Quando Zeus encontra Buda

demétrio.JPGVocê deve estar se perguntando o que esse sujeito ao lado está fazendo com um nanoescalpo de elefante na cabeça. Sim, nanoescalpo, afinal nenhum elefante adulto de verdade tem uma cabecinha desse tamanho, sem falar nas presas. (Talvez um elefante com microcefalia?) No matter: conheça Demétrio I, rei que fundou o reino dos gregos na Índia (o atual Paquistão) na virada dos séculos III a.C. para II a.C.
Se você achava que nada mais maluco podia acontecer do que as vitórias de Alexandre no rio Indo, saiba que, depois de um refluxo do poder helênico na área, aventureiros gregos se converteram ao budismo e criaram ali um pequeno mas respeitado império, que durou até o começo da Era Cristã. Há até indícios de que a arte helenística influenciou a maneira como Buda passou a ser retratado nas estátuas indianas.
Os dizeres da moeda proclamam: “Demetriu Aniketu” ou “de Demétrio, o Invencível”. O apelido surgiu depois da morte do sujeito, mas é verdade que ele nunca foi derrotado em batalha.
Conheça Além de Darwin, meu primeiro livro de divulgação científica
Siga-me no Twitter
Para saber quem sou: meu Currículo Lattes

Caminho das Índias

Gentil leitor, este blogueiro, atolado nas masmorras do jornalismo diário, da vida acadêmica, dos frilas e do mundo Tolkien terá de recorrer à infame prática da reciclagem de posts para não deixar o Carbono-14 totalmente às moscas. It ain’t pretty, mas pelo menos dá um fôlego. E o post é legal, acredite. Lá vai.
————-
Agora que a novela “Caminho das Índias” parou de empeste… digo, abrilhantar as telas da TV brasileira, até que dá menos urticária tratar de temas indianos. Um deles tem estatura épica: nada menos que a origem da gigantesca população que hoje habita o subcontinente indiano.
Em artigo recente na revista científica britânica “Nature”, a equipe capitaneada por David Reich, da Escola Médica de Harvard (EUA), usou amostras de DNA de 25 diferentes populações da Índia para tentar um retrato genético dessa história. E o resultado parece dar apoio à ideia, postulada há mais de um século por filólogos, de que em algum momento do fim da Idade do Bronze (por volta de 1200 a.C.) a região foi invadida e, em grande parte, conquistada por tribos guerreiras que falavam um idioma indo-europeu.
O tronco linguístico indo-europeu, pra quem não sabe, inclui línguas tão diferentes quanto o latim, o grego, o inglês, o sânscrito — e os descendentes deste último na Índia moderna. Os pesquisadores verificaram que quase todos os indianos são representados por misturas de dois grandes componentes, que eles batizaram de “indianos ancestrais do norte” (ANI, pra encurtar) e “indianos ancestrais do sul” (ASI). A proporção de ANI varia de 71% a 39% na maioria das populações indianas, e é bem mais alta, adivinhe só, em grupos que falam línguas indo-europeias e pertencem a castas mais elevadas.
Já os ASI provavelmente descendem de gente que está no subcontinente desde a primeira expansão dos seres humanos para fora da África, lá se vão 60 mil anos.
As divisões étnicas e sociais da Índia atual, portanto, parecem espelhar, ao menos em parte, a divisão entre conquistadores e conquistados há mais de 3.000 anos. É a mão pesadíssima da pré-história.

É ou não é escrita?

ResearchBlogging.orgOs caracteres nos sinetes abaixo, usados pela misteriosa civilização do vale do Indo por volta de 2000 a.C., são inegavelmente estilosos. Mas são uma forma de escrita? Uma pesquisa recente na revista “Science” usou análises estatísticas para tentar dar uma resposta objetiva a esse dilema. (Veja a imagem em tamanho grande clicando aqui.)
indo500.jpg
Com essa abordagem, você provavelmente não vai se surpreender se eu disser que o primeiro autor do estudo é do Departamento de Ciência da Computação e Engenharia da Universidade de Washington. (Ainda menos surpreendente é o fato de ele se chamar Rajesh Rao). Para enfrentar o mistério dos antigos sinais da Índia e do Paquistão, Rao e seus colegas avaliaram a entropia condicional da sequência de sinais — em outras palavras, o grau de aleatoriedade do aparecimento de um sinal dada a presença de um sinal anterior na “linha de código”.
A lógica por trás disso é simples, explicam eles. Em sistemas simbólicos não-linguísticos, o mais comum é que os sinais sigam ou uma sequência aleatória ou uma ordem sequencial rígida demais. Sistemas simbólicos de natureza linguística ficam entre esses dois extremos, apresentando uma combinação delicada entre ordem e caos — do contrário, em qualquer língua humana, não dá para seguir a sintaxe correta e ainda assim dizer o que se quer dizer.
Com isso na cabeça, os pesquisadores computaram a entropia condicional em cinco tipos de sistemas linguísticos escritos (sumério, tâmil antigo, sânscrito do Rig Veda e inglês) e sistemas não-linguísticos (sequências de DNA humano e de aminoácidos em proteínas bacterianas), além de avaliar também a linguagem de programação computacional Fortran. Isso feito, compararam esses valores de entropia condicional ao valor prevalente numa antologia de “textos” do vale do Indo.
E aconteceu o que esperar-se-ia que acontecesse caso os sinais de 2000 a.C. fossem mesmo uma forma de escrita: entropia condicional compatível com a da linguagem humana. Para ser mais específico, e aí a coisa começa a ficar interessante, a aparente escrita do Indo bate com o sumério e com o tâmil antigo nos níveis de entropia condicional.
Rebu do rébus
Primeiro, isso pode indicar que, como o sumério, trata-se de um sistema logossilábico, no qual os sinais podem corresponder a palavras inteiras, ou então funcionar como rébus. (O rébus é um jeito gambiarra de usar palavras não-relacionadas, cujo som é parecido, para representar outra mais abstrata, combinando-as. Por exemplo, desenhar uma mão e uma vaca para expressar o adjetivo “mão-de-vaca”. As escritas primitivas faziam isso direto.)
Adendo pós-post: o grande Roberto Takata, nos comentários abaixo, deu um exemplo bem melhor de rébus que o meu: desenhar um sol e um dado para expressar o conceito de “sol-dado”. (Pegou? Pegou?)
Em segundo lugar, a semelhança com o tâmil intriga porque ele pertence ao grupo das línguas dravidianas, hoje faladas no sul da Índia, mas aparentemente presentes em todo o subcontinente indiano antes da chegada dos indo-europeus (falantes de idiomas distantemente aparentados ao nosso) séculos depois. As línguas dravidianas seriam as línguas originais dos indianos e paquistaneses do vale do Indo.
Para ir além dessas indicações, só mesmo achando um jeito de decifrar a escrita, o que não vai ser fácil. Mas pelo menos o trabalho indica que não é perda de tempo fazer a tentativa.
———
Rao, R., Yadav, N., Vahia, M., Joglekar, H., Adhikari, R., & Mahadevan, I. (2009). Entropic Evidence for Linguistic Structure in the Indus Script Science, 324 (5931), 1165-1165 DOI: 10.1126/science.1170391

Sobre ScienceBlogs Brasil | Anuncie com ScienceBlogs Brasil | Política de Privacidade | Termos e Condições | Contato


ScienceBlogs por Seed Media Group. Group. ©2006-2011 Seed Media Group LLC. Todos direitos garantidos.


Páginas da Seed Media Group Seed Media Group | ScienceBlogs | SEEDMAGAZINE.COM