Artefatos que importam: a estela de Merneptah

merneptah1.jpgNossa série sobre os artefatos mais importantes do registro arqueológico mundial continua com mais uma estela (pra quem não sabe, nome afrescalhado para postes de pedra), desta vez do antigo Egito. Erigida a mando do Báteman, digo, do faraó Merneptah (1213 a.C. – 1203 a.C.), o consenso entre os estudiosos é que ela representa a mais antiga evidência arqueológica da existência do povo de Israel, ainda que não de uma entidade política que possamos chamar de reino de Israel.
No Egito faraônico, entre os maias e num sem-número de povos antigos, estelas desempenham mais ou menos a mesma função social das plaquinhas comemorativas de aeroportos e estádios: permitir que o governante da vez conte vantagem. Com Merneptah não é diferente. O soberano botou esse troço de pé em Tebas, cidade real egípcia a 800 km do Mediterrâneo, como forma de celebrar suas (supostas) vitórias militares.
A maior parte do texto fala das bordoadas que ele teria distribuído em batalhas contra os líbios, mas uma seção menor fala das campanhas guerreiras na terra de Canaã — a região que hoje conhecemos como Israel e territórios palestinos. Ao que parece, a área estava dividida em cidades-Estado, como Gezer e Ashkelon — as quais, desde o terceiro milênio antes de Cristo, já eram consideradas vassalas do Egito. Só que aí vem a passagem abaixo:
merneptah2.jpg
Não lê hieróglifos? Tá, vou relevar essa lacuna imperdoável na sua formação cultural e traduzir pra você: “Israel está destruído, sua semente não existe mais”. Não se sabe se “semente” é usada no sentido metafórico de “descendência” ou se o faraó quer dizer que destruiu as reservas de comida de seus inimigos. Se o sentido empregado é o metafórico, a primeira conclusão é que Merneptah era um pusta de um mentiroso, como qualquer judeu vivo ainda hoje poderá atestar para você.
Êxodo? Que Êxodo?
Mas é claro que as implicações da estela vão além disso. A escrita hieroglífica empregava determinativos, sinais que não tinham valor de som, mas serviam para determinar (dã!) categorias conceituais. O usado para “Israel” é o de “povo”, não o de “cidade-Estado” ou unidade política. Costuma ser usado pelos egípcios para designar tribos nômades.
OK, isso significa que os egípcios, nessa época, não viam os israelitas como unidade política organizada. O mais curioso, no entanto, é Israel aparecer “pronto” na cena da terra de Canaã sem menção alguma ao episódio que teria iniciado o conflito israelitas x egípcios: o Êxodo bíblico.
Claro que um império do naipe do egípcio não teria lá muito interesse para anunciar uma derrota fragorosa como teria sido a do Êxodo. No entanto, o fato de não haver pelo menos uma pista da morada israelita de séculos em terras egípcias, mais uma série de pistas — linguísticas, sociais e arqueológicas — indicam que, pelo visto, o Êxodo NÃO aconteceu, ou ao menos se deu numa escala minúscula, bem menor do que o mito fundador israelita nos sugere. Voltarei a esse assunto fascinante em breve.
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Essa era tísica, doutor

mumias.jpgResearchBlogging.org“Tísica”, crianças, é um jeito mais velho do que andar pra frente de dizer que a pobre pessoa tem tuberculose. Velho, sem dúvida, mas não velho o suficiente para os padrões da senhora Irtyersenu, morta por volta de 600 a.C., a primeira múmia a passar por um exame paleopatológico em 1825. Acontece que erraram o diagnóstico: em vez de morrer de um câncer de ovário, a pobre faleceu mesmo foi de tuberculose, indica nova análise.
O estudo liderado por Helen Donoghue, do University College de Londres, revisitou os restos mortais de Irtyersenu, originalmente descritos para a Royal Society pelo Dr. Augustus Bozzi Granville. Conclusão número 1: o tal câncer era um cistadenoma benigno, insuficiente para fazer a infeliz egípcia bater as botas.
Conclusão número 2: o tecido pulmonar da pobre revelou uma secreção potencialmente fatal.
Conclusão número 3: os pesquisadores conseguiram extrair DNA de Mycobacterium tuberculosis, bactéria da doença quase homônima, desses tecidos, e obtiveram também moléculas que compõem a parede celular do microrganismo.
E, assim, esse caso de House da Antiguidade parece estar resolvido. E não era lúpus.

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