Sangue novo na Lapa do Santo
Uma das notícias mais legais da arqueologia brasileira dos últimos tempos é que há uma equipe nova trabalhando na Lapa do Santo, um belíssimo anfiteatro natural de calcário na região de Lagoa Santa (MG).
Em 2002, tive o privilégio de visitar a lapa e vários outros abrigos calcários da região na companhia do bioantropólogo Walter Neves, da USP, e sua trupe. Agora, um ex-aluno do Walter, André Strauss, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, na Alemanha, voltou a trabalhar no sítio.
O sedimento de lá está coalhado de sepultamentos do povo de Luzia, os paleoíndios de Lagoa Santa, gente que tinha uma morfologia craniana inusitada, mais parecida com a de aborígines australianos e africanos do que com a de indígenas modernos. A idade dos sepultamentos gira em torno de 9.000 anos a 8.000 anos antes do presente. Tipo este aqui, ó:
Abaixo, um pouquinho do contexto desses sepultamentos em reportagem que fiz para a Folha tempos atrás. Boa sorte para os novos desbravadores da Lapa do Santo!
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Brasileiros pré-históricos faziam “arte” com mortos
Escavações em MG revelam pinturas, cortes e mistura de ossos de pessoas
Regras lógicas parecem ter guiado rituais em gruta da região de Belo Horizonte, entre 8.800 e 8.200 anos atrás
REINALDO JOSÉ LOPES
EDITOR DE CIÊNCIA
Na hora de lidar com a morte, criatividade é o que não faltava à misteriosa gente que vivia no coração de Minas Gerais há quase 9.000 anos. Os sepultamentos ali parecem ter sido obras de arte, cuja principal matéria-prima era o corpo humano.
Cortados com instrumentos de pedra, os ossos de diversos mortos podiam ser reunidos dentro do crânio de outra pessoa. Em outros casos, o uso de tinta ou fogo dava uma aparência diferente ao cadáver. E, às vezes, dentes de um indivíduo eram arrancados para adornar os restos mortais de outro.
O inventário dessas estranhas práticas está sendo feito pelo arqueólogo André Strauss, cujo mestrado na USP versou sobre o tema. “Embora a região seja escavada desde o século 19, com centenas de esqueletos encontrados, todo mundo achava que os sepultamentos ali eram muito simples, muito sem graça”, diz ele.
DE OLHO NO CRÂNIO
Até então, lembra Strauss, o principal interesse dos cientistas era o formato do crânio dos chamados paleoíndios, como são conhecidos os povos que habitavam as Américas no período.
A região central de Minas é famosa por ter abrigado uma gente cujas feições lembravam os atuais africanos e aborígines da Austrália, bem diferente do tipo físico dos índios atuais. É lá que foi achada a célebre Luzia, mulher mais antiga do continente, com mais de 11 mil anos.
Ao longo desta década, uma equipe da USP liderada pelo bioantropólogo Walter Neves (que orientou o mestrado de Strauss) e pelo arqueólogo Renato Kipnis voltou à região e fez uma exploração detalhada da gruta conhecida como Lapa do Santo. O resultado: 26 sepultamentos que enterram a ideia de que os funerais ali padeciam de falta de imaginação.
“É muito difícil saber o que se passava na cabeça das pessoas. Mas dá para perceber, por exemplo, regras lógicas na maneira como esses ossos eram cortados”, diz Strauss, que hoje faz seu doutorado no Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva (Alemanha).
Há, por exemplo, uma estranha simetria: nos enterros “compostos”, quando o crânio é de um adulto, o resto do esqueleto é de crianças, enquanto ossos de pessoas maduras acompanham crânios infantis. Uma mandíbula perfurada parece não ter sido um mero colar: ossos foram arrumados em cima dela, como se fosse uma cesta.
“Muita gente me pergunta se não há uma ligação disso tudo com canibalismo. Mas um dos sinais de antropofagia é quando os ossos humanos encontrados num sítio [arqueológico] são tratados da mesma maneira que os ossos de animais, e isso a gente não vê”, pondera ele.
Outra possibilidade, a de sacrifício humano e posterior ritual com os mortos, também não parece muito provável, argumenta Strauss. Não há sinais de violência -fraturas na cabeça, por exemplo- entre os mortos da gruta. Os ossos parecem ter sido manipulados (e descarnados) logo depois da morte.
É tentador pensar na Lapa do Santo como uma Cidade dos Mortos, um local onde as tribos da região se reuniam para celebrar a ida de seus membros para o além.
Porém, diz o arqueólogo, coleções antigas de esqueletos de outros sítios também andam revelando marcas de corte, agora que foram reanalisadas. “Antes não se prestava atenção a isso.”
A pesquisa recebeu apoio financeiro da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
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Artefatos que importam: Asherah (?)
Depois de um inverno dos mais tenebrosos, estou de volta. Putz, faz mais de um ano. Vergonha. Mas, se serve de desculpa, nesse meio tempo virei editor de Ciência da Folha, depois foi nomeado também editor de Saúde, esse negócio de ser pai dá um trabalhão e, como diria Tolkien, “tive também muitos outros deveres, que não pude negligenciar”.
Mas chega de chororô. Voltamos com os artefatos que importam, desta vez com um exemplar das centenas de estatuetas de terracota achadas no território do antigo reino de Judá (a parte sul dos territórios israelitas da Antiguidade), datadas em torno de 700 a.C. e 600 a.C.
Elas tendem a ter a parte de baixo do corpo trocada por um pilarzinho, os seios absurdamente exagerados, numa pose que o finado especialista americano William Foxwell Albright apelidou de “dea nutrix” (deusa nutridora, em latim). A se acreditar na interpretação oferecida por muitos arqueólogos, elas representam ninguém menos que a esposa de Deus. Nada menos que a Juno do Júpiter bíblico, a Hera do Zeus monoteísta. You get my drift.
Ou, usando o nome próprio da moça, Asherah. Antes, achava-se que a deusa, uma divindade dos cananeus (povo que teria precedido os israelitas na Palestina), teria sido apenas uma inimiga de Javé, o Deus monoteísta adorado pelos autores bíblicos. No entanto, a descoberta das estatuetas, e a de inscrições que associam Javé a “sua Asherah”, andam levando muita gente a defender que, em muitos círculos do antigo Israel, os dois eram adorados juntos, como casal divino.
Uma interpretação não mutuamente excludente para as estatuetas é que elas seriam “orações em forma de argila”: uma maneira de as mulheres israelitas pedirem os atributos superabundantes da imagem para si mesmas, para gerarem e amamentarem filhos saudáveis.
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