universidades públicas e privadas, apesar da diminuição da oferta dessas vagas, outros vão para docência no Ensino Básico ou, na pior das hipóteses, mudam de profissão. Mas quero focar em um destino que tem me preocupado um pouco mais.
Esse destino já foi apontado pelo Cláudio Ângelo no texto “Quem matou a ciência brasileira?” como a Opção Bolívar (eu inventei esse nome). Citando o Cláudio Ângelo, “é fazer o que Simon Bolívar recomendou no fim da vida que se fizesse na América: emigrar”. Outros têm dito que o melhor caminho para o cientista brasileiro é o aeroporto. E é aqui que o aumento no número de mestres e doutores se tornou um fardo.
Isso me preocupa porque fizemos um investimento grande (recursos) e longo (tempo), foram mais de 10 anos formando cientistas, enviando vários deles para o exterior a fim de se especializar e retornarem para o Brasil. Deixar que essa massa crítica vá embora é lamentável, não podemos forçá-los a ficar, mas mostra como a política influencia diretamente na vida do cientistas e, consequentemente, na sociedade como um todo que não terá o conhecimento daquele cientista a sua disposição. Além de perdemos o investimento financeiro, perdemos a pessoa.
E de onde vem a solução? Seria muito bom se tivesse uma resposta simples e direta para isso, mas não tenho. A única solução a médio e longo prazo que vejo é o nosso envolvimento do política. Todos esses eventos de cortes e contingenciamentos acontecerem e nós cientistas não conseguimos responder a altura, ficamos esperando por um “logo melhora” e acreditamos em promessas furadas. No fundo, espero que tudo isso sirva, e estou trabalhando nesse sentido, para que comecemos a criar uma identidade coletiva a partir dessa massa disforme de pessoas.
A política faz parte das nossas vidas e por mais que o tempo seja curto, que tenhamos reuniões longas e burocráticas, que o prazo para entrega do relatório esteja chegando, que os experimentos não estão dando certo… nós devemos participar da política. Nossa ausência está cobrando caro.
Talvez a queda da ciência brasileira seja apenas um declínio momentâneo e logo voltamos a crescer, mas temos muito trabalho pela frente. Li uma frase ontem que resumiu bem meu sentimento, “Nenhum país terá futuro melhor se não construí-lo no presente”. A ciência faz parte desse país, desse futuro e presente.
Luciano Queiroz é cientista, biólogo, divulgar de ciência no Dragões de Garagem e pré-candidato a deputado estadual pelo PT/SP.
Quem matou a ciência brasileira?
Esse post é parte da Blogagem Coletiva de comemoração aos 10 anos do ScienceBlogs Brasil. O tema dessa semana é Ciência e Política. Hoje quem escreve é Claudio Angelo, dispensa maiores apresentações uma vez que ele escreve no Curupira, blog do Science Blogs Brasil.
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Rodrigo trabalhou de garçom e faz bicos depois do pós-doc na Inglaterra. Jefferson perdeu dez alunos e quatro pós-doutorandos porque não tinha como pagá-los. Sidarta racha com outros professores a conta de internet de seu laboratório numa universidade federal. Sergio viu alunos irem embora do Brasil porque não consegue manter a colônia de camundongos transgênicos da qual dependiam as teses deles. José Antonio não tem para comprar reagentes. Ronald precisou escolher entre demitir pessoas e cancelar contratos de manutenção de equipamentos sofisticados – optou pela segunda.
Essas são histórias reais, de cientistas brasileiros reais. Algumas delas me foram narradas pelos próprios. Qualquer pesquisador ou aluno de pós do Brasil hoje tem um conto de terror para relatar, como testemunha ou como vítima. Quem não chegou ontem de Júpiter sabe que a ciência brasileira enfrenta o que talvez seja sua maior crise, que não há solução à vista e que os efeitos do tombo no desenvolvimento científico, tecnológico e econômico do país serão sentidos por muitos anos no futuro.
Não é o caso de entrar nos detalhes numéricos aqui, mas o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia em seu auge, em 2010, era de cerca de R$ 9 bilhões. Em 2017 ele caiu para metade disso – uma das propostas orçamentárias feitas naquele ano correspondia a um terço desse valor. Em 2018, num requinte de crueldade, 10% dos R$ 4 bilhões orçados ainda foram congelados. Considere, ainda, que essa farinha pouca ainda precisa ser dividida com o pirão das Comunicações – e que a PEC do Teto inviabiliza recuperação orçamentária significativa pelos próximos 19 anos.
Como tudo no Brasil, esse orçamento vai sendo emendado por meio de cambalachos sucessivos: descongela um tico aqui, faz um decreto de suplementação ali. É uma espécie de waterboarding financeiro: antes de a vítima morrer você tira a cabeça dela da água, para ela respirar um pouco e agradecer por estar viva antes de mergulhar de novo. Esses remendos têm mantido as universidades e institutos de pesquisa (Uerjs da vida fora) mais ou menos funcionais, ao mesmo tempo em que dão a nossos distintos doutores e doutoras a ilusão de que ainda não é hora de fechar estradas, se imolar em praça pública ou invadir Brasília e quebrar a porra toda. Má notícia, amigues: essa hora já passou faz tempo.
Como o nosso empresariado – que cresceu mamando no Estado e cujos líderes hoje aplaudem Jair Bolsonaro e insinuam que canudo plástico em estômago de baleia é armação de ambientalista – é notoriamente avesso a investir em pesquisa e desenvolvimento, a ciência está à mercê dos recursos federais e dos Estados que ainda têm agências de fomento fortes (N=1). Quando a União sai de cena, a ciência desmonta.
Excluindo os relatos anedóticos sobre fuga de cérebros e uns dados preliminares quase dois anos atrás do Rogério Meneghini, da Scielo, sobre queda na produção científica, ainda não vi nenhuma avaliação sistemática do prejuízo estrutural da crise sobre a pesquisa no Brasil. Mas essa conta virá, por questão de simples aritmética. O sistema cresceu muito durante a bonança da era Lula. Portanto, o tombo, causado principalmente (mas não só) pela Grande Recessão Brasileira (ela merece a grafia em caixa alta), é maior do que as pindaíbas anteriores. No que isso dá todo mundo sabe: menos pesquisadores igual a menos papers igual a menos questões relevantes para o país sendo abordadas igual a menos desenvolvimento, menos inovação, menos dinheiro, menos bem-estar social, num círculo difícil de quebrar. O Brasil não conseguirá assegurar uma recuperação econômica duradoura sem um sistema de C&T restaurado.
Mas que fazer, além de assaltar uns bancos? Esta é a pergunta de 9 bilhões de reais. Talvez um bom começo seja escapar da armadilha do punitivismo.
Nossa polarização política atual não resiste a procurar culpados. Enquanto esquerda e direita brigam para saber quem bateu no iceberg, o convés vai alagando. Muita gente de bem insiste em que a culpa é do vampirão, o “golpista” que aprovou a PEC do teto e extinguiu o MCTI. Esse povo se esquece de que a crise foi gestada por Dilma, A Breve. Mas talvez, cavando bem, suas raízes sejam encontradas em seu apogeu, na era Lula.
Ou, o que é menos gostoso de ouvir, talvez quem matou a ciência brasileira de fato tenhamos sido eu e você. Por omissão. Ao eleger sucessivos governos sem uma plataforma consistente para a ciência. Ao permitir que o MCTI tenha sempre entrado na barganha política como um ministério de consolação para os partidos médios da base. Ao deixar de ir para a rua contra o verdadeiro golpe – o mais insidioso, pois mina nossa perspectiva de futuro, e o mais difícil de comunicar à população, porque, afinal, quem se importa com meia-dúzia de laboratórios – porque simpatizamos com tal partido ou odiamos o outro.
Na real, nada disso importa mais. Outubro vem aí, e o que fazer com o cadáver da ciência brasileira (entre os outros que se acumulam no morgue de ideias nacional) é essencialmente um não-assunto. Eu adoraria dizer os candidatos estão em silêncio porque estão dedicados à tarefa mais urgente de impedir uma escalada fascista no Brasil. Mas não: o sistema político e a imprensa estão presos ao loop de discutir quem vai levar o apoio do Centrão.
As urnas são o locus primário de resistência e retomada, mas há dois problemas: um, o sistema representativo está estragado; dois, o principal foco de crise, o Congresso, tende a ter uma renovação muito baixa devido à engenhosidade maligna da minirreforma política. Candidaturas de cientistas são uma excelente novidade e precisam ser fomentadas de toda forma, mas, mesmo na eventualidade de triunfarem, formarão mais uma bancada marginal numa Câmara convertida em balcão de negócios. Óbvio que isso é melhor que nada.
De prático e no curto prazo, restam dois caminhos. Um é a desobediência civil em massa, que me foi aventada em 2016 por um cientista sênior (o que se viu em vez disso foi meia-dúzia de protestos comportadinhos dentro dos campi). Deu certo com os caminhoneiros, mas, francamente, o sex appeal deles é muito maior. O outro é fazer o que Simon Bolívar recomendou no fim da vida que se fizesse na América: emigrar. Parece derrotismo, e é. Mas talvez a diáspora brasileira acumule massa crítica no exterior a ponto de facilitar o acesso de brasileiros a grupos de pesquisa globais em algum momento no futuro.
Não chega a ser um consolo, mas é o que temos para hoje.
Claudio Angelo, é autor de A Espiral da Morte – como a humanidade alterou a máquina do clima, vencedor do Prêmio Jabuti 2017 na categoria Ciências da Natureza, Meio Ambiente e Matemática e tem o blog Curupira no ScienceBlogs Brasil.
Conflito e Governo
Esse post é parte da Blogagem Coletiva de comemoração aos 10 anos do ScienceBlogs Brasil. O tema dessa semana é Ciência e Política. Hoje quem escreve é Ricardo de João Braga, atualmente cursando mestrado em Democracia (Roads to Democracy) na Universidade de Siegen, na Alemanha.
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Conflitos são inerentes às sociedades humanas e, devido à sua presença permanente e principalmente aos seus efeitos muitas vezes danosos, foram objeto de reflexão permanente ao longo dos séculos. Conflitos ocorrem devido a disputas por recursos materiais escassos, por valores – definição do que é certo, bom, justo, etc. – ou pela liberdade – definição das esferas da vida submetidas ao coletivo ou independentes dele. Um conflito pode surgir porque ninguém é tão fraco e o outro tão forte que alguma forma de ação ou verbalização não possa ser manifestada. Conflitos relacionam-se à violência, ao poder e ao governo.
Opõem-se ao conflito a ordem ou a harmonia. Nos extremos das possibilidades situam-se o “estado de natureza” caótico de Hobbes (escritor inglês do séc. 17), onde o “homem é o lobo do homem”, isto é, cada indivíduo é ameaçado mortalmente por cada um dos seus próximos, e no outro oposto, da absoluta ordem, o Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley (também inglês, mas do séc. 20), com sua ordem radical e fúnebre.
A reflexão sobre o conflito, e suas extensões a governo, poder, autoridade, etc., diminui nossa ingenuidade sobre as relações políticas e sociais, e em alguma medida aumenta nossos recursos de convivência e avaliação de alternativas políticas.
O mote da semana, Ciência e Política, aqui ganha uma qualificação importante. A história da reflexão sobre o conflito não apresenta propriamente uma avaliação científica no sentido moderno do termo, o qual pretende limitar-se à análise de fatos e objetos sem perspectivas de valor. De fato, a reflexão sobre conflito surgiu muito antes da concepção moderna de ciência. Contudo, isto não diminui o valor de tais reflexões. Em primeiro lugar tais reflexões basearam-se em boa medida na observação da realidade por homens de gênio e extrema habilidade discursiva (em geral são grandes escritores), mas mais importante, ideias, argumentos e modelos criados nestas reflexões influenciaram a prática dos homens públicos ao longo dos séculos e ainda hoje. Assim, aqui se apresentam alguns marcos desta reflexão. Vamos a eles.
Platão, no séc. 4 a.C., propôs a criação de uma sociedade harmoniosa, baseada numa rígida divisão de tarefas. A sociedade seria governada por um pequeno grupo de “reis filósofos” que considerariam as necessidades da sociedade como um todo, atendendo somente a ela. Conflito para Platão equivaleria a uma doença da sociedade, a uma divisão de vontades, visões, valores.
Maquiavel, florentino do séc. 16, compreendia a sociedade como imersa no caos e sofrendo por isso toda sorte de mazelas. O criador da ordem seria o príncipe afortunado e virtuoso, fundador do estado e da ordem. Fortuna aqui equivaleria ao toque gracioso da sorte, e virtuoso entende-se no sentido político, não religioso. O bom príncipe deveria saber usar a força e a astúcia a fim de conquistar e manter o poder. Paradoxalmente, o afortunado e virtuoso príncipe funda a ordem e põe fim ao conflito, contudo, o caos cria-se pois todos os seres humanos, potencialmente, detêm esse germe da busca do poder, e muitos debatem-se por ele. Assim, os potenciais príncipes criam o conflito, e o vencedor entre eles instaura a ordem.
Rousseau, genebrino do séc. 18, proclamava que não deveria haver conflito entre os homens, se estes compreendem-se apropriadamente o mundo político. Todas as pessoas, para ele, deveriam se unir em torno da “vontade geral”. Esta ideia expressa o real interesse de todas as pessoas e detém uma superioridade metafísica. Difere da aglutinação das vontades individuais, pois caso alguém tenha opinião diferente da vontade geral, diante de sua presença esta pessoa converter-se-ia a ela, compreendendo que incorria em erro em sua posição individual. Assim, como em Platão, conflito aqui teria uma conotação patológica.
Montesquieu, francês também do séc. 18, temia sobretudo os abusos do poder. Para ele, conflitos são inerentes às sociedades humanas reais, e não haveria como suprimi-los. O que se deveria buscar, sim, era controlar os conflitos. Poder demais num conflito poderia destruir tudo que é valioso aos homens – vida, liberdade. Sua famosa solução é a divisão de poderes, a ideia de que o poder apenas detém-se diante de poder, e por isso sua divisão no estado entre Executivo, Legislativo e Judiciário ofereceria a saudável solução. Os poderes de um estado confrontar-se-iam frequentemente, mas ninguém seria absoluto e desta forma encontraria limites as suas ações. Esta preocupação com os limites do poder é o germe do liberalismo.
Quando da aprovação da Constituição dos EUA no final do séc. 18, três homens públicos envolvidos no processo constituinte lançaram 85 artigos na imprensa a fim de explicar e granjear apoio para sua ratificação. Eram James Madison, Alexander Hamilton e John Jay. Leitores de Montesquieu, compreendiam o conflito como inerente à sociedade, e o grande perigo a ser evitado era a concentração de poder, pois concentrado ele poderia trazer danos absolutos. A solução encontrada foi a divisão dos poderes no sentido horizontal, como já prescrevera Montesquieu, entre Executivo, Legislativo e Judiciário, e também no sentido vertical, prescrevendo a federação, com poderes nacional, estadual e local. Assim, por mais que as pessoas diferenciassem-se, detivessem interesses distintos e fossem propensas ao conflito, a ausência de um poder majoritário – pois haveria um sem número de facções – impediria a dominação de vários grupos por um mais forte.
Marx, alemão do séc. 19, via a sociedade humana desolada sob uma radical exploração, os capitalistas dominariam os proletários. Neste quadro, uma infinidade de conflitos surgiria, motivados pelas justas razões dos que não desejam ser oprimidos rebelarem-se contra os opressores. Contudo, no horizonte de Marx encontrava-se uma sociedade que haveria superado os conflitos, superado as classes, onde o proletariado venceria os conflitos e mudaria o mundo. Neste mundo ideal não existiria conflito pois a verdade do desenvolvimento histórico seria incontornável, todos seriam iguais. Estas ideias são a base do comunismo científico, segundo Marx, e do comunismo real, aplicado em grande número de países posteriormente a ele.
O século XX, experimentando a ascensão política das massas populares como nunca antes na história, viu crescer nos extremos ideológicos duas soluções idênticas para os conflitos. À direita o fascismo e o nazismo, à esquerda o comunismo. Tais regimes visavam suprimir o conflito ao controlar todas as esferas da vida de cada cidadão. Acima de tudo estava o partido, a classe dirigente, e abaixo as massas submetiam todas suas ações, manifestações e pensamentos a eles. Deu-se a isso o nome de regimes totalitários, pois controlavam totalmente os indivíduos.
Entre os extremos postou-se a democracia liberal representativa de nossos tempos. Para ela, o conflito é inerente à sociedade, mas deve ser controlado – uma retomada das posições de Montesquieu e outros liberais. Acreditava-se numa pluralidade de grupos, indivíduos, crenças e posicionamentos na sociedade, mas estes por um lado deveriam controlar-se na esfera política pela grande dispersão, e na esfera jurídica pela garantia de direitos básicos do indivíduo que não poderiam ser suprimidos, como liberdade de expressão, opinião, crença, etc. Na democracia liberal representativa, delimita-se uma esfera de conflitos possíveis e controlados e outra de direitos individuais resguardados pela Justiça.
Contemporaneamente, contudo, esta perspectiva de democracia liberal representativa foi questionada. Sua limitação às eleições como mecanismo único de participação política levaria ao recrudescimento de conflitos em casos de alto questionamento, como sociedades com clivagens sociais, culturais, étnicas importantes. Além disso, brotam inúmeros questionamentos ao estado pelos resultados que estas democracias entregam aos cidadãos, vistos como aquém ao desejado e que assim deslegitimam o sistema político.
Diante dos problemas da democracia liberal representativa, surgiram as chamadas democracias participativa e deliberativa. Ambas, com ênfases diferentes, enfatizam a criação e expansão de instâncias de diálogo, livres e igualitárias, que promovam a criação de ideias e aproximação de posições entre os participantes. Os conflitos, aqui, deveriam diluir-se diante da prática do reconhecimento dos argumentos racionais, do valor do outro, e da convivência, mas sem submeter o indivíduo, e sim produzindo-se nele a concordância livre, racional e autônoma.
Como se vê, o conflito, na história, permeou esta outra inescapável realidade humana, a constituição de governos. Alguns objetivaram suprimir o conflito nivelando a todos, outros criando categorias estanques de governantes e governados. O conflito, contudo, também foi aceito, e as soluções passaram por dividir os grupos para que fosse impossível surgirem vencedores e derrotados absolutos, e também se garantiram direitos que deveriam ser resguardados de todos os conflitos, os direitos individuais. Por fim, atualmente, com a primazia do indivíduo no mundo contemporâneo e uma noção mais radical de autodeterminação, além da presença dos mecanismos liberais clássicos de divisão de poderes e resguardo de direitos básicos, busca-se a construção de soluções de convívio que sejam livres e autônomas. Para isso, os cidadãos precisam compreender-se tanto como diferentes, postados em posições distintas com interesses e visões diversos, quanto interdependentes e associados no destino de todos e de cada um. Assim, nada mais útil para podermos cumprir bem nosso papel neste mundo cada vez mais complexo do que entender o que já se pensou sobre o conflito e o que se fez e faz para lidar com ele.
Ricardo de João Braga tem graduação em economia, mestrado e doutorado em Ciência Política. Atualmente cursa mestrado em Democracia (Roads to Democracy) na Universidade de Siegen, na Alemanha.
Populismo: breves considerações sobre seu significado
Esse post é parte da Blogagem Coletiva de comemoração aos 10 anos do ScienceBlogs Brasil. O tema dessa semana é Ciência e Política. Hoje quem escreve é Rodrigo Mayer, pós-doutorando em Sociologia Política na UFSC.
Se você quiser participar saiba mais em: http://bit.ly/SBBr10anos
Nas últimas décadas, muito se tem falado e escrito sobre o populismo. Seu uso se refere tanto a lideranças e partidos à direita (Trump, Le Pen, entre outros) quanto à esquerda (Chávez, Podemos, etc.) do espectro político que se opõe as estruturas de poder vigentes. A origem do termo remete a expansão da participação popular na arena política, fato que foi utilizado por diversas lideranças (Perón e Vargas, são os maiores exemplos na América Latina) para se opor as forças dominantes de seu período e construir uma relação simbólica com a população e, assim, legitimar seu poder (WEFFORT, 1989).
Durante as décadas de 1950 e 1960 o termo caiu em desuso e foi retomado na década de 1980, para se referir a Frente Nacional francesa. Apesar de possuírem representantes à esquerda, os novos populistas são comumente identificados como conservadores, ou seja, as estratégias populistas não se restringem a apenas uma ideologia. Como consequência do processo de profissionalização dos partidos políticos e a maior fluidez das identidades, os novos populistas focam em diversas camadas sociais, porém mantém a característica essencial do populismo que é retirada de sua legitimidade através de vínculos emotivos com o povo e se auto intitularem defensores da população.
Embora muito utilizada, a definição de populismo ainda é vaga e pode se referir tanto as lideranças originárias do processo de modernização na América Latina quanto a líderes de outras regiões que buscam extrair seu poder por meio da relação direta com o povo descontente com os rumos da política.
Mas afinal, o que é o populismo? Essa não é uma pergunta fácil de responder, pois o fenômeno pode ser definido como uma espécie de ideologia, uma forma de governo ou como um fenômeno social (CERVI, 2001). Em comum, as três definições argumentam que o populismo se refere a construção de uma relação simbólica entre o líder e parte da população através de um apelo contrário as elites, isso é, a construção de um discurso de “nós”, a população, contra setores privilegiados (CANOVAN, 1999; LACLAU, 2013).
O relacionamento com o povo – que também é pouco teorizado – é a principal fonte de legitimidade da liderança populista. Ela, não apenas discursa em seu nome, como também fala em devolver o poder ao povo. A definição deste se encontra repleto de significados, que podem ser mais gerais – como nacionalismo versus estrangeiros, população contra a elite, etc. – bem como mais específicos, como representações de etnias e culturas (CANOVAN, 1999; LACLAU, 2013). O líder, neste caso, não é apenas o auto intitulado porta voz das aspirações populares, mas também o que melhor sabe o que é bom para o povo. Por fim, esse relacionamento pode ser interpretado de duas formas: a) positivo: o líder é tido como um indivíduo que lê as demandas da população e trazê-las para a arena política e; b) negativa: em que a população é estigmatizada e considerada como incapaz de perceber apelos demagógicos e de participar do processo eleitoral. É importante notar que a visão positiva trata basicamente de características pessoais das lideranças, enquanto a negativa, carrega uma certa dose de elitismo ao considerar a população inapta a participação na esfera política
A emergência de movimentos populistas se encontra intimamente relacionada com a insatisfação e problemas com os resultados das democracias. No primeiro momento, na América Latina, o crescimento destes movimentos veio acompanhado com problemas decorrentes do processo de modernização (passagem de uma sociedade urbana para rural, baixa qualidade dos empregos, intensas migrações e, concentração do poder econômico em poucas mãos) (DI TELLA, 1997). Em um segundo momento, o populismo emana da insatisfação com as promessas não cumpridas pelos regimes democráticos (aumento de desigualdades econômicas e sociais, crise de representação, corrupção, etc. e a exclusão da população do centro do poder decisório (CANOVAN, 2004). Como alternativa a esses problemas, os populistas propõem o uso de mecanismos de democracia direta (consultas, plebiscitos, referendos) ou apelar ao povo, de modo a se sobrepor as instâncias decisórias institucionais.
Portanto, o populismo, apesar de muito citado, é um fenômeno ainda pouco teorizado nas ciências sociais (e na ciência política, em particular). O fenômeno, de modo sintético, trata basicamente da construção de uma relação simbólica entre uma liderança do tipo carismático e uma parcela da população em oposição a grupos que são identificados como portadores de privilégios.
Rodrigo Mayer, Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pós-doutorando em Sociologia Política na UFSC.
Referências bibliográficas
CANOVAN, M. Trust the people! Populism and the two faces of democracy. Political studies, vol.47, n.1, p.2-16, 1999.
CANOVAN, M. Populism for political theorists? Journal of political ideologies, vol.9, n.3, p.241-252, 2004.
CERVI, E. As sete vidas do populismo. Revista Sociologia e Política, n.17, p.151-156, 2001.
DI TELLA, T. Populism into the twenty-first century. Government and opposition, vol.32, n.2, p. 187-200, 1997.
LACLAU, E. A razão populista. São Paulo: Três Estrelas, 2013.
WEFFORT, F. 1989. O populismo na política brasileira. 4ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
Ciência e política: duas coisas inseparáveis
Esse post é parte da Blogagem Coletiva de comemoração aos 10 anos do ScienceBlogs Brasil. O tema dessa semana é Ciência e Política. Hoje quem escreve é Eduardo Sato, autor do blog Torta de Maçã Primordial.
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Provavelmente muitos não enxerguem quanto ciência e política estão atreladas e quanto uma afeta a outra, minha hipótese é que a ciência como forma crítica de interpretar o mundo não é ensinada nas escolas de maneira proposital, como diria Darcy Ribeiro: “A crise educacional do Brasil da qual tanto se fala, não é uma crise, é um projeto” [1].
Talvez parte do problema seja o fato das pessoas não entenderem o que um cientista faz, ou mesmo o que é ciência de modo geral. Mas não se engane, isto não quer dizer de forma alguma que a população brasileira não tem interesse por ciência: uma enquete realizada em 2015 pelo Centro de Gestão em Estudos Estratégicos (CGCE) e pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) mostra que 61% dos entrevistados se declararam interessados ou muito interessados pelo tema, porém 87% não soube informar o nome de um instituto de pesquisa científica brasileiro e 94% não conhece o nome de um cientista brasileiro [2].
Quando a (falta de) ciência afeta a política
Existem dois pontos onde a falta de ciência é bastante problemática: na percepção da população sobre algumas decisões políticas e nas próprias tomadas de decisão dos políticos em questões que envolvem ciência.
Um caso onde o primeiro ponto ficou bastante claro para mim aconteceu em 2016, quando Michel Temer assumiu a presidência e montou sua equipe de ministros sem ao menos uma mulher [3]. Na época, houve uma grande polêmica sobre este fato, como um claro exemplo de machismo, pois a probabilidade de isto acontecer ao acaso era muito baixa. Eu (que ainda não tinha nenhum envolvimento com divulgação científica) concordei com o argumento e supus que ninguém havia calculado esta probabilidade por preguiça, então eu fiz um modelinho simples, fiz o calculo e publiquei a imagem a seguir no Facebook.
Figura 1: Probabilidade de uma equipe com 23 pessoas escolhida ao acaso contenha um número m de mulheres, dado o pré-requisito de que todos sejam brasileiros, acima de 25 anos e possuam ensino superior completo [4].
Acompanhando os comentários, percebi que a grande maioria das pessoas nunca tinha visto um teste de hipótese nula! Isto foi um choque para mim, pois no mundo das ciências exatas esta ferramenta é usada de forma bastante corriqueira, por que não ensinamos isto nas escolas? Outro choque para mim, foi o fato de muitos não entenderem o que é uma distribuição binomial (esta inclusive é parte do currículo do ensino médio) fora do contexto bobo de lançamento de vários moedas para determinar o número de caras e coroas.
Refletindo um pouco sobre este caso, comecei a pensar como a estatística e diversas outras ciências não são ensinadas nas escolas como ferramentas para interpretar o mundo, mas sim como coisas para se decorar para a prova. Em especial, a estatística é apresentada como argumento em diversos meios de comunicação, mas me respondam estimados leitores, vocês aprenderam no ensino médio, o que significa por exemplo, a “margem de erro de 2% para mais ou para menos” que tanto se fala nas pesquisas eleitorais?
Outro problema que podemos apontar no aspecto de percepção política é que posições políticas são tratadas por muitos como uma crença, ou como uma parte da suas personalidades e não como algo baseado em evidências: um estudo realizado pela University of Southern Carolina indica que pessoas tem mais resistência a mudar de opinião sobre questões politicas quando apresentadas a contra-argumentos em relação a opiniões sobre questões não políticas [5].
Isto vai completamente contra o espírito do método científico, onde se o mundo não corresponde as previsões do nosso modelo devemos descartar completamente nossas hipóteses. Então fica a pergunta: se a população tivesse um letramento científico “ideal”, teríamos um reflexo disso nas visões políticas?
Com isso podemos pensar no segundo ponto: as tomadas de decisões políticas. Segundo uma tese de doutorado defendida na London School of Economics, cientistas costumam ter pouca voz no processo de formulação de políticas públicas na área ambiental [6]. Possivelmente esta conclusão possa ser generalizada para as demais áreas de ciência, onde dificilmente cientistas são consultados em questões técnicas e prevalecem as opiniões dos seres políticos.
Um exemplo na cidade de São Paulo é a lei municipal 13.440 de 2002 (com redação alterada pela lei municipal 16.644 de 2017) que proíbe o uso de celulares em postos de gasolina [7], com a justificativa de que celulares poderiam produzir faíscas que levariam a acidentes devido a presença de materiais inflamáveis. Quão absurda é a existência de uma lei assim?
Sabem o que produz faíscas? Carros. Como será que o redator dessa lei acha que funciona o sistema de ignição de um carro? Será que deveríamos todos empurrar nossos carros para fora do posto antes de ligá-los? Aliás, as máquinas utilizadas na cobrança de cartões de débito/crédito são celulares disfarçados… elas também são proibidas? Não é preciso um físico ou um engenheiro eletricista para perceber a ineficácia desta lei, mas se apenas um deles tivesse sido consultado, esta lei nunca existiria.
E não só nas leis está o problema da falta de voz dos cientistas nas pautas que envolvem ciência, pois estes mesmos políticos que não confiam em ciência, decidem os orçamentos da ciência, através dos repasses para agências de fomento, universidades, laboratórios nacionais e demais centros de pesquisas públicos.
Não é à toa que ao primeiro sinal de crise financeira tenhamos cortes enormes nos investimentos em ciência e tecnologia como os que acontecem atualmente e motivam diversas marchas pela ciência por todo o país.
Divulgação científica como parte da solução
Com o apresentado fica claro que o letramento científico não é o único fator para mudar as políticas públicas, mas talvez parte da solução seja mudar a percepção pública de ciência. Cientistas por muito tempo se dedicaram e ainda se dedicam exclusivamente à ciência sem se importar em explicar à população (que financia as pesquisas) qual a importância do seu trabalho, ou mesmo qual é o trabalho de um cientista.
Está mais do que na hora dos cientistas saírem das suas torres de marfim e criarem um canal de dialogo aberto com a sociedade. Parte importante dessa comunicação já existe através dos meios de divulgação científica, mas o que temos ainda é pouco.
Neste contexto quero parabenizar o ScienceBlogs Brasil, pelos dez anos nessa jornada de levar ciência de forma acessível a população e por servir como inspiração para o surgimento de diversos outros canais de divulgação científica no Brasil, onde incluo nós do Blogs de Ciência da Unicamp. Nós temos um papel de extrema importância nessa mediação entre ciência e sociedade e precisamos não só continuar este trabalho mas também incentivar novas iniciativas que ampliem esta comunicação! Continuemos escrevendo, pois como já concluímos os blogs não morreram!
Eduardo Sato é doutorando em física pela Unicamp, autor do blog Torta de Maçã Primordial e membro da equipe do Blogs de Ciência da Unicamp.
[1] Ribeiro, D. Sobre o óbvio. Em: Ensaios insólitos. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.
[2] Moraes B, Caires L, Fontes H. Pesquisa revela que brasileiro gosta de ciência, mas sabe pouco sobre ela. Jornal da Unicamp. Campinas: 2017, Disponível em: https://www.unicamp.br/unicamp/ju/noticias/2017/09/25/pesquisa-revela-que-brasileiro-gosta-de-ciencia-mas-sabe-pouco-sobre-ela
[3] Arbex T, Bilenky T. Ministério de Temer deve ser o primeiro sem mulheres desde Geisel. Folha de São Paulo, São Paulo: 2016, Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/05/1770420-ministeriado-de-temer-deve-ser-o-primeiro-sem-mulheres-desde-geisel.shtml
[4] Sato, EA. Meus dois centavos sobre a falta de representatividade dos ministros de Temer. Facebook, Campinas: 2016, Disponível em: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=999783896742911&set=a.255352981186010.71761.100001339318044&type=3&theater
[5] Kaplan JT, Gimbel SI, Harris H. Neural Correlates of maintaing one’s political beliefs in the face of counterevidence. Sci. Rep. 6, 39589; doi: 10.1038/srep39589 (2016). Disponível em: https://www.nature.com/articles/srep39589
[6] Donadelli FMM, Reaping the seeds of discord: advocacy coalitions and changes in brazilian enviromental regulation. London School of Economics, PhD thesis, London: 2017, Disponível em: https://www.researchgate.net/project/PhD-Thesis-5
[7] Nunes R. Lei Nº 16.644, de 9 de maio de 2017. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/sp/s/sao-paulo/lei-ordinaria/2017/1664/16644/lei-ordinaria-n-16644-2017-altera-a-redacao-dos-arts-1-e-2-da-lei-municipal-n-13440-de-14-de-outubro-de-2002-e-da-outras-providencias
Uma cientista no Parlamento
Esse post é parte da Blogagem Coletiva de comemoração aos 10 anos do ScienceBlogs Brasil. O tema dessa semana é Ciência e Política. Hoje quem escreve é Mariana Moura membro-fundadora do Movimento dos Cientistas Engajados e pré-candidata a deputada estadual.
Se você quiser participar saiba mais em: http://bit.ly/SBBr10anos
Você consome tecnologia todos os dias. Está surpreso?
O nosso colchão, a toalha, a roupa que usamos no dia a dia, o café, o pão e o leite, o pacote de macarrão e o de molho de tomate. A luz que chega na nossa casa, a geladeira, a televisão, o rádio. O nosso despertador, o chuveiro. O celular e o computador. As paredes da nossa casa, a tinta, o nosso sofá. O remédio que tomamos quando estamos doentes e o conhecimento do médico que a gente consulta. Tudo isso é resultado da ciência. O conhecimento acumulado pela humanidade ao longo dos séculos transformado em produtos. Ciência é qualidade de vida.
É a casa mais barata e construída com materiais melhores. É o remédio da doença que as empresas farmacêuticas não têm interesse em curar. É a comida mais barata porque a terra produz mais e porque chega mais rápido na nossa mesa. É a possibilidade de estudar à noite porque tem energia elétrica. É o emprego com salários melhores e a valorização do salário mínimo. Ciência é Habitação, Alimentação, Saúde, Segurança, Educação e Emprego.
Os países centrais perceberam isso há décadas. Perceberam também que desenvolvimento científico se produz com investimento do Estado. No Brasil, pelo contrário, os investimentos em ciência são sempre os primeiros a sofrer cortes quando chega uma crise. Desde 2013, os repasses federais para o Ministério da Ciência e Tecnologia caíram quase pela metade chegando, no ano passado, a patamares do início do Século XX. O corte de 44% nos recursos deixaram a pasta com apenas R$ 3,7 bilhões para investir em 2017. Essa mentalidade está colocando em risco as pesquisas em andamento com o êxodo de recursos humanos que levaram anos e muito investimento para serem formados. Formamos 20 mil doutores por ano, mas estes profissionais não têm onde trabalhar no Brasil e acabam saindo do país para continuar suas pesquisas. Um projeto como o LNLS, que contém o laboratório de luz síncroton mais avançado do mundo, e que foi orçado em R$ 1,8 bilhão, adiou suas atividades pela falta de recursos este ano. Para poder produzir novos materiais de construção, novos medicamentos, empregos com salários melhores é preciso investimento público maciço e contínuo em Ciência e Tecnologia. A interrupção desses recursos põe a perder o que foi feito antes.
Nós exportamos milhões de toneladas de minério barato para comprar barras de aço, exportamos petróleo para importar gasolina. Consumimos a tecnologia produzida por outros países a um custo anual de R$ 20 bilhões apenas para o pagamento de royalties e licenças de uso. Só para ter a permissão de usar. Isso é de uma irracionalidade sem tamanho. Temos todas as condições de transformar essa matéria-prima gerando emprego e renda. Temos que mudar a lógica e explorar conscientemente os materiais que temos respeitando limites ambientais e sociais do nosso território. O Brasil não pode se dar ao luxo de não investir em Ciência.
Um país com tanta riqueza não pode achar normal que existam pessoas sem um lugar para morar, sem saberem o que vão comer na próxima refeição. São 52 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza. Isso é inadmissível! Especialmente em um país que possui reservas minerais e naturais entre as maiores do mundo e em uma época em que a cada dia, a cada hora, surgem novos mecanismos, novos processos, novos produtos que são capazes de melhorar a vida das pessoas. Permitir que vivamos mais e melhor.
Há décadas não temos grandes projetos científicos e o Plano Nacional de Ciência e Tecnologia, construído com pesquisadores, trabalhadores e agentes sociais de todo o país, foi abandonado em 2014 antes mesmo de ser colocado em prática. Tivemos recursos, mas não tínhamos projeto e, quando tivemos projeto, os recursos foram extraídos dele. Os atuais políticos do país pensam em ciência com base em um modelo não eficiente, sem visão global e gerenciado de modo não organizado que não trouxe os resultados esperados. Temos hoje excelência em setores pontuais, mas isso não chega à sociedade. Para reverter essa situação, é preciso pensar em Ciência como motor do desenvolvimento e inserir a produção científica no projeto nacional.
Por isso sou pré-candidata a deputada estadual em São Paulo.
E conto com vocês nesta empreitada!
Um forte abraço,
Mariana Moura – Mestre em Ciências e doutoranda em Energia pelo Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo. Foi coordenadora geral da Associação de Pós Graduandos da USP Capital. É membro-fundadora do Movimento dos Cientistas Engajados e pré-candidata a deputada estadual pelo Partido Pátria Livre