Rohan e Gondor

runasvarangianas.jpg“Sveinn e Ulfr ergueram esta pedra em memória de Halfdan e em memória de Gunnar, seus irmãos. Eles encontraram seu fim no Oriente.” Bem-vindos à história sangrenta e romântica da Guarda Varangiana, os vikings que viraram os guerreiros mais fiéis do Império Bizantino. Esse epitáfio aqui ao lado, ao que tudo indica, foi criado por dois deles depois que voltaram para seu lar, a Suécia.
A Guarda Varangiana é um dos fenômenos mais esquisitos e fascinantes da história medieval. O crescimento populacional e a tradição guerreira na Escandinávia fizeram com que mercenários de fala germânica se espalhassem pela Europa Oriental, pelo Egeu e até pelo Cáucaso a partir do século X. Um batalhão deles se tornou a guarda pessoal dos imperadores bizantinos, uma unidade de elite que manteve sua identidade étnica, apesar de ter se cristianizado.
Isso explica uma descoberta completamente maluca: inscrições rúnicas em plena catedral (hoje mesquita) de Santa Sofia, em Istambul. A inscrição — hoje ilegível, fora, curiosamente, o nome Halfdan, de novo — está abaixo.
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Não resisti à referência tolkieniana no título. A Guarda Varangiana tinha com Bizâncio uma relação muito parecida com a de Rohan e Gondor: uma cultura guerreira mais “primitiva” aliada a um império antigo e sofisticado. Ademais, as runas que aparecem em O Hobbit (não as de O Senhor dos Anéis, é bom lembrar) são versões das que se vê na inscrição que abre este post.

É ou não é escrita?

ResearchBlogging.orgOs caracteres nos sinetes abaixo, usados pela misteriosa civilização do vale do Indo por volta de 2000 a.C., são inegavelmente estilosos. Mas são uma forma de escrita? Uma pesquisa recente na revista “Science” usou análises estatísticas para tentar dar uma resposta objetiva a esse dilema. (Veja a imagem em tamanho grande clicando aqui.)
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Com essa abordagem, você provavelmente não vai se surpreender se eu disser que o primeiro autor do estudo é do Departamento de Ciência da Computação e Engenharia da Universidade de Washington. (Ainda menos surpreendente é o fato de ele se chamar Rajesh Rao). Para enfrentar o mistério dos antigos sinais da Índia e do Paquistão, Rao e seus colegas avaliaram a entropia condicional da sequência de sinais — em outras palavras, o grau de aleatoriedade do aparecimento de um sinal dada a presença de um sinal anterior na “linha de código”.
A lógica por trás disso é simples, explicam eles. Em sistemas simbólicos não-linguísticos, o mais comum é que os sinais sigam ou uma sequência aleatória ou uma ordem sequencial rígida demais. Sistemas simbólicos de natureza linguística ficam entre esses dois extremos, apresentando uma combinação delicada entre ordem e caos — do contrário, em qualquer língua humana, não dá para seguir a sintaxe correta e ainda assim dizer o que se quer dizer.
Com isso na cabeça, os pesquisadores computaram a entropia condicional em cinco tipos de sistemas linguísticos escritos (sumério, tâmil antigo, sânscrito do Rig Veda e inglês) e sistemas não-linguísticos (sequências de DNA humano e de aminoácidos em proteínas bacterianas), além de avaliar também a linguagem de programação computacional Fortran. Isso feito, compararam esses valores de entropia condicional ao valor prevalente numa antologia de “textos” do vale do Indo.
E aconteceu o que esperar-se-ia que acontecesse caso os sinais de 2000 a.C. fossem mesmo uma forma de escrita: entropia condicional compatível com a da linguagem humana. Para ser mais específico, e aí a coisa começa a ficar interessante, a aparente escrita do Indo bate com o sumério e com o tâmil antigo nos níveis de entropia condicional.
Rebu do rébus
Primeiro, isso pode indicar que, como o sumério, trata-se de um sistema logossilábico, no qual os sinais podem corresponder a palavras inteiras, ou então funcionar como rébus. (O rébus é um jeito gambiarra de usar palavras não-relacionadas, cujo som é parecido, para representar outra mais abstrata, combinando-as. Por exemplo, desenhar uma mão e uma vaca para expressar o adjetivo “mão-de-vaca”. As escritas primitivas faziam isso direto.)
Adendo pós-post: o grande Roberto Takata, nos comentários abaixo, deu um exemplo bem melhor de rébus que o meu: desenhar um sol e um dado para expressar o conceito de “sol-dado”. (Pegou? Pegou?)
Em segundo lugar, a semelhança com o tâmil intriga porque ele pertence ao grupo das línguas dravidianas, hoje faladas no sul da Índia, mas aparentemente presentes em todo o subcontinente indiano antes da chegada dos indo-europeus (falantes de idiomas distantemente aparentados ao nosso) séculos depois. As línguas dravidianas seriam as línguas originais dos indianos e paquistaneses do vale do Indo.
Para ir além dessas indicações, só mesmo achando um jeito de decifrar a escrita, o que não vai ser fácil. Mas pelo menos o trabalho indica que não é perda de tempo fazer a tentativa.
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Rao, R., Yadav, N., Vahia, M., Joglekar, H., Adhikari, R., & Mahadevan, I. (2009). Entropic Evidence for Linguistic Structure in the Indus Script Science, 324 (5931), 1165-1165 DOI: 10.1126/science.1170391

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